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O QUE É A FILOSOFIA?

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formas pregnantes, como as bolhas de sabão segundo a Gestalt, levando em conta os meios, os interesses,<br />

as crenças e os obstáculos. Parece então difícil tratar a filosofia, a arte e mesmo a ciência como "objetos<br />

mentais", simples conjuntos de neurônios no cérebro objetivado, já que o modelo derrisório da recognição os<br />

encerra na doxa. Se os objetos mentais da filosofia, da arte e da ciência (isto é, as idéias vitais) tivessem um<br />

lugar, seria no mais profundo das fen-das sinápticas, nos hiatos, nos intervalos e nos entre-tempos de um<br />

cérebro inobjetivável, onde penetrar, para procurá-<br />

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los, seria criar. Seria um pouco como no ajuste de uma tela de televisão, cujas intensidades fariam surgir o<br />

que escapa do poder de definição objetivo(9). Significa dizer que o pensamento, mesmo sob a forma que<br />

toma ativamente na ciência, não depende de um cérebro feito de conexões e de integrações orgânicas:<br />

segundo a fenomenologia, dependeria de relações do homem com o mundo — com as quais o cérebro<br />

concorda necessariamente porque delas deriva, como as excitações derivam do mundo e das reações do<br />

homem, inclusive em suas incertezas e suas falências. "O homem pensa e não o cérebro"; mas esta reação<br />

da fenomenologia, que ultrapassa o cérebro na direção de um Ser no mundo, através de uma dupla crítica do<br />

mecanicismo e do dinamismo, não nos faz absolutamente sair ainda da esfera das opiniões, conduz-nos<br />

somente a uma Urdoxa, afirmada como opinião originária ou sentido dos sentidos(10).<br />

A viragem não estaria em outra parte, lá onde o cérebro é "sujeito", se torna sujeito? <strong>É</strong> o cérebro que<br />

pensa e não o homem, o homem sendo apenas uma cristalização cerebral. Pode-se falar do cérebro como<br />

Cézanne da paisagem: o homem ausente, mas inteiro no cérebro... A filosofia, a arte, a ciência não são os<br />

objetos mentais de um cérebro objetivado, mas os três aspectos sob os quais o cérebro se torna sujeito,<br />

Pensamento-cérebro, os três planos, as jangadas com as quais ele mergulha no caos e o enfrenta. Quais são<br />

os caráteres deste cérebro, que não mais se define pelas conexões e integrações secundárias? Não é um<br />

cérebro por trás do cérebro mas, a princípio, um estado de sobrevôo sem distância, ao rés do chão, autosobrevôo<br />

do qual não escapa nenhum abismo, nenhuma dobra nem hiato. <strong>É</strong> uma "forma verdadeira", primária<br />

como a definia Ruyer: não uma Gestalt, nem uma for-<br />

(9) Jean-Clet Martin, Variation (a sair).<br />

(10) Erwin Straus, Du sens des sens, Ed. Millon, Parte III.<br />

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ma percebida, mas uma forma em si, que não remete a nenhum ponto de vista exterior, como a retina ou a<br />

área estria-da do córtex não remete a uma outra, uma forma consistente absoluta que se sobrevoa<br />

independentemente de qualquer dimensão suplementar, que não apela, pois, a nenhuma transcendência, que<br />

só tem um único lado, qualquer que seja o número de suas dimensões, que permanece co-presente a todas<br />

as suas determinações, sem proximidade ou distanciamento, que as percorre numa velocidade infinita, sem<br />

velocidade-limite, e que faz delas variações inseparáveis, às quais confere uma equipotencialidade sem<br />

confusão(11). Vimos que tal era o estatuto do conceito como acontecimento puro ou realidade do virtual. E,<br />

sem dúvida, os conceitos não se reduzem a um único e mesmo cérebro, já que é cada um deles que constitui<br />

um "domínio de sobrevôo", e as passagens de um conceito a um outro permanecem irredutíveis, enquanto<br />

um novo conceito não tornar necessário, por sua vez, sua co-presença ou a equipotencialidade das<br />

determinações. Não diremos também que todo conceito é um cérebro. Mas o cérebro, sob este primeiro<br />

aspecto da forma absoluta, aparece bem como a faculdade dos conceitos, isto é, como a faculdade da sua<br />

criação, ao mesmo tempo que estende o plano de imanência, sobre o qual os conceitos se alocam, se<br />

deslocam, mudam de ordem e de relações, se renovam e não param de criar-se. O cérebro é o espírito<br />

mesmo. <strong>É</strong> ao mesmo tempo que o cérebro se torna sujeito, ou antes "superjecto", segundo o termo de Whitehead,<br />

que o conceito se torna o objeto como criado, o acontecimento ou a criação mesma, e a filosofia, o<br />

plano de imanência que carrega os conceitos e que traça o cérebro. Assim, os movimentos cerebrais<br />

engendram personagens conceituais.<br />

(11) Ruyer, Néo-finalisme, P.U.F., cap. V1I-X. Em toda sua obra, Ruyer conduziu uma dupla crítica do<br />

mecanicismo e do dinamismo (Gestalt), diferente daquela da fenomenologia.<br />

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<strong>É</strong> o cérebro que diz Eu, mas Eu é um outro. Não é o mesmo cérebro que o das conexões e<br />

integrações segundas, embora não haja transcendência. E este Eu não é apenas o "eu concebo" do cérebro<br />

como filosofia, é também o "eu sinto" do cérebro como arte. A sensação não é menos cérebro que o conceito.<br />

Se consideramos as conexões nervosas excitação-reação e as integrações cerebrais percepção-ação, não<br />

nos perguntaremos em que momento do caminho, nem em que nível, aparece a sensação, pois ela é suposta<br />

e se mantém na retaguarda. A retaguarda não é o contrário do sobrevôo, mas um correlato. A sensação é a<br />

excitação mesma, não enquanto se prolonga gradativamente e passa à reação, mas enquanto se conserva

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