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O QUE É A FILOSOFIA?

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mesmo tempo, a luta do pensamento contra a opinião e a degenerescência do pensamento na própria opinião<br />

(uma das vias de evolução dos computadores vai no sentido de uma aceitação de um sistema caótico ou<br />

caotizante).<br />

<strong>É</strong> o que confirma o terceiro caso, não mais a variedade sensível nem a variável funcional, mas a<br />

variação conceituai tal como aparece na filosofia. A filosofia também luta com o caos, como abismo<br />

indiferenciado ou oceano da disseme-lhança. Não concluiremos disso que a filosofia se coloca do lado da<br />

opinião, nem que a opinião passa a ter lugar na filosofia. Um conceito não é um conjunto de idéias<br />

associadas, como uma opinião. Nem tampouco uma ordem de razões, uma série de razões ordenadas, que<br />

poderiam, a rigor, constituir uma espécie de Urdoxa racionalizada. Para atingir o conceito, não basta mesmo<br />

que os fenômenos se submetam a princípios análogos àqueles que associam as idéias, ou as coisas, aos<br />

princípios que ordenam as razões. Como diz Michaux, o que basta para as "idéias correntes" não basta para<br />

as "idéias vitais" — as que se deve criar. As idéias só são associáveis como imagens, e ordenáveis como<br />

abstrações; para atingir o conceito, é preciso que ultrapassemos umas e outras, e que atinjamos o mais<br />

rápido possível objetos mentais determináveis como seres reais. <strong>É</strong> já o que mostravam Espinosa ou Fichte:<br />

devemos nos servir de ficções e de abstrações, mas somente na medida necessária para aceder a um plano,<br />

onde caminharíamos de ser real em ser real e procederíamos por construção de conceitos(8). Vimos como<br />

este resultado podia ser obtido na medida em que variações se tornavam inseparáveis, segundo zonas de<br />

vizinhança ou de<br />

(8) Cf. Guéroult, Uévolution et Ia structure de Ia Doctrine de Ia science chez Fichte, Ed. Les Belles Lettres, I,<br />

p. 174.<br />

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indiscernibilidade: elas deixam então de ser associáveis, segundo os caprichos da imaginação, ou<br />

discerníveis e ordenáveis segundo as exigências da razão, para formar verdadeiros blocos conceituais. Um<br />

conceito é um conjunto de variações inseparáveis, que se produz ou se constrói sobre um plano de<br />

imanência, na medida em que este recorta a variabilida-de caótica e lhe dá consistência (realidade). Um<br />

conceito é, pois, um estado caóide por excelência; remete a um caos tornado consistente, tornado<br />

Pensamento, caosmos mental. E que seria pensar se não se comparasse sem cessar com o caos? A Razão<br />

só nos oferece seu verdadeiro rosto quando "ruge na sua cratera". Mesmo o cogito só é uma opinião, no<br />

máximo uma Urdoxa, enquanto não se extrai dele as variações inseparáveis, que dele fazem um conceito;<br />

enquanto se renuncia a encontrar nele um guarda-sol ou um abrigo; quanto se deixa de supor uma imanência<br />

que se faria por ele mesmo — ao contrário, é preciso colocá-lo sobre um plano de imanência ao qual<br />

pertence e que o conduz ao pleno mar. Numa palavra, o caos tem três filhas segundo o plano que o recorta:<br />

são as Caóides, a arte, a ciência e a filosofia, como formas do pensamento ou da criação. Chamam-se de<br />

caóides as realidades produzidas em planos que recortam o caos.<br />

A junção (não a unidade) dos três planos é o cérebro. Certamente, quando o cérebro é considerado<br />

como uma função determinada, aparece ao mesmo tempo como um conjunto complexo de conexões<br />

horizontais e de integrações verticais, reagindo umas sobre as outras, como testemunham os "mapas"<br />

cerebrais. Então a questão é dupla: as conexões são preestabelecidas, guiadas como por trilhos, ou fazem-se<br />

e desfazem-se em campos de forças? E os processos de integração são centros hierárquicos localizados, ou<br />

antes formas (Gestalten), que atingem suas condições de estabilidade, num campo do qual depende a<br />

posição do próprio centro? A importância da Gestalttheorie, deste ponto de vista, concerne<br />

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tanto à teoria do cérebro, quanto à concepção da percepção, já que ela se opõe diretamente ao estatuto do<br />

córtex, tal como aparecia do ponto de vista dos reflexos condicionados. Mas, quaisquer que sejam os pontos<br />

de vista considerados, não se tem dificuldade em mostrar que caminhos, inteiramente prontos ou em vias de<br />

se fazer, centros, mecânicos ou dinâmicos, encontram dificuldades semelhantes. Caminhos inteiramente<br />

prontos, que se segue aos poucos, implicam num traçado prévio; mas trajetos, que se constituem num campo<br />

de forças, procedem por resoluções de tensão, agindo também gradativamente (por exemplo, a tensão de<br />

reaproxi-mação entre a fóvea e o ponto luminoso projetado sobre a retina, tendo esta uma estrutura análoga<br />

a uma área cortical): os dois esquemas supõem um "plano", não um fim ou um programa, mas um sobrevôo<br />

do campo inteiro. <strong>É</strong> isso que a Gestalttheorie não explica, do mesmo modo que o mecani-cismo não explica a<br />

pré-montagem.<br />

Não é de se surpreender que o cérebro, tratado como objeto constituído da ciência, só possa ser um<br />

órgão de formação e de comunicação da opinião: é que as conexões graduais e as integrações centradas<br />

permanecem sob o modelo estreito da recognição (gnosias e praxias, "é um cubo", "é um lápis"...), e que a<br />

biologia do cérebro se alinha aqui com os mesmos postulados da lógica mais obstinada. As opiniões são

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