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O QUE É A FILOSOFIA?

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de El Greco; o flamejamento de ouro de Turner ou o flamejamento vermelho de Staél. A arte luta com o caos,<br />

mas para torná-lo sensível, mesmo através do personagem mais encantador, a paisagem mais encantada<br />

(Watteau).<br />

Um movimento semelhante sinuoso e reptiliano, anima talvez a ciência. Uma luta contra o caos parece<br />

pertencer-lhe por essência, quando faz entrar a variabilidade desace-lerada sob constantes ou limites,<br />

quando a reconduz dessa maneira a centros de equilíbrio, quando a submete a uma seleção que só retém um<br />

pequeno número de variáveis independentes, nos eixos de coordenadas, quando instaura, entre essas<br />

variáveis, relações cujo estado futuro pode ser determinado a partir do presente (cálculo determinista), ou ao<br />

contrário quando faz intervir tantas variáveis ao mesmo tempo, que o estado de coisas é apenas estatístico<br />

(cálculo de probabilidades). Pode-se falar, nesse sentido, de uma opinião propriamente científica, conquistada<br />

sobre o caos, como de uma comunicação definida, ora por informações iniciais, ora por informações de<br />

grande escala e que vai, no mais das vezes, do elementar ao composto, seja do presente ao futuro, seja do<br />

molecular ao molar. Mas, ainda aí a ciência não pode impedir-se de experimentar uma profunda atração pelo<br />

caos que combate. Se a desaceleração é a fina borda que nos<br />

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separa do caos oceânico, a ciência se aproxima tanto quanto ela pode das vagas mais próximas,<br />

estabelecendo relações que se conservam com a aparição e a desaparição das variáveis (cálculo diferencial);<br />

a diferença se faz cada vez menor entre o estado caótico, em que a aparição e a desaparição de uma<br />

variabilidade se confundem, e o estado semi-caótico, que apresenta uma relação como limite das variáveis<br />

que aparecem ou desaparecem. Como diz Michel Serres a propósito de Leibniz, "haveria dois infraconscientes:<br />

o mais profundo seria estruturado como um conjunto qualquer, pura multiplicidade ou<br />

possibilidade em geral, mistura aleatória de signos; o menos profundo seria recoberto de esquemas<br />

combinatórios desta multiplicidade..."(6). Poderíamos conceber uma série de coordenadas ou de espaços de<br />

fases como uma sucessão de crivos, dos quais o precedente sempre seria relativamente um estado caótico e<br />

o seguinte um estado caóide, de modo que passaríamos por limiares caóticos, ao invés de ir do elementar ao<br />

composto. A opinião nos apresenta uma ciência que sonharia com a unidade, com unificar suas leis e, hoje<br />

ainda, procuraria uma comunidade das quatro forças. Mais obstinado porém, o sonho de captar um pedaço<br />

de caos, mesmo se as mais diversas forças nele se agitam. A ciência daria toda a unidade racional à qual<br />

aspira, por um pedacinho de caos que pudesse explorar.<br />

A arte capta um pedaço de caos numa moldura, para formar um caos composto que se torna sensível,<br />

ou do qual retira uma sensação caóide enquanto variedade; mas a ciência o apreende num sistema de<br />

coordenadas, e forma um caos referido que se torna Natureza, e com o qual produz uma função aleatória e<br />

variáveis caóides. <strong>É</strong> desse modo que um dos aspectos mais importantes da física matemática moder-<br />

(6) Serres, Le système de Leibniz, P.U.F., I, p. 111 (e sobre a sucessão dos crivos, p. 120-123).<br />

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na aparece em transições na direção do caos, sob a ação de atratores "estranhos" ou caóticos: duas<br />

trajetórias vizinhas, num sistema determinado de coordenadas, não permanecem vizinhas, e divergem de<br />

maneira exponencial antes de se aproximarem por operações de estiramento e de redobramento que se<br />

repetem, e recortam o caos(7). Se os atratores de equilíbrio (pontos fixos, ciclos limites, toros) exprimem bem<br />

a luta da ciência com o caos, os atratores estranhos desmascaram sua profunda atração pelo caos, assim<br />

como a constituição de um caosmos interior à ciência moderna (tudo, coisas que se revelavam, de uma<br />

maneira ou de outra, em períodos precedentes, notadamente na fascinação pelas turbulências). Encontramos<br />

pois uma conclusão análoga àquela a que nos conduzia a arte: a luta com o caos só é o instrumento de uma<br />

luta mais profunda contra a opinião, pois é da opinião que vem a desgraça dos homens. A ciência volta-se<br />

contra a opinião, que lhe empresta um gosto religioso de unidade ou de unificação. Mas assim ela se volta,<br />

em si mesma, contra a opinião propriamente científica, enquanto Urdoxa que consiste, ora na previsão<br />

determinista (o Deus de Laplace), ora na avaliação probabilística (o demônio de Maxwell): desli-gando-se das<br />

informações iniciais e das informações de grande escala, a ciência substitui a comunicação, pelas condições<br />

de criatividade, definidas pelos efeitos singulares de flutuações mínimas. O que é criação são as variedades<br />

estéticas ou as variáveis científicas, que surgem sobre um plano capaz de recortar a variabilidade caótica.<br />

Quanto às pseudo-ciências, que pretendem considerar os fenômenos de opinião, os cérebros artificiais de<br />

que se servem tomam como modelos processos probabilísticos, atratores estáveis, toda uma lógica da<br />

(7) Sobre os atratores estranhos, as variáveis independentes e as "rotas na direção do caos", Prigogine e<br />

Stengers, Entre le temps et 1'éternité, Ed. Fayard, cap. IV. E Gleick, La théorie du chãos, Ed. Albin Michel.<br />

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recognição das formas; mas devem atingir estados caóides e atratores caóticos, para compreender, ao

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