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O QUE É A FILOSOFIA?

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fotografia, na mesma escala e no mesmo lugar, sua definição tirada do dicionário. Não é certo, porém, que se<br />

atinja assim, neste último caso, a sensação nem o conceito, porque o plano de composição tende a se fazer<br />

"informativo", e a sensação depende da simples "opinião" de um espectador, ao qual cabe eventualmente<br />

"materializar" ou não, isto é, decidir se é arte ou não. Tanto esforço para reencontrar no infinito as percepções<br />

e afecções ordinárias, e conduzir o conceito a uma doxa do corpo social ou da grande metrópole americana.<br />

Os três pensamentos se cruzam, se entrelaçam, mas sem síntese nem identificação. A filosofia faz<br />

surgir acontecimentos com seus conceitos, a arte ergue monumentos com suas sensações, a ciência constrói<br />

estados de coisas com suas fun-<br />

254 ▲<br />

ções. Um rico tecido de correspondências pode estabelecer-se entre os planos. Mas a rede tem seus pontos<br />

culminantes, onde a sensação se torna ela própria sensação de conceito, ou de função; o conceito, conceito<br />

de função ou de sensação; a função, função de sensação ou de conceito. E um dos elementos não aparece,<br />

sem que o outro possa estar ainda por vir, ainda indeterminado ou desconhecido. Cada elemento criado<br />

sobre um plano apela a outros elementos heterogêneos, que restam por criar sobre outros planos: o<br />

pensamento como heterogênese. <strong>É</strong> verdade que estes pontos culminantes comportam dois perigos extremos:<br />

ou reconduzir-nos à opinião da qual queríamos sair, ou nos precipitar no caos que queríamos enfrentar.<br />

Conclusão<br />

Do Caos ao Cérebro<br />

255 ▲<br />

Pedimos somente um pouco de ordem para nos proteger do caos. Nada é mais doloroso, mais<br />

angustiante do que um pensamento que escapa a si mesmo, idéias que fogem, que desaparecem apenas<br />

esboçadas, já corroídas pelo esquecimento ou precipitadas em outras, que também não dominamos. São<br />

variabilidades infinitas cuja desaparição e aparição coincidem. São velocidades infinitas, que se confundem<br />

com a imobilidade do nada incolor e silencioso que percorrem, sem natureza nem pensamento. <strong>É</strong> o instante<br />

que não sabemos se é longo demais ou curto demais para o tempo. Recebemos chicotadas que latem como<br />

artérias. Perdemos sem cessar nossas idéias. E por isso que queremos tanto agar-rarmo-nos a opiniões<br />

prontas. Pedimos somente que nossas idéias se encadeiem segundo um mínimo de regras constantes, e a<br />

associação de idéias jamais teve outro sentido: fornecer-nos regras protetoras, semelhança, contigüidade,<br />

causalidade, que nos permitem colocar um pouco de ordem nas idéias, passar de uma a outra segundo uma<br />

ordem do espaço e do tempo, impedindo nossa "fantasia" (o delírio, a loucura) de percorrer o universo no<br />

instante, para engendrar nele cavalos alados e dragões de fogo. Mas não haveria nem um pouco de ordem<br />

nas idéias, se não houvesse também nas coisas ou estados de coisas, como um anti-caos objetivo: "Se o<br />

cinábrio fosse ora vermelho, ora preto, ora leve, ora pesado..., minha imaginação não encontraria a ocasião<br />

para receber, no pensamento, o pesado cinábrio com a representação da cor vermelha."(1) E, enfim, para<br />

que haja acordo entre coisas e pensamento, é preciso que a sensação se re-produza, como a garantia ou o<br />

testemunho de seu acordo, a sensação de pesado cada vez que tomamos o cinábrio na mão, a de vermelho<br />

cada vez que o vemos, com nossos ór-<br />

(1) Kant, Crítica da Razão Fura, Analítica, "Da síntese da reprodução na imaginação".<br />

259 ▲<br />

gãos do corpo, que não percebem o presente, sem lhe impor uma conformidade com o passado. <strong>É</strong> tudo isso<br />

que pedimos para formar uma opinião, como uma espécie de "guarda-sol" que nos protege do caos.<br />

Nossas opiniões são feitas de tudo isso. Mas a arte, a ciência, a filosofia exigem mais: traçam planos<br />

sobre o caos. Essas três disciplinas não são como as religiões, que invocam dinastias de deuses, ou a<br />

epifania de um deus único, para pintar sobre o guarda-sol um firmamento, como as figuras de uma Urdoxa de<br />

onde derivariam nossas opiniões. A filosofia, a ciência e a arte querem que rasguemos o firmamento e que<br />

mergulhemos no caos. Só o venceremos a este preço. Atravessei três vezes o Aqueronte como vencedor. O<br />

filósofo, o cientista, o artista parecem retornar do país dos mortos. O que o filósofo traz do caos são variações<br />

que permanecem infinitas, mas tornadas inseparáveis sobre superfícies ou em volumes absolutos, que<br />

traçam um plano de ima-nência secante: não mais são associações de idéias distintas, mas reencadeamentos,<br />

por zona de indistinção, num conceito. O cientista traz do caos variáveis, tornadas<br />

independentes por desaceleração, isto é, por eliminação de outras va-riabilidades quaisquer, suscetíveis de

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