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O QUE É A FILOSOFIA?

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Em sua produção e sua reprodução, o conceito tem a realidade de um virtual, de um incorporai, de um<br />

impassível, contrariamente às funções de estado atual, às funções de corpo e de vivido. Erigir um conceito<br />

não é a mesma coisa que traçar uma função, embora haja movimento dos dois lados, embora haja<br />

transformações e criações num caso como no outro: os dois tipos de multiplicidades se entrecruzam.<br />

Sem dúvida, o acontecimento não é feito somente de variações inseparáveis, ele mesmo é inseparável<br />

do estado de coisas, dos corpos e do vivido nos quais se atualiza ou se efetua. Mas diremos o inverso<br />

também: o estado de coisas também não é separável do acontecimento, que transborda contudo sua<br />

atualização por toda parte. <strong>É</strong> preciso ascender de novo até o acontecimento, que dá sua consistência virtual<br />

ao conceito, bem como descer até o estado de coisas atual que dá suas referências à função. De tudo o que<br />

um sujeito pode viver, do corpo que lhe pertence, dos corpos e objetos que se distinguem do seu, e do estado<br />

de coisas ou do campo físico-matemático que os determinam, ergue-se um vapor que não se assemelha a<br />

eles, e que investe o campo de batalha, a batalha e o ferimento, como componentes ou variações de um<br />

acontecimento puro, onde subsiste somente uma alusão ao que diz respeito aos nossos estados. A filosofia<br />

como gigantesca alusão. Atualizamos ou efetuamos o acontecimento todas as vezes que o investimos, de<br />

bom ou mau grado, num estado de coisas, mas o contra-efetuamos, cada vez que o abstraímos dos estados<br />

de coisas, para liberar seu conceito. Há como que uma dignidade do acontecimento, que foi sempre<br />

inseparável da filosofia como "amor fati": igualar-se ao acontecimento, ou tornar-se o filho de seus próprios<br />

acontecimentos — "meu ferimento existia antes de mim, nasci para encarná-lo"(18). Nasci para encarná-lo<br />

(18) Joe Bousquet, Les Capitules, Le Cercle du livre, p. 103.<br />

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como acontecimento, porque soube desencarná-lo como estado de coisas ou situação vivida. Não há ética<br />

diferente daquela do amor fati da filosofia. A filosofia é sempre entre-tempo. Aquele que contra-efetua o<br />

acontecimento, Mallarmé o chama de o Mímico, porque ele esquiva o estado de coisas e "se limita a uma<br />

alusão perpétua, sem quebrar o gelo"(19). Um mímico como este não reproduz o estado de coisas, como<br />

também não imita o vivido, não dá uma imagem, mas constrói um conceito. Ele não procura a função do que<br />

acontece, mas extrai o acontecimento ou a parte do que não se deixa atualizar, a realidade do conceito. Não<br />

querer o que acontece, com esta falsa vontade que se queixa e se defende, e se perde em mímica, mas levar<br />

a queixa e o furor ao ponto em que eles se voltam contra o que acontece, para erigir o acontecimento,<br />

depurá-lo, extraí-lo no conceito vivo. A filosofia não tem outro objetivo além de tornar-se digna do<br />

acontecimento, e aquele que contra-efetua o acontecimento é precisamente o personagem conceituai.<br />

Mímico é um nome ambíguo. Ele é, o personagem conceituai que opera o movimento infinito. Querer a guerra<br />

contra as guerras por vir e passadas, a agonia contra todas as mortes, e o ferimento contra todas as<br />

cicatrizes, em nome do devir e não do eterno: é neste sentido somente que o conceito reúne.<br />

Descemos dos virtuais aos estados de coisas atuais, subimos dos estados de coisas aos virtuais, sem<br />

podermos isolá-los uns dos outros. Mas não é a mesma linha que subimos e que descemos assim: a<br />

atualização e a contra-efetuação não são dois segmentos da mesma linha, mas linhas diferentes. Se nos<br />

ativermos às funções científicas de estados de coisas, diremos que elas não se deixam isolar de um virtual<br />

que atualizam; este virtual se apresenta de início como uma névoa ou uma neblina, ou mesmo como um<br />

caos, uma virtualidade<br />

(19) Mallarmé, "Mimique", Oeuvres, La Pléiade, p. 310.<br />

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caótica, mais do que como a realidade de um acontecimento ordenado no conceito. <strong>É</strong> por isso que a filosofia<br />

freqüentemente parece, para a ciência, recobrir um simples caos, que faz com que esta diga: você só tem<br />

escolha entre o caos e eu, a ciência. A linha de atualidade traça um plano de referência que recorta o caos:<br />

retira dele estados de coisas que, certamente, atualizam também em suas coordenadas os acontecimentos<br />

virtuais, mas só retêm, dele, potenciais já em vias de atualização, fazendo parte das funções. Inversamente,<br />

se consideramos os conceitos filosóficos de acontecimentos, sua virtualidade remete ao caos, mas sobre um<br />

plano de imanência que o recobre por sua vez, e só dele extrai a consistência ou realidade do virtual. Quanto<br />

aos estados de coisas densos demais, são sem dúvida adsorvidos, contra-efetuados pelo acontecimento,<br />

mas a eles só encontramos alusões sobre o plano de imanência e no acontecimento. As duas linhas são pois<br />

inseparáveis, mas independentes, cada uma completa em si mesma: como os invólucros dos dois planos tão<br />

diversos. A filosofia só pode falar da ciência por alusão, e a ciência só pode falar da filosofia como de uma<br />

nuvem. Se as duas linhas são inseparáveis, é em sua suficiência respectiva, e os conceitos filosóficos não<br />

intervém mais na constituição das funções científicas, do que as funções na dos conceitos. <strong>É</strong> em sua plena<br />

maturidade, e não no processo de sua constituição, que os conceitos e as funções se cruzam

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