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O QUE É A FILOSOFIA?

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ado, que se acrescenta ou se subtrai ao sítio, na transcendência do vazio ou A verdade como vazio, sem que<br />

se possa decidir sobre a pertença do acontecimento à situação na qual se encontra seu sítio (o indecidível).<br />

Talvez, em contrapartida, haja uma intervenção como um lance de dados sobre o sítio, que qualifica o<br />

acontecimento e o faz entrar na situação, uma potência de "fazer" o acontecimento. <strong>É</strong> que o acontecimento é<br />

o conceito, ou a filosofia como conceito, que se distingue das quatro funções precedentes, embora receba<br />

delas condições, e lhes imponha por sua vez — que a arte seja fundamentalmente "poema", e a ciência,<br />

conjuntista, que o amor seja o inconsciente de Lacan, e que a política escape à opinião-doxa(11).<br />

Falando de uma base neutralizada, o conjunto, que marca uma multiplicidade qualquer, Badiou traça<br />

uma linha, única embora muito complexa, sobre a qual as funções e o conceito vão escalonar-se, este sobre<br />

aquelas: a filosofia parece pois flutuar numa transcendência vazia, conceito incondicionado que encontra nas<br />

funções a totalidade de suas condições genéricas (ciência, poesia, política e amor). Não é, sob a aparência<br />

do múltiplo, o retorno a uma velha concepção da filosofia superior? Parece-nos que a teoria das<br />

multiplicidades não suporta a hipótese de uma multiplicidade qualquer (mesmo as matemáticas estão fartas<br />

do conjuntismo). As multiplicidades: é preciso pelo menos duas, dois tipos desde o início. Não que o dualismo<br />

valha mais que a unidade; mas a multiplicidade é precisamente o que se passa entre os dois. Assim, os dois<br />

tipos não esta-<br />

(11) Alain Badiou, Uêtre et 1'événement, e Manifeste pour Ia philoso-pbie, Ed. du Seuil. A teoria de Badiou é<br />

muito complexa; tememos ter-lhe feito sofrer simplificações excessivas.<br />

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rão certamente um acima do outro, mas um ao lado do outro, um contra o outro, face a face ou costas contra<br />

costas. As funções e os conceitos, os estados de coisas atuais e os acontecimentos virtuais são dois tipos de<br />

multiplicidades que não se distribuem numa linha de errância mas se reportam a dois vetores que se cruzam,<br />

um segundo o qual os estados de coisas atualizam os acontecimentos, o outro segundo o qual os<br />

acontecimentos absorvem (ou antes adsorvem) os estados de coisas.<br />

Os estados de coisas saem do caos virtual, sob condições constituídas pelo limite (referência): são<br />

atualidades, embora não sejam ainda corpos nem mesmo coisas, unidades ou conjuntos. São massas de<br />

variáveis independentes, partículas-trajetórias ou signos-velocidades. São misturas. Essas variáveis<br />

determinam singularidades na medida em que entram em coordenadas e são tomadas em relações segundo<br />

as quais uma dentre elas depende de um grande número de outras, ou inversamente muitas dentre elas<br />

dependem de uma. A um tal estado de coisas, encontra-se associado um potencial ou uma potência (a<br />

importância da fórmula leibniziana mv2 vem de que ela introduz um potencial no estado de coisas). <strong>É</strong> que o<br />

estado de coisas atualiza uma virtualidade caótica, carregando consigo um espaço que, sem dúvida, deixou<br />

de ser virtual, mas mostra ainda sua origem e serve de correlato propriamente indispensável ao estado. Por<br />

exemplo, na atualidade do núcleo atômico, o núcleon está ainda próximo do caos e se encontra cercado por<br />

uma nuvem de partículas virtuais constantemente emitidas e reabsorvidas; mas, num nível mais avançado da<br />

atualização, o elétron está em relação com um fóton potencial que interage com o núcleon, para dar um novo<br />

estado da matéria nuclear. Não se pode separar um estado de coisas do potencial através do qual ele opera,<br />

e sem o qual não haveria ativida-<br />

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de ou evolução (por exemplo, catalise). <strong>É</strong> através desse potencial que ele pode enfrentar acidentes,<br />

adjunções, ablações ou mesmo projeções, como já se vê nas figuras geométricas; ou, então, perder e ganhar<br />

variáveis, estender singularidades até a vizinhança de novas; ou seguir bifurcações que o transformam; ou<br />

passar por um espaço de fases cujo número de dimensões aumenta com as variáveis suplementares; ou,<br />

sobretudo, individuar corpos no campo que ele forma com o potencial. Nenhuma destas operações se faz por<br />

si mesma, todas elas constituem "problemas". O privilégio do ser vivo é reproduzir de dentro o potencial<br />

associado, no qual atualiza seu estado e individualiza seu corpo. Mas, em qualquer domínio, a passagem de<br />

um estado de coisas ao corpo, por intermédio de um potencial ou de uma potência, ou antes a divisão dos<br />

corpos individuados no estado de coisas subsistente, representa um momento essencial. Passa-se aqui da<br />

mistura à interação. E, enfim, as interações dos corpos condicionam uma sensibilidade, uma protoperceptibilidade<br />

e uma proto-afetividade, que se exprimem já nos observadores parciais, ligados ao estado de<br />

coisas, embora só completem sua atualização no ser vivo. O que se chama "percepção" não é mais um<br />

estado de coisas, mas um estado do corpo enquanto induzido por um outro corpo, e "afecção" é a passagem<br />

deste estado a um outro, como aumento ou diminuição do potencial-potência, sob a ação de outros corpos:<br />

nenhum é passivo, mas tudo é interação, mesmo o peso. Era a definição que Espinosa dava da affectio e do<br />

affectus para os corpos tomados num estado de coisas, e que Whitehead reencontrava, quando fazia de cada<br />

coisa uma "preensão" de outras, e da passagem de uma preensão a uma outra, um feeling positivo ou<br />

negativo. A interação se torna comunicação. O estado de coisas ("público") era a mistura dos dados

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