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O QUE É A FILOSOFIA?

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EXEMPLO XI<br />

Em que esta situação concerne aos gregos? Diz-se freqüentemente que, desde Platão, os gregos<br />

opõem a filosofia como um saber, que compreende ainda as ciências, e a opinião-doxa, que remetem aos<br />

sofistas e re-tores. Mas descobrimos que não era uma oposição simples tão clara. Como os filósofos<br />

possuiriam o saber, eles que não podem, nem querem, restaurar o saber dos sábios, e são apenas amigos?<br />

E como a opinião seria inteiramente o negócio dos sofistas, já que ela recebe um valor-de-verdade(9) ?<br />

Mais ainda, parece que os gregos se faziam da ciência uma idéia bastante clara, que não se confundia com a<br />

filosofia: era um conhecimento da causa, da definição, uma espécie de função já. Então, todo o problema era:<br />

como pode-se chegar às definições, a estas premissas do silogismo científico ou lógico? Era graças à<br />

dialética: uma pesquisa que tendia, sobre um termo dado, a determinar, entre as opiniões, aquelas que eram<br />

mais verossímeis, pela qualidade que extraíam, as mais sábias, pelos sujeitos que as proferiam. Mesmo em<br />

Aristóteles, a dialética das opiniões era necessária para determinar as proposições científicas possíveis, e em<br />

Platão a "opinião verdadeira" era o requisito do saber e<br />

(9) Mareei Detienne mostra que os filósofos se arrogam a um saber que não se confunde com a velha<br />

sabedoria e a uma opinião que não se confunde com a dos sofistas: Les maitres de vérité dans Ia Grèce<br />

archdi-que, Ed. Maspero, cap. VI, p. 131 e segs.<br />

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das ciências. Já Parmênides não colocava o saber e a opinião como duas vias disjuntivas(10). Democratas<br />

ou não, os gregos opunham menos o saber e a opinião, do que se debatiam entre as opiniões, e se opunham<br />

uns aos outros, rivalizavam uns com os outros no elemento da opinião pura. O que os filósofos criticavam nos<br />

sofistas não era o fato de se ater à doxa, mas de escolher mal a qualidade a extrair das percepções, e o<br />

sujeito genérico a depurar das afecções, de modo que os sofistas não podiam atingir o que havia de<br />

"verdadeiro" numa opinião: permaneciam prisioneiros das variações do vivido. Os filósofos criticavam os<br />

sofistas, por se aterem a não importa que qualidade sensível, com relação a um homem individual, ou com<br />

relação ao gênero humano, ou com relação ao nomos da cidade (três interpretações do Homem como<br />

potência, ou "medida de todas as coisas"). Mas eles, os filósofos platônicos, tinham uma extraordinária<br />

resposta que lhes permitia, pensavam eles, selecionar opiniões. Era preciso escolher a qualidade que era<br />

como o desdobramento do Belo em tal situação vivida, e tomar por sujeito genérico o Homem inspirado pelo<br />

Bem. Era preciso que as coisas se desdobrassem no belo, e que seus utilizadores se inspirassem no bem,<br />

para que a opinião atingisse o Verdadeiro. Não era fácil em cada caso. <strong>É</strong> o belo na Natureza e o bem nos<br />

espíritos que definiria a filosofia como função da vida variável. Assim, a filosofia grega é o momento do belo; o<br />

belo e o bem são as funções das quais opinião é o valor de verdade. Era preciso levar a percepção até a<br />

beleza do percebido (dokounta) e a afecção até a prova do bem (do-kimôs) para atingir a opinião verdadeira:<br />

esta não se-<br />

(10) Cf. a análise célebre de Heidegger e de Beaufret (Le poètne de Parménide, P.U.F., p. 31-34).<br />

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ria mais a opinião mutável e arbitrária, mas uma opinião originária, uma proto-opinião que nos recolocaria na<br />

pátria esquecida do conceito, como, na grande trilogia platônica, o amor do Banquete, o delírio do Fedro, a<br />

morte do Fédon. Pelo contrário, lá onde o sensível se apresenta sem beleza, reduzido à ilusão, e o espírito<br />

sem o bem, deixado ao simples prazer, a opinião permanece sofistica e falsa — o queijo talvez, a lama, o<br />

pelo... Todavia, esta pesquisa apaixonada da opinião verdadeira não conduz os Platônicos a uma aporia, a<br />

mesma que se exprime no mais surpreendente diálogo, o Teeteto} <strong>É</strong> preciso que o saber seja transcendente,<br />

que ele se acrescente à opinião e se distinga dela, para torná-la verdadeira, mas é preciso que ele seja<br />

imanente para que ela seja verdadeira como opinião. A filosofia grega permanece ainda atada a esta velha<br />

Sabedoria, inteiramente disposta a redesdobrar novamente sua transcendência, embora não tenha mais<br />

senão sua amizade, a afecção. <strong>É</strong> preciso a imanência, é também preciso que ela seja imanente a algo de<br />

transcendente, a idealida-de. O belo e o bem não cessam de nos reconduzir à transcendência. <strong>É</strong> como se a<br />

opinião verdadeira exigisse ainda um saber que ela todavia destituiu.<br />

A fenomenologia não recomeça uma tentativa análoga? Pois ela também parte à procura das opiniões<br />

originárias que nos ligam ao mundo, como a nossa pátria (Terra). E ela precisa do belo e do bem, para que<br />

elas não se confundam com a opinião empírica variável, e que a percepção e a afecção atinjam seu valor de<br />

verdade: trata-se, desta vez, do belo na arte e da constituição da humanidade na história. A fenomenologia<br />

precisa da arte, como a lógica da ciência; Erwin Strauss, Merleau-Ponty ou Maldiney precisam de Cézanne<br />

ou da pintura chinesa. O vivido não faz do conceito outra<br />

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