15.04.2013 Views

O QUE É A FILOSOFIA?

O QUE É A FILOSOFIA?

O QUE É A FILOSOFIA?

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

jamais apreendê-lo em suas proposições, nem remetê-lo a uma referência. Então, a lógica se cala, e ela só é<br />

interessante quando se cala. Paradigma por paradigma, ela se identifica, então, com uma espécie de<br />

budismo zen.<br />

Confundindo os conceitos com funções, a lógica faz como se a ciência se ocupasse já com conceitos,<br />

ou formasse conceitos de primeira zona. Mas ela própria deve dobrar as funções científicas com funções<br />

lógicas, que, se supõe, formam uma nova classe de conceitos puramente lógicos, ou de segunda zona. <strong>É</strong> um<br />

verdadeiro ódio que anima a lógica, na sua rivalidade ou sua vontade de suplantar a filosofia. Ela mata o<br />

conceito duas vezes. Todavia o conceito renasce, porque não é uma função científica, e porque não é uma<br />

proposição lógica: ele não pertence a nenhum sistema discursivo, não tem referência. O conceito se mostra,<br />

e nada mais faz que se mostrar. Os conceitos são monstros que renascem de seus pedaços.<br />

A própria lógica deixa por vezes renascer os conceitos filosóficos, mas sob que forma e em que<br />

estado? Como os conceitos em geral encontraram um estatuto pseudo-rigoroso nas funções científicas e<br />

lógicas, a filosofia herda conceitos de terceira zona, que escapam ao número e não constituem mais<br />

conjuntos bem definidos, bem recortados, relacionáveis a misturas determináveis como estados de coisas<br />

físico-matemáticos. São antes conjuntos vagos ou confusos, simples agregados de percepções e de<br />

afecções, que se formam no vivido como imanente a um sujeito, a uma consciência. São multiplicidades<br />

qualitativas ou intensivas, tal como o "vermelho", o "calvo", em que não se pode decidir se certos elementos<br />

pertencem ou não ao conjunto. Esses<br />

183 ▲<br />

conjuntos vividos exprimem-se numa terceira espécie de prospectos, não mais de enunciados científicos ou<br />

de proposições lógicas, mas de puras e simples opiniões do sujeito, avaliações subjetivas ou juízos de gosto:<br />

já é vermelho, está quase calvo... Entretanto, mesmo para um inimigo da filosofia, não é nesses juízos<br />

empíricos que se encontra imediatamente o refúgio dos conceitos filosóficos. <strong>É</strong> preciso descobrir funções, de<br />

que esses conjuntos confusos, esses conteúdos vividos são somente variáveis. E, neste ponto, encontramonos<br />

ante uma alternativa: ou se chegará a reconstituir, para estas variáveis, funções científicas ou lógicas,<br />

que tornarão definitivamente inútil o apelo a conceitos filosóficos(5); ou então deveremos inventar um novo<br />

tipo de função propriamente filosófica, terceira zona em que tudo parece inverter-se bizarramente, já que ela<br />

será encarregada de suportar as duas outras.<br />

Se o mundo do vivido é como a terra, que deve fundar ou suportar a ciência e a lógica dos estados de<br />

coisas, é claro que conceitos aparentemente filosóficos são requeridos para operar essa fundação primeira. O<br />

conceito filosófico requer, então, uma "pertença" a um sujeito, e não mais uma pertença a um conjunto. Não<br />

que o conceito filosófico se confunda com o simples vivido, mesmo definido como uma multiplicidade de<br />

fusão, ou como imanência de um fluxo ao sujeito; o vivido só fornece variáveis, ao passo que os<br />

(5) Por exemplo, introduz-se graus de verdade entre o verdadeiro e o falso (1 e 0), que não são<br />

probabilidades, mas operam uma espécie de fractalização das cristas de verdade e dos baixios de falsidade,<br />

de modo que os conjuntos confusos tornem-se novamente numéricos, mas sob um número fracionário entre 0<br />

e 1. A condição todavia é que o conjunto confuso seja o subconjunto de um conjunto normal, remetendo a<br />

uma função regular. Cf. Arnold Kaufmann, Introduction à Ia théorie des sous-ensembles flous, Ed. Masson. E<br />

Pascal Engel, La norme du vrai, Galli-mard, que consagra um capítulo ao "vago".<br />

184 ▲<br />

conceitos devem ainda definir verdadeiras funções. Essas funções terão somente referência ao vivido, como<br />

as funções científicas aos estados de coisas. Os conceitos filosóficos serão funções do vivido, como os<br />

conceitos científicos são funções de estados de coisas; mas agora a ordem ou a derivação mudam de<br />

sentido, já que essas funções do vivido se tornam primeiras. <strong>É</strong> uma lógica transcendental (pode-se chamá-la<br />

também de dialética), que esposa a terra e tudo o que ela carrega, e que serve de solo primordial para a<br />

lógica formal e para as ciências regionais derivadas. Será preciso que, no seio mesmo da imanência do vivido<br />

a um sujeito, se descubram atos de transcendência do sujeito, capazes de constituir as novas funções de<br />

variáveis ou as referências conceituais: o sujeito, neste sentido, não é mais solipsista e empírico, mas<br />

transcendental. Vimos que Kant tinha começado a realizar essa tarefa, mostrando como os conceitos<br />

filosóficos remetiam necessariamente à experiência vivida por proposições ou juízo a priori, como funções de<br />

um todo da experiência possível. Mas é Husserl que vai até o fim descobrindo, nas multiplicidades nãonuméricas<br />

ou nos conjuntos fusionais imanentes perceptivo-afetivos, a tríplice raiz dos atos de<br />

transcendência (pensamento), pelos quais o sujeito constitui, de início, um mundo sensível povoado de<br />

objetos, depois um mundo intersubjetivo povoado de outrem, enfim um mundo ideal comum que as<br />

formações científicas, matemáticas e lógicas povoarão. Os numerosos conceitos fenomenológicos ou<br />

filosóficos (tais como "o ser no mundo", "a carne", "a idealidade", etc.) serão a expressão desses atos. Não

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!