O QUE É A FILOSOFIA?
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superfícies que eles sobrevoam ou dos componentes pelos quais passam num só instante; a percepção não<br />
transmite assim informação, mas circunscreve um afeto (simpático ou antipático). Os observadores<br />
científicos, ao contrário, são pontos de vista nas coisas mesmas, que supõem um escalonamento de<br />
horizontes e uma sucessão de enquadramentos sobre fundo de desacelerações e de acelerações: os afetos<br />
aí se tornam relações energéticas, e a própria percepção uma quantidade de informação. Não podemos, de<br />
modo algum, desenvolver estas determinações, porque o estatuto de perceptos e de afectos<br />
(14) Em toda a sua obra, Bergson opõe o observador científico ao personagem filosófico que "passa" pela<br />
duração; e sobretudo tenta mostrar que o primeiro supõe o segundo, não somente na física newtoniana (Données<br />
immédiates, cap. III), mas na Relatividade (Durée et simultanéité).<br />
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puros ainda nos escapa, remetendo à existência das artes. Mas, justamente, que haja percepções e funções<br />
propriamente filosóficas, e propriamente científicas, numa palavra, sensibilia de conceito e de função, indica<br />
já o fundamento de uma relação entre a ciência e a filosofia de um lado, a arte de outro, de tal maneira que se<br />
pode dizer de uma função que ela é bela, de um conceito que ele é belo. Tanto as percepções quanto as<br />
afecções especiais da filosofia ou da ciência se ligarão necessariamente aos, perceptos e afectos da arte.<br />
Quanto à confrontação direta da ciência e da filosofia, ela se faz sob três instâncias de oposição principais,<br />
que agrupam as séries de functivos de um lado, e as pertenças de conceitos de outro. <strong>É</strong>, primeiro, o sistema<br />
de referência e o plano de imanência; em seguida, as variáveis independentes e as variações inseparáveis;<br />
enfim, os observadores parciais e os personagens conceituais. São dois tipos de multiplicidade. Uma função<br />
pode ser dada sem que o conceito seja ele mesmo dado, embora possa e deva sê-lo; uma função do espaço<br />
pode ser dada sem que seja ainda dado o conceito deste espaço. A função, na ciência, determina um estado<br />
de coisas, uma coisa ou um corpo que atualizam o virtual sobre um plano de referência e num sistema de<br />
coordenadas; o conceito, na filosofia, exprime um acontecimento que dá ao virtual uma consistência sobre um<br />
plano de imanência e numa forma ordenada. O campo de criação respectivo se encontra, pois, balizado por<br />
entidades muito diferentes nos dois casos, mas que não deixam de apresentar uma certa analogia em suas<br />
tarefas: um problema, em ciência ou em filosofia, não consiste em responder a uma questão, mas em<br />
adaptar, coadaptar, com um "gosto" superior, como faculdade problemática, os elementos correspondentes<br />
em curso de determinação (por exemplo, para a ciência, escolher boas variáveis independentes, instalar o<br />
observador parcial eficaz sobre um tal percurso, construir as melhores coordenadas<br />
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de uma equação ou de uma função). Esta analogia impõe duas tarefas ainda. Como conceber as passagens<br />
práticas entre as duas espécies de problemas? Mas sobretudo, teoricamente, as instâncias de oposição<br />
impedem qualquer uniformização, e mesmo qualquer redução de conceitos aos functivos ou o inverso? E, se<br />
toda redução é impossível, como pensar um conjunto de relações positivas entre as duas?<br />
Prospectos e Conceitos<br />
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A lógica é reducionista, não por acidente, mas por essência e necessariamente: ela quer fazer do<br />
conceito uma função, segundo a via traçada por Frege e Russell. Mas, para tanto, é necessário, de início, que<br />
a função não se defina somente numa proposição matemática ou científica, mas caracterize uma ordem mais<br />
geral de proposição, como o exprimido das frases de uma língua natural. E preciso, pois, inventar um novo<br />
tipo de função, propriamente lógica. A função proposicional "x é humano" marca bem a posição de uma<br />
variável independente que não pertence à função como tal, mas sem a qual a função está incompleta. A<br />
função completa é feita de um ou vários "pares ordenados". <strong>É</strong> uma relação de dependência ou de<br />
correspondência (razão necessária) que define a função, tal que "ser humano" não é mesmo a função, mas o<br />
valor de f(a) para uma variável x. Pouco importa que a maior parte das proposições tenha várias variáveis<br />
independentes; e mesmo que a noção de variável, enquanto ligada a um número indeterminado, seja<br />
substituída pela do argumento, que implica numa suposição disjuntiva nos limites ou um intervalo. A<br />
referência à variável, ou ao argumento independente da função proposicional, define a referência da<br />
proposição, ou o valor-de-verdade ("verdadeiro" e "falso") da função para o argumento: João é um homem,<br />
mas Bill é um gato... O conjunto dos valores de verdade de uma função que determinam proposições<br />
afirmativas verdadeiras, constitui a extensão de um conceito: os objetos do conceito ocupam o lugar das<br />
variáveis ou argumentos da função proposicional, para as quais a proposição é verdadeira, ou sua referência<br />
preenchida. O conceito ele mesmo é assim função para o conjunto dos objetos que constituem sua extensão.