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O QUE É A FILOSOFIA?

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que pode ser revelado no sistema correspondente. Numa palavra, o papel de um observador parcial é<br />

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de perceber e de experimentar, embora essas percepções o afecções não sejam as de um homem, no<br />

sentido correntemente admitido, mas pertençam às coisas que ele estuda. O homem não deixa de sentir o<br />

efeito dessas percepções e afecções (que matemático não experimenta plenamente o efeito de uma secção,<br />

de uma ablação, de uma adjunção), mas só recebe este efeito do observador ideal que ele mesmo instalou<br />

como um golem no sistema de referência. Esses observadores parciais estão na vizinhança das<br />

singularidades de uma curva, de um sistema físico, de um organismo vivo; e mesmo o animismo está menos<br />

longe da ciência biológica do que se diz, quando multiplica as pequenas almas imanentes aos órgãos e às<br />

funções, com a condição de lhes retirar qualquer papel ativo ou eficiente, para fazer deles somente focos de<br />

percepção e de afecção moleculares: os corpos são assim povoados de uma infinidade de pequenas<br />

mônadas. Chamar-se-á sítio à região de um estado de coisas ou de um corpo apreendido por um observador<br />

parcial. Os observadores parciais são forças, mas a força não é o que age, é, como sabiam Leibniz e<br />

Nietzsche, o que percebe e experimenta.<br />

Há observadores em toda parte em que aparecem propriedades puramente funcionais de<br />

reconhecimento ou de seleção, sem ação direta: assim ocorre em toda a biologia molecular, em imunologia,<br />

ou com as enzimas alostéricas(12). Já Maxwell supunha um demônio capaz de distinguir, numa mistura,<br />

moléculas rápidas e lentas, de alta e de baixa energia. <strong>É</strong> verdade que, num sistema em estado de equilíbrio,<br />

o demônio de Maxwell, associado ao gás, seria necessariamen-<br />

(12) J. Monod, Le hasard et Ia necessite, Ed. du Seuil, p. 91: "As interações alostéricas são indiretas, devidas<br />

exclusivamente às propriedades diferenciais de reconhecimento estereoespecífico da proteína nos dois ou<br />

mais estados que lhe são acessíveis". Um processo de reconhecimento molecular pode fazer intervir<br />

mecanismos, limites, sítios e observadores muito diferentes, como no reconhecimento macho-fêmea nas<br />

plantas.<br />

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te tomado por uma afecção de atordoamento; ele pode todavia passar muito tempo num estado metaestável,<br />

próximo de uma enzima. A física das partículas precisa de inúmeros observadores infinitamente sutis. Podese<br />

conceber observadores cujo sítio é tanto menor quanto o estado de coisas atravessar mudanças de<br />

coordenadas. Finalmente, os observadores parciais ideais são as percepções ou afecções sensíveis dos<br />

próprios functivos. Mesmo as figuras geométricas têm afecções e percepções (paternas e sintomas, dizia<br />

Proclus) sem os quais os problemas mais simples permaneceriam ininteligíveis. Os observadores parciais são<br />

sensibilia que duplicam os functivos. Ao invés de opor conhecimento sensível e conhecimento científico, é<br />

preciso revelar estes sensibilia que povoam os sistemas de coordenadas e que são próprios à ciência.<br />

Russell não fazia outra coisa quando evocava essas qualidades despidas de toda subjetividade, dados<br />

sensoriais distintos de toda sensação, sítios estabelecidos nos estados de coisas, perspectivas vazias<br />

pertencendo às coisas mesmas, pedaços contraídos de espaço-tempo, que correspondem ao conjunto ou às<br />

partes de uma função. Ele os compara a aparelhos e instrumentos, interferômetro de Michaelson, ou, mais<br />

simplesmente, placa fotográfica, câmera, espelho, que captam o que ninguém está lá para ver, e fazem<br />

flamejar estes sensibilia não-sentidos(13). Mas, longe destes sensibilia se definirem pelos instrumentos, já<br />

que estes estão à espera de um observador real que poderá ver, são os instrumentos que supõem o<br />

observador parcial ideal, situado num bom ponto de vista nas coisas: o observador não-subjetivo é<br />

precisamente o sensível que qualifica (por vezes por milhares) um estado de coisas, uma coisa ou um corpo<br />

cientificamente determinados.<br />

(13) Russell, Misticism and logic, "The relation of sense-data to phy-sics", Penguin Books.<br />

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Por seu turno, os personagens conceituais são os sensibilia filosóficos, as percepções e afecções dos<br />

conceitos fragmentários eles mesmos: por eles, os conceitos não são somente pensados, mas percebidos e<br />

sentidos. Não podemos todavia contentar-nos em dizer que eles se distinguem dos observadores científicos,<br />

como os conceitos se distinguem dos functivos, já que não trariam então nenhuma determinação<br />

suplementar: os dois agentes de enunciação devem distinguir-se, não somente pelo percebido, mas pelo<br />

modo de percepção (não-natural nos dois casos). Não basta, com Bergson, assimilar o observador científico<br />

(por exemplo, o viajante cósmico da relatividade) a um simples símbolo, que marcaria estados de variáveis,<br />

ao passo que o personagem filosófico teria o privilégio do vivido (um ser que dura), porque ele passaria pelas<br />

variações elas mesmas(14). Um não é vivido, como o outro não é simbólico. Há, nos dois casos, percepção e<br />

afecção ideais, mas muito diferentes. Os personagens conceituais estão sempre e já no horizonte, e operam<br />

sobre fundo de velocidade infinita, as diferenças anergéticas entre o rápido e o lento vindo somente das

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