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O QUE É A FILOSOFIA?

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artes. Nenhuma criação existe sem experiência. Quaisquer que sejam as diferenças entre a linguagem<br />

científica, a linguagem filosófica e suas relações com as línguas ditas naturais, os functivos (entre eles os<br />

eixos de coordenadas) não preexistem inteiramente prontos, não mais que os conceitos; Granger pôde<br />

mostrar que "estilos", que remetem a nomes próprios, estavam presentes nos sistemas científicos, não como<br />

determinação extrínseca, mas pelo menos como dimensão de sua criação e mesmo em contato com uma<br />

experiência ou um vivido(10). As coordenadas, as funções e equações, as leis, os fenômenos ou efeitos<br />

permanecem ligados a nomes próprios, como uma doença permanece designada pelo nome do médico que<br />

soube isolá-la, agrupar ou reagrupar os signos variáveis. Ver, ver o que se passa, teve sempre uma<br />

importância essencial, maior que as demonstrações, mesmo na matemática pura, que pode ser dita visual,<br />

figurai, independentemente de suas aplicações: muitos matemáticos pensam hoje que um computador é mais<br />

precioso que uma axiomática, e o estudo das funções não-lineares passa por demoras e acelerações em<br />

séries de números observáveis. Que a ciência seja discursiva não significa, de maneira alguma, que ela seja<br />

dedutiva. Ao contrário, em suas bifurcações, ela passa por muitas catástrofes, rupturas e reencadeamentos,<br />

marcados por nomes próprios. Se a ciência guarda, com a filosofia, uma diferença impossível de apagar, é<br />

que os nomes próprios marcam, num caso, uma jus-<br />

(10) G.-G. Granger, Essai d'une philosophie du style, Ed. Odile Ja-cob, pp. 10-11, 102-105.<br />

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taposição de referência e, no outro, uma superposição de folhas: elas se opõem por todas as características<br />

das referencias e da consistência. Mas a filosofia e a ciência comportam dois lados (como a arte ela mesma,<br />

com seu terceiro lado), um eu não sei tornado positivo e criador, condição da criação mesma, e que consiste<br />

em determinar pelo que não se sabe — como dizia Gálois: "indicar a marcha dos cálculos e prever os<br />

resultados, sem jamais poder efetuá-los"(11).<br />

<strong>É</strong> que nós nos remetemos a um outro aspecto da enunciação, que não se endereça mais ao nome<br />

próprio de um cientista ou de um filósofo, mas a seus intercessores ideais, interiores aos domínios<br />

considerados: vimos precedentemente o papel filosófico dos personagens conceituais, com relação aos<br />

conceitos fragmentários sobre um plano de imanência, mas agora a ciência faz aparecer observadores<br />

parciais com relação às funções nos sistemas de referência. Que não haja observador total, como seria o<br />

"demônio" de Laplace, capaz de calcular o porvir e o passado a partir de um estado de coisas dado, significa<br />

somente que Deus não é nem um observador científico, nem um personagem filosófico. Mas o nome de<br />

demônio permanece excelente em filosofia, como também na ciência, para indicar, não algo que ultrapassaria<br />

nossas possibilidades, mas um gênero comum desses intercessores necessários como "sujeitos" de<br />

enunciação respectivos: o amigo filosófico, o pretendente, o idiota, o super-homem... são demônios, não<br />

menos que o demônio de Maxwell, o observador de Einstein ou de Heisenberg. A questão não é de saber o<br />

que eles podem fazer ou não, mas a maneira pela qual são perfeitamente positivos, do ponto de vista do<br />

conceito ou da função, mesmo no que não sabem ou não podem. Em cada um desses dois casos, a va-<br />

(11) Cf. os grandes textos de Galois sobre a enunciação matemática, André Dalmas, Evariste Galois, Ed.<br />

Fasquelle, pp. 117-132.<br />

riedade é imensa, mas não a ponto de fazer esquecer a diferença de natureza entre os dois grandes tipos.<br />

167 ▲<br />

Para compreender o que são os observadores parciais que proliferam em todas as ciências e todos os<br />

sistemas de referência, é preciso evitar dar-lhes o papel de um limite do conhecimento, ou de uma<br />

subjetividade da enunciação. Pôde-se observar que as coordenadas cartesianas privilegiavam os pontos<br />

situados perto da origem, ao passo que as da geometria projetiva davam "uma imagem finita de todos os<br />

valores da variável e da função". Mas a perspectiva liga um observador parcial como um olho ao vértice de<br />

um cone, e assim capta contornos, sem captar os relevos ou a qualidade da superfície que remetem a uma<br />

outra posição do observador. Como regra geral, o observador não é nem insuficiente, nem subjetivo: mesmo<br />

na física quântica, o demônio de Heisenberg não exprime a impossibilidade de medir ao mesmo tempo a<br />

velocidade e a posição de uma partícula, sob pretexto de uma interferência subjetiva da medida com o<br />

mensurado, mas mede exatamente um estado de coisas objetivo que deixa fora do campo de sua atualização<br />

a posição respectiva de duas de suas partículas, o número de variáveis independentes sendo reduzido e os<br />

valores das coordenadas tendo a mesma probabilidade. As interpretações subjetivistas da termodinâmica, da<br />

relatividade, da física quântica testemunham as mesmas insuficiências. O perspectivismo ou relativismo<br />

científico não é mais relativo a um sujeito: ele não constitui uma relatividade do verdadeiro, mas ao contrário<br />

uma verdade do relativo, isto é, das variáveis das quais ele ordena os casos, segundo os valores que revela<br />

em seu sistema de coordenadas (como a ordem das cônicas segundo as secções do cone cujo vértice é<br />

ocupado pelo olho). E, com certeza, um observador bem definido revela tudo o que ele pode revelar, tudo o

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