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O QUE É A FILOSOFIA?

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função biológica.<br />

160 ▲<br />

um sistema de coordenadas eventualmente único num momento dado; como para o plano de imanência em<br />

filosofia, é preciso perguntar qual estatuto tomam o antes e o depois, simultaneamente, sobre um plano de<br />

referência de dimensão e evolução temporais. Há um só ou vários planos de referência? A resposta só será a<br />

mesma para o plano de imanência filosófico, suas camadas ou suas folhas superpostas. <strong>É</strong> que a referência,<br />

implicando uma renúncia ao infinito, só pode montar cadeias de functivos que se quebram necessariamente<br />

em certo momento. As bifurcações, as desacelerações e acelerações produzem buracos, cortes e rupturas,<br />

que remetem a outras variáveis, outras relações e outras referências. Segundo exemplos sumários, diz-se<br />

que o número fracionário rompe com o número inteiro, o número irracional, com os racionais, a geometria<br />

riemanniana, com a euclidiana. Mas noutro sentido simultâneo, do depois ao antes, o número inteiro aparece<br />

como um caso particular de número fracionário, ou o racional, um caso particular de "corte" num conjunto<br />

linear de pontos. <strong>É</strong> verdade que este processo unificante, que opera no sentido retroativo, faz intervir<br />

necessariamente outras referências, cujas variáveis são submetidas não somente a condições de restrição<br />

para dar o caso particular, mas em si mesmas, a novas rupturas e bifurcações que mudarão suas próprias<br />

referências. <strong>É</strong> o que acontece quando se deriva Newton de Einstein, ou então os números reais da ruptura,<br />

ou a geometria euclidiana de uma geometria métrica abstrata. O que é o mesmo que dizer, com Kuhn, que a<br />

ciência é paradigmática, enquanto que a filosofia é sintagmática.<br />

Como a filosofia, a ciência não se satisfaz com uma sucessão temporal linear. Mas, em lugar de um<br />

tempo estra-tigráfico, que exprime o antes e o depois numa ordem de superposições, a ciência desdobra um<br />

tempo propriamente serial, ramificado, em que o antes (o precedente) designa sem-<br />

161 ▲<br />

pre bifurcações e rupturas por vir, e depois, reencadeamentos retroativos: de onde um ritmo inteiramente<br />

diferente do progresso científico. E os nomes próprios dos cientistas se escrevem neste outro tempo, este<br />

outro elemento, marcando os pontos de ruptura e os pontos de reencadeamento. Certamente, é sempre<br />

possível, e por vezes frutífero, interpretar a história da filosofia segundo este ritmo científico. Mas dizer que<br />

Kant rompe com Descartes, e que o cogito cartesiano se torna um caso particular do cogito kantiano, não é<br />

plenamente satisfatório, já que precisamente é fazer da filosofia uma ciência. (Inversamente, não seria mais<br />

satisfatório estabelecer entre Newton e Einstein uma ordem de superposição.) Longe de nos fazer repassar<br />

pelos mesmos componentes, o nome próprio do cientista tem por função evitar que façamos isso, e<br />

persuadir-nos de que não se trata de percorrer novamente um trajeto já percorrido: não passamos por uma<br />

equação nomeada, servimo-nos dela. Longe de distribuir pontos cardeais, que organizam os sintagmas sobre<br />

um plano de imanência, o nome próprio do cientista edifica paradigmas, que se projetam nos sistemas de<br />

referências necessariamente orientados. Finalmente, o que é problemático é menos a relação da ciência com<br />

a filosofia do que a relação ainda mais passional da ciência com a religião, como se vê em todas as tentativas<br />

de uniformização e de universalização científicas, à procura de uma lei única, de uma força única, de uma<br />

única interação. O que aproxima a ciência da religião é que os functivos não são conceitos, mas figuras, que<br />

se definem por uma tensão espiritual mais que por uma intuição espacial. Há algo de figurai nos functivos,<br />

que forma uma ideografia própria à ciência, e que faz já da visão uma leitura. Mas o que não cessa de<br />

reafirmar a oposição da ciência a toda religião e, ao mesmo tempo, de tornar felizmente impossível a<br />

unificação da ciência é a substituição de toda transcendência pela referência, é a correspondência<br />

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funcional do paradigma com um sistema de referência, que proíbe todo uso infinito religioso da figura,<br />

determinando uma maneira exclusivamente científica pela qual esta deve ser construída, vista e lida, por<br />

functivos(6).<br />

A primeira diferença entre a filosofia e a ciência reside no pressuposto respectivo do conceito e da<br />

função: aqui um plano de imanência ou de consistência, lá um plano de referência. O plano de referência é,<br />

ao mesmo tempo, uno e múltiplo, mas de uma maneira diferente da do plano de imanência. A segunda<br />

diferença concerne mais diretamente ao conceito e à função: a inseparabilidade das variações é o próprio do<br />

conceito incondicionado, ao passo que a independência das variáveis, em relações condicionáveis, pertence<br />

à função. Num caso, temos um conjunto de variações inseparáveis sob "uma razão contingente" que constitui<br />

o conceito de variações; no outro caso, um conjunto de variáveis independentes sob uma "razão necessária"<br />

que constitui a função das variáveis. <strong>É</strong> por isso que, deste último ponto de vista, a teoria das funções<br />

apresenta dois pólos, no caso de n variáveis serem dadas, uma talvez considerada como função de n-1<br />

variáveis independentes, com n-1 derivadas parciais e uma diferencial total da função; ou, no caso de n-1<br />

grandezas serem, ao contrário, funções de uma mesma variável independente, sem diferencial total da

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