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O QUE É A FILOSOFIA?

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talvez dos gregos, mas estes dela desconfiavam de tal maneira, e a faziam sofrer um tratamento tão rude,<br />

que o conceito era antes como o pássaro-solilóquio-irônico que sobrevoava o campo de batalha das opiniões<br />

rivais aniquiladas (os convidados bêbados do banquete). A filosofia não contempla, não reflete, não<br />

comunica, se bem que ela tenha de criar conceitos para estas ações ou paixões. A contemplação, a reflexão,<br />

a comunicação não são disciplinas, mas máquinas de constituir Universais em todas as disciplinas. Os<br />

Universais de contemplação, e em seguida de reflexão, são como duas ilusões que a filosofia já percorreu em<br />

seu sonho de dominar as outras disciplinas (idealismo objetivo e idealismo subjetivo), e a filosofia não se<br />

engrandece mais apresentando-se como uma nova Atenas e se desviando sobre Universais da comunicação<br />

que forneceriam as regras de um domínio imaginário dos mercados e da mídia (idealismo inter-subjetivo).<br />

Toda criação é singular, e o conceito como criação propriamente filosófica é sempre uma singularidade. O<br />

primeiro princípio da filosofia é que os Universais não explicam nada, eles próprios devem ser explicados.<br />

Conhecer-se a si mesmo — aprender a pensar — fazer como se nada fosse evidente — espantar-se,<br />

"estranhar que o ente seja"..., estas determinações da filosofia e muitas outras formam atitudes interessantes,<br />

se bem que fatigantes a longo prazo, mas não constituem uma ocupação bem definida, uma atividade<br />

precisa, mesmo de um ponto de vista pedagógico. Pode-se considerar como decisiva, ao contrário, a<br />

definição da filosofia: conhecimento por puros conceitos. Mas não há lugar para opor o conhecimento por<br />

conceitos, e por construção de conceitos na experiência possível ou na intuição. Pois, segundo o veredito<br />

nietzscheano, você não conhecerá nada por conceitos se você não os tiver de início criado, isto é, construído<br />

numa intuição que lhes é própria: um campo, um plano, um solo, que não se confunde com<br />

eles, mas que abriga seus germes e os personagens que os cultivam. O construtivismo exige que toda<br />

criação seja unia construção sobre um plano que lhe dá uma existência autônoma. Criar conceitos, ao menos,<br />

é fazer algo. A questão do uso ou da utilidade da filosofia, ou mesmo de sua nocividade (a quem ela<br />

prejudica?), é assim modificada.<br />

Muitos problemas urgem sob os olhos alucinados de um velho que veria confrontarem-se todas as<br />

espécies de conceitos filosóficos e de personagens conceituais. E de início os conceitos são e permanecem<br />

assinados: substância de Aristóteles, cogito de Descartes, mônada de Leibniz, condição de Kant, potência de<br />

Schelling, duração de Bergson... Mas também alguns exigem uma palavra extraordinária, às vezes bárbara<br />

ou chocante, que deve designá-los, ao passo que outros se contentam com uma palavra corrente muito<br />

comum, que se enche de harmônicos tão longínquos que podem passar despercebidos a um ouvido não<br />

filosófico. Alguns solicitam arcaísmos, outros neologismos, atravessados por exercícios etimológicos quase<br />

loucos: a etimologia como atletismo propriamente filosófico. Deve haver em cada caso uma estranha<br />

necessidade destas palavras e de sua escolha, como elemento do estilo. O batismo do conceito solicita um<br />

gosto propriamente filosófico que procede com violência ou com insinuação, e que constitui na língua uma<br />

língua da filosofia, não somente um vocabulário, mas uma sintaxe que atinge o sublime ou uma grande<br />

beleza. Ora, apesar de datados, assinados e batizados, os conceitos têm sua maneira de não morrer, e<br />

todavia são submetidos a exigências de renovação, de substituição, de mutação, que dão à filosofia uma<br />

história e também uma geografia agitadas, das quais cada momento, cada lugar, se conservam, mas no<br />

tempo, e passam, mas fora do tempo. Se os conceitos não param de mudar, podemos perguntar: qual<br />

unidade resta para as filosofias? <strong>É</strong> a mesma coisa para as ciências, para as artes, que<br />

não procedem por conceitos? E quanto à história dessas três disciplinas? Se a filosofia é essa criação<br />

contínua de conceitos, perguntar-se-á evidentemente o que é um conceito como Idéia filosófica, mas também<br />

em que consistem as outras Idéias criadoras que não são conceitos, que pertencem às ciências e às artes,<br />

que têm sua própria história e seu próprio devir, e suas próprias relações variáveis entre elas e com a<br />

filosofia. A exclusividade da criação de conceitos assegura à filosofia uma função, mas não lhe dá nenhuma<br />

proeminência, nenhum privilégio, pois há outras maneiras de pensar e de criar, outros modos de ideação que<br />

não têm de passar por conceitos, como o pensamento científico. E retornaremos sempre à questão de saber<br />

para que serve esta atividade de criar conceitos, em sua diferença em relação às atividades científica ou<br />

artística: por que é necessário criar conceitos, e sempre novos conceitos, por qual necessidade, para qual<br />

uso? Para fazer o quê? A resposta segundo a qual a grandeza da filosofia estaria justamente em não servir<br />

para nada é um coquetismo que não tem graça nem mesmo para os jovens. Em todo caso, não tivemos<br />

jamais um problema concernente à morte da metafísica ou à superação da filosofia: são disparates inúteis e<br />

penosos. Fala-se hoje da falência dos sistemas, quando é apenas o conceito de sistema que mudou. Se há<br />

lugar e tempo para a criação dos conceitos, a essa operação de criação sempre se chamará filosofia, ou não<br />

se distinguira da filosofia, mesmo se lhe for dado um outro nome. Sabemos, todavia, que o amigo ou o<br />

amante como pretendente não existe sem rivais. Se a filosofia tem uma origem grega, como é certo dizê-lo, é<br />

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