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O QUE É A FILOSOFIA?

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se está fazendo — o novo, o notável, o interessante, que substituem a aparência de verdade e que são mais<br />

exigentes que ela. O que se está fazendo não é o que acaba, mas menos ainda o que começa. A história não<br />

é experimentação, ela é somente o conjunto das condições quase negativas que tornam possível a<br />

experimentação de algo que escapa à história. Sem história, a experimentação permaneceria indeterminada,<br />

in-condicionada, mas a experimentação não é histórica, ela é filosófica.<br />

EXEMPLO IX<br />

143 ▲<br />

<strong>É</strong> num grande livro de filosofia que Péguy explica que há duas maneiras de considerar o<br />

acontecimento, uma que consiste em passar ao longo do acontecimento, em recolher sua efetuação na<br />

história, o condicionamento e o apodrecimento na história, mas a outra em remontar ao acontecimento, em<br />

instalar-se nele como num devir, em rejuvenescer e em envelhecer nele de uma só vez, em passar por todos<br />

os seus componentes ou singularidades. Pode ser que nada mude ou pareça mudar na história, mas tudo<br />

muda no acontecimento, e nós mudamos no acontecimento: "Não houve nada. E um problema do qual não<br />

se via o fim, um problema sem saída... de repente não existe mais e perguntamos de que falávamos"; ele<br />

passou a outros problemas; "nada houve e estávamos num novo povo, num novo mundo, num novo<br />

homem"(19). Não é mais o histórico, nem é o eterno, diz Péguy, é o Internai. Eis um nome que Péguy<br />

precisou criar para designar um novo conceito, e os componentes, as intensidades deste conceito. E não é<br />

algo de semelhante que um pensador, distante de Péguy, tinha designado pelo nome Intempestivo ou Inatual:<br />

a névoa não-histórica que nada tem a ver com o eterno, o devir sem o qual nada se faria na história, mas não<br />

se confunde com ela. Por sob os gregos e os Estados, ele lança um povo, uma terra, como a flecha e o disco<br />

de um novo mundo que não acaba, sempre se fazendo: "agir contra o tempo, e assim sobre o tempo, em<br />

favor (eu espero) de um tempo por vir". Agir contra o passado, e assim sobre o presente, em favor (eu<br />

espero) de um porvir — mas o porvir não é um futuro da histó-<br />

(19) Péguy, Clio, Gallimard, p. 266-269.<br />

144 ▲<br />

ria, mesmo utópico, é o infinito Agora, o Nún que Platão já distinguia de todo presente, o Intensivo ou o<br />

Intempestivo, não um instante, mas um devir. Não é ainda o que Foucault chamava de Atual? Mas como o<br />

conceito receberia agora o nome de atual, enquanto Nietzsche o chamava de inatual? <strong>É</strong> que, para Foucault, o<br />

que conta é a diferença do presente e do atual. O novo, o interessante, é o atual. O atual não é o que somos,<br />

mas antes o que nos tornamos, o que estamos nos tornando, isto é, o Outro, nosso devir-outro. O presente,<br />

ao contrário, é o que somos e, por isso mesmo, o que já deixamos de ser. Devemos distinguir não somente a<br />

parte do passado e a do presente, mas, mais profundamente, a do presente e a do atual(20). Não que o atual<br />

seja a prefiguração, mesmo utópica, de um porvir de nossa história, mas ele é o agora de nosso devir.<br />

Quando Foucault admira Kant por ter colocado o problema da filosofia não remetendo ao eterno mas<br />

remetendo ao Agora, ele quer dizer que a filosofia não tem como objeto contemplar o eterno, nem refletir a<br />

história, mas diagnosticar nossos devires atuais: um devir-revolucionário que, segundo p próprio Kant, não se<br />

confunde com o passado, o presente nem o porvir das revoluções. Um devir-democrático que não se<br />

confunde com o que são os Estados de direito, ou mesmo um devir-grego que não se confunde com o que<br />

foram os gregos. Diagnosticar os devires, em cada presente que passa, é o que Nietzsche atribuía ao filósofo<br />

como médico, "médico da civilização" ou inventor de novos modos de existência imanentes. A filosofia eterna,<br />

mas também a história da filosofia, cedem lugar a um devir-filosófíco. Que devires nos atravessam hoje, que<br />

recaem na história, mas<br />

(20) Foucault, Archéologie du savoir, Gallimard, p. 172.<br />

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que dela não provêm, ou antes, que só vêm dela para dela sair? O Internai, o Intempestivo, o Atual, eis<br />

exemplos de conceitos em filosofia; conceitos exemplares... E se um chama Atual o que o outro chamava de<br />

Inatual, é somente em virtude de uma cifra do conceito, em virtude de suas proximidades e componentes,<br />

cujos ligeiros deslocamentos podem engendrar, como dizia Péguy, a modificação de um problema (o<br />

Temporalmente-Eterno em Péguy, a Eternidade do devir segundo Nietzsche, o Fora-Interior com Foucault).<br />

II<br />

<strong>FILOSOFIA</strong>,<br />

146 ▲

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