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O QUE É A FILOSOFIA?

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cogito. Eles são sempre reterritorializados sobre a consciência. A Alemanha, pelo contrário, não renuncia ao<br />

absoluto: ela se serve da consciência, mas como de um meio de desterri-torialização. Ela quer reconquistar o<br />

plano de imanência grego, a terra desconhecida que ela sente agora como sua própria barbárie, sua própria<br />

anarquia deixada aos nômades depois da desaparição dos gregos(15). Também<br />

(15) Devemo-nos remeter às primeiras linhas do prefácio da primeira edição da Crítica da Razão pura: "O<br />

terreno onde se travam os combates se chama a Metafísica... No início, sob o reino dos dogmáticos, seu<br />

poder era despótico. Mas, como sua legislação levava ainda a marca da antiga barbárie, esta metafísica cai<br />

pouco a pouco, em conseqüência de guerras intestinas, numa completa anarquia, e os céticos, espécies de<br />

nômades que têm horror de se estabelecer definitivamente sobre uma terra, rompiam, de tempos em tempos,<br />

o liame social. Todavia, como não eram felizmente senão um pequeno número, eles não puderam impedir<br />

seus adversários de tentar sempre novamente, mas de resto sem nenhum plano entre eles previamente<br />

concertado, restabelecer este liame quebrado...". E sobre a ilha da fundação, o grande texto da "Analítica dos<br />

princípios", no começo do capítulo III. As Críticas não compõem somente uma "história", mas sobretudo uma<br />

geografia da Razão, segundo a qual se distingue um "campo", um "território" e um "domínio" do conceito<br />

(Crítica do juízo, introdução, § 2). Jean-Clet Martin fez uma bela análise desta geografia da Razão pura em<br />

Kant: Variations, no prelo.<br />

135 ▲<br />

lhe é necessário, sem cessar, limpar e consolidar este solo, isto é, fundar. Uma mania de fundar, de<br />

conquistar, inspira esta filosofia; o que os gregos tinham por aut-octonia, ela o terá por conquista e fundação,<br />

de modo que ela tornará a imanência imanente a algo, a seu próprio Ato de filosofar, a sua própria<br />

subjetividade filosofante (o cogito toma, pois, um sentido inteiramente diferente, já que ele conquista e fixa o<br />

solo).<br />

Deste ponto de vista, a Inglaterra é á obsessão da Alemanha; pois os ingleses são precisamente esses<br />

nômades que tratam o plano de imanência como um solo móvel e movente, um campo de experiência radical,<br />

um mundo em arquipélago onde eles se contentam em plantar suas tendas, de ilha em ilha e sobre o mar. Os<br />

ingleses nomadizam sobre a velha terra grega fraturada, fractalizada, estendida a todo o universo. Não se<br />

pode sequer dizer que eles tenham os conceitos, como os franceses ou os alemães; mas eles os adquirem,<br />

não crêem senão no adquirido. Não porque tudo viria dos sentidos, mas porque se adquire um conceito<br />

habitan-<br />

136 ▲<br />

do, plantando sua tenda, contraindo um hábito. Na trindade Fundar-Construir-Habitar são os franceses que<br />

constróem, e os alemães que fundam, mas os ingleses habitam. Basta-lhes uma tenda. Eles forjam para si<br />

uma concepção extraordinária do hábito: adquirimos hábitos contemplando, e contraindo o que<br />

contemplamos. O hábito é criador. A planta contempla a água, a terra, o azoto, o carbono, os cloros e os<br />

sulfatos, e os contrai para adquirir seu próprio conceito, e se sacia com ele (enjoyment). O conceito é um<br />

hábito adquirido contemplando os elementos dos quais se procede (de onde a grecidade muito especial da<br />

filosofia inglesa, seu neoplatonismo empírico), Nós somos todos contemplações, portanto hábitos. Eu é um<br />

hábito. Há conceito em toda a parte onde há hábito, e os hábitos se fundam e se desfazem sobre o plano de<br />

imanência da experiência radical: são "convenções"(16). <strong>É</strong> por isso que a filosofia inglesa é uma livre e<br />

selvagem criação de conceitos. Uma proposição sendo dada, a qual convenção remete ela, qual é o hábito<br />

que constitui seu conceito? <strong>É</strong> a questão do pragmatismo. O direito inglês é de costume ou de convenção,<br />

como o francês de contrato (sistema dedutivo), e o alemão de instituição (totalidade orgânica). Quando a<br />

filosofia se reterritorializa sobre o Estado de direito, o filósofo se torna professor de filosofia, mas o alemão o é<br />

por instituição e fundamento, o francês o é por contrato, o inglês não o é senão por convenção.<br />

Se não há Estado democrático universal, malgrado o sonho de fundação da filosofia alemã, é porque a<br />

única coi-<br />

(16) Hume, Traitéde Ia nature humaine, Ed. Aubier, II, p. 608: "Dois homens que manejam os remos de um<br />

barco fazem-no segundo um acordo ou uma convenção, embora jamais tenham feito promessas".<br />

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sa que é universal no capitalismo é o mercado. Por oposição aos impérios arcaicos que operavam<br />

sobrecodificações transcendentes, o capitalismo funciona como uma axiomática imanente de fluxos<br />

decodificados (fluxo de dinheiro, de trabalho, de produtos...). Os Estados nacionais não são mais paradigmas<br />

de sobrecodificação, mas constituem os "modelos de realização" dessa axiomática imanente. Numa<br />

axiomática, os modelos não remetem a uma transcendência, ao contrário. <strong>É</strong> como se a desterritorialização<br />

dos Estados moderasse a do capital, e fornecesse a este as reterritorializações compensatórias. Ora, os<br />

modelos de realização podem ser muito diversos (democráticos, ditatoriais, totalitários...), podem ser

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