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O QUE É A FILOSOFIA?

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esquecimento e um tédio fundamentais; nós não somos mais gregos, nós somos bretões (Souvenirs<br />

d'enfance et de jeunesse).<br />

132 ▲<br />

mas deixavam o Espírito nos "mistérios", enquanto que nós, nós vivemos, sentimos e pensamos no Espírito,<br />

na reflexão, mas deixamos a Natureza num profundo mistério alquímico, que não cessamos de profanar. O<br />

autóctone e o estrangeiro não se separam mais como dois personagens distintos, mas se distribuem como<br />

um só e mesmo personagem duplo, que se desdobra por sua vez em duas versões, presente e passada: o<br />

que era estrangeiro se torna autóctone. Hõlderlin conclama, com todas as suas forças, uma "sociedade de<br />

amigos" como condição do pensamento, mas é como se esta sociedade tivesse atravessado uma catástrofe<br />

que muda a natureza da amizade. Nós nos reterritorializamos entre os gregos, mas em função do que eles<br />

não tinham e não eram ainda, de modo que nós os reterritorializamos sobre nós mesmos.<br />

A reterritoríalização filosófica tem, pois, também uma forma presente. Pode-se dizer que a filosofia se<br />

reterritoria-liza sobre o Estado democrático moderno e os direitos do homem? Mas, como não há Estado<br />

democrático universal, este movimento implica a particularidade de um Estado, de um direito, ou o espírito de<br />

um povo, capaz de exprimir os direitos do homem em "seu" Estado, e de desenhar a moderna sociedade de<br />

amigos. Com efeito, não é somente o filósofo que tem uma nação, enquanto homem, é a filosofia que se<br />

reterritorializa sobre o Estado nacional e o espírito do povo (o mais freqüentemente aqueles do filósofo, mas<br />

nem sempre). Assim, Nietzsche fundou a geo-filosofia, procurando determinar os caracteres nacionais da<br />

filosofia francesa, inglesa e alemã. Mas por que três países somente foram coletivamente capazes de<br />

produzir filosofia no mundo capitalista? Por que não a Espanha, por que não a Itália? A Itália, notadamente,<br />

apresentava um conjunto de cidades desterritorializadas e uma potência marítima, capazes de renovar as<br />

condições de um "milagre", e marcou o começo de uma filosofia inigualável, mas que abortou, e cuja herança<br />

passa antes para a Alema-<br />

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nha (com Leibniz e Schelling). Talvez a Espanha fosse por demais submissa à Igreja, e a Itália por demais<br />

"próxima" da Santa Sé; o que salvou espiritualmente a Inglaterra e a Alemanha foi talvez a ruptura com o<br />

catolicismo, e a França, o galicanismo... À Itália e à Espanha faltava um "meio" para a filosofia, de modo que<br />

seus pensadores permaneceram "cometas", e elas estavam dispostas a queimar seus cometas. A Itália e a<br />

Espanha foram os dois países ocidentais capazes de desenvolver poderosamente o conceitismo, isto é, o<br />

compromisso católico do conceito e da figura, que tinha um grande valor estético, mas mascarava a filosofia,<br />

desviava a filosofia para uma retórica e impedia uma plena posse do conceito. A forma presente se enuncia<br />

assim: nós temos os conceitos! Enquanto que os gregos não os "tinham" ainda, e os contemplavam de longe,<br />

ou os pressentiam: daí decorre a diferença entre a reminiscência platônica e o inatismo car-tesiano ou o a<br />

priori kantiano. Mas a posse do conceito não parece coincidir com a revolução, o Estado democrático e os<br />

direitos do homem. Se é verdade que, na América, a empresa filosófica do pragmatismo, tão subestimada na<br />

França, está em continuidade com a revolução democrática e a nova sociedade de irmãos, não ocorre o<br />

mesmo com a idade de ouro da filosofia francesa no século XVII, nem com a Inglaterra no século XVIII, nem<br />

com a Alemanha no século XIX. Mas isto significa somente que a história dos homens e a história da filosofia<br />

não têm o mesmo ritmo. E a filosofia francesa já exige uma república de espíritos e uma capacidade de<br />

pensar como "a coisa melhor partilhada", que terminará por se exprimir num cogito revolucionário; a Inglaterra<br />

não cessará de refletir sobre sua experiência revolucionária e será a primeira a perguntar por que as<br />

revoluções dão errado nos fatos, quando tanto prometem em espírito. A Inglaterra, a América e a França<br />

vivem a si mesmas como as três terras dos direitos do homem. Quanto à Alemanha,<br />

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ela não cessa, de sua parte, de refletir sobre a revolução francesa, como aquilo que ela não pode fazer<br />

(faltam-lhe cidades suficientemente desterritorializadas, ela sofre o peso de uma hinterlândia, o Land). Mas o<br />

que ela não pode fazer, ela se dá por tarefa pensar. <strong>É</strong> sempre em conformidade com o espírito de um povo e<br />

sua concepção do direito que a filosofia se reterritorializa no mundo moderno. A história da filosofia é, pois,<br />

marcada por caracteres nacionais, ou antes nacionalitários, que são como "opiniões" filosóficas.<br />

EXEMPLO VIII<br />

Se é verdade que nós, homens modernos,, temos o conceito, mas perdemos de vista o plano de<br />

imanência, o caráter francês em filosofia tem a tendência a se aproveitar desta situação, sustentando os<br />

conceitos por uma simples ordem do conhecimento reflexivo, uma ordem de razões, uma "epistemologia". <strong>É</strong><br />

como o recenseamento das terras habitáveis, civilizáveis, co-nhecíveis ou conhecidas, que se medem por<br />

uma "tomada" de consciência ou cogito, mesmo se o cogito deve tornar-se pré-reflexivo, e esta consciência,<br />

não-tética, para cultivar as terras mais ingratas. Os franceses são como proprietários rurais cuja renda é o

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