O QUE É A FILOSOFIA?
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europeizar cada vez mais", de modo que é a humanidade inteira que se aparenta a si neste Ocidente, como o<br />
fizera ou-<br />
(8) Cf. Balazs, La bureaucratie celeste, Gallimard, cap. XIII.<br />
(9) Marx, O Capital, III, 3, conclusões: "A produção capitalista tende sem cessar a ultrapassar estes limites<br />
que lhe são imanentes, mas ela não chega a isso senão empregando meios que, novamente e numa escala<br />
mais imponente, erguem ante ela as mesmas barreiras. A verdadeira barreira da produção capitalista é o<br />
capital ele mesmo...".<br />
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trora na Grécia(10). Todavia, é difícil acreditar que seja a ascensão "da filosofia e das ciências coinclusas" o<br />
que explica este privilégio de um sujeito transcendental propriamente europeu. <strong>É</strong> preciso que o movimento<br />
infinito do pensamento, o que Husserl chama de Telos, entre em conjunção com o grande movimento relativo<br />
do capital, que não cessa de se desterritorializar, para assegurar o poder da Europa sobre todos os outros<br />
povos e sua reterritorialização sobre a Europa. O liame da filosofia moderna com o capitalismo é pois do<br />
mesmo gênero que o da filosofia antiga com a Grécia: a conexão de um plano de imanência absoluto com um<br />
meio social relativo que procede também por imanência. Não é uma continuidade necessária, que vai da<br />
Grécia à Europa, do ponto de vista do desenvolvimento da filosofia, por intermédio do cristianismo; é o<br />
recomeço contingente de um mesmo processo contingente, com outros dados.<br />
A imensa desterritorialização relativa do capitalismo mundial precisa se reterritorializar sobre o Estado<br />
nacional moderno, que culmina na democracia, nova sociedade de "irmãos", versão capitalista da sociedade<br />
dos amigos. Como mostra Braudel, o capitalismo partiu das vilas-cidades, mas estas levaram tão longe a<br />
desterritorialização que foi necessário que os Estados modernos imanentes moderassem a loucura delas, as<br />
recuperassem e as investissem, para operar as reterritorializações necessárias como novos limites<br />
internos(11). O capitalismo reativa o mundo grego sobre estas bases econômicas, políticas e sociais. <strong>É</strong> a<br />
nova Atenas. O homem do capitalismo não é Robinson, mas Ulisses, o plebeu astucioso, o homem médio<br />
qualquer, habitante das gran-<br />
(10) Husserl, ha crise des sáences européennes..., Gallimard, pp. 353-355 (cf. os comentários de R.-P. Droit,<br />
Uoubli de l'Inde, pp. 203-204).<br />
(11) Braudel, Civilisation tnatérielle et capitalistne, Ed. Armand Colin, I, pp. 391-400.<br />
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des cidades, Proletário autóctone ou Migrante estrangeiro, que se lançam no movimento infinito — a<br />
revolução. Não é um grito, mas dois gritos que atravessam o capitalismo e vão ao encalço da mesma<br />
decepção: Emigrados de todos os países, uni-vos... Proletários de todos os países... Nos dois pólos do<br />
Ocidente, a América e a Rússia, o pragmatismo e o socialismo representam o retorno de Ulisses, a nova<br />
sociedade de irmãos ou de camaradas que retoma o sonho grego e reconstitui a "dignidade democrática".<br />
Com efeito, a conexão da filosofia antiga com a cidade grega, a conexão da filosofia moderna com o<br />
capitalismo não são ideológicos, e não se contentam em levar ao infinito determinações históricas e sociais<br />
para extrair daí figuras espirituais. Certamente, pode ser tentador ver na filosofia um comércio agradável do<br />
espírito, que encontraria no conceito sua mercadoria própria, ou antes seu valor de troca, do ponto de vista de<br />
uma sociabilidade desinteressada, nutrida pela conversação democrática ocidental, capaz de engendrar um<br />
consenso de opinião, e de fornecer uma ética para a comunicação, como a arte lhe forneceria uma estética.<br />
Se é isso que se chama filosofia, compreende-se que o marketing se apodere do conceito, e que o publicitário<br />
se apresente como o conceituador por excelência, poeta e pensador: o deplorável não está nesta apropriação<br />
desavergonhada mas, antes de mais nada, na concepção da filosofia que a tornou possível. Guardadas todas<br />
as proporções, os gregos tinham passado por vergonhas semelhantes, com certos sofistas. Mas, para o bem<br />
da filosofia moderna, esta não é mais amiga do capitalismo do que a filosofia antiga era da cidade. A filosofia<br />
leva ao absoluto a desterritorialização relativa do capital, ela o faz passar sobre o plano de imanência como<br />
movimento do infinito e o suprime enquanto limite interior, voltando-o contra si, para chamá-lo a uma nova<br />
terra, a um novo povo. Mas assim ela atinge a forma não proposicional do conceito em<br />
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que se aniquilam a comunicação, a troca, o consenso e a opinião. Está pois mais próximo daquilo que Adorno<br />
chamava de "dialética negativa", e do que a escola de Frankfurt designava como "utopia". Com efeito, é a<br />
utopia que faz a junção da filosofia com sua época, capitalismo europeu, mas já também cidade grega. <strong>É</strong><br />
sempre com a utopia que a filosofia se torna política, e leva ao mais alto ponto a crítica de sua época. A<br />
utopia não se separa do movimento infinito: ela designa etimologicamente a desterritorialização absoluta, mas<br />
sempre no ponto crítico em que esta se conecta com o meio relativo presente e, sobretudo, com as forças