15.04.2013 Views

O QUE É A FILOSOFIA?

O QUE É A FILOSOFIA?

O QUE É A FILOSOFIA?

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

Hegel e Heidegger permanecem historicistas, na medida em que tomam a história como uma forma de<br />

interioridade, na qual o conceito desenvolve ou desvela necessariamente seu destino. A necessidade repousa<br />

sobre a abstração do elemento histórico tornado circular. Compreende-se mal então a imprevisível criação<br />

dos conceitos. A filosofia é uma geo-filosofia, exatamente como a história é uma geo-história, do ponto de<br />

vista de Braudel. Por que a filosofia na Grécia em tal momento? Ocorre o mesmo que para o capitalismo,<br />

segundo Braudel: por que o capitalismo em tais lugares e em tais momentos, por que não na China em tal<br />

outro momento, já que tantos componentes já estavam presentes lá? A geografia não se contenta em<br />

fornecer uma matéria e lugares variáveis para a forma histórica. Ela não é somente física e humana, mas<br />

mental, como a paisagem. Ela arranca a história do culto da necessidade, para fazer valer a irredutibilidade<br />

da contingência. Ela a arranca do culto das origens, para afirmar a potência de um "meio" (o que a filosofia<br />

encontra entre os gregos, dizia Nietzsche, não é uma origem, mas um meio, um ambiente, uma atmosfera<br />

ambiente: o filósofo deixa de ser um cometa...). Ela a arranca das estruturas, para traçar as linhas de fuga<br />

que passam pelo mundo grego, através do Mediterrâneo. Enfim, ela arranca a história de si mesma, para<br />

descobrir os devires, que não são a história, mesmo quando nela recaem: a história da filosofia, na Grécia,<br />

não deve esconder que os gregos sempre tiveram primeiro que se tornar filósofos, do mesmo modo que os<br />

filósofos tiveram que se tornar gregos. O "devir" não é história; hoje ainda a história designa somente o<br />

conjunto das condições, por mais recentes que sejam, das quais nos desviamos para um devir, isto é, para<br />

criarmos algo de novo. Os gregos o fizeram, mas não há desvio que valha de uma vez por todas. Não se<br />

pode reduzir a filosofia a sua própria história, porque a filosofia não cessa de se arrancar dessa história para<br />

criar novos con-<br />

125 ▲<br />

ceitos, que recaem na história, mas não provêm dela. Como algo viria da história? Sem a história, o devir<br />

permaneceria indeterminado, incondicionado, mas o devir não é histórico. Os tipos psicossociais são da<br />

história, mas os personagens conceituais são do devir. O próprio acontecimento tem necessidade do devir<br />

como de um elemento não-histórico. O elemento não-histórico, diz Nietzsche, "assemelha-se a uma<br />

atmosfera ambiente sem a qual a vida não pode engendrar-se, vida que desaparece de novo quando essa<br />

atmosfera se aniquila". <strong>É</strong> como um momento de graça, e "onde há atos que o homem foi capaz de realizar<br />

sem se ter antes envolvido por esta nuvem não-histórica?"(7). Se a filosofia aparece na Grécia, é em função<br />

de uma contingência mais do que de uma necessidade, de um ambiente ou de um meio mais do que de uma<br />

origem, de um devir mais do que de uma história, de uma geografia mais do que de uma historiografia, de<br />

uma graça mais do que de uma natureza.<br />

Por que a filosofia sobrevive à Grécia? Não se pode dizer que o capitalismo, através da Idade Média,<br />

seja a continuação da cidade grega (mesmo as formas comerciais são pouco comparáveis). Mas, por razões<br />

sempre contingentes, o capitalismo arrasta a Europa numa fantástica desterritorialização relativa, que remete<br />

de início a vilas-cidades, e que procede ela também por imanência. As produções territoriais se reportam a<br />

uma forma comum imanente, capaz de percorrer os mares: a "riqueza em geral", o "trabalho simplesmente", e<br />

o encontro entre os dois como mercadoria. Marx constrói exatamente um conceito de capitalismo,<br />

determinando os dois componentes principais, trabalho nu e riqueza pura, com sua zona de<br />

indiscernibilidade, quando a riqueza compra o<br />

(7) Nietzsche, Considérations intempestives, "De Putilité et des in-convénients des études historiques", § 1.<br />

Sobre o filósofo-cometa e o "meio" que ele encontra na Grécia, La naissance de Ia philosophie, Gal-limard, p.<br />

37.<br />

126 ▲<br />

trabalho. Por que o capitalismo no Ocidente e não na China do século III, ou mesmo no século VIII(8)? <strong>É</strong> que<br />

o Ocidente monta e ajusta lentamente estes componentes, ao passo que o Oriente os impede de vir a termo.<br />

Só o Ocidente estende e propaga seus focos de imanência. O campo social não remete mais, como nos<br />

impérios, a um limite exterior que o limita de cima, mas a limites interiores imanentes, que não cessam de se<br />

deslocar, alargando o sistema, e que se reconstituem deslocando-se(9). Os obstáculos exteriores são apenas<br />

tecnológicos, e só subsistem as rivalidades internas. Mercado mundial que se estende até os confins da terra,<br />

antes de passar para a galáxia: mesmo os ares se tornam horizontais. Não é uma continuação da tentativa<br />

grega, mas uma retomada, numa escala anteriormente desconhecida, sob uma outra forma e com outros<br />

meios, que relança todavia a combinação da qual os gregos tiveram a iniciativa, o imperialismo democrático,<br />

a democracia colonizadora. O europeu pode pois se considerar, não como um tipo psicossocial entre os<br />

outros, mas como o Homem por excelência, assim como o grego já o fizera, mas com muito mais força<br />

expansiva e vontade missionária que o grego. Husserl dizia que os povos, mesmo em sua hostilidade, se<br />

agrupam em tipos que têm um "lar" territorial e um parentesco familiar, tal como os povos da índia; mas só a<br />

Europa, malgrado a rivalidade de suas nações, proporia a si mesma e aos outros povos "uma incitação a se

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!