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O QUE É A FILOSOFIA?

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ocorre sobre um plano de imanência que pode ser povoado de figuras tanto quanto de conceitos. Este plano<br />

de imanência, todavia, não é exatamente filosófico, mas pré-filosófico. Ele é afetado pelo que o povoa, e que<br />

reage sobre ele, de modo que só se torna filosófico sob o efeito do conceito: suposto pela filosofia, ele não é<br />

menos instaurado por ela, e se desdobra numa relação filosófica com a não-filosofia. No caso das figuras, ao<br />

contrário, o pré-filosófico mostra que o próprio plano de imanência não tinha por destinação inevitável uma<br />

criação de conceito ou uma formação filosófica, mas podia se desdobrar em sabedorias e religiões, segundo<br />

uma bifurcação que conjurava previamente a filosofia do ponto de vista de sua própria possibilidade. O que<br />

negamos é que a filosofia apresente uma necessidade interna, seja em si mesma, seja nos gregos (e a idéia<br />

de um milagre grego não seria senão um outro aspecto dessa pseudo-necessidade). E, no entanto, a filosofia<br />

foi uma coisa grega, embora trazida por migrantes. Para que a filosofia nascesse, foi preciso um encontro<br />

entre o meio grego e o plano de imanência do pensamento. Foi preciso a conjunção de dois movimentos de<br />

desterritorialização muito diferentes, o relativo e o absoluto, o primeiro operando já na imanência. Foi preciso<br />

que a desterritorialização absoluta do plano de pensamento se ajustasse ou se conectasse diretamente com<br />

a desterritorialização relativa da sociedade grega. Foi preciso o encontro do amigo e do pensamento. Numa<br />

palavra, há, de fato, uma razão para a filosofia, mas uma razão sintética, e contingente — um encontro, uma<br />

conjunção. Ela não é insuficiente por si mesma, mas contingente em si mesma. Mesmo no conceito, a razão<br />

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depende de uma conexão dos componentes, que poderia ter sido outra, com outras vizinhanças. O princípio<br />

de razão tal como aparece na filosofia é um princípio de razão contingente, e se anuncia: não há boa razão<br />

senão contingente, não há história universal senão da contingência.<br />

EXEMPLO VII<br />

E vão procurar, como Hegel ou Heidegger, uma razão analítica e necessária que uniria a filosofia à<br />

Grécia. Porque os gregos são homens livres, são os primeiros a captar o Objeto numa relação com o sujeito:<br />

tal seria o conceito, segundo Hegel. Mas, já que o objeto permanece contemplado como "belo", sem que sua<br />

relação com o sujeito seja ainda determinada, é preciso esperar os estágios seguintes para que esta relação<br />

seja ela mesma refletida, depois posta em movimento ou comunicada. Não deixa de ser verdade que os<br />

gregos inventaram o primeiro estágio, a partir do qual tudo se desenvolve interiormente ao conceito. O<br />

Oriente pensava, sem dúvida, mas pensava o objeto em si como abstração pura, a universalidade vazia<br />

idêntica à simples particularidade: faltava-lhe a relação com o sujeito como universalidade concreta ou como<br />

individualidade universal. O Oriente ignora o conceito porque se contenta em fazer coexistir o vazio mais<br />

abstrato e o ente mais trivial, sem nenhuma mediação. Todavia, não se vê muito bem o que distingue o<br />

estágio ante-filosófico do Oriente e o estágio filosófico da Grécia, já que o pensamento grego não é<br />

consciente da relação com o sujeito que supõe sem saber refleti-lo ainda.<br />

Também Heidegger desloca o problema, e situa o conceito na diferença entre o Ser e o ente, antes<br />

que naquela do sujeito e do objeto. Ele considera o grego como<br />

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autóctone, antes que como livre cidadão (e toda a reflexão de Heidegger sobre o Ser e o ente se aproxima da<br />

Terra e do território, como testemunham os temas do construir, do habitar): o próprio do grego é habitar o Ser,<br />

e dispor da palavra Ser. Desterritorializado, o grego se reterritorializa sobre sua própria língua e seu tesouro<br />

lingüístico, o verbo ser. Assim, o Oriente não está antes da filosofia, mas ao lado, porque ele pensa, mas não<br />

pensa o Ser(6). E a filosofia mesma passa menos por graus do sujeito e do objeto, evolui menos do que<br />

habita uma estrutura do Ser. Os gregos de Heidegger não chegam a "articular" sua relação com o Ser; os de<br />

Hegel não chegam a refletir sua relação com o Sujeito. Mas em Heidegger não se trata de ir mais longe que<br />

os gregos; basta retomar seu movimento numa repetição recomeçante, iniciante. <strong>É</strong> que o Ser, em virtude de<br />

sua estrutura, não cessa de se desviar quando se volta, e a história do Ser ou.da Terra é a de seu desvio, de<br />

sua desterritorialização no desenvolvimento técnico-mundial da civilização 'ocidental iniciada pelos gregos e<br />

reterritorializada sobre o nacional-socialismo... O que permanece comum a Heidegger e a Hegel é terem<br />

concebido a relação da Grécia com a filosofia como uma origem e, assim, como o ponto de partida de uma<br />

história interior ao Ocidente, de modo que a filosofia se confunde necessariamente com sua própria história.<br />

Por mais fortemente que se tenha dele aproximado, Heidegger trai o movimento da desterritorialização,<br />

porque o cristaliza de uma vez por todas entre o ser e o ente, entre o território grego e a Terra ocidental que<br />

os gregos teriam nomeado Ser.<br />

(6) Cf. Jean Beaufret: "A fonte está em toda parte, indeterminada, tanto chinesa, árabe, quanto indiana... Mas<br />

eis, há o episódio grego, os gregos tiveram o estranho privilégio de nomear a fonte ser..." (Ethernité, n°<br />

1,1985).<br />

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