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O QUE É A FILOSOFIA?

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verticalmente, segundo um componente celeste da terra. O território tornou-se terra deserta, mas um<br />

Estrangeiro celeste vem refundar o território ou reterritorializar a terra. Na cidade, ao contrário, a<br />

desterritorialização é de imanência: ela libera um Autóctone, isto é, uma potência da terra que segue um<br />

componente marítimo, que passa por sob as águas para refundar o território (o Erecteion, templo de Atena e<br />

de Poseidon). <strong>É</strong> verdade que as coisas são mais complicadas, porque o Estrangeiro imperial tem ele próprio<br />

necessidade de autóctones sobreviventes, e que o Autóctone cidadão apela a estrangeiros em fuga — mas,<br />

justamente, não são de modo algum os mesmos tipos psicos-sociais, do mesmo modo que o politeísmo de<br />

império e o po-liteísmo da cidade não são as mesmas figuras religiosas(1).<br />

Dir-se-ia que a Grécia tem uma estrutura fractal, tão próximo do mar está cada ponto da península, e<br />

tão grande é o comprimento das costas. Os povos egeus, as cidades da<br />

(1) Mareei Detienne renovou profundamente estes problemas: sobre a oposição do Estrangeiro fundador e do<br />

Autóctone, sobre as misturas complexas entre estes dois pólos, sobre Erectéia, cf. "Qu'est-ce qu'un site?", in<br />

Traces de fondation, Ed. Peeters. Cf. também Giulia Sissa e Mareei Detienne, La vie quotidienne des dieux<br />

grees, Hachette (sobre Erectéia, cap. XIV, e sobre a diferença dos dois politeísmos, cap. X).<br />

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Grécia antiga, e sobretudo Atenas a autóctone, não são as primeiras cidades comerciantes. Mas são as<br />

primeiras a ser ao mesmo tempo bastante próximas e bastante distantes dos impérios arcaicos orientais para<br />

poderem aproveitar-se deles sem seguir seu modelo: em lugar de se estabelecer em seus poros, elas<br />

banham num novo componente, fazem valer um modo particular de desterritorialização, que procede por<br />

imanência, formam um meio de imanência. <strong>É</strong> como um "mercado internacional" nas bordas do Oriente, que<br />

se organiza entre uma multiplicidade de cidades independentes ou de sociedades distintas, mas ligadas umas<br />

às outras, onde os artesãos e os mercadores encontram uma liberdade, uma mobilidade que os impérios lhes<br />

recusam(2). Esses tipos vêm da borda do mundo grego, estrangeiros em fuga, em ruptura com o império e<br />

colonizados por Apoio. Não somente os artesãos e mercadores, mas os filósofos: como diz Faye, é preciso<br />

um século para que o nome "filósofo", sem dúvida inventado por Heráclito de <strong>É</strong>feso, encontre seu correlato na<br />

palavra "filosofia", sem dúvida inventada por Platão, o Ateniense; "Ásia, Itália, África são as fases odisseanas<br />

do percurso que religa o philósophos à filosofia"(3). Os filósofos são estrangeiros, mas a filosofia é grega. O<br />

que é que estes emi-<br />

(2) Childe, UEurope préhistorique, Ed. Payot, pp. 110-115.<br />

(3) Jean-Pierre Faye, La raison narrative, Ed. Balland, pp. 15-18. Cf. Clémence Ramnoux, in Histoire de Ia<br />

philosophie, Gallimard, I, pp. 408-409: a filosofia pré-socrática nasce e cresce "na borda da área helênica tal<br />

como a colonização tinha conseguido defini-la por volta do fim do século VII e do início do século VI, e<br />

precisamente lá onde os gregos enfrentaram, em relação de comércio e de guerra, os reinos e os impérios do<br />

Oriente", depois ganha "o extremo oeste, as colônias da Sicília e da Itália, graças a migrações provocadas<br />

pelas invasões iranianas e as revoluções políticas...". Nietzsche, Lanaissance de Ia philosophie, Gallimard, p.<br />

131: "Imagine que a filosofia seja um emigrado chegado entre os gregos; ocorre assim com os Pré-<br />

Platônicos. São de alguma maneira estrangeiros despatriados".<br />

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grados encontram no meio grego? Três coisas ao menos, que são as condições de fato da filosofia: uma pura<br />

sociabilidade como meio de imanência, "natureza intrínseca da associação", que se opõe à soberania<br />

imperial, e que não implica nenhum interesse prévio, já que os interesses rivais, ao contrário, a supõem; um<br />

certo prazer de se associar, que constitui a amizade, mas também de romper a associação, que constitui a<br />

rivalidade (não havia já "sociedades de amigos" formadas pelos emigrados, tais como os Pitagóricos, mas<br />

sociedades ainda um pouco secretas, que encontrariam sua abertura na Grécia?); um gosto pela opinião,<br />

inconcebível num império, um gosto pela troca de opiniões, pela conversação(4). Imanência, amizade,<br />

opinião, nós encontramos sempre estes três traços gregos. Não se verá aí um mundo mais doce, tantas são<br />

as crueldades que a sociabilidade implica, as rivalidades da amizade, os antagonismos e as reviravoltas<br />

sangrentas da opinião. O milagre grego é Salamina, onde a Grécia escapa ao Império persa, e onde o povo<br />

autóctone, que perdeu seu território, o carrega para o mar, reterritorializando-se sobre o mar. A liga de Delos<br />

é como que a fractalização da Grécia. O liame mais profundo, durante um período muito curto, existiu entre a<br />

cidade democrática, a colonização, o mar e um novo imperialismo, que não via mais no mar um limite de seu<br />

território ou um obstáculo a sua empresa, mas um banho de imanência ampliada. Tudo isso, e principalmente<br />

o liame da filosofia com a Grécia, parece fora de dúvida, mas marcado por desvios e por contingência...<br />

Física, psicológica ou social, a desterritorialização é relativa na medida em que concerne à relação<br />

histórica da terra<br />

(4) Sobre esta sociabilidade pura, "aquém e além do conteúdo particular", e a democracia, a conversação, cf.

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