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O QUE É A FILOSOFIA?

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personagem que valha a pena. Só os professores podem pôr "errado" à margem, e...; mas os leitores podem<br />

ter ainda assim dúvidas sobre a importância e o interesse, isto é, a novidade do que se lhes dá para ler. São<br />

categorias do Espírito. Um grande personagem romanesco deve ser um Original, um Único, dizia Melville; um<br />

personagem conceituai também. Mesmo antipático, ele deve ser notável; mesmo repulsivo, um conceito deve<br />

ser interessante. Quando Nietzsche construía o conceito de má consciência, podia ver nele o que há de mais<br />

asqueroso no mundo, nem por isso gritava menos: é aí que o homem começa a se tornar interessante!, e<br />

considerava, com efeito, que acabava de criar um novo conceito para o homem, que convinha ao homem, em<br />

relação com o novo personagem conceituai (o sacerdote) e com uma nova imagem do pensamento (a<br />

vontade de potência apreendida sob o traço negativo do niilismo)...(13).<br />

A crítica implica novos conceitos (da coisa criticada), tanto quanto a criação mais positiva. Os<br />

conceitos devem ter contornos irregulares, moldados sobre sua matéria viva. Que é desinteressante por<br />

natureza? Os conceitos inconsistentes, o que Nietzsche chamava de os "informes e fluidos borrões de<br />

conceitos" — ou então, ao contrário, os conceitos por demais regulares, petrificados, reduzidos a uma ossa-<br />

(13) Nietzsche, Généalogie de Ia morale, I, § 6.<br />

108 ▲<br />

tura? Os conceitos mais universais, os que são apresentados como formas ou valores eternos são, deste<br />

ponto de vista, os mais esqueléticos, os menos interessantes. Não fazemos nada de positivo, mas também<br />

nada no domínio da crítica ou da história, quando nos contentamos em agitar velhos conceitos estereotipados<br />

como esqueletos destinados a intimidar toda criação, sem ver que os antigos filósofos, de que são<br />

emprestados, faziam já o que se queria impedir os modernos de fazer: eles criavam seus conceitos e não se<br />

contentavam em limpar, em raspar os ossos, como o crítico ou o historiador de nossa época. Mesmo a<br />

história da filosofia é inteiramente desinteressante se não se propuser a despertar um conceito adormecido, a<br />

relançá-lo numa nova cena, mesmo a preço de voltá-lo contra ele mesmo.<br />

Geo-filosofia<br />

109 ▲<br />

O sujeito e o objeto oferecem uma má aproximação do pensamento. Pensar não é nem um fio<br />

estendido entre um sujeito e um objeto, nem uma revolução de um em torno do outro. Pensar se faz antes na<br />

relação entre o território e a terra. Kant é menos prisioneiro que se acredita das categorias de objeto e de<br />

sujeito, já que sua idéia de revolução copernicana põe diretamente o pensamento em relação com a terra;<br />

Husserl exige um solo para o pensamento, que seria como a terra, na medida em que não se move nem está<br />

em repouso, como intuição originária. Vimos, todavia, que a terra não cessa de operar um movimento de<br />

desterritorialização in loco, pelo qual ultrapassa todo território: ela é desterrítorializante e desterritorializada.<br />

Ela se confunde com o movimento daqueles que deixam em massa seu território, lagostas que se põem a<br />

andar em fila no fundo da água, peregrinos ou cavaleiros que cavalgam numa linha de fuga celeste. A terra<br />

não é um elemento entre os outros, ela reúne todos os elementos num mesmo abraço, mas se serve de um<br />

ou de outro para desterritorializar o território. Os movimentos de desterritorialização não são separáveis dos<br />

territórios que se abrem sobre um alhures, e os processos de reterritorialização não são separáveis da terra<br />

que restitui territórios. São dois componentes, o território e a terra, com duas zonas de indiscernibilidade, a<br />

desterritorialização (do território à terra) e a reterritorialização (da terra ao território). Não se pode dizer qual é<br />

primeiro. Pergunta-se em que sentido a Grécia é o território do filósofo ou a terra da filosofia.<br />

Os Estados e as Cidades têm freqüentemente sido definidos como territoriais, substituindo o princípio<br />

das linhagens pelo princípio territorial. Mas não é exato: os grupos de linhagens podem mudar de território, só<br />

se determinam efetivamente desposando um território ou uma residência numa "linhagem local". O Estado e<br />

a Cidade, ao contrário, operam uma desterritorialização, porque um justapõe e com-<br />

113 ▲<br />

para os territórios agrícolas remetendo-os a uma Unidade superior aritmética, e o outro adapta o território a<br />

uma extensão geométrica prolongável em circuitos comerciais. O Spatium imperiale do Estado, ou a extensio<br />

política da cidade, é menos um princípio territorial que uma desterritorialização, que captamos ao vivo quando<br />

o Estado se apropria do território dos grupos locais, ou então quando a cidade ignora sua hinterlândia; a<br />

reterritorialização se faz num caso sobre o palácio e seus estoques, no outro sobre a agora e as rotas<br />

mercantis.<br />

Nos Estados imperiais, a desterritorialização é de transcendência: ela tende a se fazer em altura,

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