O QUE É A FILOSOFIA?
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em Descartes, em Leibniz...), já que o problema é somente decalcado das proposições que lhe servem de<br />
resposta.<br />
Se a filosofia é paradoxal por natureza, não é porque toma o partido das opiniões menos verossímeis,<br />
nem porque mantém as opiniões contraditórias, mas porque se serve das frases de uma língua standard para<br />
exprimir algo que não é da ordem da opinião, nem mesmo da proposição. O conceito é bem uma solução,<br />
mas o problema ao qual ele responde reside em suas condições de consistência intensional, e não, como na<br />
ciência, nas condições de referência das proposições extensionais. Se o conceito é uma solução, as<br />
condições do problema filosófico estão sobre o plano de imanência<br />
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que ele supõe (a que movimento infinito ele remete na imagem do pensamento?) e as incógnitas do problema<br />
estão nos personagens conceituais que ele mobiliza (que personagem precisamente?). Um conceito como o<br />
de conhecimento só tem sentido com relação a uma imagem do pensamento a que ele remete, e a um<br />
personagem conceituai de que precisa; uma outra imagem, um outro personagem exigem outros conceitos (a<br />
crença, por exemplo, e o Inquiridor). Uma solução não tem sentido independentemente de um problema a<br />
determinar em suas condições e em suas incógnitas, mas estas não mais têm sentido independentemente<br />
das soluções determináveis como conceitos. As três instâncias estão umas nas outras, mas não são de<br />
mesma natureza, coexistem e subsistem sem desaparecer uma na outra. Bergson, que contribuiu tanto para<br />
a compreensão do que é um problema filosófico, dizia que um problema bem colocado era um problema<br />
resolvido. Mas isso não quer dizer que um problema é somente a sombra ou o epifenômeno de suas<br />
soluções, nem que a solução é apenas a redundância ou a conseqüência analítica do problema. Significa,<br />
antes, que as três atividades que compõem o construcionismo não cessam de se alternar, de se recortar,<br />
uma precedendo a outra e logo o inverso, uma que consiste em criar conceitos, como caso de solução, outra<br />
em traçar um plano e um movimento sobre o plano, como condições de um problema, outra em inventar um<br />
personagem, como a incógnita do problema. O conjunto do problema (de que a própria solução faz parte)<br />
consiste sempre em construir as duas outras quando a terceira está em curso. Nós vimos como, de Platão a<br />
Kant, o pensamento, o "primeiro", o tempo recebiam conceitos diferentes, capazes de determinar soluções,<br />
mas em função de pressupostos que determinavam problemas diferentes; pois os mesmos termos podem<br />
aparecer duas vezes, e mesmo três vezes, uma vez nas soluções como conceitos, outra vez nos problemas<br />
pressupostos,<br />
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uma outra vez num personagem como intermediário, intercessor, mas a cada vez sob uma forma específica<br />
irredutível. Nenhuma regra e sobretudo nenhuma discussão dirão a princípio se é o bom plano, o bom<br />
personagem, o bom conceito, pois é cada um deles que decide se os dois outros deram certo ou não; mas<br />
cada um deles deve ser construído por sua conta: um criado, o outro inventado, o outro traçado. Constroemse<br />
problemas e soluções dos quais se pode dizer "Deu certo... Não deu certo...", mas somente na medida de<br />
e segundo suas co-adaptações. O construtivismo desqualifica toda discussão, que retardaria as construções<br />
necessárias, como denuncia todos os universais, a contemplação, a reflexão, a comunicação, como fontes do<br />
que se chama de "falsos problemas", que emanam das ilusões que envolvem o plano. <strong>É</strong> tudo o que se pode<br />
dizer de antemão. Pode acontecer que acreditemos ter encontrado uma solução, mas uma nova curvatura do<br />
plano, que não tínhamos visto de início, vem relançar o conjunto e colocar novos problemas, uma nova série<br />
de problemas, operando por empuxos sucessivos e solicitando conceitos futuros, por criar (nós nem mesmo<br />
sabemos se não é antes um novo plano que se destaca do precedente). Inversamente, pode acontecer que<br />
um novo conceito venha insinuar-se como uma cunha entre dois conceitos que acreditávamos vizinhos,<br />
solicitando por sua vez, sobre a mesa de imanência, a determinação de um problema que surge como uma<br />
espécie de ponte. A filosofia vive assim numa crise permanente. O plano opera por abalos, e os conceitos<br />
procedem por saraivadas, os personagens por solavancos. O que é problemático, por natureza, é a relação<br />
das três instâncias.<br />
Não se pode dizer, de antemão, se um problema está bem colocado, se uma solução convém, se é<br />
bem o caso, se um personagem é viável. <strong>É</strong> que cada uma das atividades filosóficas não encontra critério<br />
senão nas outras duas, é por<br />
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isso que a filosofia se desenvolve no paradoxo. A filosofia não consiste em saber, e não é a verdade que<br />
inspira a filosofia, mas categorias como as do Interessante, do Notável ou do Importante que decidem sobre o<br />
sucesso ou o fracasso. Ora, não se pode sabê-lo antes de ter construído. De muitos livros de filosofia, não se<br />
dirá que são falsos, pois isso não é dizer nada, mas que são sem importância nem interesse, justamente<br />
porque não criam nenhum conceito, nem trazem uma imagem do pensamento ou engendram um