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O QUE É A FILOSOFIA?

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(*) No original, aplat (N. dos T.).<br />

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mo tempo, o respeito necessário a sua aproximação, a longa espera pela qual é necessário passar, mas<br />

também a criação sem limite que as faz existir. O mesmo ocorre com o gosto dos conceitos: o filósofo só se<br />

aproxima do conceito indeterminado com temor e respeito, hesita muito em se lançar, mas só pode<br />

determinar o conceito criando-o sem medida, um plano de imanência tendo como única regra que traça e<br />

como único compasso os personagens estranhos que ele faz viver. O gosto filosófico não substitui a criação<br />

de conceitos, nem a modera, é, ao contrário, a criação de conceitos que faz apelo a um gosto que a modula.<br />

A livre criação de conceitos determinados precisa de um gosto do conceito indeterminado. O gosto é esta<br />

potência, este ser-em-potência do conceito: não é certamente por razões "racionais ou razoáveis" que tal<br />

conceito é criado, tais componentes escolhidos. Nietzsche pressentiu esta relação da criação de conceitos<br />

com um gosto propriamente filosófico, e se o filósofo é aquele que cria conceitos, é graças a uma faculdade<br />

de gosto como um "sapere" instintivo, quase animal — um Fiat ou um Fatum que dá a cada filósofo o direito<br />

de aceder a certos problemas, como um sinete marcado sobre seu nome, como uma afinidade da qual suas<br />

obras promanam(11).<br />

Um conceito está privado de sentido enquanto não concorda com outros conceitos, e não está<br />

associado a um problema que resolve ou contribui para resolver. Mas importa distinguir os problemas<br />

filosóficos e os problemas científicos. Não se ganharia grande coisa, dizendo que a filosofia coloca<br />

"questões", já que as questões são somente uma palavra para designar problemas irredutíveis aos da<br />

ciência.<br />

(11) Nietzsche, Musarion-Ausgabe, XVI, p. 35. Nietzsche invoca freqüentemente um gosto filosófico, e faz<br />

derivar o sábio de "sapere" ("sa-piens", o degustador, "sisyphos", o homem de gosto extremamente "sutil"): La<br />

naissance de Ia philosophie, Gallimard, p. 46.<br />

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Como os conceitos não são proposicionais, eles não podem remeter a problemas que concerniriam às<br />

condições extensionais de proposições assimiláveis às da ciência. Se insistimos, de qualquer modo, em<br />

traduzir o conceito filosófico em proposições, só podemos fazê-lo na forma de opiniões mais ou menos<br />

verossímeis, e sem valor científico. Mas topamos assim com uma dificuldade, que os gregos já enfrentavam.<br />

<strong>É</strong> mesmo o terceiro caráter pelo qual a filosofia passa por uma coisa grega: a cidade grega promoveu o<br />

amigo ou o rival como relação social, ela traça um plano de imanência, mas também faz reinar a livre opinião<br />

(doxa). A filosofia deve então extrair das opiniões um "saber" que as transforma e que também se distingue<br />

da ciência. O problema filosófico consiste em encontrar, em cada caso, a instância capaz de medir um valor<br />

de verdade das opiniões oponíveis, seja selecionando umas como mais sábias que as outras, seja fixando a<br />

parte que cabe a cada uma. Tal foi sempre o sentido do que se chama dialética, e que reduz a filosofia à<br />

discussão interminável12. Vemo-lo em Platão, no qual os universais de contemplação supostamente medem<br />

o valor respectivo das opiniões rivais, para elevá-las ao saber; é verdade que as contradições subsistentes<br />

em Platão, nos diálogos ditos aporéticos, forçam já Aristóteles a orientar a pesquisa dialética dos problemas<br />

na direção dos universais de comunicação (os tópicos). Em Kant ainda, o problema consistirá na seleção ou<br />

na partilha das opiniões opostas, mas graças a universais de reflexão, até que Hegel tenha a idéia de se<br />

servir da contradição das opiniões rivais, para delas extrair proposições supra-científicas, capazes de se<br />

mover, de se contemplar, se refletir, se comunicar em si mesmas e no absoluto (proposição especulativa, em<br />

que as opiniões se tornam<br />

(12) Cf. Bréhier, "La notion de problème en philosophie", <strong>É</strong>tudes de philosophie antique, P.U.F.<br />

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os momentos do conceito). Mas, sob as mais altas ambições da dialética, e qualquer que seja o gênio dos<br />

grandes dialéticos, recaímos na mais miserável condição, a que Nietzsche diagnosticava como a arte da<br />

plebe, ou o mau gosto em filosofia: a redução do conceito a proposições como simples opiniões; a submersão<br />

do plano de imanência nas falsas percepções e nos maus sentimentos (ilusões da transcendência ou dos<br />

universais); o modelo de um saber que constitui apenas uma opinião pretensamente superior, Urdoxa; a<br />

substituição dos personagens conceituais por professores ou chefes de escola. A dialética pretende encontrar<br />

uma discursi-vidade propriamente filosófica, mas só pode fazê-lo, encadeando as opiniões umas às outras.<br />

Ela pode ultrapassar a opinião na direção do saber, a opinião ressurge e persiste em ressurgir. Mesmo com<br />

os recursos de uma Urdoxa, a filosofia permanece uma doxografia. <strong>É</strong> sempre a mesma melancolia que se<br />

eleva das Questões disputadas e dos Quodlibets da Idade Média, em que se aprende o que cada doutor<br />

pensou, sem saber porque ele o pensou (o Acontecimento), e que se encontra em muitas histórias da filosofia<br />

nas quais se passa em revista as soluções, sem jamais saber qual é o problema (a substância em Aristóteles,

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