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O QUE É A FILOSOFIA?

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sobre o plano, como para traçar o próprio plano, mas as duas operações não se confundem no personagem,<br />

que se apresenta ele mesmo como um operador distinto.<br />

Os planos são inumeráveis, cada um com curvatura variável, e se agrupam ou se separam segundo os<br />

pontos de vista constituídos pelos personagens. Cada personagem tem vários traços, que podem dar lugar a<br />

outros personagens, sobre o mesmo plano ou sobre um outro: há uma proliferação de personagens<br />

conceituais. Há uma infinidade de conceitos possíveis sobre um plano: eles ressoam, ligam-se através de<br />

pontes móveis, mas é impossível prever o jeito que assumem em função das variações de curvatura. Eles se<br />

criam por saraivadas e não cessam de bifurcar. O jogo é tanto mais complexo quanto os movimentos<br />

negativos infinitos são envolvidos nos positivos sobre cada plano, exprimindo os riscos e perigos que o<br />

pensamento enfrenta, as falsas percepções e os maus sentimentos que o envolvem; há também personagens<br />

conceituais antipáticos, que colam estreitamente nos simpáticos e dos quais estes não chegam a se<br />

desgrudar (não é somente Zaratustra que está impregnado por "seu" macaco ou seu bufão, Dioniso que não<br />

se separa do Cristo, mas Sócrates que não chega a se distinguir de "seu" sofista, o filósofo crítico que não<br />

pára de conjurar seus maus duplos); há enfim conceitos repulsivos enlaçados nos atrativos, mas que<br />

desenham, sobre o plano, regiões de intensidade baixa ou vazia, e que não cessam de se isolar, de<br />

desconjuntar, de romper as conexões (a transcendência ela mesma não tem "seus" conceitos?). Mas, mais<br />

ainda que uma distribuição<br />

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vetorial, os signos de planos, de personagens e de conceitos são ambíguos, porque se dobram uns nos<br />

outros, se enlaçam ou se avizinham. <strong>É</strong> por isso que a filosofia opera sempre lance por lance.<br />

A filosofia apresenta três elementos, cada um dos quais responde aos dois outros, mas deve ser<br />

considerada em si mesma: o plano pré-filosófico que ela deve traçar (imanência), o ou os personagens prófilosóficos<br />

que ela deve inventar e fazer viver (insistência), os conceitos filosóficos que ela deve criar<br />

(consistência). Traçar, inventar, criar, esta é a trindade filosófica. Traços diagramáticos, personalísticos e<br />

intensivos. Há grupos de conceitos, caso eles ressoem ou lancem pontes móveis, cobrindo um mesmo plano<br />

de imanência que os une uns aos outros. Há famílias de planos, caso os movimentos infinitos se dobrem uns<br />

nos outros e componham variações de curvatura ou, ao contrário, selecionem variedades não componíveis.<br />

Há tipos de personagens segundo suas possibilidades de encontro, mesmo hostil, sobre um mesmo plano e<br />

num grupo. Mas é freqüentemente difícil determinar se é o mesmo grupo, o mesmo tipo, a mesma família.<br />

Para isso é necessário todo um "gosto".<br />

Como nenhum dos elementos se deduz dos outros, é necessário uma co-adaptação dos três. Chamase<br />

gosto esta faculdade filosófica de co-adaptação, e que regra a criação de conceitos. Se se chama Razão<br />

ao traçado do plano, Imaginação à invenção dos personagens, Entendimento à criação de conceitos, o gosto<br />

aparece como a tripla faculdade do conceito ainda indeterminado, do personagem ainda nos limbos, do plano<br />

ainda transparente. <strong>É</strong> por isso que é necessário criar, inventar, traçar, mas o gosto é como que a regra de<br />

correspondência das três instâncias que diferem em natureza. Não é certamente uma faculdade de medida.<br />

Não se encontrará nenhuma medida nestes movimentos infinitos que compõem o plano de imanência, estas<br />

linhas aceleradas sem<br />

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contorno, estes declives e curvaturas, nem nestes personagens sempre excessivos, por vezes antipáticos, ou<br />

nestes conceitos de formas irregulares, de intensidades estridentes, de cores tão vivas e bárbaras que podem<br />

inspirar uma espécie de "desgosto" (notadamente nos conceitos repulsivos). Todavia, o que aparece em<br />

todos os casos como gosto filosófico é o amor do conceito bem feito, chamando "bem feito" não a uma<br />

moderação do conceito, mas a uma espécie de novo lance, de modulação, em que a atividade conceituai não<br />

tem limite nela mesma, mas somente nas duas outras atividades sem limites. Se os conceitos preexistissem<br />

já prontos, teriam limites a observar; mas mesmo o plano "pré-filosófico" só é assim nomeado porque se o<br />

traça como pressuposto, e não porque ele existiria antes de ser traçado. As três atividades são estritamente<br />

simultâneas e não têm relações senão incomensuráveis. A criação de conceitos não tem outro limite senão o<br />

plano que eles vêm povoar, mas o próprio plano é ilimitado, e seu traçado só se confunde com os conceitos<br />

por criar, que deve juntar, ou com os personagens por inventar, que deve entreter. <strong>É</strong> como em pintura:<br />

mesmo para os monstros e os anões, há um gosto segundo o qual eles devem ser bem feitos, o que não quer<br />

dizer neutralizados, mas que seus contornos irregulares devem ser postos em relação com uma textura da<br />

pele ou um fundo da Terra, como matéria germinal com a qual eles parecem brincar. Há um gosto pela cor<br />

que não vem moderar a criação de cores num grande pintor mas, ao contrário, conduz a criação até o ponto<br />

em que as cores desposam suas figuras feitas de contornos, e seu plano feito de fundos uniformes(*),<br />

curvaturas, arabes-cos. Van Gogh só conduz o amarelo até o ilimitado inventando o homem-girassol, e<br />

traçando o plano das pequenas vírgulas infinitas. O gosto pelas cores testemunha, ao mes-

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