15.04.2013 Views

O QUE É A FILOSOFIA?

O QUE É A FILOSOFIA?

O QUE É A FILOSOFIA?

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

obra de velhice, uma obra desatada atrás da qual não cessarão de correr<br />

(1) Cf. Uoeuvre ultime, de Cézanne à Dubuffet, Fondation Maeght,<br />

prefácio de Jean-Louis Prat.<br />

(2) Barbéris, Chateaubriand, Ed. Larousse: "Rance, livro sobre a velhice como valor impossível, é um livro<br />

escrito contra a velhice no poder: é um livro de ruínas universais em que só se afirma o poder da escrita".<br />

seus descendentes: toil.is .is faculdades do espírito ultrapassam seus limites, estes mesmos limites que Kant<br />

tinha fixado tão cuidadosamente em seus livros de maturidade.<br />

Nós não podemos aspirar a um tal estatuto. Simplesmente chegou a hora, para nós, de perguntar o<br />

que é a filosofia. Nunca havíamos deixado de fazê-lo, e já tínhamos a resposta que não variou: a filosofia é a<br />

arte de formar, de inventar, de fabricar conceitos. Mas não seria necessário somente que a resposta<br />

acolhesse a questão, seria necessário também que determinasse uma hora, uma ocasião, circunstâncias,<br />

paisagens e personagens, condições e incógnitas da questão. Seria preciso formulá-la "entre amigos", como<br />

uma confidencia ou uma confiança, ou então face ao inimigo como um desafio, e ao mesmo tempo atingir<br />

esta hora, entre o cão e o lobo, em que se desconfia mesmo do amigo. <strong>É</strong> a hora em que se diz: "era isso,<br />

mas eu não sei se eu disse bem, nem se fui assaz convincente". E se percebe que importa pouco ter dito<br />

bem ou ter sido convincente, já que de qualquer maneira é nossa questão agora.<br />

Os conceitos, como veremos, têm necessidade de personagens conceituais que contribuam para sua<br />

definição. Amigo é um desses personagens, do qual se diz mesmo que ele testemunha a favor de uma<br />

origem grega da filosofia: as outras civilizações tinham Sábios, mas os gregos apresentam esses "amigos"<br />

que não são simplesmente sábios mais modestos. Seriam os gregos que teriam sancionado a morte do<br />

Sábio, e o teriam substituído pelos filósofos, os amigos da sabedoria, aqueles que procuram a sabedoria, mas<br />

não a possuem formalmente(3). Mas não haveria somente diferença de grau, como numa escala, entre o<br />

filósofo e o sábio: o velho sábio vindo do Oriente pensa talvez por Figura, en-<br />

(3) Kojève, "Tyrannie et sagesse", p. 235 (in Léo Strauss, De Ia tyrannie, Gallimard).<br />

quanto o filósofo inventa e pensa o Conceito. A sabedoria mudou muito, lauto mais difícil tornou-se saber o<br />

que significa "amigo", mesmo e sobretudo entre os gregos. Amigo designaria uma certa intimidade<br />

competente, uma espécie de gosto material e uma potencialidade, como aquela do marceneiro com a<br />

madeira: o bom marceneiro é, em potência, madeira, ele é o amigo da madeira? A questão é importante, uma<br />

vez que o amigo tal como ele aparece na filosofia não designa mais um personagem extrínseco, um exemplo<br />

ou uma circunstância empírica, mas uma presença intrínseca ao. pensamento, uma condição de possibilidade<br />

do próprio pensamento, uma categoria viva, um vivido transcendental. Com a filosofia, os gregos submetem a<br />

uma violência o amigo, que não está mais em relação com um outro, mas com uma Entidade, uma<br />

Objetividade, uma Essência. Amigo de Platão, mas mais ainda da sabedoria, do verdadeiro ou do conceito,<br />

Filaleto e Teófilo... O filósofo é bom em conceitos, e em falta de conceitos, ele sabe quais são inviáveis,<br />

arbitrários ou inconsistentes, não resistem um instante, e quais, ao contrário, são bem feitos e testemunham<br />

uma criação, mesmo se inquietante ou perigosa.<br />

Que quer dizer amigo, quando ele se torna personagem conceituai ou condição para o exercício do<br />

pensamento? Ou então amante, não seria antes amante? E o amigo não vai reintroduzir, até no pensamento,<br />

uma relação vital com o Outro que se tinha acreditado excluir do pensamento puro? Ou então, ainda, não se<br />

trata de alguém diferente do amigo ou do amante? Pois se o filósofo é o amigo ou o amante da sabedoria,<br />

não é porque ele aspira a ela, nela se empenhando em potência, mais do que a possuindo em ato? O amigo<br />

seria, pois, também o pretendente, e aquele de que ele se diria o amigo seria a Coisa que é alvo da<br />

pretensão, mas não o terceiro, que se tornaria ao contrário um rival? A amizade comportaria tanto<br />

desconfiança competitiva com<br />

relação ao rival, quanto tensão amorosa em direção ilo ob jeto do desejo. Quando a amizade se voltasse para<br />

a consciência, os dois amigos seriam como o pretendente e o rival (mas o que os distinguiria?). <strong>É</strong> sob este<br />

primeiro traço que a filosofia parece uma coisa grega e coincide com a contribuição das cidades: ter formado<br />

sociedades de amigos ou de iguais, mas também ter promovido, entre elas e em cada uma, relações de<br />

rivalidade, opondo pretendentes em todos os domínios, no amor, nos jogos, nos tribunais, nas magistraturas,<br />

na política, e até no pensamento, que não encontraria sua condição somente no amigo, mas no pretendente e<br />

no rival (a dialética que Platão define pela amphisbetesis). A rivalidade dos homens livres, um atletismo<br />

9 ▲<br />

10 ▲<br />

11 ▲

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!