O QUE É A FILOSOFIA?
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do infinito, a legitimidade ou a ilegitimidade). Certamente, encontraremos em Kant muitos desses traços<br />
herdados de Hume, mas ao preço de uma profunda mutação num novo plano ou segundo uma outra imagem.<br />
São sempre grandes audácias. O que muda de um plano de imanência a um outro, quando muda a repartição<br />
do que cabe de direito ao pensamento, não são somente os traços positivos ou negativos, mas os traços<br />
ambíguos, que se tornam eventualmente cada vez mais numerosos, e que não se contentam mais em dobrar<br />
segundo uma oposição vetorial de movimentos.<br />
Se tentamos, também sumariamente, traçar as linhas de uma imagem moderna do pensamento, não é<br />
de uma maneira triunfante, mesmo que seja no horror. Nenhuma imagem do pensamento pode contentar-se<br />
em selecionar determinações calmas, e todas encontram algo de abominável de direito, seja o erro no qual o<br />
pensamento não cessa de cair, seja a ilusão na qual não cessa de girar, seja a burrice na qual não cessa de<br />
se afundar, seja o delírio no qual não cessa de se desviar de si mesmo ou de um deus. Já a imagem grega do<br />
pensamento invocava a loucura do desvio duplo, que jogava o pensamento na errância infinita, mais do que<br />
no erro. Jamais a relação do pensamento com o verdadeiro foi um negócio simples, ainda menos constante,<br />
nas ambigüidades do movimento infinito. <strong>É</strong> por isso que é vão invocar uma tal relação para definir a filosofia.<br />
O primeiro caráter da imagem moderna do pensamento é talvez o de renunciar completamente a esta<br />
relação, para considerar que a verdade é somente o que o pensamento cria, tendo-se em conta o plano de<br />
imanência que se dá por pressuposto, e todos os traços deste plano, negativos tanto quanto positivos,<br />
tornados indiscerníveis: pensamento é criação, não vontade de verdade, como Nietzsche soube mostrar. Mas<br />
se não há vontade de verdade, contrariamente ao que aparecia na imagem clássica, é que o pensamento<br />
constitui uma simples "possibilidade" de pensar, sem definir ainda um pensador que seria "capaz" disso e<br />
poderia dizer Eu: que violência se deve exercer sobre o pensamento para que nos tornemos capazes de<br />
pensar, violência de um movimento infinito que nos priva ao mesmo tempo do poder de dizer Eu? Textos<br />
célebres de Heidegger e de Blanchot expõem este segundo caráter. Mas, como terceiro caráter, se há assim<br />
um "Impoder" do pensamento (que reside em seu coração, quando adquire a capacidade determinável como<br />
criação), eis que um conjunto de signos ambíguos<br />
se ergue, que se tornam traços diagramáticos ou movimentos infinitos, que assumem um valor de direito,<br />
enquanto não passavam de simples fatos derrisórios rejeitados sem seleção em outras imagens do<br />
pensamento: como o sugere Kleist ou Artaud, é o pensamento enquanto tal que se põe a ter ríctus, rangidos,<br />
gague-jos, glossolalias, gritos que o levam a criar, ou a ensaiar(13). E se o pensamento procura, é menos à<br />
maneira de um homem que disporia de um método, que à maneira de um cão que pula desordenadamente...<br />
Não há por que envaidecer-se por uma tal imagem do pensamento, que comporta muitos sofrimentos sem<br />
glória e que indica quanto o pensar tornou-se cada vez mais difícil: a imanência.<br />
A história da filosofia é comparável à arte do retrato. Não se trata de "fazer parecido", isto é, de repetir<br />
o que o filósofo disse, mas de produzir a semelhança, desnudando ao mesmo tempo o plano de imanência<br />
que ele instaurou e os novos conceitos que criou. São retratos mentais noéticos, maquínicos. E, embora<br />
sejam feitos ordinariamente com meios filosóficos, pode-se também produzi-los esteticamente. <strong>É</strong> assim que<br />
Tinguely apresentou recentemente monumentais retratos maquínicos de filósofos, operando poderosos<br />
movimentos infinitos, conjuntos ou alternativos, redobráveis e desdobráveis, com sons, clarões, matérias de<br />
ser e imagens de pensamento, segundo planos curvos complexos(14). E, todavia, se é permitido apresentar<br />
uma crítica a um ar-<br />
(13) Cf. Kleist, "De 1'élaboration progressive des idées dans le discours" (Anedoctes et petits écrits, Ed.<br />
Payot, p. 77). E Artaud, "Correspondance avec Rivière" (Obras completas, I).<br />
(14) Tinguely, catálogo Beaubourg, 1989.<br />
tista tão grandioso, parece que a tentativa não está ainda no ponto. Nada dança no Nietzsche, enquanto que<br />
Tinguely soube tão bem, em outro lugar, fazer dançar as máquinas. O Schopenhauer nada nos revela de<br />
decisivo, quando as quatro Raízes, o véu de Maya parecem inteiramente prontos para ocupar o plano bifacial<br />
do Mundo como vontade e como representação. O Hei-degger não retém nenhum velamento-desvelamento<br />
sobre o plano de um pensamento que não pensa ainda.<br />
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