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O QUE É A FILOSOFIA?

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po movimento infinito de uma matéria que não pára de se propagar e a imagem de um pensamento que não<br />

pára de fazer proliferar por toda parte uma pura consciência de direito (não é a imanência que é imanência<br />

"à" consciência, mas o inverso).<br />

Ilusões envolvem o plano. Não são contra-sensos abstratos, nem somente pressões de fora, mas<br />

miragens do pensamento. Explicam-se pelo peso de nosso cérebro, pela circulação estereotipada das<br />

opiniões dominantes, e porque não podemos suportar estes movimentos infinitos, nem dominar estas<br />

velocidades infinitas que nos destruiriam (então devemos parar o movimento, fazermo-nos novamente<br />

prisioneiros de um horizonte relativo)? E, todavia, somos nós que corremos sobre o plano de imanência, que<br />

estamos no horizonte absoluto. <strong>É</strong> necessário, em parte ao menos, que as ilusões se ergam do próprio plano,<br />

como os vapores de um pântano, como as exalações pré-socráticas que se desprendem da transformação<br />

dos elementos sempre em obra sobre o plano. Artaud dizia: "o plano de consciência" ou o plano de imanência<br />

ilimitado — o que os indianos chamam de Ciguri — engendra também alucinações, percepções errôneas,<br />

sentimentos maus...(11) Seria necessário fazer a lista dessas ilusões, tomar-lhes a medida, como Nietzsche,<br />

depois de Espinosa, fazia a lista dos "quatro grandes erros". Mas a lista é infinita. Há, de início, a ilusão de<br />

transcendência, que talvez preceda todas as outras (sob um duplo aspecto, tornar a imanência imanente a<br />

algo, e reencontrar uma transcendência, na própria imanência). Depois a ilusão dos universais, quando se<br />

confundem os conceitos com o plano; mas esta confusão se faz quando se coloca uma imanência em algo, já<br />

que este algo é necessariamente conceito: crê-se que<br />

(11) Artaud, Les Tarabumaras, (Obras completas, Gallimard, IX).<br />

o universal explique, enquanto é ele que deve ser explicado, e cai-se numa tripla ilusão, a da contemplação,<br />

ou da reflexão, ou da comunicação. Depois, ainda, a ilusão do eterno, quando esquecemos que os conceitos<br />

devem ser criados. Depois a ilusão da discursividade, quando confundimos as proposições com os<br />

conceitos... Precisamente, não convém acreditar que todas estas ilusões se encadeiem logicamente como<br />

proposições; elas ressoam ou reverberam, e formam uma névoa espessa em torno do plano.<br />

O plano de imanência toma do caos determinações, com as quais faz seus movimentos infinitos ou<br />

seus traços diagramáticos. Pode-se, deve-se então supor uma multiplicidade de planos, já que nenhum<br />

abraçaria todo o caos sem nele recair, e que todos retêm apenas movimentos que se deixam dobrar juntos.<br />

Se a história da filosofia apresenta tantos planos muito distintos, não é somente por causa das ilusões, da<br />

variedade das ilusões, não é somente porque cada um tem sua maneira sempre recomeçada de relançar a<br />

transcendência; é também, mais profundamente, em sua maneira de fazer a imanência. Cada plano opera<br />

uma seleção do que cabe de direito ao pensamento, mas é esta seleção que varia de um para outro. Cada<br />

plano de imanência é Uno-Todo: não é parcial como um conjunto científico, nem fragmentário como os<br />

conceitos, mas distributivo, é um "cada um". O plano de imanência é folhado. <strong>É</strong>, sem dúvida, difícil estimar,<br />

em cada caso comparado, se há um só e mesmo plano, ou vários diferentes; os pré-socráticos têm uma<br />

imagem comum do pensamento, malgrado as diferenças entre Heráclito e Parmênides? Pode-se falar de um<br />

plano de imanência ou de uma imagem do pensamento dita clássica, que se manteria de Platão a Descartes?<br />

O que varia não são somente os planos, mas a maneira de distribuí-los. Há somente pontos de vista mais ou<br />

menos longínquos ou aproximados, que permitem agrupar as folhas diferentes sobre um período bas-<br />

tante longo, ou, ao contrário, separar folhas sobre um plano que pareceria comum — e de onde viriam estes<br />

pontos de vista, malgrado o horizonte absoluto? Podemos contentar-nos aqui com um historicismo, um<br />

relativismo generalizado? Com relação a tudo isto, a questão do uno ou do múltiplo torna-se novamente a<br />

mais importante ao introduzir-se no plano.<br />

No limite, não é todo grande filósofo que traça um novo plano de imanência, que traz uma nova<br />

matéria do ser e erige uma nova imagem do pensamento, de modo que não haveria dois grandes filósofos<br />

sobre o mesmo plano? <strong>É</strong> verdade que nós não imaginamos um grande filósofo do qual não se pudesse dizer:<br />

ele mudou o que significa pensar, "pensou de outra maneira" (segundo a fórmula de Foucault). E quando se<br />

distinguem várias filosofias num mesmo autor, não é porque ele próprio tinha mudado de plano, encontrado<br />

mais uma nova imagem? Não se pode ser insensível à queixa de Biran, próximo da morte, "eu me sinto um<br />

pouco velho para recomeçar a construção"(12). Em contrapartida, não são filósofos aqueles funcionários que<br />

não renovam a imagem do pensamento, e não têm sequer consciência do problema, na beatitude de um<br />

pensamento inteiramente pronto, que ignoram até o labor daqueles que pretendem tomar por modelos. Mas,<br />

então, como se entender em filosofia, se há todas estas folhas que ora se juntam e ora se separam? Não<br />

estamos condenados a tentar traçar nosso próprio plano, sem saber quais ele vai superpor? Não é<br />

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