O QUE É A FILOSOFIA?
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conceitos secundários, por si mesmos exangues. O conceito filosófico não se refere ao vivido, por<br />
compensação, mas consiste, por sua própria criação, em erigir um acontecimento que sobrevoe todo o vivido,<br />
bem como qualquer estado de coisas. Cada conceito corta o acontecimento, o recorta a sua maneira. A<br />
grandeza de uma filosofia avalia-se pela natureza dos acontecimentos aos quais seus conceitos nos<br />
convocam, ou que ela nos torna capazes de depurar em conceitos. Portanto, é necessário experimentar em<br />
seus mínimos detalhes o vínculo único, exclusivo, dos conceitos com a filosofia como disciplina criadora. O<br />
conceito pertence à filosofia e só a ela pertence.<br />
(4) Gilles-Gaston Granger, Pour Ia connaissance philosophique, Ed. Odile Jacob, cap. VI.<br />
O Plano de Imanência<br />
Os conceitos filosóficos são totalidades fragmentárias que não se ajustam umas às outras, já que suas<br />
bordas não coincidem. Eles nascem de lances de dados, não compõem um quebra-cabeças. E, todavia, eles<br />
ressoam, e a filosofia que os cria apresenta sempre um Todo poderoso, não fragmentado, mesmo se<br />
permanece aberto: Uno-Todo ilimitado, omnitudo que os compreende a todos num só e mesmo plano. <strong>É</strong> uma<br />
mesa, um platô, uma taça. <strong>É</strong> um plano de consistência ou, mais exatamente, o plano de imanência dos<br />
conceitos, o planômeno. Os conceitos e o plano são estritamente correlativos, mas nem por isso devem ser<br />
confundidos. O plano de imanência não é um conceito, nem o conceito de todos os conceitos. Se estes<br />
fossem confundíveis, nada impediria os conceitos de se unificarem, ou de tornarem-se universais e de<br />
perderem sua singularidade, mas também nada impediria o plano de perder sua abertura. A filosofia é um<br />
construtivismo, e o construtivismo tem dois aspectos complementares, que diferem em natureza: criar<br />
conceitos e traçar um plano. Os conceitos são como as vagas múltiplas que se erguem e que se abaixam,<br />
mas o plano de imanência é a vaga única que os enrola e os desenrola. O plano envolve movimentos infinitos<br />
que o percorrem e retornam, mas os conceitos são velocidades infinitas de movimentos finitos, que percorrem<br />
cada vez somente seus próprios componentes. De Epicuro a Espinosa (o prodigioso livro V...), de Espinosa a<br />
Michaux, o problema do pensamento é a velocidade infinita, mas esta precisa de um meio que se mova em si<br />
mesmo infinitamente, o plano, o vazio, o horizonte. <strong>É</strong> necessário a elasticidade do conceito, mas também a<br />
fluidez do meio(1). <strong>É</strong> necessário os dois para compor "os seres lentos" que nós somos.<br />
(1) Sobre a elasticidade do conceito, Hubert Damisch, Prefácio a Pros-pectus de Dubuffet, Gallimard, I, pp.<br />
18-19.<br />
Os conceitos são o arquipélago ou a ossatura, antes uma coluna vertebral que um crânio, enquanto o<br />
plano é a respiração que banha essas tribos isoladas. Os conceitos são superfícies ou volumes absolutos,<br />
disformes e fragmentários, enquanto o plano é o absoluto ilimitado, informe, nem superfície nem volume, mas<br />
sempre fractal. Os conceitos são agenciamentos concretos como configurações de uma máquina, mas o<br />
plano é a máquina abstrata cujos agenciamentos são as peças. Os conceitos são acontecimentos, mas o<br />
plano é o horizonte dos acontecimentos, o reservatório ou a reserva de acontecimentos puramente<br />
conceituais: não o horizonte relativo que funciona como um limite, muda com um observador e engloba<br />
estados de coisas observáveis, mas o horizonte absoluto, independente de todo observador, e que torna o<br />
acontecimento como conceito independente de um estado de coisas visível em que ele se efetuaria(2). Os<br />
conceitos ladrilham, ocupam ou povoam o plano, pedaço por pedaço, enquanto o próprio plano é o meio<br />
indivisível em que os conceitos se distribuem sem romper-lhe a integridade, a continuidade: eles ocupam sem<br />
contar (a cifra do conceito não é um número), ou se distribuem sem dividir. O plano é como um deserto que<br />
os conceitos povoam sem partilhar. São os conceitos mesmos que são as únicas regiões do plano, mas é o<br />
plano que é o único suporte dos conceitos. O<br />
(2) Jean-Pierre Luminet distingue os horizontes relativos, como o horizonte terrestre centrado sobre um<br />
observador e se deslocando com ele, e o horizonte absoluto, "horizonte dos acontecimentos", independente<br />
de todo observador e que separa os acontecimentos em duas categorias, vistos e não-vistos, comunicáveis e<br />
não-comunicáveis ("le trou noir et l'in-fini", in Les dimensions de 1'infini, Instituto Cultural Italiano de Paris).<br />
Nós nos reportaremos também ao texto zen do monge japonês Dôgen, que invoca o horizonte ou a "reserva"<br />
dos acontecimentos: Shô-bogen-zo, Ed. de Ia Différence, tradução e comentários de René de Ceccaty e<br />
Nakamura.<br />
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