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O QUE É A FILOSOFIA?

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caso do cogito kantiano. Sem dúvida Kant construiu um plano "transcendental" que torna a dúvida inútil e<br />

muda também a natureza dos pressupostos. Mas é em virtude desse plano que ele pode declarar que se "eu<br />

penso" é uma determinação que implica a este título uma existência indeterminada ("eu sou"), nem por isso<br />

sabemos como este indeterminado se torna determinável, nem portanto sob qual forma ele aparece como<br />

determina-<br />

do. Kant "critica", pois, Descartes por ter dito: eu sou uma substância pensante, já que nada funda uma tal<br />

pretensão do Eu. Kant exige a introdução de um novo componente no cogito, aquele que Descartes tinha<br />

recusado: precisamente o tempo, pois é somente no tempo que minha existência indeterminada se torna<br />

determinável. Mas eu não sou determinado no tempo, a não ser como eu passivo e fenomenal, sempre<br />

afetável, modificável, variável. Eis que o cogito apresenta agora quatro componentes: eu penso e, por isso,<br />

sou ativo; eu tenho uma existência; portanto esta existência não é determinável senão no tempo como aquela<br />

de um eu passivo; eu sou, pois, determinado como um eu passivo que se representa necessariamente sua<br />

própria atividade pensante como um Outro que o afeta. Não é um outro sujeito, é antes o sujeito que se torna<br />

um outro... <strong>É</strong> a via de uma conversão do eu em outrem? Uma preparação do "Eu é um outro"? <strong>É</strong> uma nova<br />

sintaxe, com outras ordenadas, outras zonas de indiscernibilidade asseguradas pelo esquema, depois pela<br />

afecção de si por si, que tornam inseparáveis o Eu (Je) e o Mim (Moi). Que Kant "critique" Descartes significa<br />

somente que traçou um plano e construiu um problema que não podem ser ocupados ou efetuados pelo<br />

cogito cartesiano. Descartes tinha criado o cogito como conceito, mas expulsando o tempo como forma de<br />

anterioridade para fazer dele um simples modo de sucessão que remete à criação contínua. Kant reintroduz o<br />

tempo no cogito, mas um tempo inteiramente diferente daquele da anterioridade platônica. Criação de<br />

conceito. Ele faz do tempo um componente de um novo cogito, mas sob a condição de fornecer por sua vez<br />

um novo conceito do tempo: o tempo torna-se forma de inferioridade, com três componentes, sucessão, mas<br />

também simultaneidade e<br />

permanência. O que implica, ainda, um novo conceito de espaço, que não pode mais ser definido pela<br />

simples simultaneidade, e se torna forma de exterioridade. <strong>É</strong> uma revolução considerável. Espaço, tempo, Eu<br />

penso, três conceitos originais ligados por pontes que são outras tantas encruzilhadas. Uma saraivada de<br />

novos conceitos. A história da filosofia não implica somente que se avalie a novidade histórica dos conceitos<br />

criados por um filósofo, mas a potência de seu devir quando eles passam uns pelos outros.<br />

Em toda parte reencontramos o mesmo estatuto pedagógico do conceito: uma multiplicidade, uma<br />

superfície ou um volume absolutos, auto-referentes, compostos de um certo número de variações intensivas<br />

inseparáveis segundo uma ordem de vizinhança, e percorridos por um ponto em estado de sobrevôo. O<br />

conceito é o contorno, a configuração, a constelação de um acontecimento por vir. Os conceitos, neste<br />

sentido, pertencem de pleno direito à filosofia, porque é ela que os cria, e não cessa de criá-los. O conceito é<br />

evidentemente conhecimento, mas conhecimento de si, e o que ele conhece é o puro acontecimento, que não<br />

se confunde com o estado de coisas no qual se encarna. Destacar sempre um acontecimento das coisas e<br />

dos seres é a tarefa da filosofia quando cria conceitos, entidades. Erigir o novo evento das coisas e dos<br />

seres, dar-lhes sempre um novo acontecimento: o espaço, o tempo, a matéria, o pensamento, o possível<br />

como acontecimentos...<br />

<strong>É</strong> inútil atribuir conceitos à ciência: mesmo quando ela se ocupa dos mesmos "objetos", não é sob o<br />

aspecto do conceito, não é criando conceitos. Dir-se-á que é uma questão de palavras, mas é raro que as<br />

palavras não impliquem intenções e armadilhas. Seria uma pura questão de palavras se decidíssemos<br />

reservar o conceito à ciência, sob condição<br />

ilc se encontrar outra palavra para designar o negócio da filosofia. Mas o mais das vezes procedemos de<br />

outra maneira. Começamos por atribuir o poder do conceito à ciência, definimos o conceito pelos<br />

procedimentos criativos da ciência, medimo-lo pela ciência, depois perguntamos se não resta uma<br />

possibilidade para que a filosofia forme por sua vez conceitos de segunda zona, que suprem sua própria<br />

insuficiência por um vago apelo ao vivido. Assim Gilles Gaston-Granger começa por definir o conceito como<br />

uma proposição ou uma função científicas, depois concede que pode até mesmo haver conceitos filosóficos<br />

que substituam a referência ao objeto pelo correlato de uma "totalidade do vivido"(4). Mas, de fato, ou a<br />

filosofia ignora tudo a respeito do conceito, ou ela o conhece de pleno direito e de primeira mão, a ponto de<br />

nada dele deixar para a ciência, que aliás não tem nenhuma necessidade dele e que só se ocupa de estados<br />

de coisas e de suas condições. As proposições ou funções bastam para a ciência, ao passo que a filosofia<br />

não tem necessidade, por seu lado, de invocar um vivido que só daria uma vida fantasmática e extrínseca a<br />

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