O QUE É A FILOSOFIA?
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constatar que um conceito se esvanece, perde seus componentes ou adquire outros<br />
novos que o transformam, quando é mergulhado em um novo meio. Mas aqueles que criticam sem criar,<br />
aqueles que se contentam em defender o que se esvanesceu sem saber dar-lhe forças para retornar à vida,<br />
eles são a chaga da filosofia. São animados pelo ressentimento, todos esses discutidores, esses<br />
comunicadores. Eles não falam senão deles mesmos, confrontando generalidades vazias. A filosofia tem<br />
horror a discussões. Ela tem mais que fazer. O debate lhe é insuportável, não porque ela é segura demais de<br />
si mesma: ao contrário, são suas incertezas que a arrastam para outras vias mais solitárias. Contudo,<br />
Sócrates não fazia da filosofia uma livre discussão entre amigos? Não é o auge da sociabilidade grega como<br />
conversação de homens livres? De fato, Sócrates tornou toda discussão impossível, tanto sob a forma curta<br />
de um agôn de questões e respostas, quanto sob a forma longa de uma rivalidade de discursos. Ele fez do<br />
amigo o amigo exclusivo do conceito, e do conceito o impiedoso monólogo que elimina, um após o outro,<br />
todos os rivais.<br />
EXEMPLO II<br />
O Parmênides mostra quanto Platão é mestre do conceito. O Uno tem dois componentes (o ser e o<br />
não-ser), fases de componentes (o Uno superior ao ser, igual ao ser, inferior ao ser; o Uno superior ao nãoser,<br />
igual ao não-ser), zonas de indiscernibilidade (com relação a si, com relação aos outros). E um modelo<br />
de conceito.<br />
Mas o Uno não precede todo conceito? <strong>É</strong> aí que Platão ensina o contrário daquilo que faz: ele cria os<br />
conceitos, mas precisa colocá-los como representando o incriado que os precede. Ele põe o tempo no<br />
conceito, mas este tempo deve ser o Anterior. Ele constrói o conceito, mas como testemunha da<br />
preexistência de uma objetidade, sob a forma de uma diferença de tempo,<br />
capaz de medir o distanciamento ou a proximidade do construtor eventual. <strong>É</strong> que, no plano platônico, a<br />
verdade se põe como pressuposta, como já estando lá. Tal é a Idéia. No conceito platônico de Idéia, primeiro<br />
toma um sentido muito preciso, muito diferente daquele que terá em Descartes: é o que possui objetivamente<br />
uma qualidade pura, ou o que não é outra coisa senão o que ele é. Só a Justiça é justa, a Coragem é<br />
corajosa, tais são as Idéias, e há Idéia de mãe se há uma mãe que não é outra coisa senão mãe (que não<br />
teria sido filha por sua vez), ou pêlo, que não é outra coisa senão pêlo (e não cilicium também). Está<br />
entendido que as coisas, ao contrário, são sempre diferentes daquilo que elas são: no melhor dos casos, elas<br />
não possuem portanto a qualidade senão secundariamente, não podem senão aspirar à qualidade, e somente<br />
na medida em que elas participam da Idéia. Então o conceito de Idéia tem os seguintes componentes: a<br />
qualidade possuída ou por possuir; a Idéia que possui primordialmente, como imparticipável; o que aspira à<br />
qualidade, e não pode possuí-la a não ser secundariamente, terciariamente, quaternária-mente...; a Idéia<br />
participada, que julga as pretensões. Dir-se-ia o Pai, um pai duplo, a filha e os pretendentes. São as<br />
ordenadas intensivas da Idéia: uma pretensão não estará fundada a não ser por uma vizinhança, uma maior<br />
ou menor proximidade que se "teve" com relação à Idéia, no sobrevôo de um tempo sempre anterior,<br />
necessariamente anterior. O tempo sob esta forma de anterioridade pertence ao conceito, ele é como que sua<br />
zona. Seguramente não é neste plano grego, sobre este solo platônico, que o cogito pode eclodir. Enquanto<br />
subsistir a preexistência da Idéia (mesmo à maneira cristã dos arquétipos no entendimento de Deus), o cogito<br />
poderá ser preparado, mas não levado a cabo. Para que<br />
Descartes crie este conceito, será necessário que "primeiro" mude singularmente de sentido, tome um sentido<br />
subjetivo, e que toda diferença de tempo se anule entre a idéia e a alma que a forma enquanto sujeito (donde<br />
a importância da observação de Descartes contra a reminiscência, quando diz que as idéias inatas não são<br />
"antes", mas "ao mesmo tempo" que a alma). Será necessário que se chegue a uma instantaneidade do<br />
conceito, e que Deus crie até as verdades. Será necessário que a pretensão mude de natureza: o<br />
pretendente cessa de receber a filha das mãos de um pai para devê-la apenas a suas próprias proezas<br />
cavalheirescas..., a seu próprio método. A questão de saber se Malebranche pode reativar componentes<br />
platônicos num plano autenticamente cartesiano, e a que preço, deveria ser analisada deste ponto de vista.<br />
Mas queríamos apenas mostrar que um conceito tem sempre componentes que podem impedir a aparição de<br />
um outro conceito, ou, ao contrário, que só podem aparecer ao preço do esvanecimento de outros conceitos.<br />
Entretanto, nunca um conceito vale por aquilo que ele impede: ele só vale por sua posição incomparável e<br />
sua criação própria.<br />
Suponhamos que se acrescente um componente a um conceito: é provável que ele estoure, ou<br />
apresente uma mutação completa, implicando talvez um outro plano, em todo caso outros problemas. <strong>É</strong> o<br />
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