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O QUE É A FILOSOFIA?

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as "provas" da existência de Deus como acontecimento infinito, a terceira (prova ontológica) assegurando o<br />

fechamento do conceito, mas também lançando, por sua vez, uma ponte ou uma bifurcação na direção de um<br />

conceito de extensão, porquanto garante o valor objetivo de verdade das outras idéias claras e distintas de<br />

que dispomos.<br />

Quando nos perguntamos: há precursores do cogito?, queremos dizer: há conceitos assinados por<br />

filósofos anteriores, que teriam componentes semelhantes ou quase idênticos, mas onde faltaria um, ou então<br />

que acrescentariam outros, de tal maneira que um cogito não chegaria a cristalizar-se, os componentes não<br />

coincidindo ainda em um eu? Tudo parecia pronto e todavia algo faltava. O conceito anterior remetia talvez a<br />

um outro problema, diferente daquele do cogito (é preciso uma mutação de problema para que o cogito<br />

cartesiano apareça), ou mesmo se desenrolava sobre um outro plano. O plano cartesiano consiste em<br />

recusar todo pressuposto objetivo explícito, em que cada conceito remeteria a outros conceitos (por exemplo,<br />

o homem animal-racional). Ele exige somente uma compreensão pré-filosófica, isto é, pressupostos implícitos<br />

e subjetivos: todo mundo sabe o que quer dizer pensar, ser, eu (sabe-se fazendo-o, sendo ou dizendo-o). <strong>É</strong><br />

uma distinção muito nova. Esse plano exige um conceito primeiro que não deve pressupor nada de objetivo.<br />

De modo que o problema é: qual é o primeiro conceito sobre este plano, ou por qual começar para determinar<br />

a verdade como certeza subjetiva absolutamente pura? Tal é o cogito. Os outros conceitos poderão<br />

conquistar a objetividade, mas com a condição de serem ligados por pontes ao primeiro conceito, de<br />

responderem a problemas sujeitos às mesmas condições, e de permanecerem sobre o<br />

mesmo plano: será a objetividade que adquire um conhecimento certo, e não a objetividade que supõe uma<br />

verdade reconhecida como preexistente ou já lá.<br />

<strong>É</strong> inútil perguntar se Descartes tinha ou não razão. Pressupostos subjetivos e implícitos valem mais<br />

que pressupostos objetivos explícitos? <strong>É</strong> necessário "começar" e, no caso positivo, é necessário começar do<br />

ponto de vista de uma certeza subjetiva? O pensamento pode, sob essa condição, ser o verbo de um Eu?<br />

Não há resposta direta. Os conceitos cartesianos não podem ser avaliados a não ser em função dos<br />

problemas aos quais eles respondem e do plano sobre o qual eles ocorrem. Em geral, se os conceitos<br />

anteriores puderam preparar um conceito, sem por isso constituí-lo, é que seu problema estava ainda<br />

enlaçado com outros, e o plano não tinha ainda a curvatura ou os movimentos indispensáveis. E se conceitos<br />

podem ser substituídos por outros, é sob a condição de novos problemas e de um outro plano, com relação<br />

aos quais (por exemplo) "Eu" perde todo sentido, o começo perde toda necessidade, os pressupostos toda<br />

diferença — ou assumem outras. Um conceito tem sempre a verdade que lhe advém em função das<br />

condições de sua criação. Há um plano melhor que todos os outros, e problemas que se impõem contra os<br />

outros? Justamente não se pode dizer nada a este respeito. Os planos, é necessário fazê-los, e os<br />

problemas, colocá-los, como é necessário criar os conceitos. O filósofo faz o que pode, mas tem muito a fazer<br />

para saber se é o melhor, ou mesmo se interessar por esta questão. Certamente, os novos conceitos devem<br />

estar em relação com problemas que são os nossos, com nossa história e sobretudo com nossos devires.<br />

Mas que significam os conceitos de nosso tempo ou de um tempo qualquer? Os conceitos não são eternos,<br />

mas são por isso temporais? Qual é a forma filosófica dos problemas deste tempo? Se um concei-<br />

to é "melhor" que o precedente, é porque ele faz ouvir novas variações e ressonâncias desconhecidas, opera<br />

recortes insólitos, suscita um Acontecimento que nos sobrevoa. Mas não é já o que fazia o precedente? E se<br />

podemos continuar sendo platônicos, cartesianos ou kantianos hoje, é porque temos direito de pensar que<br />

seus conceitos podem ser reativados em nossos problemas e inspirar os conceitos que é necessário criar. <strong>É</strong><br />

qual é a melhor maneira de seguir os grandes filósofos, repetir o que eles disseram, ou então fazer o que eles<br />

fizeram, isto é, criar conceitos para problemas que mudam necessariamente?<br />

<strong>É</strong> por isso que o filósofo tem muito pouco prazer em discutir. Todo filósofo foge quando ouve a frase:<br />

vamos discutir um pouco. As discussões são boas para as mesas redondas, mas é sobre uma outra mesa<br />

que a filosofia joga seus dados cifrados. As discussões, o mínimo que se pode dizer é que elas não fariam<br />

avançar o trabalho, já que os interlocutores nunca falam da mesma coisa. Que alguém tenha tal opinião, e<br />

pense antes isto que aquilo, o que isso pode importar para a filosofia, na medida em que os problemas em<br />

jogo não são enunciados? E quando são enunciados, não se trata mais de discutir, mas de criar indiscutíveis<br />

conceitos para o problema que nós nos atribuímos. A comunicação vem sempre cedo demais ou tarde<br />

demais, e a conversação está sempre em excesso, com relação a criar. Fazemos, às vezes, da filosofia a<br />

idéia de uma perpétua discussão como "racionalidade comunicativa" ou como "conversação democrática<br />

universal". Nada é menos exato e, quando um filósofo critica um outro, é a partir de problemas e de um plano<br />

que não eram aqueles do outro, e que fazem fundir os antigos conceitos, como se pode fundir um canhão<br />

para fabricar a partir dele novas armas. Não estamos nunca sobre o mesmo plano. Criticar é somente<br />

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