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O QUE É A FILOSOFIA?

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O conceito é, portanto, ao mesmo tempo absoluto e relativo: relativo a seus próprios componentes, aos<br />

outros conceitos, ao plano a partir do qual se delimita, aos problemas que se supõe deva resolver, mas<br />

absoluto pela conden-<br />

(2) Sobre o sobrevôo, e as superfícies ou volumes absolutos como seres reais, cf. Raymond Ruyer, Néofinalisme,<br />

P.U.F., cap. IX-XI.<br />

sação que opera, pelo lugar que ocupa sobre o plano, pelas condições que impõe ao problema. <strong>É</strong> absoluto<br />

como todo, mas relativo enquanto fragmentário. <strong>É</strong> infinito por seu sobrevôo ou sua velocidade, mas finito por<br />

seu movimento que traça o contorno dos componentes. Um filósofo não pára de remanejar seus conceitos, e<br />

mesmo de mudá-los; basta às vezes um ponto de detalhe que se avoluma, e produz uma nova condensação,<br />

acrescenta ou retira componentes. O filósofo apresenta às vezes uma amnésia que faz dele quase um<br />

doente: Nietzsche, diz Jaspers, "corrigia ele mesmo suas idéias, para constituir novas, sem confessá-lo<br />

explicitamente; em seus estados de alteração, esquecia as conclusões às quais tinha chegado<br />

anteriormente". Ou Leibniz: "eu acreditava entrar no porto, mas... fui jogado novamente em pleno mar"(3). O<br />

que porém permanece absoluto é a maneira pela qual o conceito criado se põe nele mesmo e com outros. A<br />

relatividade e a absolutidade do conceito são como sua pedagogia e sua ontologia, sua criação e sua<br />

autoposição, sua idealidade e sua realidade. Real sem ser atual, ideal sem ser abstrato... O conceito definese<br />

por sua consistência, endo-consistência e exo-consistência, mas não tem referência: ele é auto-referencial,<br />

põe-se a si mesmo e põe seu objeto, ao mesmo tempo que é criado. O construtivismo une o relativo e o<br />

absoluto.<br />

Enfim, o conceito não é discursivo, e a filosofia não é uma formação discursiva, porque não encadeia<br />

proposições. <strong>É</strong> a confusão do conceito com a proposição que faz acreditar na existência de conceitos<br />

científicos, e que considera a proposição como uma verdadeira "intensão" (o que a frase exprime): então o<br />

conceito filosófico só aparece, quase sempre, como uma proposição despida de sentido. Esta confusão reina<br />

na lógica, e explica a idéia infantil que ela tem da<br />

(3) Leibniz, Système nouveau de Ia Nature, §12.<br />

filosofia. Medem-se os conceitos por uma gramática "filosófica" que os substitui por proposições extraídas das<br />

frases onde eles aparecem: somos restringidos sempre a alternativas entre proposições, sem ver que o<br />

conceito já foi projetado no terceiro excluído. O conceito não é, de forma alguma, uma proposição, não é<br />

proposicional, e a proposição não é nunca uma intensão. As proposições definem-se por sua referência, e à<br />

referência não concerne ao Acontecimento, mas a uma relação com o estado de coisas ou de corpos, bem<br />

como às condições desta relação. Longe de constituir uma intensão, estas condições são todas extensionais:<br />

implicam sucessivas operações de enquadramento em abcissas ou de linearização que fazem os dados<br />

intensivos entrar em coordenadas espaço-temporais e energéticas, em operações de correspondência entre<br />

conjuntos assim delimitados. São essas sucessões e essas correspondências que definem a discursividade<br />

nos sistemas extensivos; e a independência das variáveis nas proposições opõe-se à inseparabilidade das<br />

variações no conceito. Os conceitos, que só têm consistência ou ordenadas intensivas fora de coordenadas,<br />

entram livremente em relações de ressonância não discursiva, seja porque os componentes de um se tornam<br />

conceitos com outros componentes sempre heterogêneos, seja porque não apresentam entre si nenhuma<br />

diferença de escala em nenhum nível. Os conceitos são centros de vibrações, cada um em si mesmo e uns<br />

em relação aos outros. <strong>É</strong> por isso que tudo ressoa, em lugar de se seguir ou de se corresponder. Não há<br />

nenhuma razão para que os conceitos se sigam. Os conceitos, como totalidades fragmentárias, não são<br />

sequer os pedaços de um quebra-cabeça, pois seus contornos irregulares não se correspondem. Eles<br />

formam um muro, mas é um muro de pedras secas e, se tudo é tomado conjuntamente, é por caminhos<br />

divergentes. Mesmo as pontes, de um conceito a um outro, são ainda encruzilhadas, ou desvios que não<br />

circuns-<br />

crevem nenhum conjunto discursivo. São pontes moventes. Desse ponto de vista, não é errado considerar<br />

que a filosofia está em estado de perpétua digressão ou digressividade. Daí decorrem grandes diferenças<br />

entre a enunciação filosófica dos conceitos fragmentários e a enunciação científica das proposições parciais.<br />

Sob um primeiro aspecto, toda enunciação é enunciação de posição; mas ela permanece exterior à<br />

proposição, porque tem por objeto um estado de coisas como referente, e por condições as referências que<br />

constituem valores de verdade (mesmo se estas condições em si mesmas são interiores ao objeto). Ao<br />

contrário, a enunciação de posição é estritamente imanente ao conceito, já que este não tem outro objeto<br />

senão a inseparabilidade dos componentes pelos quais ele próprio passa e repassa, e que constitui sua<br />

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