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wecisley ribeiro do espirito santo-dissertaçao mestrado-ppgas-ufrj ...

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debocha<strong>do</strong> de demonstrar carinho da parte de suas colegas. Ela mesma falava largamente<br />

disso sem nenhuma inquietação séria, mas estampava em risadas lembran<strong>do</strong> de episódios<br />

em que seu embaraço havia lhe coloca<strong>do</strong> em situações cômicas. Nesta mesma época havia<br />

um comercial de televisão que exibia um personagem também muito desajeita<strong>do</strong> chama<strong>do</strong><br />

“Zé Ovinho”. As colegas de Lúcia não tardaram a batizá-la com este apeli<strong>do</strong>. Não obstante,<br />

de mo<strong>do</strong> algum naquele momento, nossa interlocutora interpretou estas brincadeiras como<br />

uma experiência vexatória. Ao contrário, ela mesma assumiu o apeli<strong>do</strong> 52 como um artifício<br />

cômico, para divertir suas colegas, nos momentos de sociabilidade entre elas.<br />

Entretanto, com as alterações estruturais <strong>do</strong> processo produtivo e mudanças<br />

correspondentes no “habitus” (para empregar uma categoria de Pierre Bourdieu) da equipe<br />

de costureiras, o personagem cômico foi gradativamente se converten<strong>do</strong> na presença de um<br />

empecilho ao aumento das gratificações coletivas por produção – e “Zé Ovinho” sofreu<br />

uma metamorfose engendrada no bojo da “célula” de produção, tornan<strong>do</strong>-se “Cabeção”,<br />

isto é, uma costureira marcada com o signo da inferioridade profissional. Desnecessário é<br />

dizer que este estigma, por efeito de contraste, alude ironicamente a supostas inferioridades<br />

intelectuais. Os efeitos desta mudança de relações entre as costureiras foram catastróficos<br />

sobre a vida emocional de Lúcia. Daí que to<strong>do</strong> o processo tenha culmina<strong>do</strong> no episódio de<br />

sua explosão de fúria:<br />

“Elas tanto me chamaram de “mole”, e não sei o quê, e não sei o que lá, e<br />

ficavam falan<strong>do</strong> e me imprensavam. E tinha dias em que a máquina<br />

estava ruim e eles achavam que eu estava de sacanagem. E eu agüentei<br />

isso durante nove anos! E um belo dia eu joguei a caixa para o alto, as<br />

peças, me estressei e comecei a chorar. E sai gritan<strong>do</strong> que queria ser<br />

mandada embora. Fui direto para o escritório pedir as contas. Minha<br />

vontade era jogar a caixa na cara de uma colega”. (Entrevista com Lúcia).<br />

Atualmente Lúcia trabalha em casa, no sistema de “facção” com a máquina Três<br />

Pontos – precisamente uma das mais difíceis de se aprender. No sistema de “facção” a<br />

costureira recebe, em sua própria casa, uma máquina emprestada pela fábrica para que ela<br />

possa realizar uma etapa <strong>do</strong> processo produtivo. Aqui a remuneração se dá também por<br />

produtividade, mas a “facção” paga R$0,10 por peça, no caso da máquina de Três Pontos.<br />

Isso significa que, para que Lúcia tenha uma remuneração equivalente à que recebia na<br />

52 “Not only men and women of affairs but also ordinary people tell themselves stories about who they are,<br />

what they care about, and how they hope to realize their aspirations. Such stories significantly shape<br />

human conduct. Thus they cannot be ignored by social analysis”. (Rosal<strong>do</strong>, 1989: 129-130).<br />

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