wecisley ribeiro do espirito santo-dissertaçao mestrado-ppgas-ufrj ...
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setores, têm se integra<strong>do</strong> ás fileiras produtivas das fábricas e confecções de lingerie. Este<br />
fato gradualmente vem alteran<strong>do</strong> a distribuição sexual <strong>do</strong> trabalho historicamente<br />
consagrada. Distribuição que faz <strong>do</strong> setor de vestuário um local de exploração da força-de-<br />
trabalho fundamentalmente feminina.<br />
Não obstante, o mo<strong>do</strong> nativo de referência aos quadros desta categoria profissional<br />
oblitera este fenômeno recente de re-configuração <strong>do</strong> merca<strong>do</strong> de trabalho friburguense. As<br />
referências <strong>do</strong>s habitantes à categoria <strong>do</strong> vestuário local são freqüentemente marcadas por<br />
expressões como “as costureiras”, sempre no feminino. Subverte-se, por conseguinte, a<br />
regra gramatical segun<strong>do</strong> a qual a presença simultânea de ambos os gêneros deve ser<br />
referida pela pre<strong>do</strong>minância <strong>do</strong> gênero masculino. Trata-se de uma gramática etnográfica,<br />
por assim dizer. Ou mais precisamente da pre<strong>do</strong>minância de um “habitus” incorpora<strong>do</strong> –<br />
isto é, da reprodução simbólica da marca tradicional deste setor produtivo como um campo<br />
de trabalho feminino – sobre a lógica gramatical. Uma alteração <strong>do</strong> “campo” (como a<br />
entrada de homens em um setor historicamente feminino) não necessariamente provoca<br />
uma mudança instantânea <strong>do</strong> “habitus ”50 (como a tendência <strong>do</strong>s mora<strong>do</strong>res nativos a se<br />
referirem a este setor no feminino).<br />
Certamente este fenômeno lingüístico deposita sobre os homens, costureiros de<br />
roupas íntimas, um peso moral que eventualmente pode acarretar uma experiência subjetiva<br />
vexatória e desmoraliza<strong>do</strong>ra de seu orgulho pessoal. Daí a dificuldade posta diante <strong>do</strong><br />
etnógrafo de encontrar um vocabulário adequa<strong>do</strong> para descrever este universo social sem,<br />
contu<strong>do</strong>, corroborar atitudes que possam suscitar tais experiências degradantes <strong>do</strong> orgulho<br />
destes trabalha<strong>do</strong>res. Não obstante, na falta de um tal vocabulário, optei aqui por manter a<br />
forma de referência nativa <strong>do</strong>s habitantes <strong>do</strong> município, registran<strong>do</strong>, nestas notas, a<br />
presente ressalva.<br />
Finalizadas estas linhas introdutórias, que pretenderam delinear o cenário, sua<br />
gênese, certos traços gerais <strong>do</strong>s personagens protagonistas deste texto, bem como alguns<br />
aspectos de minha relação com eles, adentraremos, neste primeiro momento em uma sala<br />
50 “Ademais, mesmo que as disposições possam se depauperar ou se enfraquecer por uma espécie de ‘usura’<br />
ligada à ausência de atualização (correlata, sobretu<strong>do</strong>, de uma mudança de posição e de condição social) ou<br />
pelo efeito de uma tomada de consciência associada a um trabalho de transformação (como a correção <strong>do</strong>s<br />
sotaques, das maneiras, etc.), existe uma inércia (ou uma hysteresis) <strong>do</strong>s habitus cuja tendência espontânea<br />
(inscrita na biologia) consiste em perpetuar estruturas correspondentes às suas condições de produção.” In<br />
Bourdieu, Pierre. 2001. Meditações pascalianas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. (p. 196).<br />
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