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wecisley ribeiro do espirito santo-dissertaçao mestrado-ppgas-ufrj ...

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Esta fluidez das fronteiras entre lazer e trabalho constitui apenas um <strong>do</strong>s muitos<br />

aspectos desconsidera<strong>do</strong>s naquele primeiro projeto. Desconsiderações que tem à ver com<br />

meu afastamento <strong>do</strong> universo social das costureiras. Assim sen<strong>do</strong>, muitos <strong>do</strong>s problemas<br />

relaciona<strong>do</strong>s a minha inserção como etnógrafo, no grupo das operárias de lingerie de Nova<br />

Friburgo, são também problemas liga<strong>do</strong>s a uma certa desfiliação anterior pela qual passei.<br />

Com efeito, os primeiros passos desta investigação consistiram fundamentalmente<br />

em reencontrar antigos companheiros de militância política (sindical e estudantil); em<br />

acionar minhas próprias redes de parentesco; em visitar “lugares de memória” que<br />

relembram, antes de qualquer coisa, certos eventos biográficos. Uma sensação crônica de<br />

retorno às origens me acompanhou ao longo de to<strong>do</strong> o trabalho de campo, fazen<strong>do</strong>-me<br />

lembrar recorrentemente da “incompatibilidade prática” que Bourdieu (2005: 37) identifica<br />

entre os universos sociais da academia e das classes populares.<br />

Essa incompatibilidade experimentei-a, eu mesmo, muito antes de ser formula<strong>do</strong><br />

este programa de pesquisa. O contato com o pensamento crítico da cultura universitária, por<br />

ocasião da graduação (e antes mesmo que eu pudesse cogitar a hipótese de me inscrever em<br />

um programa de pós-graduação em Antropologia Social), conduziu-me a um<br />

estranhamento <strong>do</strong>s hábitos culturais (embora, naquele momento eu não formulasse a coisa<br />

deste jeito) por mim compartilha<strong>do</strong>s ao longo <strong>do</strong>s vinte primeiros anos de minha vida. Este<br />

estranhamento, esta autocrítica que, em determina<strong>do</strong> momento materializou-se sob a forma<br />

de uma crítica dura e <strong>do</strong>gmática sobre meus familiares, marcou um processo de desfiliação<br />

de um nativo: rito de passagem para um aprendiz de etnógrafo. Por vezes, nesta primeira<br />

fase crítica de minha formação, eu me peguei magoan<strong>do</strong> meus próprios pais, banhan<strong>do</strong> com<br />

uma chuva verbal exacerbadamente ácida seus hábitos de vida que eram também, a um só<br />

tempo, os meus. Críticas aos programas televisivos prediletos, críticas às visões de mun<strong>do</strong><br />

ou às concepções políticas – uma encarnação daquela “incompatibilidade prática”.<br />

Ilustração existencial <strong>do</strong> esvaziamento de uma “memória encarnada” (Nora, 1993:<br />

14) perpetra<strong>do</strong> pela socialização na razão historiográfica. Historiografia aqui diz respeito<br />

menos à disciplina em si <strong>do</strong> que a uma metáfora, emprestada de Pierre Nora, de toda a<br />

razão crítica acadêmica. “A história, porque operação intelectual e laicizante, demanda<br />

análise e discurso crítico” (ibidem: 8). Eis a “incompatibilidade prática” de Bourdieu: a<br />

memória é viva, incorporada, presente e, como tal, dispensa os “lugares de memória”; a<br />

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