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wecisley ribeiro do espirito santo-dissertaçao mestrado-ppgas-ufrj ...

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pausa diária – juntamente com o escasso sono noturno – para um descanso genuíno ao<br />

longo da jornada semanal de trabalho de Ana. Ao fim <strong>do</strong> expediente ela deverá se unir ao<br />

grupo daquelas costureiras que limpam a máquina mais apressadamente para não perder o<br />

ônibus na retirada <strong>do</strong>s filhos da creche – isso implicaria em ter que caminhar<br />

(provavelmente de um mo<strong>do</strong> ainda mais frenético) por cerca de dez minutos até a<br />

ro<strong>do</strong>viária urbana, para poder tomar outra condução. Chegan<strong>do</strong> em casa, será a hora de<br />

preparar o jantar <strong>do</strong> mari<strong>do</strong> e <strong>do</strong>s filhos 103 . Em seguida haverá que se limpar a casa e,<br />

eventualmente, dar conta da roupa suja. Encerra<strong>do</strong> o jantar, será preciso lavar rapidamente<br />

a louça para que não se perca tempo. Por fim, antes <strong>do</strong> mereci<strong>do</strong> (mas reduzi<strong>do</strong>) sono, Ana<br />

escutará sua novela entre curtas olhadelas para a televisão de sua sala de costura, enquanto<br />

deverá terminar a produção <strong>do</strong>méstica diária das cem peças de roupas íntimas.<br />

O caráter de urgência que marca inexoravelmente a vida das costureiras parece<br />

impregnar por assim dizer, como que por contágio, tu<strong>do</strong> o que cerca o cotidiano destas<br />

operárias. Assim é que o ritmo <strong>do</strong> ônibus que conduz as costureiras até a fábrica e as leva<br />

de volta aos seus respectivos bairros residenciais parece constituir uma metáfora concreta<br />

das estruturas temporais que marcam o mun<strong>do</strong> destas trabalha<strong>do</strong>ras. Mimetizan<strong>do</strong><br />

misteriosamente a cadência <strong>do</strong>s passos das costureiras, os motoristas encarrega<strong>do</strong>s pelas<br />

linhas que conduzem à Triumph passam azafama<strong>do</strong>s por sobre os quebra-molas<br />

exageradamente distribuí<strong>do</strong>s pelos bairros populares de Nova Friburgo – com isso<br />

sacudin<strong>do</strong> vigorosamente os passageiros <strong>do</strong> carro. As operárias, por sua vez, vivenciam<br />

estes momentos com uma ironia crítica e também com auto-ironia: “Ô motorista, tá de<br />

conchavo com o patrão pra matar agente é? Não balança o carro que machuca a boiada!” A<br />

pressa <strong>do</strong> motorista <strong>do</strong> ônibus assume, pois, concretamente tanto quanto metaforicamente,<br />

um caráter negativo que – a exemplo da pressão produtivista patronal e da pressão <strong>do</strong><br />

“serviço <strong>do</strong>méstico” e (no caso de costureiras que, como Ana, enfrentam uma segunda<br />

103 Ao tratar da manutenção das formas tradicionais de <strong>do</strong>minação, no contexto <strong>do</strong> merca<strong>do</strong> de Palmares, em<br />

Pernabuco, Marie-France Garcia registra também a tradicional divisão sexual <strong>do</strong> trabalho <strong>do</strong>méstico, que<br />

encontramos também no caso específico das famílias de costureiras de roupas íntimas de Nova Friburgo.<br />

Terminadas as compras, no merca<strong>do</strong>, é hora <strong>do</strong> lazer masculino e de uma segunda carga de trabalho<br />

feminino:<br />

“C’est le mora<strong>do</strong>r qui achète les denrées alimentaires, sa femme se contentant de lui <strong>do</strong>nner des conseils.<br />

En revanche, c’est elle qui s’acquittera plutôt de l’achat des vêtements, des ustensilles de cuisine, et qui<br />

surveillera les enfants l’accompagnant; une fois les achats terminés, elle retourne à la maison pour préparer<br />

le repas, tandis que les hommes s’a<strong>do</strong>nnent à des jeux de hasard, bavardent et boivent entre eux”. (Garcia,<br />

1993: 62, grifo meu).<br />

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