wecisley ribeiro do espirito santo-dissertaçao mestrado-ppgas-ufrj ...
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merca<strong>do</strong> de corpos, o lingerie se presta menos a<br />
proteger <strong>do</strong> que a incitar sua violação. Por<br />
conseguinte, não é por acaso que algumas<br />
costureiras, sobretu<strong>do</strong> das gerações de operárias<br />
mais antigas, conviven<strong>do</strong> cotidianamente com os<br />
novos modelos de lingerie batiza<strong>do</strong>s com o adjetivo<br />
“sensual”, por vezes ao longo <strong>do</strong> trabalho formulem<br />
com suas colegas uma variação qualquer da frase:<br />
“meu mari<strong>do</strong> me mataria se eu usasse isso!”<br />
Destarte, a caracterização <strong>do</strong> lingerie como uma<br />
espécie de esconderijo ou abrigo <strong>do</strong> corpo feminino<br />
sofreu profundas modificações ao longo da história.<br />
Mas mesmo os modelos <strong>do</strong>s séculos passa<strong>do</strong>s<br />
compartilhavam certas propriedades com os atuais.<br />
Um primeiro aspecto a este respeito é o fato de que,<br />
de certa forma, os modelos primitivos <strong>do</strong> lingerie,<br />
também ocultavam o corpo feminino para o revelar<br />
a alguém, talvez ao <strong>do</strong>no, ao proprietário – a saber,<br />
o mari<strong>do</strong>. E nesse senti<strong>do</strong>, a esfera privada da casa e<br />
a roupa íntima desempenham papéis homólogos nas<br />
relações de gênero. Trata-se no primeiro, como no<br />
segun<strong>do</strong> caso, de dispositivos materiais que<br />
asseguram a manutenção da modalidade ocidental<br />
monogâmica d“As estruturas elementares <strong>do</strong><br />
parentesco” 99 . Em outras palavras, a “esfera<br />
privada” e a “moda íntima” ocultam o corpo<br />
feminino no intuito de garantir simbolicamente que<br />
outros homens – além <strong>do</strong> mari<strong>do</strong> – abram mão deste<br />
corpo mesmo.<br />
O segun<strong>do</strong> aspecto de convergência entre o lingerie<br />
antigo e o contemporâneo é o caráter de “distinção<br />
social” que ambos encerram. Com efeito, a roupa<br />
íntima pode ser vista como um componente<br />
vestuário característico d“O processo Civiliza<strong>do</strong>r”,<br />
uma marca de civilização. Esse processo não<br />
consiste meramente no controle gradativo das<br />
99 “Ao estabelecer uma regra de obediência geral – qualquer que seja essa regra – o grupo afirma seu direito<br />
de controle sobre o que considera legitimamente um valor essencial. Recusa-se a sancionar a desigualdade<br />
natural da distribuição <strong>do</strong> sexo nas famílias e estabelece, com base no único fundamento possível, a<br />
liberdade de acesso às mulheres <strong>do</strong> grupo, reconhecida a to<strong>do</strong>s os indivíduos. Este fundamento, em suma, é<br />
o seguinte: nem o esta<strong>do</strong> de fraternidade nem o de paternidade podem ser invoca<strong>do</strong>s para reivindicar uma<br />
esposa, mas esta reivindicação vale somente enquanto direito pelo qual to<strong>do</strong>s os homens são iguais na<br />
competição por todas as mulheres, com suas relações respectivas definidas em termos de grupo e não de<br />
família”. (Lévi-Strauss, 1976:82).<br />
A casa e o vestuário feminino, sobretu<strong>do</strong> o <strong>do</strong> perío<strong>do</strong> compreendi<strong>do</strong> entre os séculos XV e XIX,<br />
desempenham neste contexto uma proteção particular <strong>do</strong> “proprietário”, isto é, o mari<strong>do</strong> – segun<strong>do</strong> a visão<br />
machista <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> – contra o roubo de sua propriedade, a saber, a esposa – segun<strong>do</strong> a mesma concepção –<br />
por parte <strong>do</strong>s demais concorrentes à sua apropriação.<br />
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