wecisley ribeiro do espirito santo-dissertaçao mestrado-ppgas-ufrj ...
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sala, destina<strong>do</strong> ao visitante, não parece ter nada que ver com a utilidade da posição – isto, é,<br />
assistir á televisão 92 –, mas corresponde a uma rotina, um rito, que faz conduzir o visitante<br />
ao local, por assim dizer, público da “esfera privada” da casa em contraposição ao cômo<strong>do</strong><br />
da intimidade <strong>do</strong> casal – o quarto de <strong>do</strong>rmir, amiúde mais escuro. Este último de mo<strong>do</strong><br />
algum pode ser caracteriza<strong>do</strong> como um espaço de visitas. Trata-se efetivamente <strong>do</strong> locus <strong>do</strong><br />
priva<strong>do</strong>, <strong>do</strong> íntimo, por excelência. A iluminação da sala de estar é, com regular freqüência<br />
bem mais acentuada <strong>do</strong> que os demais cômo<strong>do</strong>s da casa. Depreende-se disso que as casas<br />
das famílias operárias das costureiras de roupas íntimas de Nova Friburgo parecem<br />
apresentar certas regularidades com as características de residências operárias de outros<br />
lugares, registradas na bibliografia especializada:<br />
“A parte baixa, escura e noturna da casa, lugar de objetos úmi<strong>do</strong>s, verdes ou crus<br />
– jarros d’água postos sobre os bancos na entrada <strong>do</strong> estábulo, ou contra a parede da<br />
obscuridade, lenha, forragem verde –, lugar também <strong>do</strong>s seres naturais – bois e vacas, asnos<br />
e mulas –, de atividades naturais – sono, ato sexual, parto –, e também da morte, se opõe,<br />
como a natureza à cultura, à parte alta, iluminada, nobre, lugar <strong>do</strong>s humanos e em particular<br />
<strong>do</strong> convida<strong>do</strong>, <strong>do</strong> fogo e <strong>do</strong>s objetos fabrica<strong>do</strong>s pelo fogo, lâmpadas, utensílios de cozinha,<br />
fuzil – símbolo de honra viril, que protege a honra feminina – tear, símbolo de toda a<br />
proteção, lugar também das atividades propriamente culturais que se cumprem no espaço<br />
da casa, a cozinha e a tecelagem”. (Bourdieu, 1995: 88).<br />
Este trecho referi<strong>do</strong> á oposição feminino/masculino, incorporada na configuração da<br />
casa Kabila pode ser considera<strong>do</strong> quase como um roteiro de investigação das casas de<br />
famílias operárias, escrito por Pierre Bourdieu. A questão da iluminação é a este respeito<br />
bastante interessante. A acentuada iluminação da sala, que corresponde a um arejamento<br />
mais largamente distribuí<strong>do</strong> também, só parece ser rivalizada, em duas das três casas por<br />
mim visitadas, pelos quartos <strong>do</strong>s filhos homens. No caso da terceira deste grupo de três<br />
costureiras que visitei, minha informante não tem filho homem, mas duas meninas. Neste<br />
caso o quarto das filhas se aproxima mais, em iluminação e arejamento, ao quarto <strong>do</strong>s pais.<br />
A interpretação que me parece razoável para esta diferença talvez possa ser<br />
esboçada por meio de um episódio que pude observar em uma visita à casa de Ana, uma<br />
92 Saliente-se que no caso de minhas visitas o propósito foi sempre de coletar da<strong>do</strong>s para a pesquisa. Por<br />
conseguinte, nestas ocasiões a televisão encontrava-se sempre desligada.<br />
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