wecisley ribeiro do espirito santo-dissertaçao mestrado-ppgas-ufrj ...
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a uma diferença entre as formas de conhecimento, os valores estéticos e os padrões<br />
gramaticais próprios de seu universo cultural, por um la<strong>do</strong>, e aqueles valoriza<strong>do</strong>s pela<br />
instituição escolar, por outro. De maneira que a incompatibilidade entre seus saberes<br />
nativos e o conhecimento escolar eleva<strong>do</strong> ao status de “capital cultural” 83 (Bourdieu, 1999)<br />
parece ser, em larga medida, responsável pelo fato de Vânia amiúde se referir à escola<br />
como um lugar onde a sociabilidade era sempre mais problemática <strong>do</strong> que na fábrica. Os<br />
valores arbitrários <strong>do</strong> cânone escolar, as atitudes sub-repticiamente etnocêntricas em<br />
relação aos gostos populares que amiúde encarnam-se no “currículo implícito” 84 parecem<br />
ter concorri<strong>do</strong> para uma certa aversão de Vânia ao ambiente escolar e, simultaneamente,<br />
para a amplificação de sua timidez, neste ambiente.<br />
A experiência <strong>do</strong> trabalho, ao contrário, sempre pareceu a Vânia, menos<br />
problemática. Três aspectos fundamentais, distintivos entre a escola e a fábrica, emergem<br />
<strong>do</strong>s depoimentos de minha informante a este respeito. Em primeiro lugar, o caráter<br />
emancipa<strong>do</strong>r que o trabalho apresentou em curto prazo, na vida desta operária. Ou seja, o<br />
fato de que, com o trabalho ela passou a dispor de um poder de consumo até então<br />
absolutamente inexistente em sua vida.<br />
“Eu comecei a trabalhar com 13 anos e meio na Rendas Arp. Na<br />
verdade eu entrei em Agosto e ia fazer catorze em Dezembro. Naquela<br />
época tinha o ‘salário <strong>do</strong> menor’, até a carteira era assinada como menor.<br />
Mas só podia assinar quan<strong>do</strong> fizesse catorze anos. Eu comecei a trabalhar<br />
porque eu não tinha nada. Ninguém podia me dar nada aí eu fui trabalhar<br />
para poder comprar as coisas que eu queria. Naquela época não tinha<br />
muito isso de ser um dever ir para a escola. Normalmente, com treze,<br />
83 Sobre a maneira pela qual o capital cultural é monopoliza<strong>do</strong> pelos “herdeiros” das classes <strong>do</strong>minantes em<br />
seus esta<strong>do</strong>s “incorpora<strong>do</strong>”, “objetiva<strong>do</strong>” e “institucionaliza<strong>do</strong>” – o contato com o segun<strong>do</strong> concorren<strong>do</strong><br />
para a ampliação <strong>do</strong> primeiro e para um investimento mais eficaz sobre a aquisição <strong>do</strong> terceiro – ver<br />
Bourdieu, Pierre. 1999. “Os três esta<strong>do</strong>s <strong>do</strong> capital cultural”. In Escritos de educação. Petrópolis: Vozes.<br />
84 “Muitos anos depois de seu tempo de escola, Mary Douglas viria a en<strong>do</strong>ssar com entusiasmo as idéias de<br />
um sociólogo da educação, Basil Bernstein, que estabeleceu uma clara distinção entre os currículos<br />
implícito e explícito das instituições de ensino. O currículo explícito é o que concerne àqueles que fazem<br />
lista das coisas a serem ensinadas às crianças. O currículo implícito está implica<strong>do</strong> na maneira como se<br />
ensinam essas coisas, em que meio educacional mais amplo, e quais são as relações sugeridas entre os<br />
elementos <strong>do</strong> currículo explícito por seu contexto de transmissão. O currículo implícito fornece o contexto<br />
da pedagogia explícita e é pre<strong>do</strong>minantemente responsável pela importância atribuída ao que é ensina<strong>do</strong>”.<br />
(Far<strong>do</strong>n, 2004:56, grifo meu).<br />
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