wecisley ribeiro do espirito santo-dissertaçao mestrado-ppgas-ufrj ...
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célula é, no mínimo, ambíguo 78 . Assim, minha interlocutora afirma que o sistema de célula<br />
“é bom e é ruim”. É bom porque “uma costureira ajuda a outra”.<br />
“Tem um grupo bom na célula. É um grupo de dez colegas, agente marca churrasco<br />
nos fins de semana, marca pra ir a um barzinho, pra beber uma cerveja. Agente costuma se<br />
reunir, pelo menos uma vez por mês pra fazer alguma coisa juntas”.<br />
A célula aparece aqui, contrariamente ao que ocorre com o discurso das costureiras<br />
mais antigas da Triumph International, como um espaço de sociabilidade – e mesmo de<br />
solidariedade (“uma costureira ajuda a outra”) – que extrapola o espaço/tempo da produção<br />
fabril. Esta operária não descarta relações intercélulas, isso também ocorre; mas as relações<br />
parecem ser amiúde mais sólidas no interior de cada célula.<br />
Por outro la<strong>do</strong>, a célula também é ruim “por causa<br />
da pressão que é o trabalho; é muito corri<strong>do</strong>”. A<br />
categoria “pressão”, como venho reiteradamente<br />
frisan<strong>do</strong>, é de emprego freqüente entre as operárias<br />
de roupas íntimas de Nova Friburgo, sejam<br />
favoráveis ou contrárias ao sistema de “célula”;<br />
sejam operárias da Triumph International ou de<br />
qualquer outra confecção menor. Parece haver,<br />
também, uma contradição tácita – mais percebida de<br />
maneira, talvez, infra-consciente pelas operárias –<br />
entre duas formas de pressão patronal. Por um la<strong>do</strong>,<br />
a pressão por aumento de produtividade e pela<br />
manutenção de altos níveis de qualidade; por outro,<br />
a pressão contra o aumento salarial. Há aqui uma<br />
constatação de muitas operárias da contradição entre<br />
a cobrança e o discurso patronal. Se “a coisa está<br />
ruim, e a empresa está a ponto de fechar”, como<br />
afirmam os patrões, então porque a pressa na<br />
entrega <strong>do</strong>s pedi<strong>do</strong>s? Obviamente porque a coisa<br />
não está tão ruim assim, sen<strong>do</strong> este discurso um<br />
tergiverso para a manutenção <strong>do</strong>s baixos salários 79 .<br />
78 O convívio com costureiras mais antigas – por vezes com parentes operárias da roupas íntimas, já que as<br />
relações de parentesco têm freqüentemente um papel importante na iniciação profissional destas<br />
trabalha<strong>do</strong>ras – e a evocação freqüente que estas fazem de um passa<strong>do</strong> idealiza<strong>do</strong> propicia às neófitas um<br />
conhecimento mínimo sobre a produção individualizada, o que as permite cotejá-la com a produção coletiva<br />
em vigor hodiernamente.<br />
79 O discurso patronal pode, por conseguinte, ser caracteriza<strong>do</strong> como uma fala esquizofrênica, no senti<strong>do</strong> de<br />
Bateson; ou seja, como uma argumentação marcada pela antítese entre uma asserção primária – por<br />
exemplo, “vocês, costureiras, devem acelerar a produção porque precisamos entregar os produtos aos<br />
compra<strong>do</strong>res” – e uma asserção secundária – como “a situação está feia, não poderemos assinar o acor<strong>do</strong> da<br />
convenção coletiva sobre aumento salarial”. Em uma palavra, o discurso patronal parece se enquadrar na<br />
categoria analítica de duplo-vínculo batesoniana. In Bateson, Gregory. 1991. A sacred unity: further steps to<br />
na ecology of mind. New York: Cornelia & Michael Bessie Books. Também sobre a relação entre<br />
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