Leite - Engarrafador Moderno

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Leite Ouro líquido Especialistas debatem sobre a prorrogação da normativa que institui novos padrões para a qualidade do leite e a dificuldade de entendimento da cadeia leiteira brasileira 42 _www.engarrafadormoderno.com.br Engarrafador Moderno

<strong>Leite</strong><br />

Ouro<br />

líquido<br />

Especialistas debatem sobre a prorrogação<br />

da normativa que institui novos padrões<br />

para a qualidade do leite e a dificuldade<br />

de entendimento da cadeia leiteira brasileira<br />

42 _www.engarrafadormoderno.com.br <strong>Engarrafador</strong> <strong>Moderno</strong>


DPor Nani Soares<br />

epois de anos no centro das discussões<br />

da cadeia pecuarista, a qualidade<br />

do leite produzido no Brasil volta<br />

a instigar debates e colocar produtores,<br />

indústrias e governo em lados<br />

opostos daquela que é considerada<br />

uma das cadeias mais problemáticas<br />

da agropecuária nacional.<br />

A Instrução Normativa nº 51 (IN<br />

51), que determina novos parâmetros<br />

para a qualidade do leite nacional e<br />

deveria ter entrado em vigor a partir<br />

de 1º de julho, foi prorrogada por<br />

mais seis meses pelo Ministério da<br />

Agricultura, Pecuária e Abastecimento<br />

(Mapa), ampliando o período de<br />

adequação dos produtores.<br />

A IN 51 regulamenta uma série<br />

de alterações, com destaque para a<br />

redução em 87% na contagem total<br />

de bactérias e em 50% a contagem<br />

de células somáticas presentes em<br />

cada mililitro. Com isso, o limite de<br />

contagem bacteriana total (CBT),<br />

que atualmente é de 750 mil Unidades<br />

Formadoras de Colônia (UFC)<br />

por mililitro, baixaria para 100 mil<br />

UFC/ml. Já a contagem de células<br />

somáticas (CCS) teria o teto reduzido<br />

de 750 mil células/ml para 400<br />

mil/ml. Para manter a contagem macrobiana<br />

inicial estável, evitando a<br />

propagação de agentes nocivos, a<br />

norma determina que o leite refrigerado<br />

deverá ficar armazenado em até<br />

7 o C na propriedade e em até 10 o C<br />

no local onde será processado. O<br />

leite que não atender a todas as exigências<br />

da IN 51 até julho de 2012<br />

não poderá ser aceito no mercado.<br />

A justificativa do governo é tornar<br />

o leite brasileiro globalmente<br />

mais competitivo, adequando-o aos<br />

padrões internacionais, além de impor<br />

mais rigor nos processos produtivos<br />

internos, por meio de melhoria<br />

nas condições de higiene, instalações<br />

e ordenhas. Mas nem todos os<br />

JULHO/11<br />

envolvidos da cadeia leiteira concordam<br />

com as exigências ou com o<br />

cronograma determinado pelo Mapa.<br />

O impasse revela uma cadeia<br />

pouco articulada, em constante conflito<br />

e com dificuldade de se entender<br />

além da porteira.<br />

De um lado estão as empresas<br />

que apóiam prontamente a IN 51,<br />

alegando que grande parte dos produtores<br />

não atende aos critérios mínimos<br />

de qualidade. A IN 51 seria,<br />

portanto, o primeiro passo para a reeducação<br />

dos produtores. Do outro<br />

lado, produtores e entidades se<br />

apressaram em argumentar que os<br />

custos com a adaptação para o<br />

cumprimento da norma excluiriam do<br />

mercado a maior parte dos produtores<br />

atuais. O cenário até poderia ser<br />

revertido se houvesse pagamento<br />

pela qualidade, mas a prática está<br />

longe de ser disseminada como os<br />

produtores gostariam.<br />

Vale lembrar que os limites de<br />

CBT e CCS estão previstos desde<br />

2002, quando a IN 51 foi editada pelo<br />

Mapa. Ao longo de quase 10 anos,<br />

a implantação da medida vem se<br />

arrastando e causando divergências<br />

entre os diversos agentes da cadeia<br />

produtiva, embora alguns avanços<br />

tenham sido registrados: limite<br />

de 1 milhão para a contagem de CCS<br />

e CBT, em 2005, progredindo posteriormente<br />

até chegar à contagem atual<br />

de 750 mil/ml. A terceira fase, que<br />

entraria em vigor em julho, marcaria<br />

justamente a redução nos índices<br />

para 100 mil (CBT) e 400 mil (CCS).<br />

Para Jose Renaldi F. Brito, secretário-executivo<br />

do Comitê Brasileiro<br />

da Federação Internacional de Lácteos<br />

(FIL) e consultor do Pólo de Excelência<br />

do <strong>Leite</strong>, é difícil quantificar<br />

em números os avanços na melhoria<br />

da qualidade do produto, já que não<br />

há dados completos disponíveis e<br />

organizados de maneira sistemática<br />

envolvendo as diferentes regiões<br />

43


<strong>Leite</strong><br />

Falhas existem em todos os elos da cadeia,<br />

mas a IN 51 foca no produtor<br />

do País. Ainda assim, ele diz que antes<br />

da IN 51 cerca de 2% do leite<br />

brasileiro inspecionado era descartado,<br />

o que equivalia a 200 milhões de<br />

litros de leite jogados fora por ano.<br />

"Hoje se sabe ao menos quais são<br />

os principais problemas que devem<br />

ser enfrentados: altas contagens<br />

bacterianas e altas contagens de<br />

células somáticas. Os dados disponíveis<br />

também indicam que, atualmente,<br />

há produtores produzindo leite<br />

de qualidade comparável aos melhores<br />

rebanhos do mundo, ou seja,<br />

com menos de 10 mil bactérias e<br />

menos de 200 mil células somáticas<br />

por ml, embora não seja o caso da<br />

grande maioria dos produtores", garante<br />

Brito, explicando ainda que falhas<br />

existem em todos os elos da cadeia<br />

e que a contaminação do leite<br />

pode ocorrer tanto na ordenha, quanto<br />

no armazenamento, transporte e<br />

na própria indústria processadora,<br />

caso as medidas adequadas de higiene<br />

e de refrigeração não sejam<br />

respeitadas. "Mãos sujas do ordenhador,<br />

equipamento de ordenha em<br />

mau funcionamento e mau higienizado,<br />

baldes ou outros recipientes sujos,<br />

mangueiras e tanques mal higie-<br />

nizados são alguns exemplos", diz.<br />

Ele frisa que a responsabilidade<br />

não é apenas do produtor, que geralmente<br />

precisa trabalhar em condições<br />

adversas: é obrigado a refrigerar<br />

o leite a 4 o C, apesar da constante<br />

falta de energia elétrica na zona<br />

rural, e ainda tem que investir em<br />

equipamentos caros e de difícil manutenção.<br />

Enquanto isso, na cidade,<br />

muitas redes varejistas não se preocupam<br />

com a preservação, mantendo<br />

os produtos em temperaturas altas,<br />

geralmente acima de 10 o C, ou<br />

em temperatura ambiente. "Isso pode<br />

ser constatado todos os dias, em<br />

praticamente todas as redes de supermercados<br />

e padarias", adverte.<br />

Falta comprometimento<br />

À indústria, cabe a responsabilidade<br />

de manter a qualidade da matéria<br />

prima durante o processamento,<br />

mas também oferecer orientação e<br />

treinamento para a coleta do leite e<br />

para o transporte das amostras para<br />

avaliação da qualidade, segundo o<br />

especialista. Se a amostra de leite não<br />

é coletada adequadamente e mantida<br />

em condições de refrigeração, por<br />

exemplo, os resultados das análises<br />

podem prejudicar o produtor e ainda<br />

ajudar a traçar um panorama equivocado<br />

sobre o leite brasileiro.<br />

Algumas empresas/laticínios já<br />

implantaram novas tecnologias e<br />

melhoraram seus processos, instituindo<br />

programas de pagamento por<br />

qualidade, criando programas de<br />

melhoramento e incentivando a adoção<br />

de boas práticas nas propriedades<br />

- mas isso não é regra. Além<br />

disso, o foco deve ser o fortalecimento<br />

da cadeia e não apenas de um ou<br />

outro elo. "Falta uma discussão ampla,<br />

envolvendo toda a cadeia - do<br />

produtor ao consumidor - para que<br />

se possa montar um programa realista,<br />

simples e eficiente".<br />

Legislações sobre alimentos são<br />

produzidas com um objetivo primordial<br />

de proteger a saúde da população<br />

e no caso da IN 51 não é diferente,<br />

assegura. Em termos de avanço<br />

na qualidade do leite, é preciso ir<br />

muito além da própria norma, inclusive.<br />

A IN 51 é benéfica e não provocou<br />

redução drástica do número de<br />

produtores ou mesmo a fuga em<br />

massa para o mercado informal, como<br />

se imaginava. Além disso, os limites<br />

determinados são perfeitamente<br />

alcançáveis, desde que se<br />

adotem medidas simples de higiene<br />

e se refrigere o leite o mais rápido<br />

possível logo após a ordenha.<br />

Todas essas medidas devem garantir<br />

um salto na qualidade dos produtos<br />

brasileiros, aumento da vida<br />

de prateleira e melhoria nutricional.<br />

Só é preciso definir alguns ajustes<br />

para adequar as exigências e os limites<br />

às condições reais do campo,<br />

garante ele. "A simples prorrogação<br />

apenas transfere o problema para<br />

mais adiante. É preciso tomar medidas<br />

para mudar o que precisa ser<br />

mudado. Não é um retrocesso, mas<br />

é um sinal de que o que foi feito até<br />

44 _www.engarrafadormoderno.com.br <strong>Engarrafador</strong> <strong>Moderno</strong>


agora não foi suficiente - e isso para<br />

mim é positivo".<br />

Para o professor Ademir de Lucas,<br />

técnico na área de Extensão Rural<br />

e Organização de Produtores da<br />

Esalq/ USP, a qualidade do leite é<br />

muito questionada por motivos históricos,<br />

mas neste momento está<br />

mais relacionada à tentativa de adotar<br />

padrões europeus e americanos<br />

à realidade brasileira, resultante da<br />

vontade de alguns setores de exportar<br />

o produto para estes mercados.<br />

Tecnicamente, ele avalia positivamente<br />

a IN 51, embora os critérios<br />

adotados estejam muito fora da realidade<br />

da maioria dos produtores de<br />

leite, o que dá margem para mudanças<br />

positivas (como a saída do marasmo<br />

quando os preços eram regulados<br />

pelo governo), mas também<br />

negativas (como a saída de muitos<br />

produtores da atividade).<br />

Maurício Maurício Nogueira,<br />

Nogueira,<br />

da da Bigma Bigma Consultoria:<br />

Consultoria:<br />

“Ou o produtor passa a ser<br />

profissional ou sai da atividade”.<br />

JULHO/11<br />

"Acredito que a prorrogação foi<br />

uma medida realista, pois CCS e CBT<br />

de 100 mil por mililitro é uma meta a<br />

ser buscada por todo o setor no médio<br />

prazo. Se não atacarmos o problema<br />

em sua dimensão real, que é<br />

a capacitação do agricultor, o estímulo<br />

ao produtor pagando por qualidade,<br />

e a fiscalização da indústria, o tempo<br />

passará e mais adiante veremos<br />

que estamos no mesmo lugar".<br />

Jogo de empurra<br />

A complexidade da cadeia faz<br />

com que todos os envolvidos sejam<br />

responsáveis pelo comprometimento<br />

da qualidade do leite e a cada<br />

um cabe uma parcela na culpa: a<br />

indústria quer (e frequentemente consegue)<br />

um produto barato, por isso<br />

acaba buscando leite de qualidade<br />

duvidosa. Quando exige qualidade,<br />

45


<strong>Leite</strong><br />

geralmente não se dispõe a pagar por<br />

ela, além de não investir na melhoria<br />

do produtor, via extensão rural.<br />

Já o universo dos produtores, formado<br />

por profissionais e extrativistas<br />

do leite, tem muitas nuances. Para<br />

estes últimos, o leite acaba sendo<br />

um subproduto da criação de bezerros<br />

e apenas uma fonte de renda<br />

extra, portanto não há motivos fortes<br />

o suficiente para demandar melhorias.<br />

Para os produtores que têm<br />

no leite sua fonte de renda, os preços<br />

instáveis não garantem segurança<br />

necessária para implantar melhorias<br />

e a IN 51 acaba sendo vista como<br />

uma imposição do governo e da<br />

indústria. Assim, mesmo o produtor<br />

que é obrigado a investir (compra<br />

tanques, melhora o curral, adquire<br />

ordenhadeira), muitas vezes continua<br />

usando água de qualidade duvidosa<br />

e adota padrões mínimos de<br />

limpeza e higiene. Ou seja, não é<br />

estimulado a rever seus conceitos.<br />

A terceira vertente é o governo que,<br />

focando nas exportações, elabora<br />

“Níveis de qualidade só serão atingidos<br />

quando houver capacitação e treinamento<br />

para produtores”, afirma<br />

Rodrigo Rodrigo Alvim, Alvim, da da CNA<br />

CNA<br />

normas fora da realidade dos produtores<br />

de leite, além de não exercer<br />

fiscalização efetiva sobre os laticínios,<br />

mantendo profissionais qualificados,<br />

mas em número insuficiente. Os programas<br />

de melhoria da qualidade do<br />

leite destinados aos produtores normalmente<br />

beneficiam mais aos laticínios<br />

e às indústrias de máquinas. Apesar<br />

do universo apresentado ser irreal,<br />

nunca a indústria de leite vendeu<br />

tanto tanques de expansão e máquinas<br />

de ordenha desde a aprovação<br />

da IN 51, por exemplo.<br />

Programas de capacitação de<br />

produtores com recursos e cobranças<br />

dessas mesmas indústrias são<br />

raros ou simplesmente permanecem<br />

no papel. Até os laboratórios de referência<br />

treinam para a coleta de acordo<br />

com o interesse dos laticínios, havendo<br />

poucas atividades nos quais<br />

há diálogo ou mesmo a qualificação<br />

continuada dos produtores, afirma.<br />

A falta de articulação promove o<br />

jogo de "empurra", onde cada agente<br />

diz fazer sua parte e impõe às outras<br />

a tarefa de promover as mudanças<br />

no setor, o que acaba comprometendo<br />

toda a cadeia e ainda expõe o produto.<br />

É justamente nesse olho do furacão<br />

que os produtores acabam sendo<br />

jogados agora, explica Lucas. "Os<br />

maiores prejudicados são os produtores<br />

que, pela sua dimensão e distribuição<br />

territorial, acabam sendo vistos<br />

como vilões de um problema que<br />

é de toda a cadeia".<br />

Mesmo a relação entre produtores<br />

e indústria acaba sendo restringida<br />

a comprador/fornecedor, quando<br />

deveria ser de mais parceria e<br />

menos confronto. "Tem que mudar<br />

muito. Ambos têm que se olhar como<br />

parceiros, pois sem leite de qualidade<br />

a indústria perde dinheiro, oportunidades,<br />

e os produtores sem a indústria<br />

deixarão o setor, o que acarreta<br />

prejuízos", esclarece.<br />

A mudança, portanto, implica em<br />

investimento no produtor, coisa que<br />

a indústria e o governo ainda não fizeram,<br />

segundo o especialista. Até<br />

agora os investimentos foram voltados<br />

mais para tecnologia de equipamentos<br />

do que para capacitação dos<br />

produtores. No caso dos limites de<br />

CBT e CCS, a dificuldade é operacional<br />

e o reflexo disso é que mais<br />

produtores deverão abandonar o setor.<br />

"Esse parece ser o desejo de<br />

uma parte da cadeia do leite que,<br />

erroneamente, acredita que dessa<br />

maneira somente os mais 'competentes'<br />

permanecerão", avalia.<br />

A combinação de preços baixos<br />

pagos pelos laticínios com a falta de<br />

fiscalização do governo e a respectiva<br />

falta de consciência dos consumidores<br />

acaba criando outro problema:<br />

o fornecimento direto dos produtores<br />

para pequenas redes de comércio,<br />

como restaurantes e pizzarias.<br />

Lucas diz que embora ilegal, esse<br />

tipo de comércio sequer pode ser<br />

classificado como clandestino, já que<br />

ocorre durante o dia e à vista de todos.<br />

A atuação da vigilância sanitária<br />

nos municípios até existe, mas não é<br />

exatamente como previsto na legislação.<br />

Geralmente, é intensificada quando<br />

há denúncias, o que perdura até<br />

que a notícia caia no esquecimento.<br />

Todo esse cenário de fiscalização<br />

precária, condições mercadológicas<br />

insuficientes e impunidade absoluta<br />

é altamente estimulante para o comercio<br />

ilegal, explica. "É difícil fiscalizar<br />

por falta de estrutura e vontade<br />

política dos governos, que não querem<br />

contrariar interesses em seus<br />

municípios e Estados, nem mesmo<br />

oferecer educação ao consumidor".<br />

Profissionalismo X Lucro<br />

Nesse aspecto, as opiniões também<br />

divergem. Para Maurício Palma<br />

Nogueira, engenheiro agrônomo e consultor<br />

da Bigma, a falta de profissionalismo,<br />

junto com baixa produti-<br />

46 _www.engarrafadormoderno.com.br <strong>Engarrafador</strong> <strong>Moderno</strong>


vidade, são os gargalos do setor. Ele<br />

diz que há produtores que mesmo<br />

sendo pequenos (alguns chegam a<br />

atuar em uma área de menos de cinco<br />

hectares, como uma chácara), conseguem<br />

ser profissionais, mas infelizmente<br />

há um outro grupo, que ele<br />

classifica como "aqueles que têm<br />

vacas somente", que prejudica o desenvolvimento<br />

do setor.<br />

"A falta de profissionalismo precisa<br />

acabar: ou o produtor passa a ser<br />

profissional e se integra a uma estrutura<br />

empresarial ou sai da atividade.<br />

Passa a produzir outra coisa<br />

ou vai para a cidade mesmo. Por<br />

mais antipático que pareça, é simples<br />

assim. E essa colocação não é<br />

elitista", esclarece.<br />

A análise da qualidade do leite<br />

brasileiro também deve ser feita dentro<br />

de alguns parâmetros. Se forem<br />

considerados sólidos totais e níveis<br />

JULHO/11<br />

de proteína, principalmente gordura,<br />

a qualidade realmente deixa a desejar,<br />

mas em relação à questão sanitária,<br />

melhorou significativamente e<br />

os riscos atuais de falta de qualidade<br />

são mínimos, assegura Nogueira.<br />

Na avaliação dele, é preciso haver<br />

mais ações e menos discursos<br />

envolvendo o assunto. A IN 51 não<br />

define nada impossível, mas é preciso<br />

treinamento e conscientização<br />

dos produtores e indústrias menores.<br />

Os laboratórios de análise também<br />

poderiam ter uma participação<br />

maior, prestando serviço de análise<br />

de dados e benchmarking para os<br />

fornecedores. Melhorar a qualidade<br />

do leite depende unicamente de um<br />

esforço conjunto de toda a cadeia.<br />

Ele também diz ser injusto a responsabilidade<br />

ser apenas do produtor,<br />

que tampouco deve ser culpado pela<br />

prorrogação da IN 51.<br />

A relação desgastante entre produtor<br />

e indústria e jogo de empurra<br />

são apontados por ele como os principais<br />

motivos para a cadeia leiteira<br />

não atingir 100% da qualidade. "É<br />

preciso que todos assumam as suas<br />

responsabilidades e ajam de acordo.<br />

Nesse caso, o produtor é o mais<br />

inocente de todos, pois representa<br />

o elo com menor acesso à informação<br />

e com piores condições econômicas.<br />

Assim, o primeiro passo precisa<br />

ser dado pela indústria".<br />

Avanços importantes foram registrados<br />

ao longo dos últimos anos,<br />

como a refrigeração do leite nas propriedades<br />

e a captação a granel, na<br />

qual o leite é armazenado em tanques<br />

de resfriamento e não em latões,<br />

que muitas vezes não são higienizados<br />

de forma correta pelos<br />

produtores. Além disso, a modernização<br />

do processo industrial, a higi-<br />

47


<strong>Leite</strong><br />

Produtores pedem pagamento pela qualidade,<br />

mas indústrias ainda são reticentes e preferem<br />

não arcar com mais esse custo<br />

ene de ordenha, a sanidade do gado<br />

e a aplicação de boas práticas de<br />

fabricação nas indústrias lácteas são<br />

reflexos da evolução da cadeia.<br />

Valorização<br />

da qualidade<br />

Para Rodrigo Alvim, presidente<br />

da Comissão Nacional de Pecuária<br />

de <strong>Leite</strong> da Confederação da Agricultura<br />

e Pecuária do Brasil (CNA),<br />

os níveis de qualidade do leite só<br />

serão atingidos quando houver a devida<br />

capacitação e treinamento dos<br />

produtores, que precisam ser orientados<br />

sobre a melhor forma de atingir<br />

essa meta. Tentar mudar em tempo<br />

recorde pode resultar na exclusão<br />

de 70% dos produtores da cadeia<br />

leiteira.<br />

Ele explica que a qualidade do<br />

leite brasileiro evoluiu muito em apenas<br />

seis anos, especialmente porque<br />

até 2005 não havia nenhum padrão<br />

e o comprometimento da qualidade<br />

era uma realidade. Justamente<br />

por essa evolução, a imposição<br />

aos produtores é classificada por ele<br />

como absurda e a IN 51 não passa<br />

de uma "infantilidade" do governo,<br />

que acaba querendo impor padrões<br />

internacionais sem considerar que<br />

muitos países levaram décadas para<br />

conseguir chegar ao patamar atual.<br />

"Há todo um conjunto de fatores<br />

a ser avaliado aqui: clima, solo, realidade<br />

econômica, estradas, propriedades.<br />

Nos Estados Unidos, por<br />

exemplo, foram produzidos 86 bilhões<br />

de litros de leite, em 2010, e o<br />

número de produtores é 60 mil. Já<br />

no Brasil, foram produzidos 31 bilhões<br />

de litros de leite, mas o número<br />

de produtores é muito maior: 1,260<br />

mil produtores. Enfim, os cenários<br />

são bem diferentes".<br />

Alvim alerta para gargalos como<br />

as estradas e energia elétrica, ainda<br />

precários nas zonas rurais. O paradoxo<br />

é que apesar da dificuldade<br />

com eletrificação, a legislação determina<br />

que o leite deve ser mantido<br />

refrigerado na propriedade rural até<br />

o momento do seu transporte para a<br />

indústria.<br />

O treinamento dos produtores é<br />

fundamental tanto para a disseminação<br />

de resfriamento do leite, quanto<br />

para que se consiga operar corretamente<br />

os equipamentos, inclusive<br />

nas operações de limpeza e sanificação.<br />

Além disso, é crucial na hora<br />

de serem colhidas as amostras do<br />

produto. "Muitos produtores nem sabem<br />

direito o que é célula somática<br />

ou outras denominações dos laboratórios.<br />

Quantos transportadores são<br />

treinados? São eles que tiram as<br />

amostras que são encaminhadas<br />

aos laboratórios, mas geralmente<br />

não são devidamente treinados para<br />

isso", diz, explicando que na Clínica<br />

do <strong>Leite</strong>, em Piracicaba (SP),<br />

12% das amostras não são aproveitadas<br />

em virtude de contaminação.<br />

Antes do início da coleta, o leite<br />

deve ser agitado com utensílio próprio<br />

para, em seguida, ser recolhida<br />

a amostra, bem como a sanificação<br />

do engate da mangueira e da saída<br />

do tanque de expansão ou da ponteira<br />

coletora de aço inoxidável. O<br />

prazo máximo entre a ordenha inicial<br />

e o recebimento no estabelecimento<br />

que vai beneficiá-lo é de 48 horas<br />

(a IN 51 recomenda um intervalo não<br />

superior a 24 horas entre as coletas,<br />

diminuindo o tempo de permanência<br />

do leite na propriedade e o tempo<br />

de multiplicação bacteriana).<br />

"Quando o leite é colocado nos caminhões,<br />

via aspiração por mangueira,<br />

essa mangueira pode ser enrolada<br />

e acabar criando uma bolha de leite.<br />

Entre levar para indústria e fazer outra<br />

captação (e dependendo da temperatura<br />

ambiente), essa bolha pode<br />

ir esquentando e aumentar o número<br />

de bactérias, comprometendo as próximas<br />

captações. Então, é preciso<br />

treinar o carreteiro, o produtor, o<br />

ordenhador, enfim, todos os envolvidos<br />

na captação", afirma Alvim.<br />

A refrigeração ainda na fazenda<br />

ou propriedade é o primeiro passo<br />

para garantir a qualidade e já tem<br />

sido incorporada pelos produtores,<br />

segundo ele. Há três anos, o Centro-Sul,<br />

responsável por 80% do leite<br />

brasileiro, já refrigerava 84% do<br />

leite produzido, o que demonstra a<br />

preocupação dos produtores em se<br />

adaptar às exigências.<br />

O sistema de valorização da qualidade<br />

(pagamento por qualidade) é<br />

uma estratégia que funciona bem e<br />

48 _www.engarrafadormoderno.com.br <strong>Engarrafador</strong> <strong>Moderno</strong>


os produtores respondem de forma<br />

imediata aos incentivos de bonificação<br />

e/ou penalização propostos. No<br />

entanto, a maior parte das indústrias<br />

do setor não quer investir nisso,<br />

mesmo sabendo que vai conseguir<br />

aumentar o tempo de vida do produto<br />

na prateleira, pontua Alvim. Para<br />

elas, a necessidade de reduzir custos<br />

justificaria até fraude do produto.<br />

"Em termos de qualidade, as indústrias<br />

reclamam muito, mas quem<br />

colocou soda cáustica e água oxigenada<br />

no leite, naquele escândalo<br />

de 2007? Certamente não foram os<br />

produtores", alfineta.<br />

Em 2007, a Polícia Federal apreendeu<br />

grande quantidade de leite na<br />

Cooperativa dos Produtores de <strong>Leite</strong><br />

do Vale do Rio Grande (Coopervale),<br />

em Uberaba (MG), e na Cooperativa<br />

Agropecuária do Sudoeste Mineiro<br />

(Casmil), em Passos, suspeitas<br />

de adicionarem soda cáustica e<br />

outros ingredientes nocivos à saúde.<br />

Parte do alimento era enviada para<br />

São Paulo. Mais recentemente, nova<br />

denúncia: os leites Fazenda Mineira,<br />

produzido pela Novamix Industrial,<br />

de Campo Belo (Região Sul), e LAC,<br />

da Cooperativa dos Produtores de<br />

<strong>Leite</strong> de Leopoldina (Zona da Mata),<br />

também estiveram sob suspeita de<br />

fraude. Segundo a Polícia Federal,<br />

laudos periciais indicaram que o produto<br />

teria água, açúcar e cloretos<br />

como o sal para aumentar a quantidade<br />

de leite comercializada e o tempo<br />

de conservação, o que o tornaria<br />

impróprio para consumo.<br />

O assunto é praticamente tabu e<br />

a maior parte dos envolvidos na cadeia<br />

do leite fica desconfortável<br />

quando se toca no tema fraude. Para<br />

as empresas, aliás, questionar a<br />

qualidade ou explanar sobre processo<br />

produtivo não são práticas bem<br />

vistas: dos mais de 10 laticínios procurados<br />

por nossa reportagem, ne-<br />

JULHO/11<br />

nhum quis se manifestar sobre a<br />

qualidade do leite brasileiro.<br />

"É preciso deixar claro que não<br />

somos contra a qualidade, mas contra<br />

as exigências para apenas um<br />

agente da cadeia. Sempre que se<br />

fala no assunto, recai sobre os produtores,<br />

mas o próprio governo e a<br />

indústria também precisam assumir<br />

suas responsabilidades. Todos os<br />

atores da cadeia precisam estar<br />

comprometidos", diz, explicando<br />

que até os laboratórios de testes e<br />

análises poderiam colaborar mais,<br />

fornecendo estudos dos padrões de<br />

qualidade do leite brasileiro, além de<br />

levantamento de médias de CCS e<br />

desvios de padrões regionais, ao invés<br />

de usarem os resultados apenas<br />

para teses em universidades.<br />

49


Microcervejaria<br />

NEGÓCIO<br />

DE MESTRE<br />

14 _www.engarrafadormoderno.com.br <strong>Engarrafador</strong> <strong>Moderno</strong>


JULHO/11<br />

Microcervejarias ampliam fábricas,<br />

lançam novos rótulos<br />

e investem em estratégias<br />

de marketing para garantir<br />

crescimento sustentado<br />

Nani Soares<br />

Por<br />

Dominado por grandes conglomerados, o mercado<br />

cervejeiro brasileiro assume uma nova faceta. Agora,<br />

a palavra é diversificar e experimentar cervejas que<br />

vão além das opções oferecidas pelas grandes indústrias<br />

do setor - comportamento que o brasileiro vem<br />

assumindo mais intensamente a cada dia. É nesse filão<br />

promissor que estão as cervejas especiais, produzidas<br />

por meio de ingredientes e processos diferenciados<br />

por diversas microcervejarias do País.<br />

Nos Estados Unidos, a categoria se desenvolveu<br />

há décadas e já atravessou altos e baixos. Por aqui, o<br />

movimento começou de forma discreta. Uma das primeiras<br />

microcervejarias a ganhar fama nacional foi a<br />

gaúcha Dado Bier, que na década de 1990 chegou a<br />

ter três bares-discotecas em Porto Alegre (RS), São<br />

Paulo (SP) e Rio de Janeiro (RJ). De propriedade do<br />

empresário Eduardo Bier, sobrinho de ninguém menos<br />

que Jorge Gerdau, fundador da Gerdau, a Dado Bier<br />

ficou tão famosa que em determinado momento não<br />

se sabia se era pela cerveja que fabricava ou pelo<br />

burburinho em torno das casas. Por um desses mistérios<br />

da vida, o negócio acabou não decolando (mesmo<br />

depois de um contrato com a AmBev) e hoje a<br />

Dado Bier se esforça para se reerguer e aproveitar o<br />

momento positivo para as microcervejarias que, ironicamente,<br />

foi iniciado por ela.<br />

Se naquela época falar em microcervejaria era estranho,<br />

hoje a categoria simplesmente se tornou cult. O<br />

brasileiro descobriu que não existe apenas um tipo de<br />

loura gelada e que há uma infinidade de estilos e combinações.<br />

Quanto mais se conhece sobre os estilos,<br />

ingredientes, fórmulas etc., mais chances de impressionar<br />

alguém o consumidor terá. É de olho nessa aposta<br />

que as microcervejarias estão investindo e se consolidando<br />

no mercado. Já criou-se até uma subcate-<br />

15


Microcervejaria<br />

Arlindo Arlindo Guimarães, Guimarães, da da Amazon Amazon Bier Bier: Bier<br />

faturamento de R$ 8 milhões em 2010<br />

e meta de crescimento de 35%<br />

goria, as nanocervejarias, que mantêm<br />

uma produção praticamente caseira,<br />

onde o volume fornecido é baixo,<br />

mas que se bem administrado,<br />

pode render boas margens de lucro.<br />

Apesar da franca expansão, a<br />

maior parte das microcervejarias ainda<br />

tem um longo caminho a percorrer<br />

e - salvo algumas exceções - os<br />

microempresários à frente destes negócios<br />

precisam de muito jogo de<br />

cintura para se manterem na ativa.<br />

A maior parte distribui os produtos<br />

na forma de chope, em barris, já que<br />

o investimento em engarrafamento<br />

é alto. O desafio, portanto, é crescer<br />

de forma sustentada, planejada<br />

e sem sustos. Mas como será que<br />

elas estão fazendo isso?<br />

Até pouco tempo, o termo "Premium"<br />

era usado freqüentemente pelas<br />

grandes cervejarias para designar<br />

e diferenciar as cervejas mais caras.<br />

Com o consumidor aprendendo<br />

mais sobre o mercado de cervejas<br />

especiais e fomentando um ambiente<br />

de formação cultural do setor, o<br />

termo está caindo em desuso e ganhando<br />

nova conotação. A afirmação<br />

é de Marco Antonio Falcone, sócio<br />

proprietário da Falke Bier, localizada<br />

em Belo Horizonte (MG) e que<br />

atua no mercado há sete anos.<br />

Com um total de sete rótulos (quatro<br />

deles lançados recentemente na<br />

11ª Feira Internacional de Tecnologia<br />

em Cerveja, conhecida como Brasil<br />

Brau) e trabalhando no limite da capacidade<br />

total da fabrica, a Falke<br />

Bier planeja uma expansão para o<br />

segundo semestre de 2011. Para a<br />

elaboração de novos produtos, a empresa<br />

coordena um projeto tecnológico<br />

junto ao Conselho Nacional de<br />

Desenvolvimento Científico e Tecnológico<br />

(CNPq) para o desenvolvimento<br />

de novas leveduras. "Já tínhamos<br />

a Falke Tripel Monasterium (belgian<br />

strong ale tripel), a Ouro Preto (schwarzbier),<br />

a Estrada Real IPA (india<br />

pale ale). Lançamos a Villa Rica (dry<br />

stout), a Diamantina (bohemian pilsner),<br />

a Estrada Real Weiss (hefe weissbier)<br />

e, finalmente, a Vivre pour Vivre<br />

(sour and fruit beer)", cerveja de jabuticaba<br />

envasada como espumante,<br />

explica Falcone.<br />

Para ele, a receita para o sucesso<br />

das microcervejarias brasileiras<br />

está em sua própria essência: a utilização<br />

de matérias primas nobres,<br />

um volume de produção menor e<br />

muita ousadia na hora de formular<br />

cada cerveja. O atributo criatividade<br />

é uma característica intrínseca do setor,<br />

indo dos ingredientes diferenciados<br />

(como rapadura, jabuticaba e<br />

castanha do Pará), à forma como se<br />

toca o negócio, inclusive em relação<br />

às ações de marketing.<br />

Com recursos limitados (ou simplesmente<br />

inexistentes) para o investimento<br />

em mídia, ou até mesmo para<br />

mobiliar ou bonificar PDVs, como fazem<br />

as grandes cervejarias, o viés<br />

de produto diferenciado oferecido pelas<br />

pequenas é a melhor estratégia<br />

de marketing, que tem como ferramenta<br />

mais potente de divulgação o<br />

conhecido "boca a boca". Seguindo o<br />

mesmo raciocínio, o surgimento de<br />

novas microcervejarias é extremamente<br />

favorável, já que tende a au-<br />

mentar e fortalecer a massa crítica.<br />

"Basta ver o exemplo dos Estados<br />

Unidos e Europa. Funcionam como<br />

impulsionadoras umas das outras,<br />

não como concorrentes", diz Falcone.<br />

Driblar os empecilhos e conseguir<br />

se estabelecer inclui também definir<br />

um sistema de distribuição adequado<br />

para cada cervejaria. No caso da<br />

Falke Bier, o sistema de distribuição<br />

é versátil, contando com agentes específicos<br />

para cada região, o que<br />

possibilitou um crescimento significativo<br />

nos últimos dois anos. Em BH, a<br />

empresa mantém uma equipe própria,<br />

que realiza a entrega dos produtos<br />

para supermercados, empórios,<br />

delikatessens e PDVs. Já para o interior<br />

do Estado, as vendas ocorrem via<br />

transportadoras, enquanto para as<br />

regiões Sul, Sudeste, Nordeste e Centro-Oeste<br />

são mantidos distribuidores<br />

que adquirem os produtos, colocam<br />

suas margens e os revendem posteriormente.<br />

"A logística não tem sido<br />

dificuldade", garante.<br />

Avaliando o modelo de negócio<br />

adotado no Brasil e fazendo uma<br />

comparação rápida com outros países<br />

- na Alemanha, por exemplo, o<br />

modelo regional prevalece, no qual<br />

cada cidade tem sua própria cervejaria<br />

- o empresário diz que a dimen-<br />

16 _www.engarrafadormoderno.com.br <strong>Engarrafador</strong> <strong>Moderno</strong>


são territorial brasileira permite nichos<br />

e modelos variados. Estados<br />

do Sul, como Santa Catarina e Rio<br />

Grande do Sul, mantêm um modelo<br />

muito similar ao da Alemanha, em<br />

virtude das raízes mantidas com os<br />

colonizadores. Em Minas Gerais, as<br />

cervejarias são mais diversificadas<br />

e "nascidas para o mundo".<br />

Apesar da diversidade do mercado<br />

nacional, a semelhança com o<br />

mercado americano é muito forte, especialmente<br />

porque os Estados Unidos<br />

já passaram por um "boom" de<br />

microcervejarias, processo muito parecido<br />

com o que vem ocorrendo no<br />

Brasil. "O processo de expansão nos<br />

Estados Unidos foi muito parecido<br />

com o nosso atual, só que ocorreu<br />

15 anos antes. Temos recebido gurus<br />

como Randy Mosher, Charlie Papazian,<br />

Ray Daniel, Pete Slowberg, o<br />

canadense Stephen Beaumont, o<br />

JULHO/11<br />

austríaco Conrad Seidl, entre outros.<br />

Todos são unânimes em afirmar que<br />

este é o caminho", avalia.<br />

Se o processo assemelha-se com<br />

o americano em alguns aspectos, o<br />

mesmo não se pode dizer dos incentivos<br />

em cada País. No Brasil, as microcervejarias<br />

brasileiras enfrentam<br />

problemas de gente grande: alta carga<br />

tributária, dificuldade em conseguir<br />

crédito, equipamentos e maquinário<br />

defasados. Como qualquer outro<br />

empresário brasileiro, Falcone reclama<br />

da dificuldade em se abrir e<br />

manter uma empresa no Brasil. Ele<br />

cita a Irlanda, onde o governo entende<br />

que uma pequena empresa precisa<br />

de incentivos para se estabelecer.<br />

Assim, as pequenas cervejarias já<br />

nascem isentas de impostos, que vão<br />

sendo elevados à medida que a empresa<br />

se solidifica. Caso venha a se<br />

tornar uma grande empresa, é es-<br />

tabelecida numa tarifação maior. No<br />

Brasil, o processo é invertido, o que<br />

acaba prejudicando as pequenas, já<br />

que por ter seus produtos mais caros,<br />

as microcervejarias acabam sendo<br />

encaixadas em níveis mais altos<br />

das tabelas e pagam alíquotas maiores<br />

que as grandes cervejarias. "O<br />

segmento tem sido severamente punido<br />

com uma carga tributária absurda<br />

e abusiva - talvez este seja o maior<br />

entrave. Não dispomos também de<br />

verbas para penetração em pontos de<br />

venda, o que nos transforma em vítimas<br />

indefesas contra grandes cervejarias<br />

que dispõem de todos os recursos<br />

financeiros", critica Falcone.<br />

Para o carioca Sérgio Fraga, sócio-proprietário<br />

da Cervejaria Fraga,<br />

no Rio de Janeiro, o marketing excessivo<br />

pode se sobrepor àquilo<br />

que move praticamente todos os<br />

mestres-cervejeiros que se dispõem<br />

17


Microcervejaria<br />

Os Os Os sócios sócios da da Fraga Fraga: Fraga Fredy Litowsky, Renato Estella, Jorge Litowsky e Sergio Fraga<br />

a atuar no negócio: a paixão por uma<br />

cerveja de qualidade.<br />

"Não digo que o marketing não<br />

seja bom, mas não deve nunca se<br />

sobrepor à qualidade do produto em<br />

si. Uma microcervejaria tem como<br />

característica a busca pelo que o<br />

consumidor realmente quer experimentar<br />

em termos de sabores, e não<br />

a tentativa de empurrar para ele conceitos<br />

abstratos falsamente atribuídos<br />

à cerveja", alerta.<br />

Ele também cita a expansão cervejeira<br />

americana, mas nem de longe lamenta<br />

a lentidão no crescimento brasileiro.<br />

Tirando o fato de que aqui empreender<br />

é quase sinônimo de loucura ou<br />

irresponsabilidade e lá o caminho para<br />

o empreendedorismo é mais fácil, um<br />

crescimento lento pode ser benéfico<br />

para o consumidor, que tem tempo para<br />

assimilar aos poucos a nova cultura e<br />

de uma forma mais consistente. "Algumas<br />

cervejarias entraram de forma atabalhoada<br />

nos Estados Unidos, o que<br />

provocou um forte declínio que custou<br />

a ser recuperado. Por isso, prefiro um<br />

crescimento mais lento, porém estável",<br />

argumenta Fraga.<br />

Com os holofotes voltados para<br />

as pequenas cervejarias, ele sugere<br />

cautela por parte do consumidor,<br />

já que algumas podem se aproveitar<br />

do momento para lançar produtos<br />

sem os critérios que definem<br />

18 _www.engarrafadormoderno.com.br <strong>Engarrafador</strong> <strong>Moderno</strong>


uma cerveja artesanal. Na outra ponta,<br />

ensinar que uma boa cerveja não<br />

é só a "estupidamente gelada" e sim<br />

uma bebida tão gastronômica quanto<br />

o vinho, leva tempo e é uma tarefa<br />

que precisa ser encarada com seriedade<br />

pelas empresas do setor. Para<br />

Fraga, é delas a responsabilidade de<br />

educar o consumidor sobre a bebida<br />

e sobre as próprias microcervejarias.<br />

"Abrir mais uma microcervejaria para<br />

fabricar algo sem paladar, na minha<br />

opinião, é totalmente inútil".<br />

Por ora, a Fraga trabalha apenas<br />

com um produto, a Fraga Weiss, uma<br />

cerveja de trigo no melhor estilo alemão<br />

Weissbier: um produto refrescante,<br />

mas com atributos sensoriais<br />

notáveis como o aroma de cravo e<br />

banana, mediamente encorpada,<br />

com aparência turva pelo fato de não<br />

ser filtrada. Para se chegar à receita<br />

JULHO/11<br />

adequada, a cervejaria demorou três<br />

anos, período iniciado quando Fraga<br />

ainda era um mero cervejeiro caseiro.<br />

Só após a criação da fórmula<br />

e de um projeto comercial devidamente<br />

estruturado, a cervejaria<br />

ganhou ares de negócio.<br />

Atualmente, além da preocupação<br />

com o consumidor na<br />

questão da qualidade, ele<br />

cita o crescimento sustentado<br />

como forma de se manter<br />

no mercado pelos próximos<br />

anos. Algumas decisões<br />

são baseadas nesse<br />

conceito, como a aquisição<br />

de equipamentos nacionais<br />

(visando o equilíbrio entre<br />

custo e retorno) e a fuga de<br />

financiamentos externos. A<br />

Fraga também optou por iniciar<br />

suas atividades já pen-<br />

sando nas cervejarias do futuro,<br />

aquelas que primam pelo uso consciente<br />

de água e energia, itens ainda<br />

considerados desafios por cervejarias<br />

de todos os portes. Com<br />

o intuito de respeitar o meio ambiente,<br />

a fábrica foi projetada<br />

para ter o menor consumo de<br />

água possível e novas intervenções<br />

já estão sendo estudadas<br />

para torná-la ainda mais<br />

alinhada com o conceito de<br />

sustentabilidade.<br />

Fundada em 2000 e localizada<br />

em Belém do Pará<br />

(PA), a Amazon Beer ainda<br />

não foca a sustentabilidade,<br />

mas fez da Lei Alemã<br />

de Pureza da Cerveja (a<br />

praticamente impronunciável<br />

Reinheitsgebot) o princípio<br />

básico de seus pro-<br />

19


Microcervejaria<br />

dutos, além de ter encontrado na<br />

Amazônia as matérias-primas para<br />

cervejas artesanais, mantendo a essência<br />

perfeita da cervejaria idealizada<br />

pelos proprietários.<br />

O mérito é de Arlindo Guimarães,<br />

proprietário da cervejaria, e do mestre<br />

cervejeiro Reynaldo Fogagnolli,<br />

que testaram durante dois anos sabores<br />

que pudessem representar a<br />

tal essência. O resultado foi a cerveja<br />

aromatizada com bacuri (fruto típico<br />

da Amazônia) batizada de Bacuri<br />

Beer, que desde então é a "menina<br />

dos olhos" do brewpub da cervejaria,<br />

situado na Estação das Docas.<br />

Além da Bacuri Beer, a Amazon produz<br />

outros cinco rótulos: River, Forest,<br />

Weiss, Red e Black.<br />

"Em 2010, faturamos R$ 8 milhões.<br />

Como nossa meta é crescer<br />

35%, montamos uma nova fábrica<br />

com capacidade para produzir<br />

70.000 litros, com a finalidade de engarrafamento",<br />

afirma Guimarães. A<br />

instalação do parque industrial, vai<br />

permitir à Amazon engarrafar suas<br />

cervejas em versões de 355 e 600<br />

ml. Em outra frente, a cervejaria passou<br />

a disponibilizar, desde julho, os<br />

rótulos River e Forest ao mercado<br />

“Venda o que pode e não o que<br />

gostaria”, afirma Higor Higor Mergulhão Mergulhão,<br />

Mergulhão<br />

da Burgman, sobre a capacidade<br />

de demanda das pequenas<br />

paulista. A expectativa é, até o final<br />

do ano, disponibilizar outros rótulos<br />

em São Paulo e, mais adiante, em<br />

outros Estados. Para a segunda<br />

fase, a ideia é levar os produtos para<br />

Estados Unidos e Europa.<br />

O aumento do poder aquisitivo<br />

do brasileiro ajudou no fortalecimento<br />

das microcervejarias, fazendo com<br />

que uma parcela da população passase<br />

a consumir produtos de grife -<br />

seja uma bolsa, um relógio ou uma<br />

cerveja. Este público não se identifica<br />

mais com as cervejas populares e<br />

procura produtos mais elaborados,<br />

garante o executivo. Apesar disso,<br />

ele diz que as ações de marketing<br />

ainda são muito incipientes e que a<br />

comunicação "boca a boca" tem<br />

abrangência limitada fazendo com<br />

que o crescimento das empresas esteja<br />

atrelado à profissionalização do<br />

segmento, ainda problemática. "É<br />

um segmento que precisa de maior<br />

concorrência para evoluir. Para não<br />

perdermos espaço, separamos uma<br />

parcela do faturamento para a mídia<br />

e investimos na contratação de um<br />

mestre-cervejeiro, além da compra<br />

de uma pequena fábrica com capacidade<br />

para 2000 litros, exclusivamente<br />

para desenvolvimento de novos<br />

produtos", explica.<br />

As grandes de olho<br />

O fenômeno das microcervejarias<br />

não demorou para chamar a atenção<br />

das grandes indústrias. A<br />

Schincariol, por exemplo, investiu<br />

pesado na categoria - comprou a<br />

Baden Baden, de Campos do Jordão<br />

(SP), e a Devassa, do Rio de<br />

Janeiro - e embora o período de aquisições<br />

tenha sido pausado, as grandes<br />

marcas estão continuamente de<br />

olho no que as microcervejarias andam<br />

lançando. Alguns empresários<br />

do setor se arriscam a dizer que as<br />

microcervejarias incomodam as<br />

O mercado só estará maduro<br />

em cinco anos, garante<br />

Alexandre Alexandre Bazzo Bazzo Bazzo, Bazzo da Bamberg<br />

maiores sim e que o próprio fortalecimento<br />

das cervejas industriais Premium<br />

é resultado disso.<br />

O fato é que toda essa movimentação<br />

tem beneficiado o consumidor,<br />

já que possibilitou uma maior<br />

variedade nas cervejas produzidas<br />

no Brasil, além de estimular a chegada<br />

de marcas importadas. "Isso é<br />

muito bom porque gera concorrência,<br />

oportunidade e demanda. As micros<br />

que estiverem capacitadas, estruturadas<br />

e com produtos de qualidade<br />

conseguirão obter um crescimento no<br />

médio prazo muito maior do que<br />

esperavam", prevê Higor Mergulhão,<br />

gerente de Trade Marketing da Cervejaria<br />

Burgman, localizada em Sorocaba,<br />

interior de São Paulo.<br />

Atuando no mercado com três tipos<br />

de cerveja (a de maior volume é<br />

a Larger), a Burgman está pleiteando<br />

a liberação da quarta. Os três tipos<br />

de cerveja comercializados seguem<br />

o padrão artesanal, preservando<br />

as características típicas das cervejas<br />

Premium e de quebra ainda disseminando<br />

novos conceitos, como<br />

a tão difundida harmonização gastronômica.<br />

E é justamente esse viés<br />

20 _www.engarrafadormoderno.com.br <strong>Engarrafador</strong> <strong>Moderno</strong>


diferenciado, associado a campanhas<br />

bem estruturadas que a Burgman<br />

adotou como estratégia para aumentar<br />

sua participação no mercado.<br />

A partir do investimento em campanhas<br />

de marketing focando o<br />

B2C, a Burgman desenvolveu uma<br />

estratégia envolvendo ações como<br />

vídeos institucionais e a visita de clientes<br />

na fábrica (por meio de visitas<br />

monitoradas ou uma simples<br />

passada no Burgman Bar, na própria<br />

fábrica), o que fez aumentar consideravelmente<br />

as vendas.<br />

A cervejaria também investe em<br />

tecnologia, na tentativa de oferecer<br />

produtos com níveis cada vez mais<br />

elevados e com padrão internacional.<br />

Para isso, deve investir R$ 500<br />

mil nos próximos 12 meses, em barris<br />

mais elaborados, equipamentos<br />

para envase e rotulagem, treinamen-<br />

JULHO/11<br />

Os Os Os sócios sócios na na fábrica fábrica da da Falke Falke Bier: Bier: desenvolvimento de novas leveduras<br />

junto ao CNPQ e expansão no segundo semestre de 2011<br />

to para o staff, dentre outras áreas.<br />

Como as outras microcervejarias,<br />

a Burgman ainda sofre com a deficiência<br />

da falta de máquinas e equipamentos<br />

específicos para o setor. Ainda<br />

assim, o empresário diz que muitas<br />

empresas têm percebido a opor-<br />

tunidade e começam a criar uma rede<br />

de fornecimento mais sólida, o que<br />

deve suprir a demanda da categoria<br />

nos próximos anos.<br />

Apesar do "céu de brigadeiro",<br />

Mergulhão afirma que é importante<br />

saber exatamente a capacidade de<br />

21


Microcervejaria<br />

fornecimento da cervejaria para<br />

não dar o famoso "passo maior<br />

que a perna". Na esteira da expansão<br />

do mercado, muitas cervejarias<br />

acabam investindo tanto<br />

em divulgação que esquecem<br />

de avaliar sua real capacidade<br />

de atendimento da demanda,<br />

por isso é fundamental<br />

trabalhar com metas e expectativas<br />

alcançáveis, para não haver<br />

rupturas. "Venda o que pode<br />

e não o que gostaria. Cerveja de<br />

qualidade gera pedida, mas você<br />

está preparado para atender?",<br />

questiona.<br />

Expandir a atuação é um desafio<br />

para qualquer cervejaria de<br />

pequeno porte e deve ser<br />

criteriosamente avaliada para o<br />

projeto não naufragar. O primeiro<br />

passo é fortalecer a marca regionalmente,<br />

depois cria-se<br />

uma estrutura sólida e só então<br />

parte-se para vôos mais altos.<br />

Cautelosa, a Burgman segue uma<br />

fase de consolidação no mercado,<br />

sem desconsiderar novas possibilidades.<br />

"Procuramos atuar em regiões<br />

que ainda não foram tão exploradas,<br />

assim podemos desbravar esse segmento<br />

de uma forma focada e sem<br />

"bater de frente" com as grandes<br />

cervejarias", explica o executivo.<br />

Desafios para o futuro<br />

Para Alexandre Bazzo, Brewer<br />

cervejeiro da Bamberg, o processo<br />

de crescimento das microcervejarias<br />

está apenas começando e o mercado<br />

só deve estar amadurecido em<br />

cerca de cinco anos. Até lá, muitos<br />

gargalos ainda precisam ser resolvidos,<br />

assegura ele.<br />

Da educação do consumidor, que<br />

contava com apenas um estilo de<br />

cerveja disponível no mercado e<br />

agora tem mais de 120 estilos para<br />

conhecer e apreciar, à falta de equi-<br />

pamentos de boa qualidade voltados<br />

para a pequena escala e concorrência<br />

desleal com as falsas cervejas<br />

especiais (que podem confundir<br />

os mais desavisados), passando<br />

pela carga tributária excessiva,<br />

burocracia dos órgãos fiscalizadores,<br />

legislação trabalhista ultrapassada,<br />

dificuldade na aquisição de<br />

matérias-primas e equipamentos, o<br />

caminho é árduo e requer cuidado.<br />

No caso das falsas cervejas especiais,<br />

por exemplo, a estratégia é<br />

muito simples: aproveitando a ascensão<br />

desse tipo de cerveja e se<br />

valendo de um certo desconhecimento<br />

por parte dos consumidores,<br />

que ainda estão aprimorando o paladar<br />

em relação ao produto, algumas<br />

cervejarias elaboram um trabalho<br />

de marketing articulado e vendem<br />

gato por lebre, ou seja,<br />

comercializam cervejas ditas "normais"<br />

como um produto especial.<br />

A logística do País também<br />

é outro item que merece atenção,<br />

segundo Bazzo. Ele define<br />

o sistema como "complicado"<br />

e diz que um país de<br />

vasta extensão territorial como<br />

o Brasil deveria ter mais opções<br />

de transporte. Para quem<br />

comercializa um produto altamente<br />

perecível como a cerveja,<br />

entregar em regiões muito distantes<br />

da fábrica acaba sendo<br />

uma tarefa complexa. Para evitar<br />

problemas, a prioridade da<br />

Bamberg são as regiões próximas<br />

à fábrica. A regionalização,<br />

aliás, é apontada por ele como<br />

a solução para o aumento do<br />

consumo, caso o ritmo do crescimento<br />

se mantenha acelerado.<br />

Com crescimento de 30% ao<br />

ano desde 2005, quando foi fundada<br />

em Sorocaba (SP), a<br />

Bamberg mantém como carrochefe<br />

a Bamberg Pilsen, que<br />

representa 65% das vendas, seguida<br />

pela Bamberg Weizen, com 10%.<br />

O bom desempenho da cervejaria<br />

serve de incentivo para o empresário<br />

indicar mudanças também nos<br />

PDVs, que deveriam ser menos reféns<br />

das grandes indústrias e participar<br />

mais do desenvolvimento do<br />

mercado cervejeiro como um todo,<br />

incluindo mais apoio às cervejarias<br />

menores. "O consumidor quer consumir<br />

o nosso produto, mas o dono do<br />

PDV deve mudar a mentalidade, ser<br />

mais independente, depender menos<br />

do "patrocínio" dado pelas mega<br />

cervejarias".<br />

O investimento na degustação de<br />

produtos e a participação em feiras<br />

e eventos cervejeiros foi a forma que<br />

a Cervejaria Klein, fundada em Curitiba<br />

(PR), encontrou para crescer no<br />

mercado. A cervejaria também realiza<br />

o Klein Rock Contest, evento que<br />

promove um concurso de bandas de<br />

rock, em Curitiba.<br />

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Embora sem revelar o faturamento<br />

de 2010, a empresa estima triplicar<br />

o faturamento em 2011, em virtude<br />

do lançamento de novas cervejas e<br />

de uma linha de envase de garrafas.<br />

A cerveja Pilsen ainda corresponde<br />

ao maior volume, mas a Klein vê<br />

perspectivas de mudança. "Sentimos<br />

uma grande mudança desde a abertura<br />

da cervejaria, há dois anos. No<br />

começo, o estilo pilsen correspondia<br />

a 80% das vendas e hoje ela não passa<br />

dos 60%. Atualmente, estilos de<br />

cervejas com Brown Ale, Stout e<br />

Weiss crescem em volume a cada<br />

dia, ganhando cada vez mais adeptos",<br />

afirma Henrique Presser, proprietário<br />

da cervejaria.<br />

Ele destaca o que chama de revolução<br />

no setor, que tem permitido<br />

que cidades com pouca tradição no<br />

JULHO/11<br />

mercado cervejeiro passem a apresentar<br />

novidades em relação à bebida.<br />

Os freqüentes prêmios internacionais<br />

concedidos à cervejarias<br />

brasileiras também servem para<br />

mostrar a qualidade do produto nacional<br />

e incentivam a cultura cervejeira<br />

artesanal, avalia o empresário.<br />

No entanto, como em qualquer<br />

mercado que cresce, algumas mudanças<br />

devem ocorrer ao longo do<br />

caminho e uma das mais importantes<br />

será em relação à diversidade<br />

de estilos, garante Presser. "As micros<br />

que quiserem sobreviver terão<br />

que desenvolver novas cervejas, saindo<br />

das tradicionais lagers e investindo<br />

em estilos pouco conhecidos.<br />

A tendência é realmente beber menos<br />

e beber melhor".<br />

Com tantas microcervejarias sur-<br />

gindo, a divulgação acaba sendo<br />

uma excelente opção, mas os custos<br />

ainda pesam muito no bolso dos<br />

pequenos empresários, especialmente<br />

os impostos. Se a categoria<br />

fosse enquadrada no Simples Nacional,<br />

por exemplo, os impostos seriam<br />

menores e haveria mais recursos<br />

para a divulgação.<br />

A dificuldade em relação aos equipamentos<br />

é outro entrave. A tecnologia<br />

necessária para a elaboração de<br />

bons produtos é abrangente e vai desde<br />

um bom moedor de malte a um<br />

bom filtro, garante ele. "Uma boa envasadora<br />

faz a diferença no produto final",<br />

diz, esclarecendo que a Klein investiu<br />

R$ 1 milhão na aquisição de uma<br />

nova linha de envase de garrafas justamente<br />

para alavancar as vendas e<br />

melhorar a qualidade do produto.<br />

23


Ingredientes<br />

Na onda saudável<br />

Bebidas saudáveis<br />

e naturais ganham<br />

cada vez mais<br />

adeptos e despontam<br />

como ícones<br />

de mudanças<br />

de consumo<br />

GPor Paulo Garcia de Almeida<br />

lobalmente acompanhamos mais um<br />

novo ciclo no segmento das bebidas<br />

não alcoólicas, que ganha força a cada<br />

ano e acompanha a tendência da alimentação<br />

saudável. Durante décadas<br />

para saciar sua sede, os consumidores<br />

tiveram à disposição refrigerantes<br />

tradicionais com inúmeros sabores.<br />

Bebidas que nasceram nos antigos<br />

boticários do século XIX e existem<br />

até hoje, e o aparecimento e crescimento<br />

de inúmeras outras indústrias<br />

de bebidas, de ingredientes, de<br />

aditivos, principalmente aromas e corantes,<br />

e de insumos. Com o advento<br />

das bebidas light e diet para atender<br />

inicialmente determinado público que<br />

necessitava redução calórica, um novo<br />

ciclo se formou e abriu a possibili-<br />

dade de novas frentes de trabalho para<br />

profissionais de marketing e P&D.<br />

Com as pesquisas e os resultados<br />

obtidos no campo da saúde médica,<br />

esportiva e nutrição, um terceiro ciclo<br />

para estas bebidas se apresentou nas<br />

últimas décadas com enfoque voltado<br />

à saúde e bem estar.<br />

Bebidas com características funcionais<br />

e naturais ganharam o mercado<br />

e atraem cada vez mais consumidores<br />

tanto jovens quanto os<br />

praticantes de atividades físicas,<br />

que consomem bebidas tipo chás<br />

prontos para beber, sucos, águas<br />

fortificadas, energéticos, esportivas,<br />

água de coco e outras naturais e orgânicas.<br />

As mais recentes tendências,<br />

que crescem nesta ramificação da<br />

saudabilidade são as bebidas mais<br />

naturais, funcionais e isentas de adi-<br />

38 _www.engarrafadormoderno.com.br <strong>Engarrafador</strong> <strong>Moderno</strong>


tivos artificiais ou contendo antioxidantes<br />

oriundos das super-frutas,<br />

para poderem consumir toda a" energia<br />

natural".Outra linha de produto<br />

são as bebidas relaxantes ou antistress.<br />

A variedade de sabores e lançamentos<br />

é intensa e varia desde<br />

cacau fermentado rico em teobromina,<br />

até café, maracujá, maçã, manga,<br />

pêssego, banana, melão, abacaxi,<br />

morango, framboesa, mirtilo, goiaba,<br />

romã, açaí, gogi, uva, amora,<br />

cenoura, cítricos, água de coco, chá<br />

verde, chá preto e/ou contendo extrato<br />

de semente de guaraná, ginseng,<br />

probioticos, prebioticos, Ômega<br />

3 e vitaminas, além de serem levemente<br />

gaseificadas.<br />

De acordo com algumas pesquisas<br />

internacionais, os consumidores<br />

utilizam as bebidas funcionais como<br />

um complemento para suprir suas<br />

necessidades nutricionais e, por isso,<br />

ainda há uma oportunidade de<br />

crescimento neste setor. As bebidas<br />

energéticas nos Estados Unidos continuam<br />

a ser um condutor no crescimento<br />

das vendas, pelo fato de que<br />

muitos jovens não consomem o café<br />

como as gerações anteriores e fizeram<br />

com que as bebidas energéticas<br />

se popularizassem entre os adolescentes,<br />

bem como jovens adultos.<br />

Muitos acreditam que além dos<br />

adolescentes e jovens adultos o público-alvo<br />

de bebidas energéticas<br />

precisa ser ampliado e deste modo<br />

focam em executivos que necessitam<br />

de "mais energia", idosos que<br />

querem ficar mais ativos ou até nos<br />

trabalhadores convencionais que se<br />

"esforçam" para não passar uma tarde<br />

sonolenta no escritório.<br />

A mais recente atração no mercado<br />

de bebidas funcionais é a água<br />

de coco que está sendo apontada<br />

como a bebida natural dos esportistas,<br />

um atributo tão atraente que a<br />

coloca como a bebida que mais cresce<br />

na categoria, com vendas no va-<br />

JULHO/11<br />

rejo americano acima de US$ 450 milhões<br />

e que já trouxe até investimento<br />

da cantora Madonna neste segmento.<br />

A água de coco se equipara<br />

aos ícones de mudanças de consumo<br />

como em passado recente foi o<br />

Red Bull e os energéticos ou as bebidas<br />

lácteas com probióticos.<br />

Mas para desenvolver produtos<br />

com atributos de funcionalidade ou<br />

benéficos a saúde, além das matérias<br />

primas que fazem parte da base<br />

das bebidas não alcoólicas, como<br />

as fontes de carbohidratos, acidulantes<br />

e aditivos de coloração ou conservação,<br />

o conhecimento e correta<br />

aplicação de ingredientes específicos<br />

são fundamentais para atingir o<br />

objetivo desejado. Os ingredientes<br />

utilizados em bebidas têm suas funções<br />

definidas e devem estar de<br />

acordo com as legislações estabelecidas<br />

pelos órgãos governamentais<br />

dos respectivos países.<br />

Taurina aurina aurina<br />

Taurina é um dos aminoácidos<br />

(substâncias que formam as proteínas)<br />

mais abundantes no corpo humano<br />

e age como neurotransmissor<br />

(mensageiro químico para o sistema<br />

nervoso, e por esta característica não<br />

se aconselha a ingestão de álcool<br />

com bebidas energéticas contendo<br />

taurina). A taurina colabora na desintoxicação<br />

de substâncias químicas<br />

estranhas e está envolvida na<br />

produção da bílis.<br />

No corpo humano é sintetizada<br />

principalmente no cérebro e no fígado,<br />

mas altos níveis são encontrados<br />

naturalmente em tecidos do coração,<br />

retina, músculos esqueléticos<br />

e sistema nervoso central.<br />

A taurina está presente em suplementos<br />

alimentares e é adicionada<br />

inclusive em rações para gatos, por<br />

serem animais que não sintetizam<br />

este aminoácido.<br />

39


Ingredientes<br />

Glucoronolactona<br />

Glucoronolactona<br />

É um produto do metabolismo da<br />

glicose no fígado. A glucoronolactona<br />

entra em equilíbrio com o ácido<br />

glucorônico (seu precursor) que é um<br />

importante constituinte das fibras e<br />

tecidos conjuntivos.<br />

Embora possa ser adicionado,<br />

nem todas as bebidas energéticas<br />

possuem este ingrediente na sua<br />

composição e o metabolismo da glucoronolactona<br />

em humanos ainda<br />

não está bem esclarecido.<br />

Na natureza encontra-se em alguns<br />

vegetais que contêm gomas e<br />

em produtos como o vinho.<br />

Cafeína<br />

Cafeína<br />

É um alcalóide da classe das metilxantinas.<br />

A cafeína tem ação estimulante<br />

e provoca uma sensação de revigoramento,<br />

diminuição do sono e da<br />

fadiga, exercendo um efeito sobre a<br />

descarga das células nervosas e a liberação<br />

de alguns neurotransmissores<br />

e hormônios como a adrenalina.<br />

A cafeína é encontrada naturalmente<br />

em mate, café, noz de cola e<br />

guaraná.<br />

Dentre os principais produtos que<br />

contêm cafeína, citam-se as bebidas<br />

sabor tipo cola, café e mate e produtos<br />

contendo extrato de semente de<br />

guaraná.<br />

Inositol<br />

Inositol<br />

É um tipo de carboidrato simples<br />

que participa na saúde das membranas<br />

celulares especificamente no cérebro,<br />

medula óssea, olhos e intestinos.<br />

Naturalmente é encontrado em cereais<br />

e vegetais e em produtos como<br />

levedo de cerveja e lecitina de soja.<br />

Vitaminas Vitaminas B2, B2, B3, B3, B5, B5, B6 B6<br />

B6<br />

e e e B12 B12<br />

B12<br />

São micronutrientes do complexo<br />

B solúveis em água, necessários<br />

ao organismo, pois colaboram no<br />

metabolismo de gorduras, carboidratos<br />

e proteínas e auxiliam na capacidade<br />

de concentração e memória.<br />

Naturalmente encontradas em levedo<br />

de cerveja, abóbora, carnes,<br />

cereais integrais, banana e trigo.<br />

Ômega Ômega 3<br />

3<br />

São ácidos graxos orgânicos que<br />

podem ter de 4 a 22 carbonos na molécula<br />

linear. Podem ter apenas ligações<br />

simples ou uma dupla ligação<br />

ou mais de uma dupla ligação e são<br />

chamados respectivamente de saturados,<br />

monoinsaturados e poliinsaturados.Um<br />

ácido graxo é chamado<br />

de ômega 3 quando a dupla ligação<br />

está localizada no terceiro carbono a<br />

partir do radical metil.Os principais são<br />

alfa-linolênico, o EPA-eicosapentanóico<br />

e o DHA- docosahexanoico. Estes últimos<br />

são biosintetizados no homem<br />

a partir do precursor alfa- linolênico encontrados<br />

em sementes de linhaça<br />

dourada, canola e gérmen de trigo enquanto<br />

que os ácidos EPA e DHA são<br />

encontrados em peixes de água fria e<br />

vegetais de origem marinha.<br />

Fitosteróis<br />

Fitosteróis<br />

Conhecidos também como esteróis<br />

vegetais, sendo os principais<br />

representantes o sitosterol, campesterol<br />

e o estigmasterol que estruturalmente<br />

são semelhantes ao colesterol.<br />

Os fitosterois são benéficos na<br />

dieta pois colaboram para reduzir a<br />

hipercolesterolemia.<br />

Fibras Fibras alimentares<br />

alimentares<br />

As fibras alimentares englobam<br />

todo tipo de substância fibrosa ou<br />

não que possuem ação específica<br />

para a saúde e são diferenciadas em<br />

relação a solubilidade em água, viscosidade,<br />

geleificação e capacidade<br />

de incorporação de substâncias<br />

moleculares e minerais. Podem ser<br />

fibras solúveis como pectinas, gomas,<br />

mucilagens e algumas hemiceluloses<br />

(beta-glucana) ou fibras insolúveis<br />

como a celulose, linina.<br />

Probióticos<br />

Probióticos<br />

Alimento que incorpora microorganismos<br />

vivos (lactobacilos, bifidobacterias)<br />

que consumido em quantidade<br />

suficiente produz efeitos benéficos<br />

para a saúde , além dos efeitos nutricionais<br />

habituais. Dentre as cepas<br />

comumente utilizadas destacam-se<br />

L.acidophilus, L. brevis, L.fermentum,<br />

B.bifidum, B.breve, B.longum.<br />

40 _www.engarrafadormoderno.com.br <strong>Engarrafador</strong> <strong>Moderno</strong>


Prebióticos<br />

Prebióticos<br />

São ingredientes alimentares não<br />

digeríveis que tem ação benéfica no<br />

usuário estimulando seletivamente o<br />

crescimento e/ou a atividade de uma<br />

ou de um número limitado de bactérias<br />

do colon. Dentre os ingredientes<br />

que atendem os requisitos de<br />

ação para fins alimentares estão os<br />

oligossacarídeos tais como a inulina<br />

e frutooligossacarideo (FOS).<br />

Simbióticos<br />

Simbióticos<br />

A combinação de alimentos que<br />

contém bactérias vivas (probióticos)<br />

e determinados produtos que servem<br />

de substrato para estas bactérias<br />

(prebióticos) são conhecidos como<br />

alimentos simbióticos.<br />

Carotenóides<br />

Carotenóides<br />

São substâncias coloridas, amplamente<br />

distribuídas na natureza e<br />

sempre acompanhadas de clorofila,<br />

JULHO/11<br />

lipossolúveis, poliinsaturadas e tetraterpênicas.<br />

Dentre os principais carotenóides<br />

se destacam o beta caroteno,<br />

licopeno, bixina, luteína, zexantina,<br />

capsantina.<br />

Flavonóides<br />

Flavonóides<br />

Os compostos fenólicos constituem-se<br />

nas maiores classes de metabólitos<br />

secundários de plantas. O grupo<br />

mais importante de compostos fenólicos<br />

existentes nos alimentos são<br />

os flavonóides que podem ser divididos<br />

em antocianinas (cianidina), flavanas<br />

(catequina), flavonona (narigenina),<br />

flavona (apigenina), flavonóis (rutina)<br />

e isoflavonoides (genisteina).<br />

As principais indústrias do segmento<br />

de alimentos e bebidas com<br />

foco nutricional estão direcionando<br />

suas plataformas de estudo para a<br />

saúde óssea, cardiovascular, digestiva,<br />

oral, imunológica e controle de<br />

peso e também têm atraído um grande<br />

número de indústrias fornecedoras<br />

de ingredientes funcionais.<br />

A cada ano novos estudos e descobertas<br />

relacionados à nutrição e doenças<br />

incentivam cientistas a se dedicarem<br />

na busca de novos produtos<br />

e ingredientes benéficos a saúde.<br />

Aprofundamento do conhecimento<br />

das fontes naturais do reino vegetal<br />

para identificação de bioativos, aplicações<br />

da engenharia genética, biotecnologia,<br />

nanotecnologia, nutrigenômica,<br />

novas tecnologias em processamento<br />

e inovação habilitam os cientistas<br />

de alimentos a planejar novos<br />

produtos saudáveis de modo a<br />

encontrar soluções para uma vida<br />

melhor ,através do consumo de alimentos<br />

e bebidas que nos tragam<br />

mais saúde e bem estar.<br />

Paulo Garcia de Almeida<br />

PGA Brasil - Beverage & Speciality<br />

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