visões e desafios na américa latina - America Latina e Marx ...
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As Novas Configurações Políticas <strong>na</strong> América Lati<strong>na</strong>:<br />
lutas e estratégias contra os “ajustes estruturais” neoliberais<br />
Luiz Fer<strong>na</strong>ndo da Silva<br />
Resumo. O artigo discute a atual configuração política <strong>na</strong> América Lati<strong>na</strong>, tendo<br />
como referência de análise a implementação dos ajustes estruturais neoliberais em<br />
curso desde a década de 1980 e a crescente desilusão das camadas sociais<br />
populares em relação à democracia política desenvolvida no mesmo período.<br />
Introdução<br />
As políticas de “ajustes estruturais”, no decorrer dos últimos 25 anos, em<br />
<strong>na</strong>da solucio<strong>na</strong>ram a situação econômica da maioria da população latino-<br />
america<strong>na</strong>. Os próprios dados e diagnósticos do Banco Mundial e Fundo Monetário<br />
Inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l esclarecem aos mais céticos liberais (ou neoliberais), pois indicam o<br />
aprofundamento das contradições sociais <strong>na</strong> região. Os técnicos dessas instituições<br />
formulam novas propostas e saídas para o cenário social, geralmente por meio de<br />
inócuas políticas de “programas de transferência de renda” com as mesmas e<br />
mais políticas de âmbito macroeconômico, muitas vezes é nítido o caráter<br />
pessimista de tais diagnósticos e análises.<br />
O quadro político que se desenvolveu <strong>na</strong> região resulta das políticas<br />
econômicas adotadas no período. Por outro lado, também advém da ampla<br />
frustração que se seguiu às esperanças de que o fi<strong>na</strong>l dos regimes políticos<br />
ditatoriais, em vários países do continente, possibilitaria a constituição de espaços<br />
democráticos liberais ao lado de democracia social.<br />
Em torno da resistência às perspectivas ditatorial e liberal, significativos<br />
setores da classe trabalhadora, da juventude e campesi<strong>na</strong>to incidiram com suas<br />
maneiras específicas de organização e lutas sociais em torno do impulsio<strong>na</strong>mento<br />
das liberdades políticas mas estas mediadas por um programa concreto de<br />
reivindicações econômicas e sociais. Naquele período histórico, portanto, nos<br />
países que passaram por “transição política” dos regimes ditatoriais para regimes
liberais-democráticos, estiveram em disputa projetos políticos e interesses de<br />
classe distintas, situados da seguinte maneira: a) setores sociais em torno do<br />
projeto liberal-democrático; b) setores políticos social-democráticos; c) setores<br />
proletários mediados por distintos projetos de socialismo.<br />
Com o apoio de governos advindos de setores de esquerda, para<br />
“solucio<strong>na</strong>r” a tendência estrutural de queda da taxa de lucros do Capital, ou seja, a<br />
crise crônica do capitalismo contemporâneo.<br />
América Lati<strong>na</strong>: democracia formal e ajustes estruturais neoliberais<br />
Na década de 1980, a discussão sobre a “crise da dívida exter<strong>na</strong>” e a<br />
consolidação dos espaços democráticos estiveram em pauta <strong>na</strong>s Ciências Sociais,<br />
como também nos movimentos sociais e partidos políticos. É interessante observar<br />
que, em meio à transição política em vários países latino-americanos, também se<br />
desenvolveram as “renegociações da dívida exter<strong>na</strong>”, que <strong>na</strong> realidade definiram<br />
os ajustes estruturais que as economias dos países devedores deveriam assumir<br />
para manterem a confiança da “comunidade fi<strong>na</strong>nceira inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l”.<br />
Essas renegociações que tomaram forma inicial a partir da Moratória<br />
mexica<strong>na</strong>, em agosto de 1982, posteriormente ganharam forma mais definida por<br />
meio de três momentos básicos, que aqui somente cabe assi<strong>na</strong>lar (Roberts, 2000;<br />
Sandroni,2005; Martins, 2006).<br />
O Plano Baker (1985), Programa para o crescimento sustentável, formulado<br />
pelo secretário do Tesouro norte-americano, James A. Baker III, dirigiu-se para<br />
quinze países considerados com maior dívida, sendo que os latino-americanos<br />
eram a maioria: Bolívia, Argenti<strong>na</strong>, Brasil, Chile, Equador, México, Peru, Uruguai e<br />
Venezuela. Com o objetivo de reduzir a inflação, o plano exigia que fossem<br />
adotadas políticas estruturais e macroeconômicas, com ajustes no balanço de<br />
pagamentos, reforma tributária, incentivo aos investimentos estrangeiros e liberação<br />
comercial. Ao lado dessas condições, o Fundo Monetário Inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l e Bancos<br />
Multilateriais de Desenvolvimento acompanharam o desenvolvimento dessas<br />
determi<strong>na</strong>ções. As conseqüências desse procedimento, como inclusive fora revisto<br />
posteriormente, foi a expansão das dívidas desses países, em decorrência do<br />
aumento dos serviços e juros e dos novos empréstimos contraídos, para pagar a<br />
própria dívida.
Em março de 1989, o então novo secretário do Tesouro norte-americano,<br />
Nicholas Brady, considera que a redução da dívida dos países devedores era a via<br />
principal para o retorno ao mercado. O Plano Brady (1989), como ficou conhecido,<br />
propunha a redução da dívida por meio de uma política orientada para o<br />
crescimento, di<strong>na</strong>mizada pelo fluxo de investimentos estrangeiros. Para isso, os<br />
países devedores deveriam desenvolver programas que permitissem a conversão<br />
da dívida junto a investidores que participassem das transações para estimular o<br />
repatriamento de capitais depositados no exterior. O FMI e o Banco Mundial<br />
apoiariam o fi<strong>na</strong>nciamento para a conversão de empréstimos bancários, em novos<br />
títulos, com redução do principal e da taxa de juros. Até 1996, <strong>na</strong> América Lati<strong>na</strong>, os<br />
seguintes países haviam se ajustado ao Plano: Brasil, Costa Rica, República<br />
Dominica<strong>na</strong>, Equador, México, Pa<strong>na</strong>má, Peru, Uruguai e Venezuela.<br />
A estratégia de redução da dívida exter<strong>na</strong> ocorreu por meio do Plano Brady,<br />
com os seguintes condições: livre circulação de capitais e mercadorias,<br />
privatizações, reforma do Estado e elevação dos juros. Desta maneira, convertia as<br />
dívidas em títulos com desconto de seu valor de face, ou dos juros, ou em novos<br />
empréstimos. A contrapartida exigida dos países devedores foi a introdução de<br />
reformas macroeconômicas, que inverteram o ajuste para criar déficit comerciais<br />
fi<strong>na</strong>nciados por capitais externos, atraídos por especulação cambial e fi<strong>na</strong>nceira,<br />
privatizações e, secundariamente, por investimentos produtivos. A dívida foi<br />
parcialmente securitizada pelo tesouro dos Estados Unidos, mediante a combi<strong>na</strong>ção<br />
de fundos do governo estadunidense, organismos inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is e países<br />
devedores, e negociada no mercado secundário, atuando como instrumento de<br />
privatização de empresas e bancos estatais latino-americanos.<br />
O plano Brady, no entanto, foi um total fracasso à medida em que não<br />
recuperou crescimento econômico e investimentos, não capacitou o pagamento<br />
pleno dos serviços da dívida; não eliminou a necessidade de dinheiro novo dos<br />
bancos para o único propósito de pagamento dos juros da dívida (Martins,<br />
2006:649).<br />
As experiências ocorridas <strong>na</strong> década de 1980 foram a<strong>na</strong>lisadas e<br />
condensadas em reuniões e encontros que ocorreram a partir de 1989, em<br />
Washington (DC). A base <strong>na</strong> qual podemos situar essa perspectiva encontra-se no<br />
que ficou conhecido como Consenso de Washington.
O Consenso de Washington, portanto, foi o encontro realizado <strong>na</strong> capital<br />
norte-america<strong>na</strong>, em novembro de 1989, que teve como objetivo avaliar as reformas<br />
econômicas que já vinham sendo implantadas <strong>na</strong> região. Em verdade, essas<br />
propostas condensadas expressavam as proposições da alta burocracia das<br />
agências econômicas do governo dos Estados Unidos (Federal Reserve Bank),<br />
agências fi<strong>na</strong>nceiras inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is; membros do congresso norte-americano e<br />
consultores econômicos. Em especial essas propostas condensavam as linhas<br />
políticas ortodoxas da doutri<strong>na</strong> neoliberal, como veio ganhando corpo nos Estados<br />
Unidos, desde o período de Ro<strong>na</strong>ld Reagan (1979-1989) e George W. Bush (1989-<br />
1994).<br />
O título do encontro era sugestivo: “Latin <strong>America</strong>n ajustment: How much<br />
hás happended?” (Ajuste latino-americano: Quanto já ocorreu?”). organizado pelo<br />
Institute for Inter<strong>na</strong>tio<strong>na</strong>l Economice, funcionários do governo norte-americano e dos<br />
organismo fi<strong>na</strong>nceiros - Banco Mundial, FMI, Banco Interamericano e<br />
Desenvolvimento – e especialistas em assuntos latino-americanos.<br />
O Consenso, portanto, implicou <strong>na</strong> padronização do receituário que se<br />
seguiu <strong>na</strong> década de 1990. Os 10 pontos do receituário foram os seguintes: cortes<br />
<strong>na</strong>s despesas com políticas sociais e investimentos, com o objetivo de “equilibrar” o<br />
orçamento estatal; prioridade ao pagamento de juros das dívidas exter<strong>na</strong>s e inter<strong>na</strong>,<br />
<strong>na</strong>s despesas públicas; reforma fiscal; flexibilização do mercado fi<strong>na</strong>nceiro para a<br />
presença de bancos inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is e elimi<strong>na</strong>ção de restrições ao fluxo de capital<br />
especulativo inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l; equiparação moedas <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is ao dólar; elimi<strong>na</strong>ção das<br />
restrições ao investimento estrangeiro; programa de privatizações;<br />
desregulamentação de atividades estratégicas (mineração, transporte, prospecção)<br />
e das relações trabalhistas (reformas); nova lei de patentes, de acordo com<br />
exigências inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is.<br />
A política econômica recente, presentes <strong>na</strong>s negociações com as<br />
instituições inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is, refere-se à diminuição da dívida exter<strong>na</strong>. Mas de uma<br />
maneira perversa. Com as taxas de juros elevadas, os governos vendem títulos no<br />
mercado, endividam-se a médio prazo. Com esse montante “ganho” pagam a dívida<br />
e diminuem.<br />
Como verificamos a frente, os ajustes estruturais que estavam propostos no<br />
Consenso de Washigton levaram os países que aceitaram esse receituário a crises,<br />
insolvência econômica e estag<strong>na</strong>ção dos países da região. O México é resultado
desse quadro, com sua insolvência em 1995. Posteriormente estendendo-se por<br />
Brasil (1998), Equador (1999), Argenti<strong>na</strong> (2001).<br />
Os resultados dos ajustes estruturais<br />
A dívida exter<strong>na</strong> latino-america<strong>na</strong>, em 1973, representava 17% do PIB da<br />
região, em 1981 chegava a 31% e em 1987 expressava 57% do PIB. Entre 1990 e<br />
1999, a dívida exter<strong>na</strong> salta de US$ 467 bi (35% PIB) para US$ 745 bi (42% PIB).<br />
Ou seja, embora a carga de recursos transferidos para o exterior tenha crescido,<br />
ainda assim aumentou a dívida exter<strong>na</strong>. A partir da década de 1990 com um outro<br />
agravante. Antes do Consenso de Washington e sua aplicação por meio do Plano<br />
Brady, as negociações do endividamento ocorriam por meio de mais empréstimos e<br />
as oscilações decorriam das flutuações dos juros no mercado inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l. A partir<br />
da década de 1990, a condição é privatização e flexibilização fi<strong>na</strong>nceira e<br />
comercial.<br />
Os resultados em relação ao endividamento externo foram nítidos.<br />
Desestruturou-se inter<strong>na</strong>mente o modelo de desenvolvimento econômico<br />
dependente-associado, que se mantinha baseado no tripé capital estatal, capital<br />
<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l e capital multi<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, <strong>na</strong>s economias brasileira, argenti<strong>na</strong> e mexica<strong>na</strong>.<br />
No período encerrou-se o superávit comercial <strong>na</strong> região, como ocorrera entre 1930<br />
e 1980 , especialmente por três razões: a) produz déficit comercial em conta<br />
corrente, especialmente por meio da inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lização do consumo “suntuário”<br />
para camadas médias e burguesia; b) ingressos de capital inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l para<br />
equilíbrio do balanço de pagamento; c) aumento da dívida inter<strong>na</strong>/exter<strong>na</strong>; d)<br />
privatizações e des<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lização e, em muitas situações, o fenômeno de<br />
desindustrialização acentuou-se.<br />
A política de privatização das empresas estatais e a des<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lização da<br />
economia assumiram a tônica principal dos discursos neoliberais, de seus partidos,<br />
políticos e intelectuais. Os principais setores cobiçados pelas multi<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is foram<br />
aqueles com maior lucratividade: infra-estrutura, telecomunicações e mineração.<br />
De acordo com relatório do Banco Mundial, entre 1990 e 1998, <strong>na</strong> América<br />
Lati<strong>na</strong>, as privatizações de empresas públicas representaram US$ 154 bilhões.<br />
Desse total: Brasil (43%), México (20,4%), Argenti<strong>na</strong> (15,4%). Essa operação, no
entanto, não gerou liquidez econômica <strong>na</strong> região, porque assumiu a forma de<br />
liquidação de títulos da dívida exter<strong>na</strong>.<br />
Os experimentos com privatizações ocorrem desde a década de 1970, <strong>na</strong><br />
economia chile<strong>na</strong>, no período do ditador Augusto Pinochet (1973-1990). Mas a<br />
incursão definitiva acontece depois com a moratória do México. Nesse país, os<br />
números são os seguintes: em 1982, 1115 empresas privatizadas; em 1986, 697;<br />
e em 1990, 280. As privatizações concentraram-se nos seguintes setores: bancos,<br />
siderurgias, redes de televisão, telefonia e serviços públicos (estradas, portos e<br />
aeroportos). Em 2002, 85% dos ativos fi<strong>na</strong>nceiros mexicanos estavam <strong>na</strong>s mãos<br />
de estrangeiros.<br />
Na Argenti<strong>na</strong>, <strong>na</strong> década de 1990, também foi significativo esse processo<br />
de privatização e des<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lização. No primeiro período do peronista Carlos Saul<br />
Menem (Partido Justicialista), ocorreram cerca de 400 privatizações: YPF, ferrovias,<br />
distribuição de gás, abastecimento de água, saneamento básico, energia elétrica<br />
(geração, transmissão e distribuição) ENTEL (Empresa Nacio<strong>na</strong>l de<br />
Telecomunicação), Aerolíneas Argenti<strong>na</strong>s, firmas siderúrgicas e petroquímicas ,<br />
administração de sistema portuário, ca<strong>na</strong>is de rádio e televisão. Na segunda<br />
metade, seguem as privatizações de Correios e Telégrafos e estações<br />
aeroportuárias.<br />
Na década de 1990, o capital estrangeiro significou 67% dos ingressos,<br />
sendo os mais expressivos: Espanha (42%) e EUA (26%). Os setores mais<br />
atingidos: petrolífero (39%), energia elétrica (25%), comunicações (13%) e gás<br />
(12%).<br />
No caso boliviano, o programa de ajustes neoliberais iniciou-se com o<br />
Governo de Paz Estenssoro (...), através de supressão de subsídios, fechamento de<br />
empresas estatais, elimi<strong>na</strong>ção de controle de preços e da cotação do dólar. A<br />
principal intenção , de acordo com o governo que seguia as exigências dos<br />
organismos inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is, era combater o processo inflacionário no país. O<br />
programa de privatização de empresas públicas seguiu com Paz Zamorra (...),<br />
promovendo associações de capital entre Corporação Mineradora (Comobil) e<br />
empresas privadas (joint-ventures). Em 1994, com o então recém eleito Gonzalo<br />
Sanchez de Lozada (Goni), instaura-se a Lei de Capitalização que significava a<br />
privatização de 50% do capital das principais empresas públicas bolivia<strong>na</strong>s:<br />
telecomunicações, eletricidade, petróleo, gás, transporte ferroviário, linhas aéreas.
O objetivo anunciado era de atrair investimentos externos, reduzir o desemprego e<br />
aumentar o Produto Interno Bruto (PIB). Essas investidas foram mais intensas no<br />
segundo mandato de Goni, quando demite dois mil trabalhadores ferroviários,<br />
realiza a reforma da prividenciária e da educação e instaura a Lei dos<br />
Hidrocarbonetos, que legitima a expropriação do gás <strong>na</strong>tural pelas trans<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is.<br />
No Brasil, cabe lembrar, de acordo com o BNDES, que entre 1991 e 2002,<br />
as privatizações significaram US$ 105,5 bilhões. Especialmente atingindo os<br />
seguintes setores: Elétrico e Telecomunicações (62%) e Siderúrgica e Mineração<br />
(16%): Embratel, Telebras, Cia. Vale do Rio Doce, USIMINAS, Companhia<br />
Siderúrgica Nacio<strong>na</strong>l, Light.<br />
Borón (2004) considera que <strong>na</strong> complexidade social latino-america<strong>na</strong>,<br />
advinda desse período de ajustes estruturais, quatro determi<strong>na</strong>ntes destacam-se:<br />
a) o fracasso econômico que havia acentuado as contradições da “reestruturação<br />
econômica e social” precipitada pela crise e acirrada por políticas de ajustes e<br />
estabilização; b) surgimento de novas forças de esquerda decorrentes da frustração<br />
com o “capitalismo democrático” no continente, que se desenvolveu a partir da<br />
década de 1980; c) crise sobre os formatos tradicio<strong>na</strong>is de representação política,<br />
como partidos populistas, de esquerda e organizações sindicais; d) a globalização<br />
das lutas contra o neoliberalismo.<br />
Essa situação de fracasso econômico gerou novos atores sociais:<br />
piqueteiros, pequenos agricultores endividados no México, os jovens e diversos<br />
movimentos de identidade (gênero, opção sexual, etnia, língua), além dos<br />
movimentos de “alterglobalização”. Ca<strong>na</strong>lizou forças já existentes para um projeto<br />
<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, camponeses brasileiros e mexicanos, indíge<strong>na</strong>s do Equador, Bolívia e<br />
partes do México e Mesoamerica. Além disso, trouxe para ce<strong>na</strong> grupos e setores<br />
sociais das chamadas “classes médias”, ao exemplo da Argenti<strong>na</strong> (caçaloreiros), os<br />
médicos e trabalhadores da saúde em El Salvador e os grupos mobilizados.<br />
Nesse sentido, cabe ressaltar, a crise do próprio Consenso de<br />
Washington. Especialmente a partir de 1998, sob pressão de inúmeros movimentos<br />
sociais, passaram a ocorrer mudanças políticas no cenário latino-americano do<br />
espectro direita-centro-direita para centro esquerda, esquerda, ao exemplo de Hugo<br />
Chavez (Venezuela), Nestor Kischner (Argenti<strong>na</strong>), Lula (Brasil), Tabarez Vasquez<br />
(Uruguai), Evo Morales (Bolívia) e Rafael Correa (Equador).
Nesse contexto político e econômico, o Consenso de Washington reformula<br />
suas propostas para desenvolver uma alter<strong>na</strong>tiva que seja incorporada por novas<br />
forças sociais emergindo. De acordo com Martins (2006), isso significariam<br />
propostas como: 1) substituição do câmbio fixo e apreciado pelo câmbio flutuante e<br />
administrado; 2) elevação do superávit primário dos governos para reduzir o<br />
endividamento; 3) maior flexibilização do mercado de trabalho, para aumentar o<br />
nível de emprego; aumento da poupança inter<strong>na</strong> por meio da reforma da<br />
previdência; 5) controle público dos preços em setores não-competitivos<br />
privatizados; 6) maior transparências em futuras privatizações.<br />
Na realidade, <strong>na</strong>da de fato novo advém das propostas dos organismos<br />
fi<strong>na</strong>nceiros inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is. Pelo contrário, elas reiteram em nova conjuntura<br />
econômica e política, as propostas e projetos de ajustes estruturais desenvolvidos<br />
em anos anteriores. No entanto, a emergência de inúmeros movimentos sociais e o<br />
aparecimento de novas forças políticas contrárias às políticas neoliberais termi<strong>na</strong>m<br />
por impor uma nova forma política de conduzir esse quadro.<br />
Nesse sentido, os próprios diagnósticos das instituições fi<strong>na</strong>nceiras<br />
inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is não deixam de si<strong>na</strong>lizar preocupações crescentes sobre o<br />
crescimento do que eles cunham como “pobreza”.<br />
O FMI concorda com o fracasso das políticas econômicas <strong>na</strong> América Lati<strong>na</strong><br />
Para o Banco Mundial (2005), a América Lati<strong>na</strong> e Caribe obtiveram os<br />
melhores resultados em crescimento econômico em relação aos últimos 24 anos.<br />
Esse resultado ancora-se no crescimento mundial, ampliação das exportações da<br />
região, os preços dos produtos básicos e uma ampla liquidez mundial. México, Chile<br />
e Brasil, no período, aumentaram sua produção, enquanto Argenti<strong>na</strong>, Uruguai e<br />
Venezuela recuperaram-se das crises que lhe afetaram em anos anteriores.<br />
A maioria dos países da região, ainda de acordo com a análise da<br />
instituição, mantém superávit comercial, reduziu suas necessidades de<br />
fi<strong>na</strong>nciamento externo e acumulou grandes quantidades de reservas inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is.<br />
Em decorrência desse quadro, o déficit fiscal se reduziu e as <strong>na</strong>ções melhoraram o<br />
seu endividamento externo.
Na avaliação das políticas das instituições fi<strong>na</strong>nceiras inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is (Banco<br />
Mundial e Fundo Monetário Inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l), em relação ao que eles chamam de<br />
“avanço <strong>na</strong>s economias latino-america<strong>na</strong>s”, é crescente a preocupação dessas<br />
instituições com o que eles chamam de níveis de pobreza e abaixo da pobreza e<br />
sua relação com a “instabilidade política”. A aplicação dos ajustes estruturais em<br />
<strong>na</strong>da solucionou o crescimento da pobreza e miséria <strong>na</strong> região.<br />
Singh e Collyns (2005) consideram que a pobreza aumentou e a<br />
desigualdade figura entre as maiores do mundo. E aí a preocupação desses<br />
senhores: tal situação poderia acabar com “o apoio popular aos programas de<br />
reformas iniciados durante os anos noventa, que prometiam muito mas que com<br />
freqüência deram resultados decepcio<strong>na</strong>ntes”.<br />
Tendo como base a Paridade do Poder Aquisitivo (PPA) de US$ 1 por dia, o<br />
Banco Mundial estima entre 1990 e 2001 a extrema pobreza diminuiu <strong>na</strong> região de<br />
11,3% para 9,5%, ainda que, por efeito do crescimento populacio<strong>na</strong>l, o número de<br />
pessoas que vivem com US$ 1 por dia se manteve em 50 milhões, e as estimativas<br />
prelimi<strong>na</strong>res em relação aos anos mais recentes mostram um incremento leve da<br />
taxa de pobreza. Mas se o valor de referência é a PPA de US$ 2 por dia, a pobreza<br />
não tem retrocedido. Segundo estimativas do Banco Mundial, a proporção da<br />
população em situação de pobreza tem permanecido ao redor do 25% desde<br />
meados dos anos noventa e, pelo crescimento populacio<strong>na</strong>l, o número de pobres se<br />
elevou ao redor de 128 milhões no começo desta década.<br />
Esses números sobre os níveis de miséria e pobreza, no entanto, são muito<br />
mais elevados. De acordo com Base de dados socioeconômicos de América e<br />
Caribe, a pobreza atinge 39% dos latino-americanos, o que significa mais de 200<br />
milhões de pessoas que não têm rendimento suficiente para cobrir suas<br />
necessidades elementares de alimentos e outros gastos básicos. A pobreza<br />
extrema – que marca a impossibilidade de obter uma cesta mínima calórica – gira<br />
em torno de 18,6% no começo dessa década; e atualmente afeta ao redor de 96<br />
milhões de pessoas.<br />
A América Lati<strong>na</strong> e Caribe têm uma população de 534 milhões de pessoas.<br />
Dessa população, de acordo com o Banco Mundial (dezembro de 2005, Panorama<br />
geral), dois terço concentram-se em regiões urba<strong>na</strong>s. Desse total, cerca de 294<br />
milhões encontram-se <strong>na</strong> pobreza ou abaixo da linha de pobreza, de acordo com<br />
dados sociais da própria instituição. Nessas condições, poderíamos considerar que
57,6% da população latino-america<strong>na</strong> tente sobreviver <strong>na</strong> linha da pobreza ou<br />
abaixo dela.<br />
Tais índices apresentam distinções em relação a cada país. De acordo com<br />
Saavedra e Arias (2005), <strong>na</strong> Bolívia e em Honduras, a linha da pobreza está em<br />
torno de 60% da população; no Chile e Uruguai, por volta de 30%. Em relação à<br />
questão étnica, 90% da população indíge<strong>na</strong> mexica<strong>na</strong> encontra-se abaixo da linha<br />
de pobreza, em relação a 47% da população não indíge<strong>na</strong>; <strong>na</strong> Guatemala, 74% e<br />
38%. No Brasil, pobreza alcança 41% dos habitantes de ascendência africa<strong>na</strong> em<br />
comparação com 17% da população branca. Os efeitos das “crises fi<strong>na</strong>nceiras” são<br />
também patentes no aprofundamento desse quadro. A Argenti<strong>na</strong>, entre 1999 e<br />
2002, elevou sua taxa de pobreza, respectivamente, de 30,8% para 58,0%; a<br />
República Dominica<strong>na</strong>, no período entre 2002 e 2004, passou de 26,6% para<br />
42,2%.<br />
As razões para esse fracasso, de acordo com os ideólogos do imperialismo,<br />
encontram-se <strong>na</strong> interrupção das reformas e do crescimento e <strong>na</strong>s reiteradas crises<br />
fi<strong>na</strong>nceiras que fizeram desabar as melhorias sociais. Dessa maneira, se acentuaria<br />
a percepção que os benefícios da integração mundial são distribuídos de forma<br />
díspares, e recaem nos estratos de ingresso mais alto, embora os custos foram<br />
suportados pela maioria.<br />
os latino-americanos seguem manifestando grande frustração porque os<br />
resultados não se equiparam com suas expectativas. Sucessivos estudos de<br />
Latinobarómetro indicam que se bem haja um forte apoio para os governos<br />
democráticos e a manutenção da economia de mercado, a população está<br />
insatisfeita com o nível de progresso econômico, a privatização dos serviços<br />
públicos, a integridade das instituições, o governo em geral e o grau de<br />
corrupção. Muitos sentem que seu país se gover<strong>na</strong> em benefício de uns<br />
poucos interesses poderosos, mais da metade crê que se necessitaram mais<br />
de 10 anos para corrigir a corrupção e um terço, que jamais se a elimi<strong>na</strong>rá.<br />
(Saavedria e Arias, 2005:11)<br />
As propostas sociais do Banco Mundial para a região norteiam-se assim: a)<br />
aumentar a competitividade, postos de trabalho e crescimento, baseando-se <strong>na</strong><br />
melhoria da infra-estrutura e no “clima para inversão”, b) fortalecer a educação e a
inovação para melhorar o capital humano, a geração de empregos e uma maior<br />
produtividade; c) consolidar a estabilidade macroeconômica, fortalecer e<br />
aprofundar os sistema fi<strong>na</strong>nceiro e aumentar o campo fiscal para realizar inversões<br />
públicas.<br />
Reverter esta situação constitui um enorme desafio. Parte da solução reside<br />
em aumentar a produtividade, permitindo que os pobres gozem das mesmas<br />
oportunidades. É mister modificar a legislação impositiva e trabalhista,<br />
ademais de oferecer serviços públicos mais eficazes e um sistema de<br />
proteção social de melhor qualidade e mais inclusivo. Em última instância, os<br />
trabalhadores devem ter acesso à proteção da saúde e à cobertura dos riscos<br />
da velhice. (Banco Mundial, Panorama Regio<strong>na</strong>l, 2005).<br />
A redução da chamada “pobreza”, portanto, realiza-se por meio da<br />
continuidade da implementação das “políticas macroeconômicas”, em especial<br />
tendo como pivô a destruição da legislação trabalhista ainda existente. (...)<br />
Essas avaliações sobre a pobreza são por demais reduzida, da mesma<br />
maneira que a sua resolução. Enfocada de maneira positivista e funcio<strong>na</strong>l, a<br />
pobreza mensurada quantitativamente transforma-se tão somente em “dado”<br />
abstrato. Seu grau de abstração encontra-se <strong>na</strong> indetermi<strong>na</strong>ção de sua existência.<br />
Ou seja, em que relações sociais e históricas de produção e reprodução do Capital<br />
em que ela se encontra? Se perguntado ao técnico o que seria essa categoria<br />
abstrata, ele responderia: não ter dois dólares diários para comer. Para esses<br />
ideólogos, o desafio é subsidiar essa condição. Mas perguntado sobre as causas<br />
dessa situação diria: não foram aplicadas adequadamente os ajustes estruturais,<br />
por essa razão persiste o problema!<br />
Nessas análises e diagnósticos, em momento nenhum apresenta-se que a<br />
exploração econômica, a domi<strong>na</strong>ção político-militar e, acima de tudo, a apropriação<br />
privada dos meios de produção, encontram-se no cerne dessa discussão, como<br />
sendo as determi<strong>na</strong>ntes cruciais para o abismo social que se ampliou <strong>na</strong>s últimas<br />
décadas. Também não consideram a transferência massiva de riquezas para o<br />
imperialismo e a continuada intervenção por meio das instituições fi<strong>na</strong>nceiras<br />
inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is que atravancam qualquer possibilidade de encerrar os ciclos
estruturais de pobreza e misérias no continente. Por sua vez, não consideram que o<br />
desemprego estrutural <strong>na</strong> região, desindustrialização <strong>na</strong> maioria dos países,<br />
des<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lização e políticas de recolonização impõe as mais drásticas e vis<br />
humilhações à condição huma<strong>na</strong>. O que é tachado como pobreza tem cara: o<br />
trabalho precarizado, desempregados, crianças sem possibilidade de futuro,<br />
juventude sem perspectiva de futuro, camponeses sem terra ou recursos para<br />
mantê-la...<br />
A configuração de novo quadro político latino-americano<br />
Desde 1980, 14 presidentes eleitos não chegaram ao fi<strong>na</strong>l do mandato, em<br />
decorrência de impeachment, golpes civis-militares ou processos revolucionários.<br />
Na América do Sul, esses fatos políticos ocorreram com 08 presidentes. Estiveram<br />
envolvidos nesses casos, questões relacio<strong>na</strong>das à corrupção e principalmente<br />
resistências populares às políticas econômicas.<br />
Os regimes democrático-burgueses estão fortemente desprestigiados e as<br />
democracias são percebidas como formas políticas meramente eleitorais e sem<br />
conteúdo, isto é, sem capacidade de satisfazer as necessidades básicas da<br />
população. De acordo com (...).<br />
Pontos significativos desses processos ocorreram/ocorrem nos casos da<br />
Argenti<strong>na</strong> (2001), Equador (2002) e Bolívia (2003). Nesses países verificou-se, de<br />
maneiras diferenciadas, tendências revolucionárias que tiveram como eixo principal<br />
reivindicações, tais como Fora FMI, defesa das riquezas como água, <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lização<br />
dos setores de petróleo e hidrocarbonetos, etc. As formas políticas, nesses<br />
períodos específicos, ocorreram di<strong>na</strong>mizando ações diretas, de rua, enfrentamento<br />
contra as forças repressivas da ordem, que ocorreram como desdobramento o<br />
derrubamento de governos.<br />
No caso da Argenti<strong>na</strong>, expressou essas mobilizações como decorrência<br />
dos ajustes estruturais daquela economia, via Plano Caballo e outros, que se<br />
submeteu inteiramente aos ditames econômicos inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is. No exemplo do<br />
Equador, decorreram de lutas que visavam defender a água em território <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l,<br />
que estava sendo des<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lizada e apropriada por empresas inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is. Em
Bolívia, seguia como conseqüência da perda do poder sobre o domínio dos<br />
territórios e recursos <strong>na</strong>turais, especialmente as fontes de combustíveis.<br />
O crescimento regio<strong>na</strong>l das lutas sociais pode ser mensurado<br />
quantitativamente. De acordo com acompanhamento realizado por Seone<br />
(2003,2004,2005), ocorre expressivo crescimento de conflitos <strong>na</strong> área andi<strong>na</strong> e<br />
centro-america<strong>na</strong>, como também no Cone Sul. Eles decorrem de ciclo de lutas em<br />
torno de marchas contra os tratados de livre comércio com os EEUU e as restrições<br />
às políticas públicas, que os mesmos supõem. Nesse cenário, ganham relevância<br />
movimentos sociais (estudantis, urbanos diversos e multisetoriais} e movimentos de<br />
trabalhadores e camponeses.<br />
Na fase recente, as mobilizações e lutas apresentaram-se contra os<br />
tratados de livre comércio e as privatizações. Os TLC plurilateriais, que a ofensiva<br />
imperialista desenvolve, em decorrência do fracasso do projeto ALCA; resistência<br />
contra a exploração das mi<strong>na</strong>s e os acordos da CAFTA (Guatemala); as<br />
manifestações contra a privatização e as políticas de ajustes fiscais, e qualidade de<br />
serviços públicos.<br />
As lutas contra os Tratados de Livre Comércio, negociados de maneira<br />
bilateral entre organismos inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is e governos locais, têm sido uma das<br />
tônicas das crescentes mobilizações nessa parte do continente. Mas não somente<br />
isso. De maneira pontual, inúmeras mobilizações contra as políticas educacio<strong>na</strong>is,<br />
ao exemplo do ocorrido no México, em 2000, ou então as lutas no Chile em período<br />
recente.<br />
Os projetos políticos e econômicos que disputam a hegemonia política<br />
dessas mobilizações, ou da base social dessas mobilizações, não são unificados. É<br />
interessante observar que tais mobilizações de caráter revolucionário ou então de<br />
lutas sociais fragmentadas são ca<strong>na</strong>lizadas para os espaços institucio<strong>na</strong>is<br />
convencio<strong>na</strong>is, ou seja, os parlamentos <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is e executivos. Os<br />
descontentamentos e mobilizações termi<strong>na</strong>m ca<strong>na</strong>lizadas para os tradicio<strong>na</strong>is<br />
espaços de representação política. O que não necessariamente deveria ser<br />
compreendido como <strong>na</strong>tural ou óbvio, uma vez que existem tendências concretas<br />
de outras formas de poder político e de Estado não assentados em formas de<br />
representação política dissociada das organizações de base desses movimentos,<br />
do tipo soviet, comu<strong>na</strong>s ou outra forma de representação política.
De qualquer maneira, para a tranqüilidade dos ideólogos das instituição<br />
fi<strong>na</strong>nceiras inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is, ainda se contentam que “em democracias frágeis como<br />
a da Bolívia, a renúncia de um presidente não tem provocado até agora uma ruptura<br />
total da ordem constitucio<strong>na</strong>l, e os atores políticos tem logrado superar as crises<br />
dentro do marco democrático, elemento essencial da curva de aprendizagem que,<br />
de fato, fortalece o pluralismo” (Valenzuela, 2005, p.17).<br />
Nas condições atuais, um novo fator <strong>na</strong> política latino-america<strong>na</strong> vem<br />
ocorrendo: a eleição de gover<strong>na</strong>ntes (a) com respaldo orgânico dessas<br />
mobilizações sociais, (b) advindos dos próprios movimentos sociais, (c) ou então<br />
que se associam a anseios pulverizados dessas classes e setores sociais. Ou seja,<br />
uma das tendências presentes no quadro político latino-americano é a constituição<br />
de governos ou projetos políticos fundamentados em anseios de movimentos<br />
sociais e classes sociais. Esses movimentos retomam os espaços institucio<strong>na</strong>is<br />
tradicio<strong>na</strong>is da política burguesa. (...). Por outro lado, outra dimensão desse<br />
fenômeno é a subordi<strong>na</strong>ção às diretrizes do capital inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l.<br />
Os casos ocorridos no Equador, Bolívia, Venezuela e Brasil são<br />
representativos nesse sentido. (...).<br />
São resultados dessa situação de descontentamento expressões<br />
institucio<strong>na</strong>is, como Hugo Chávez (Venezuela), Lula (Brasil), Néstor Kirchner<br />
(Argenti<strong>na</strong>), Evo Morales (Bolívia), Tabaré Vasquez (Uruguai). Com graus<br />
diferenciados de relação com as políticas neoliberais, expressaram/ca<strong>na</strong>lizaram<br />
anseios sociais e políticos de amplas massas das populações nesses países,<br />
inclusive se propondo a combater os modelos econômicos neoliberais. Ainda nesse<br />
campo eminentemente institucio<strong>na</strong>l burguês, surgem expressões como Humala<br />
(Peru) e Obrador (México).<br />
Lembra-nos Petras (2005) que os “anos dourados” do imperialismo foram<br />
também aqueles em que nenhum presidente eleito ou congresso <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l<br />
estabeleceu combate nenhum a tais medidas; pelo contrário, tais políticas foram<br />
endossadas nesses espaços de “democracia” por meio de legislação que permitiu<br />
todo o descalabro dos ajustes neoliberais. São os “governos clientes” do<br />
imperialismo. O quadro político que se desenvolve a partir da entrada do século XXI<br />
é que nesse período Washington desenhou uma política flexível de negociação do<br />
acesso aos governos de uma nova classe política, que ele chama genericamente de
“centro-esquerda”, “um novo conjunto de discípulos do FMI que guarda uma<br />
tradicio<strong>na</strong>l identificação com a esquerda mas cujo ponto de referência atual é o<br />
modelo de acumulação centrada no imperialismo” (Petras, 2005, p.295). Mas<br />
caberia precisar a caracterização do sociólogo. Não somente se identificam, mas<br />
advêm de amplo apoio nos movimentos sociais, de caráter popular e sindical, que<br />
permitem constituir com relativo êxito mecanismos por dentro da ordem, através do<br />
atrelamento de tais movimentos e colocando-os como aparatos contrários à<br />
ascensão das lutas e resistências ao imperialismo e à luta revolucionária. Por essa<br />
razão, sua <strong>na</strong>tureza frentepopulista, em uma situação <strong>na</strong> luta de classes distinta de<br />
períodos anteriores do capitalismo.<br />
Mas é necessário diferenciar tais formas de cooptação, como ocorrem em<br />
distintos países: (...)<br />
Neopopulismo ou expressões políticas enfraquecidas?<br />
Esse novo quadro propicia inúmeras análises teóricas sobre o significado<br />
dessas configurações sociais e dos projetos econômicos e políticos envolvidos.<br />
Conceitos como instabilidade política, crise de ligitimidade e crise de<br />
gover<strong>na</strong>bilidade retor<strong>na</strong>m às ciências sociais latino-america<strong>na</strong>s. Um conceito que<br />
ganhou relevância é o conceito de “populismo” ou “neopopulismo”. As análises<br />
referenciadas por tais conceitos partem de um enfoque liberal e trazem como<br />
aspecto da discussão a preocupação com a consolidação dos regimes<br />
democráticos no continente. Na realidade, porém, situam-se <strong>na</strong> perspectiva de<br />
preservação das políticas macroeconômicas neoliberais.<br />
Bonilla (2001) considera que, desde a década de 1990, os Estados da<br />
região andi<strong>na</strong> viveram sucessivas crises políticas, que produziram uma<br />
“legitimidade precária”, resultado de “um déficit crônico de representação”. Três<br />
características marcariam esse quadro: a) a maior parte das pessoas não participa<br />
nos processos de tomada de decisões estratégicas <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is, e tampouco <strong>na</strong>queles<br />
que se referem a assuntos particulares de suas comunidades; b) não existem<br />
mecanismos eficientes de prestação de contas; os níveis de impunidade <strong>na</strong><br />
sociedade civil quanto no exercício do poder político, são extremamente altos; e c)<br />
uma parte da sociedade carece de cidadania. Essa perspectiva ressalta a<br />
debilidade no sentido de integrar essas populações nos sistemas políticos vigentes.
Lodola, por sua vez , considera o “neopopulismo” como um movimento de<br />
caráter compensatório “aos perdedores <strong>na</strong> mudança econômica <strong>na</strong> América Lati<strong>na</strong>”.<br />
Por essa razão, se definiria como uma estratégia política norteada por cinco<br />
pontos: a) um padrão de lideranças perso<strong>na</strong>lizado, não necessariamente<br />
carismático; b) uma coalização de apoio multiclassista; c) uma forte mobilização<br />
social vertical („de cima para baixo‟); d) um uso sistemático de métodos<br />
redistributivos. O autor, ao enfocar as características desse fenômeno político,<br />
desconsidera que essas formas desenvolvem-se em razão de intensos movimentos<br />
sociais. Por sua vez, a maneira como ocorrem essas formas distributivas são muito<br />
relativas, em relação aos governos locais, uma vez que essas são adotadas e<br />
aconselhadas pelo Banco Mundial.<br />
A lucidez neoliberal de Jorge Castaneda, por sua vez, permite compreender<br />
com maior precisão o atual quadro político latino-americano. Ele não tem problema<br />
ao considerar que as reformas econômicas realizadas no período da<br />
democratização não produziram os resultados prometidos.<br />
Se você permite que as pessoas votem livremente em países cujas<br />
economias não prosperam, não é portanto um milagre haver um movimento<br />
para a esquerda. (...). Os pobres, a grande massa de excluídos, votam pelos<br />
políticos e pelos partidos que, assim esperam, os farão menos pobres<br />
(Castañeda, 2006:J4).<br />
Desse quadro político, ele caracteriza o aparecimento de duas esquerdas: a<br />
“populista” e a “boa”.<br />
A esquerda “populista” seria Hugo Chávez, Nestor Kirchner e outros<br />
herdeiros do populismo e do <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lismo. Nesse sentido, repetiria o populismo do<br />
passado: “Sua solução para os problemas é distribuir dinheiro público. É assim que<br />
tenta incluir as massas”. É o que faz Chávez com a gente pobre dos ranchos de<br />
Caracas. Ele dá dinheiro porque tem dinheiro, graças ao petróleo.” (...). “O mesmo<br />
ocorre com Kirchner, <strong>na</strong> Argenti<strong>na</strong>. Ele não tem uma política econômica de geração<br />
de emprego, de busca de competitividade, de melhoria da educação.”. Afirmação<br />
equivocada em dois sentidos. Em primeiro lugar, a característica populista de Perón<br />
e Vargas foi integrar setores margi<strong>na</strong>lizados urbanos no sistema político, por meio<br />
da legislação trabalhista, regulamentação salarial e, em especial, sistema de
educação pública. Em segundo lugar, são diferenciadas as propostas de Kirchner e<br />
Chávez.<br />
A esquerda “boa”, para ele, refere-se a Tabaré Vasquez (Frente Ampla),<br />
Lula e Michelle Bachellet (Chile). Essa esquerda viria de uma tradição socialista e<br />
comunista e estaria em sintonia com os “novos tempos”. Como proposta social<br />
apresentaria a “inclusão através de políticas sociais, da criação de empregos, de<br />
programas para melhorar a educação, saúde, as condições e organização das<br />
pessoas, respeitando os equilíbrios macroeconômicos básicos”.<br />
A referência para a caracterização de populista associa-se à maneira de se<br />
posicio<strong>na</strong>r diante das políticas de ajustes neoliberais. Fer<strong>na</strong>ndo Henrique Cardoso<br />
expõe sem meias palavras a preocupação principal com o suposto populismo ou<br />
neopopulismo:<br />
Havíamos concebido a integração econômica e política da América do Sul,<br />
nos anos 90, com base nos princípios da democracia política e da economia<br />
de mercado. O exercício de integração econômica facilitaria nossas respostas<br />
ao desafio da globalização. Todo este edifício pode ter suas bases solapadas<br />
se o populismo voltar à região, travestido de esquerdismo, trazendo consigo o<br />
jogo de rivalidade antigas e muitas vezes pessoais, em lugar de cooperação<br />
institucio<strong>na</strong>l inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l (Cardoso, 2006: A2).<br />
Essa suposta perspectiva populista ancora-se no que é considerado como<br />
“atraso” em contraposição ao considerado como “moderno”. Ou seja, o “moderno”<br />
seria a manutenção e aprofundamento dos “ajustes estruturais” neoliberais. A base<br />
estrutural para o desenvolvimento das políticas populistas, <strong>na</strong> década de 1950 e<br />
1960, no entanto, concentrava-se em uma massa populacio<strong>na</strong>l de origem<br />
camponesa que se integrava e se configurava como força de trabalho nos centros<br />
urbanos. Ao mesmo tempo, essas políticas desenvolviam-se ancoradas <strong>na</strong> ilusão<br />
da possibilidade de desenvolvimento de um capitalismo autônomo e com uma<br />
burguesia <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l.<br />
Castañeda e Fer<strong>na</strong>ndo Henrique localizam-se <strong>na</strong> perspectiva dos “ajustes<br />
estruturais”. Castñeda considera Lula como a “esquerda boa”, porque endossa as<br />
políticas macroeconômicas, enquanto Cardoso considera o reeleito presidente
asileiro como “populista”, visto que sua base social eleitoral desenvolveu-se<br />
especialmente por meio dos programas de transferência de renda.<br />
Atualmente o conceito populismo, ao nosso entender, não permite uma<br />
adequada precisão ao que se desenvolve no cenário político latino-americano. Pois<br />
pode ser entendido como (a) políticas de transferência de renda, como<br />
desenvolvidas pelo próprio Banco Mundial, sem criação de emprego; (b) mudança<br />
ou questio<strong>na</strong>mento dos enfoques de ajustes estruturais, com tentativas de matiz<br />
<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lista.<br />
Considerações fi<strong>na</strong>is<br />
A democracia formal, do ponto de vista da maioria da população, significou<br />
maior aprofundamento da miséria. A redemocratização veio acompanhada pela<br />
pauperização de extensas faixas da sociedade. Em um quadro de miséria<br />
generalizada, as classes domi<strong>na</strong>ntes locais pretenderam integrar politicamente as<br />
massas e, simultaneamente, adequaram-se às “políticas de ajustes” que as<br />
excluíram e as margi<strong>na</strong>lizaram. Na perspectiva liberal, o Estado foi reverenciado<br />
como âmbito da justiça e como instância de redistribuição de renda e de recursos e,<br />
ao mesmo tempo, ele é sacrificado e desmantelado em função do reforçamento<br />
darwiniano do mercado. Os pobres se transformaram em miseráveis e os ricos em<br />
mag<strong>na</strong>tas. A liberdade para os fluxos de capital e a democracia para os monopólios.<br />
Ou seja, a conversão em um rito farsesco privado de todo o conteúdo, abrindo<br />
caminho à reconciliação entre economia, sociedade e política pela via da<br />
restauração plebiscitária da ditadura de classe.<br />
Tornou-se mais evidente para a população, por sua vez, o estreito laço<br />
entre poder econômico e poder político; a corrupção <strong>na</strong>s esferas estatal e privada; a<br />
mercantilização e privatização dos espaços públicos; a “recolonização” do acesso e<br />
controle dos recursos <strong>na</strong>turais e estratégicos. No período, especialmente se<br />
desenvolveu uma estrutural relação entre as políticas econômicas direcio<strong>na</strong>das<br />
pelos organismos multilaterais, como Fundo Monetário Inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l (FMI) e<br />
Organização Mundial do Comércio (OMC), com os Estados-Nação. Nesse caso, em<br />
razão dos chamados endividamentos públicos (interno e externo) foram adotadas
medidas econômicas que interferem diretamente <strong>na</strong>s condições de vida da<br />
população.<br />
Nos últimos anos, em diversos países latino-americanos tem se<br />
desenvolvido inúmeras lutas sociais e processos revolucionários. Essas<br />
mobilizações sociais têm como base o questio<strong>na</strong>mento das linhas estruturais de<br />
ajustes econômicos que ocorreram <strong>na</strong>s duas últimas décadas <strong>na</strong> região. Esses<br />
ajustes referem-se às políticas econômicas tão conhecidas pela população, tais<br />
como enxugamento da máqui<strong>na</strong> pública, abertura/flexibilização de fluxos de capitais<br />
e mercadorias, redefinição dos direitos trabalhistas e previdenciários, e a<br />
redefinição desses países em uma nova divisão inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l do trabalho,<br />
especialmente em relação à definição como áreas agrícolas ou áreas de produção<br />
industrial. Essas diretrizes econômicas são permanentemente indicadas por<br />
organismos como Fundo Monetário Mundial, Banco Mundial e Organização Mundial<br />
do Comércio (OMC). Os níveis de contradições sociais e políticas que emergem<br />
dessas políticas são a base para o desenvolvimento dos questio<strong>na</strong>mentos sociais e<br />
para o aparecimento de novas mobilizações sociais.<br />
É a partir dessa base que sustentamos nossa afirmação central: a nova<br />
configuração das lutas sociais associa-se às resistências aos ajustes estruturais<br />
e/ou seus desdobramentos sobre o campesi<strong>na</strong>to e proletariado urbano<br />
(assalariados: operários, bancários, categorias de funcionários públicos,<br />
comerciários) e às camadas sociais populares (desempregados, pequenos<br />
comerciantes, estudantes).<br />
Essa composição também nos permite definir uma segunda afirmação:<br />
basicamente classes sociais que lutam contra projetos econômicos que expressam<br />
interesses do grande capital inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l e <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l. Portanto, basicamente, ocorre<br />
sim luta de classes com interesses e projetos globais sendo explicitados ou então<br />
em constituição. Por sua vez, ela perpasse por um caráter antiimperialista, à medida<br />
em que a implementação segue modelos econômicos norte-americanos.
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Autor<br />
Docente do Depto de Ciências Huma<strong>na</strong>s – UNESP – Campus Bauru. Com<br />
mestrado e doutorado em Sociología pelo Programa de Pós-graduação em<br />
Sociología da UNESP – Araraquara. Desenvolve pesquisa <strong>na</strong> área do marxismo,<br />
esquerda política, crises capitalistas e, mais recentemente, sobre o quadro político e<br />
econômico latino-americano. Endereço eletrônico: lf-silva@ig.com.br.<br />
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