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com seu poder de silêncio em meio à balbúrdia dos feirantes.<br />
Àquela hora, Eliana já havia dispensado a ajudante<br />
e estava sozinha na loja. Não sabia o que iria dizer, ou<br />
mesmo se iria contar o acontecido. Melhor não. Abrir os<br />
fatos seria criar uma cadeia de elos que iria se voltar sobre<br />
mim. Ela me recebeu sem mencionar os acontecimentos<br />
da noite anterior, com a naturalidade de sempre, o sorriso<br />
expressivo dos olhos que piscam e se aguçam, enquanto a<br />
boca mal movimenta os lábios.<br />
– Os bandeirinhas estão com fome?<br />
– É, acabou minha ração.<br />
Seus olhinhos matreiros não denunciavam qualquer<br />
apreensão, e vi logo que ela ainda não sabia de nada. Com<br />
certeza o corpo já teria sido encontrado, mas talvez ainda<br />
não identificado. Quando finalmente dessem pelo peixe<br />
grande, a notícia iria explodir nas rádios populares:<br />
“Industrial exportador de peixes é encontrado morto na<br />
Pampulha, bem perto de sua mansão! Polícia procura por<br />
qualquer pista que leve aos criminosos”. Talvez desse na<br />
TV mais à noite. A julgar pelo sorriso de Eliana, por enquanto<br />
nada havia circulado. Aproveitei a fome dos acarás<br />
para manter o assunto a distância:<br />
– E você, não está com fome? Vim para o Mercado<br />
pensando em te arrastar para o Mesa Farta. Topa?<br />
– Só se for para comer aquela black tila que o Wellerson<br />
faz com tanto primor – disse ela movimentando as<br />
narinas, seu gesto característico de prazer.<br />
– Quem faz é a Dona Cleusa – contestei em tom de<br />
brincadeira.<br />
– Claro, mas a invenção foi dele.<br />
– E a mão de ouro no tempero é a dela.<br />
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