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Peixe Morto

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Somente Elisa lembrava ali o que prometiam aquelas<br />

tardes de outono sonhadas noutros tempos. Suas costas<br />

nuas e sua luz de enguia mereciam ser fotografadas em<br />

preto e branco por Cartier Bresson para serem estampadas<br />

na capa da Vogue.<br />

A realidade era bem menos convidativa. Àquela hora<br />

do dia, os convivas habituais não tinham ainda chegado,<br />

o sol alto deixava pouco espaço de sombra, e apenas um<br />

garçom atendia dois grupos pequenos, enquanto o aparelho<br />

de som tocava um saxofone meloso com pretensões a light<br />

jazz. Elisa sugeriu a salada de bacalhau, com a aprovação<br />

imediata de todos.<br />

– Adoro peixes – disse o psicanalista, provando o<br />

vinho que, por deferência, me convidara a escolher. O<br />

plural da palavra não deixava claro se ele falava da comida<br />

ou do animal.<br />

– Eu também – completou Elisa, com gotas de malvasia<br />

brilhando sobre os lábios. – Bem, mas sendo casada com um<br />

aficionado pescador, que ainda por cima vive de exportar<br />

peixes, seria impossível para mim detestá-los, não é?!<br />

Gostar de peixes significava então uma compensação<br />

por ter de aturar um marido que detestava? Ou seria o<br />

marido apenas mais um espécime que caiu na sua rede?<br />

– Também gosto de peixes. – Disse eu. – Sou aquarista.<br />

– Aquarelista?<br />

– Não, aquarista, aquariofilista. Gosto de aquários com<br />

peixes ornamentais.<br />

– Ah, bom. E gosta de aquarelas, João? – Filogoni fez<br />

a pergunta como quem sinaliza que não quer entrar num<br />

assunto que não domina.<br />

– Por que aquarelas?<br />

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