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De onde é que o Pacheco sacou a enteléquia de Aristóteles?<br />
Diz ele que biólogo que preste tem de estudar o<br />
organicismo do filósofo.<br />
Seja como for, aquelas amizades eram um trunfo para<br />
Filogoni. Amigos em ascensão são fonte de oportunidades,<br />
e os bons salários pagos com dinheiro público foram aos<br />
poucos criando um nicho de compradores de arte que se<br />
abastecia na mão do psicanalista, auxiliado pelos decoradores<br />
de plantão. Como o Pacheco estava sempre envolvido<br />
com políticas públicas de meio ambiente, acabava por conhecer<br />
toda aquela fauna de ex-militantes arrivistas, amigos<br />
do marchand, todos encastelados em cargos públicos, ávidos<br />
por assessorias e sinecuras. “Cubanos de butique”, ironizava<br />
ele. Mas, com o passar do tempo, o horizonte desses amigos<br />
poderosos cresceu mais do que a capacidade comercial de<br />
Filogoni, e ele foi ficando para trás, substituído no gosto<br />
e no bolso dos compradores pelas galerias do Rio de Janeiro<br />
e de São Paulo, para não dizer das incursões em São<br />
Francisco, Nova York, Londres ou Amsterdã. Ele até tinha<br />
alguns contatos na Europa, sobretudo em Lisboa, que não<br />
era propriamente um elo forte do mercado de arte. Para<br />
enfrentar a situação, era preciso profissionalizar-se e achar<br />
um outro nicho. Pacheco explicava assim o caso:<br />
– Você não vê o óbvio?<br />
– Você está delirando, Pacheco.<br />
– Esses profissionais deixaram há muito de ser técnicos<br />
em qualquer coisa. Viraram políticos profissionais.<br />
Sugeriram ao Filogoni que viesse para a beira da Lagoa<br />
porque eles todos agora têm olhos para cá. O fato é que,<br />
depois de anos de relativo abandono, o que preservou<br />
da descaracterização este trecho aqui e fez dele o último<br />
espaço da cidade ainda imune à especulação imobiliária e<br />
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