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NOZÂNGELA MARIA ROLIM DANTAS PROGRAMA DE ...

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UNIVERSIDA<strong>DE</strong> FE<strong>DE</strong>RAL DA PARAÍBA<br />

CENTRO <strong>DE</strong> EDUCAÇÃO<br />

<strong>PROGRAMA</strong> <strong>DE</strong> PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO<br />

<strong>NOZÂNGELA</strong> <strong>MARIA</strong> <strong>ROLIM</strong> <strong>DANTAS</strong><br />

<strong>PROGRAMA</strong> <strong>DE</strong> ERRADICAÇÃO DO TRABALHO<br />

INFANTIL: uma análise da função e qualificação dos monitores<br />

da Jornada Ampliada da cidade de João Pessoa-PB<br />

JOÃO PESSOA<br />

2007


<strong>NOZÂNGELA</strong> <strong>MARIA</strong> <strong>ROLIM</strong> <strong>DANTAS</strong><br />

<strong>PROGRAMA</strong> <strong>DE</strong> ERRADICAÇÃO DO TRABALHO<br />

INFANTIL: uma análise da função e qualificação dos monitores<br />

da Jornada Ampliada da cidade de João Pessoa-PB<br />

ORIENTADORA: Profª DRª. Sônia Almeida Pimenta.<br />

Dissertação submetida ao Programa de Pós-<br />

Graduação em Educação do Centro de Educação<br />

da Universidade Federal da Paraíba, em<br />

comprimento às exigências para obtenção do<br />

Grau de Mestra em Educação,<br />

JOÃO PESSOA<br />

2007


D192p Dantas, Nozângela Maria Rolim<br />

Programa de Erradicação do Trabalho Infantil: Uma análise<br />

da função e qualificação dos monitores da jornada ampliada da<br />

cidade de João Pessoa / Nozângela Maria Rolim Dantas. – João<br />

Pessoa / PB, 2007.<br />

171f.<br />

Dissertação (Programa de Pós-Graduação em Educação)-<br />

Universidade Federal da Paraíba.<br />

1 Trabalho Infantil – Dissertação 2 Erradicação do<br />

Trabalho I Tít lo


<strong>NOZÂNGELA</strong> <strong>MARIA</strong> <strong>ROLIM</strong> <strong>DANTAS</strong><br />

<strong>PROGRAMA</strong> <strong>DE</strong> ERRADICAÇÃO DO TRABALHO<br />

INFANTIL: uma análise da função e qualificação dos monitores<br />

da Jornada Ampliada da cidade de João Pessoa-PB<br />

DATA DA <strong>DE</strong>FESA:____/____/___<br />

Dissertação submetida ao Programa de Pós-<br />

Graduação em Educação do Centro de Educação<br />

da Universidade Federal da Paraíba, em<br />

comprimento às exigências para obtenção Grau<br />

de Mestre em Educação.<br />

BANCA EXAMINADORA:<br />

________________________________<br />

Profª. Drª. Sônia Almeida Pimenta - Orientadora<br />

Universidade Federal da Paraíba – CE<br />

_______________________________<br />

Prof. Dr. Wilson Honorato Aragão - Membro<br />

Universidade Federal da Paraíba - CE


______________________________________<br />

Profª. Drª. Maria de Fátima Pereira Alberto - Membro<br />

Universidade Federal da Paraíba - CCHLA


A todos os meus anjos da guarda que, dentro de suas limitações e possibilidades,<br />

vêm contribuindo na construção deste trabalho, em especial à minha mãe,<br />

Margarida Rolim Dantas, que, mesmo há quase 500 quilômetros de distância,<br />

sofreu comigo nos momentos de dificuldades e procurou sempre me dar forças para<br />

continuar em frente.


In memoriam<br />

Ao meu pai, José Ribamar Dantas, e à minha avó, Perpetua Rodrigues Dantas, que<br />

procuraram me mostrar, através de seus ensinamentos, o valor do conhecimento da<br />

verdade e da simplicidade.


AGRA<strong>DE</strong>CIMENTOS<br />

Primeiramente, quero agradecer a todos os monitores do Programa de Erradicação do<br />

Trabalho Infantil - PETI, que se dispuseram a colaborar para o desenvolvimento deste<br />

trabalho. Agradeço também a toda a equipe que trabalha na coordenação e organização do<br />

PETI, que sempre se colocou à disposição para esclarecer quaisquer dúvidas advindas do<br />

funcionamento do PETI na cidade de João Pessoa - PB.<br />

À professora Sônia de Almeida Pimenta, que caminhou comigo na construção deste<br />

trabalho, por meio de sua orientação, paciência, sinceridade e amizade.<br />

À professora Fatima Pereira Alberto, do Departamento de Psicologia da UFPB, que<br />

me ensinou a ver na pesquisa um modo sofisticado de tentar conhecer para poder melhorar a<br />

realidade das crianças e dos adolescentes trabalhadores.<br />

À minha família pelo apoio afetivo e também material, que me deu a base e a<br />

confiança de seguir meus estudos no mestrado de Educação. Agradeço, em especial, aos tios<br />

Francisco de Assis Dantas e Elisalva Madruga, que me acolheram em sua residência,<br />

deixando-me livre para seguir o meu destino.<br />

À Daniele Cirino, amiga de todas as horas, que sempre esteve presente nas minhas<br />

aventuras e desventuras da vida e na construção, categorização e organização da dissertação.<br />

Nesta mesma linha de amizade, agradeço à professora Maria Irene e a Denise, pela<br />

disponibilidade, em todos os momentos de “apuros” em que me meti.<br />

A todas as amigas que se fizeram presentes e me ajudaram a elaborar esta dissertação,<br />

cada um de sua maneira. Dentre elas, destaco Fátima Holanda, Alessandra Dantas, Hélia<br />

Braga, Izabel França e os demais colegas do Mestrado, que partilharam experiências,<br />

conquistas e angústias. Agradeço também aos professores do Mestrado, que me colocaram à<br />

disposição as suas experiências e conhecimentos na área de Educação Popular.<br />

Agradeço a todos que, de uma maneira ou de outra, deram a sua colaboração, através<br />

da partilha de conhecimentos, livros, dicas de leituras, ou que, através de um gesto amigo, de<br />

palavras de incentivo, críticas construtivas, entre outras ações que facilitaram a construção<br />

deste trabalho. Enfim, agradeço, pela paciência e compreensão, à Direção, aos profissionais,<br />

funcionários e integrados do Centro de Atividades Helena Holanda – CAEHH.


LISTA <strong>DE</strong> ABREVIATURAS<br />

CBO – Classificação Brasileira de Ocupações<br />

CEBs – Comunidades Eclesiais de Bases<br />

CLT – Consolidação das Leis do Trabalho<br />

CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil<br />

CPI - Comissão Parlamentar de Inquérito<br />

CPT – Comissão da Pastoral da Terra<br />

COANAETI – Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil<br />

CONTAG - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura<br />

CUT/MS – Central Única dos Trabalhadores do Mato Grosso do Sul<br />

DNCr - Departamento Nacional da Criança<br />

DRT - Delegacias Regionais do Trabalho<br />

DST – Doença Sexualmente Transmissível<br />

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística<br />

I<strong>DE</strong>B - Índice de Desenvolvimento da Educação Básica<br />

INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa Anísio Teixeira<br />

IPEC – Programa Internacional para Eliminação do Trabalho Infantil<br />

ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente<br />

ERSAS/MS – Escritório de Representação da Secretaria de Assistência Social de Mato<br />

Grosso do Sul<br />

FEBEM - Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor<br />

FNPETI - Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil<br />

FUNABEM - Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor<br />

LOAS – Lei Orgânica da Assistência Social<br />

LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação<br />

MEC – Ministério da Educação e Cultura<br />

MDS – Ministério do desenvolvimento Social<br />

MDDCA - Movimento de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente<br />

MNMMR – Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua


MPAS – Ministério da Previdência e Assistência Social<br />

TEM – Ministério do Trabalho e Emprego<br />

NOB – Norma Operacional Básica<br />

OAB - Ordem dos Advogados do Brasil<br />

OC<strong>DE</strong> – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico<br />

OIT – Organização Internacional do Trabalho<br />

ONG – Organização Não-Governamental<br />

ONU – União das Nações Unidas<br />

PAI – Programa de Ações Integradas<br />

PETI – Programa de Erradicação do Trabalho Infantil<br />

PNAS - Política Nacional de Assistência Social<br />

PNAD - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios<br />

PNBEM – Política Nacional do Bem-Estar do Menor<br />

PNAS – Política Nacional da Assistência Social<br />

PPETI - Programa de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil<br />

PROMOSUL - Promoção Social de Mato Grosso do Sul<br />

PSF – Programa Saúde da Família<br />

SAM – Serviço de Assistência a Menores<br />

SAS – Secretaria de assistência Social<br />

SEAS – Secretaria Estadual de Assistência Social<br />

SE<strong>DE</strong>S – Secretaria de Desenvolvimento Social<br />

SENAI – Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial<br />

SENAC - Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial<br />

SENAR - Serviço Nacional de Aprendizagem Rural<br />

UNESCO - Organização das Nações Unidas<br />

UNICEF - Fundo das Nações Unidas para a Infância


RESUMO<br />

O objetivo deste trabalho é desenvolver um estudo sobre o papel dos monitores que atuam na<br />

Jornada Ampliada do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil – PETI, da cidade de<br />

João Pessoa, capital da Paraíba. Na tentativa de se alcançar este objetivo, apresentam-se os<br />

aspectos históricos de alguns programas de assistência às crianças e adolescentes no Brasil,<br />

situando-se a questão legal, como a influência do Estatuto da Criança e do Adolescente -<br />

ECA, criado após a constituinte de 1988. Com isto, surgiram as condições básicas para a<br />

implantação do PETI em todo território nacional e, em especial, na cidade de João Pessoa/PB.<br />

A partir da etimologia da palavra monitor e da literatura pertinente ao assunto, discutem-se as<br />

funções que o mesmo exerce no sistema educativo, visto pelo enfoque da Educação Popular,<br />

até a contemporaneidade, baseando-se na realidade da Jornada Ampliada do PETI. Por fim,<br />

faz-se uma análise do perfil do monitor do programa, a partir de informações coletadas de um<br />

questionário semi-estruturado, aplicado a 57 sujeitos presentes em uma oficina de formação<br />

para os monitores do Programa, promovida pela equipe técnica e pela coordenação do<br />

Programa. Os dados coletados demonstram que a maioria dos monitores é do sexo feminino,<br />

na faixa etária dos 40 anos. Trata-se de afro-descendentes, com o ensino médio completo, e<br />

sem formação necessária para atuarem como agentes educacionais junto às crianças e<br />

adolescentes da Jornada Ampliada do Programa. Além de demonstrarem pouco conhecimento<br />

das diretrizes do Programa, exercem a função de monitores mais pela falta de qualificação e<br />

vagas no mercado de trabalho, ou, apenas, para adquirirem experiência profissional. Foi<br />

observada também a falta de integração do trabalho desenvolvido pelos monitores com os<br />

professores da escola regular, um dos eixos de comunicação fundamental de<br />

acompanhamento para o bom desempenho escolar dos egressos do trabalho infanto-juvenil,<br />

recomendado pelas diretrizes do PETI.<br />

Palavras chave: Educação, Formação do Monitor, PETI.


ABSTRACT<br />

The objective of this work is to develop a study about the paper and the qualification of the<br />

monitors that act in the Enlarged Day of the Program of Eradication of the Infantile Work -<br />

PETI, of the city of João Pessoa, capital of Paraíba. In the attempt of reaching this aim, it<br />

showed the historical aspects of some programs of attendance to the children and adolescents<br />

in Brazil, locating the legal subject, as the influence of the Child's Statute and of the<br />

Adolescent - ECA, created after to constituent of 1988. With this, the basic conditions<br />

appeared for the implantation of PETI in every national territory and, especially, in João<br />

Pessoa city - PB. Starting from the etymology of the word monitors from the pertinent<br />

literature to the subject, the functions are discussed that the same exercises in the educational<br />

system, seen by the focus of the Popular Education, until the actuality, basing on the reality of<br />

the Enlarged Day of PETI. Finally, it is made an analysis of the profile of the monitor of the<br />

program, starting from collected information of a semi-structured questionnaire, applied to 57<br />

present subjects in a formation workshop for the monitors of the Program, promoted by the<br />

technical team and for the coordination of the Program. The collected data demonstrate that<br />

most of the monitors is female, in the 40 year-old age group. They are afro-descendants, with<br />

the complete medium teaching, and without necessary formation for us to act as education<br />

agents close to the children and adolescents of the Enlarged Day of the Program. Besides they<br />

demonstrate little knowledge of the guidelines of the Program, they exercise the function of<br />

more monitors for the qualification lack and vacancies in the job market, or, just, for us to<br />

acquire professional experience. It was also observed the lack of integration of the work<br />

developed by the monitors with the teachers of the regular school, one of the axes of<br />

fundamental communication of attendance for the good school acting of the exits of the<br />

infanto-juvenile work, recommended by the guidelines of PETI.<br />

Key words: Education, Formation of the Monitor, PETI.


1 INTRODUÇÃO<br />

SUMÁRIO<br />

2 A CRIANÇA E O ADOLESCENTE TRABALHADOR: O PETI COMO<br />

ALTERNATIVA<br />

22<br />

2.1 Conceito de criança e de adolescente 22<br />

2.2 Aspectos históricos do trabalho infanto-juvenil no Brasil 25<br />

2.3 As relações entre escola e trabalho 33<br />

2.4 Breve trajetória do programa de Erradicação do Trabalho Infantil – PETI 36<br />

2.4.1 A contribuição de outras instâncias sociais para a implementação do PETI 41<br />

2.4.2 A Proposta Educativa do Programa 44<br />

3 MONITOR: DIFERENTES PERSPECTIVAS<br />

50<br />

3.1 Monitor: a construção de um conceito 50<br />

3.1.1 O monitor como agente disciplinar 58<br />

3.2 A prática profissional dos monitores e a Educação Popular 66<br />

3.3 O sistema educacional na contemporaneidade 73<br />

3.3.1 Um olhar crítico sobre a educação 74<br />

4 A FORMAÇÃO E A PRÁTICA DO MONITOR DO PETI<br />

79<br />

4.1 A concepção de monitor e suas atribuições no PETI 79<br />

4.2 O papel social do monitor junto às crianças e aos adolescentes inseridos no PETI 89<br />

5 ASPECTOS METODOLÓGICOS<br />

98<br />

5.1 A pesquisa de campo 99<br />

5.2 Participantes 99<br />

5.3 Espaço de realização da pesquisa 100<br />

5.4 Procedimentos e Instrumentos Metodológicos<br />

100<br />

5.4.1 Questionário de entrevistar semi-estruturada 101<br />

5.4.2 Análise de Conteúdo 102<br />

5.5 A devolução prevista do resultado aos sujeitos da pesquisa 102<br />

15


6 APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS 104<br />

6.1 Quadro sócio-demográfico 105<br />

6.1.1 Monitores 105<br />

6.1.2 Quanto à formação pessoal e à formação continuada 111<br />

6.1.3 Quanto à raça/etnia e religião 116<br />

6.2 Experiência profissional dos monitores antes do PETI 118<br />

6.3 Quanto à inserção do monitor no PETI 122<br />

6.4 Familiarização do monitor com as diretrizes do Programa e de sua formação 128<br />

6.5 Caracterização da prática exercida pelo monitor na Jornada Ampliada 131<br />

6.5.1 A formação do monitor e sua relação com os egressos do trabalho infantil 131<br />

6.5.2 A relação do monitor do PETI com a escola 133<br />

6.6 Acerca da eficácia do Programa na opinião do monitor 136<br />

7 CONSI<strong>DE</strong>RAÇÕES FINAIS<br />

REFERÊNCIAS 147<br />

APENDICES<br />

156<br />

Apêndice A – Questionário Semi-estruturado 157<br />

Apêndice B – Quadro dos Núcleos do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil em<br />

João Pessoa<br />

163<br />

ANEXOS<br />

167<br />

Anexo A – Certidão do Comitê de Ética e Pesquisa 168<br />

Anexo B – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido 170<br />

143


1 INTRODUÇÃO<br />

O desenvolvimento humano não ocorre apenas nos aspectos biológicos. A<br />

caracterização do ser humano se dá também pelos aspectos psíquicos, afetivos, sociais e<br />

culturais, desenvolvidos em decorrência das relações interpessoais ocorridas durante o<br />

processo de crescimento. Este crescimento envolve tanto o processo de amadurecimento<br />

quanto a aquisição de conhecimento que provocam mudanças de atitudes e de<br />

comportamento. A este processo de transformação é o que geralmente se denomina de<br />

educação, que, conforme Brandão (2005), é algo de que nenhum ser humano está isento, seja<br />

estando em casa, na rua, na igreja, na escola, nos grupos de jovens ou de adultos, nos<br />

movimentos sociais, nas Organizações Não-Governamentais, nos programas sociais do<br />

governo, entre outros. Todos estão envolvidos, de uma forma ou de outra, com o processo de<br />

aprender e de ensinar, ou vice e versa. O processo educativo estabelece relações sociais,<br />

desperta talentos e comportamentos a serem seguidos ou questionados e fazem o mundo se<br />

movimentar em torno de debates, na busca de uma melhor definição, a qual enquadre todos os<br />

seus principais aspectos.<br />

Tendo presente essa complexidade que a educação tem a oferecer, inúmeros<br />

estudiosos, pesquisadores, intelectuais, pais, professores, governos, entre outros, recorrem a<br />

ela como solução para problemas ligados à prevenção da saúde, a diminuição da violência, a<br />

preservação do meio ambiente, etc.; além de ser apontada, por políticos e especialistas, como<br />

sendo a resposta aos diversos problemas sociais e econômicos, como a desigualdade social.<br />

No entanto a educação, para muitos desses especialistas, para pais e professores, dentre tantos<br />

outros, fica restrita às instituições oficiais de ensino, como a escola.<br />

Conforme Libâneo (2005, p. 87):<br />

[...] Num sentido mais amplo, a educação abrange o conjunto das influências<br />

do meio natural e social que afetam o desenvolvimento do homem na sua<br />

relação ativa com o meio social. Os fatores naturais como o clima, a paisagem,<br />

os fatos físicos e biológicos, sem dúvida exercem uma ação educativa. Do<br />

mesmo modo, o ambiente social, político e cultural implicam sempre mais<br />

processos educativos, quanto mais a sociedade se desenvolve. Os valores, os<br />

costumes, as idéias, a religião, a organização social, as leis, os sistemas de<br />

governo, os movimentos sociais, as práticas de criação de filhos, os meios de<br />

comunicação social são forças que operam e condicionam a prática educativa.


Estas reflexões teóricas sugerem um fenômeno que se destaca e possibilita o<br />

desenvolvimento de ações que permitam compreendê-lo melhor: crianças e adolescentes<br />

explorados em situação de trabalho, com uma grande defasagem na escolaridade, alimentando<br />

o ciclo de pobreza de seus pais, que também não tiveram acesso à escola, ao capital cultural.<br />

Paralelo a isto, há significativa quantidade de educadores que não sabem como lidar com esta<br />

situação.<br />

Intervir neste processo exige a atenção a múltiplos aspectos que perpassam as<br />

relações estruturais que configuram a base de nossa sociedade como o setor econômico e a<br />

organização dos grupos sociais que englobam a família, a criança, o processo educacional e a<br />

aprendizagem. A partir desta compreensão e da sistematização das reflexões, acredita-se ser<br />

possível identificar uma forma de contribuir para transformação, rumo a uma sociedade mais<br />

justa.<br />

Sabe-se da impossibilidade de se abordar, de forma eficaz, todos esses aspectos em um<br />

único trabalho. Pelo exposto, deter-se-á na possibilidade de se compreender e se analisar os<br />

agentes de educação. Neste contexto, enfatizar-se-á o papel do monitor, que desenvolve ações<br />

artísticas e desportivas junto a crianças e adolescentes atendidos no Programa de Erradicação<br />

do Trabalho Infantil - PETI 1 , João Pessoa.<br />

Ao se acreditar que a educação não é um fenômeno isolado da sociedade e que ela<br />

ultrapassa os muros das escolas, através da educação não-formal e intencional 2 , buscou-se<br />

investigar, no espaço da Jornada Ampliada do PETI, tendo presentes as diretrizes educativas<br />

do mesmo, a função que os monitores desempenham para o crescimento psicossocial e<br />

educacional das crianças e adolescentes egressos do trabalho infantil, pois:<br />

A ampliação do universo cultural das crianças e dos adolescentes e o<br />

desenvolvimento de suas potencialidades, com o objetivo de melhorar seu<br />

desempenho escolar e inseri-los no circuito de bens, serviços e riquezas<br />

sociais, devem ser trabalhados nas atividades da jornada ampliada, tendo<br />

sempre o núcleo familiar, a escola e a comunidade como referências<br />

(BRASIL, 2004, p.16).<br />

1 O Programa de Erradicação do Trabalho Infantil é um programa do Governo Federal, que tem como objetivo<br />

principal a retirada de crianças e adolescentes com idade inferior aos 16 anos, segundo a Portaria 666, artigo 27:<br />

“o PETI atenderá as diversas situações de trabalho de crianças e adolescentes, com idade inferior a 16<br />

(dezesseis) anos de famílias com renda per capita mensal superior a R$ 100,00 (cem reais)”. Sendo ressaltado<br />

que esta afirmativa possui interpretação ambígua, uma vez que permite a inscrição, no programa, de qualquer<br />

pessoa com renda superior ao referido valor.<br />

2 Conforme Libâneo (2005), a educação intencional consiste no desenvolvimento de atividades que implicam a<br />

elaboração de objetivos explícitos, conteúdos, métodos, lugares e materiais que possibilitem aos indivíduos a<br />

participação consciente, ativa e crítica na vida social e global.


Esse “universo cultural” dos inseridos no PETI, para que venha a ser desenvolvido e<br />

potencializado no espaço da Jornada Ampliada, requer que o monitor, principal responsável<br />

por esta população, possua formação e conhecimento mínimo sobre a temática do trabalho<br />

infanto-juvenil, além de recursos materiais e estruturais para poder acolher e desenvolver<br />

atividades socioeducativas que valorizem as experiências trazidas pelos egressos e, ao mesmo<br />

tempo, os conduzam na busca dos conhecimentos oferecidos pela escola. Conforme o Manual<br />

de Orientações (BRASIL, 2004, p.18), cabe também aos monitores procurar estabelecer<br />

vínculos, estimular o autoconhecimento e a auto-estima dos egressos do trabalho infantojuvenil.<br />

Devem, ainda,<br />

[...] colaborar em todos os procedimentos necessários para permanência,<br />

freqüência e sucesso das crianças e dos adolescentes na jornada ampliada,<br />

podendo para tanto recorrer à família, sensibilizando-a e mobilizando-a<br />

quando for necessário (grifo nosso).<br />

Para auxiliar esta análise, elegeu-se como objetivos específicos desta pesquisa:<br />

identificar qual a formação que o monitor possui para trabalhar com o PETI e verificar qual a<br />

concepção que o mesmo tem do Programa; identificar como o monitor define o seu papel,<br />

bem como a sua prática educativa e a sua clientela (os educandos); averiguar o<br />

direcionamento que o monitor dá às atividades na jornada; analisar as atividades priorizadas<br />

pelo monitor no processo ensino-aprendizagem, no que diz respeito a uma prática educativa.<br />

Segundo a “Análise Situacional do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil”,<br />

realizada pela UNICEF (2004), o PETI apresenta falhas no âmbito de suas propostas<br />

socioeducativas como as que se referem ao auxílio do bom desempenho da criança e do<br />

adolescente na escola e na ampliação do universo de conhecimento destes. Esta mesma<br />

análise aponta também a falta de preparação dos monitores para lidar com a população<br />

infanto-juvenil devido os mesmos terem uma reduzida capacitação para o desempenho de<br />

suas funções e pela falta de planejamento de suas atividades, apontada pela inexistência de<br />

uma proposta pedagógica básica. Corroborando as análises do UNICEF, pesquisa realizada<br />

por Souza (2005, p. 128), sobre o PETI e o desempenho escolar de 130 bolsistas do Programa<br />

de uma escola pública na cidade de João Pessoa, constatou que o PETI não promove o<br />

sucesso escolar nem a permanência contínua dos egressos na escola, pois “(...) o programa<br />

apenas retira, temporariamente, a criança do trabalho, e a inclui parcialmente na escola”. No<br />

entanto “não basta a criança estar matriculada e freqüentando a escola. O ensino precisa ser de<br />

boa qualidade e estar em consonância com as demandas da sociedade contemporânea”,<br />

complementa Silva, Yazbek e Giovanni (2004, p.200).


Os monitores do PETI, responsáveis pela Jornada Ampliada do Programa, embora<br />

não fazendo parte do sistema regular de ensino, e pela função educativa que exercem, são<br />

caracterizados também como agentes promotores da educação nesse complexo sistema<br />

educacional e do processo de desenvolvimento psicossocial da criança e do adolescente<br />

egressos do trabalho infanto-juvenil.<br />

Daí o meu interesse em estudar o papel desenvolvido pelo monitor do PETI, interesse<br />

surgido quando, na qualidade de Licenciada em Psicologia, fui convidada a compor uma<br />

equipe de trabalho, como prestadora de serviço da Prefeitura de João Pessoa, junto ao<br />

Programa de Erradicação ao Trabalho Infantil – PETI, onde exerci a função de educadora da<br />

equipe técnica do Programa, constituída para dar assessoria aos monitores do PETI desta<br />

cidade. Estes monitores são pessoas que desenvolvem atividades socioeducativas como<br />

reforço escolar, esporte, artes, entre outras, junto a crianças e adolescentes egressas do<br />

trabalho, em um período do dia (manhã ou tarde) denominado de Jornada Ampliada.<br />

Foi observando e conversando com alguns destes monitores, sobre suas dificuldades<br />

em desenvolverem atividades na Jornada Ampliada do PETI, que percebi, como educadora, a<br />

necessidade de estudar, aprofundar e pesquisar o papel, a formação, a influência e o tipo de<br />

metodologia educacional por eles desenvolvidos junto a esta população infanto-juvenil, fruto<br />

de uma estrutura política excludente, gerada pelo sistema capitalista, a qual beneficia um<br />

grupo minoritário, enquanto a maioria vive em situação de miséria ou de pobreza. Portanto,<br />

segundo Freire (1995, p.113), o educador, ao fazer uma reflexão crítica sobre a sua prática,<br />

“desnuda” pontos até então despercebidos, pois “pensar a prática ensina a pensar melhor da<br />

mesma forma como ensina a praticar melhor”.<br />

Aliada a estes fatores, destaque-se a identificação com a temática do trabalho infantil,<br />

surgida no curso de Psicologia da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e do<br />

envolvimento com o grupo de pesquisa Trabalho Precoce, que desenvolve estudos sobre a<br />

problemática do trabalho infanto-juvenil na Paraíba. Segundo pesquisa realizada por Alberto<br />

(2002), as crianças e adolescentes trabalhadores precoces apresentam as seguintes implicações<br />

psicossociais:<br />

a) Imagem negativa de si e baixa auto-estima - os meninos e as meninas percebem que o<br />

seu trabalho não tem importância, não tem reconhecimento nem utilidade. Percebemse<br />

ainda como marginais, vulgares, sem possibilidades de galgar um futuro melhor.<br />

b) Adultização precoce – são atribuídas às crianças e adolescentes, prematuramente,<br />

responsabilidades e obrigações que seriam de adultos.


c) Prejuízo à escolaridade – o trabalho, além de contaminar o tempo da escola, ainda<br />

contribui com o analfabetismo de jovens, promove o baixo nível de escolaridade e a<br />

defasagem escolar, porque dificulta o aprendizado da leitura e da escrita.<br />

d) Socialização desviante – a socialização desviante é entendida pela autora como o<br />

acesso ou o ingresso em atividades que conduzem à socialização com delitos e com<br />

atos infracionais, ou seja, é o tipo de socialização que pode encaminhar meninos e<br />

meninas para a marginalidade, propiciada pelo convívio nas ruas.<br />

e) Perspectiva de futuro – as crianças e adolescentes trabalhadoras têm o seu futuro<br />

pautado no presente, segundo as condições atuais de vida, embotando a capacidade de<br />

sonhar.<br />

Esses aspectos são importantes porque demarcam a necessidade de se compreender<br />

como se efetiva a formação do monitor que atua junto ao Programa de Erradicação do<br />

Trabalho Infantil – PETI, uma vez que ele atua no espaço da Jornada Ampliada, com crianças<br />

e adolescentes que trazem consigo histórias que foram se construindo através da<br />

responsabilidade de levar para casa a gorjeta que ganhou como flanelinha entre a entrada e<br />

saída dos carros nos estacionamentos da cidade; na venda do próprio corpo como mercadoria<br />

para deleite do cliente; por meio da venda de drogas em diversos pontos da cidade ou como<br />

trabalhador doméstico.<br />

De certa forma, neste contexto, o monitor tem como desafio trabalhar, através de suas<br />

atividades no espaço da Jornada Ampliada, as subjetividades e demandas de seus educandos,<br />

de modo que os conduza a refletir e problematizar a condição da criança e do adolescente<br />

trabalhador.<br />

Sendo assim, no segundo capítulo, procura-se fazer uma breve apresentação, ao longo<br />

da história, do conceito de criança e de adolescente, a mudança ocorrida na legislação,<br />

passando por algumas políticas sociais destinadas à “educação” desta população, até a<br />

implantação do PETI em todo o território nacional e na Paraíba.<br />

No terceiro capítulo, apresentam-se as diferentes perspectivas que englobam a função<br />

do monitor, no intuito de se perceber o tipo de papel que este desempenha no PETI, junto às<br />

crianças e adolescentes egressas do trabalho infanto-juvenil. Neste capítulo, também se<br />

procuram estabelecer relações com a escola, já que a Jornada Ampliada do PETI é uma ação<br />

educativa complementar da instituição de ensino:<br />

A Jornada Ampliada deve manter perfeita sintonia com a escola. Nesse<br />

sentido, será elaborada uma proposta pedagógica, sob responsabilidade do<br />

setor educacional (BRASIL, 2004, p.7).


Dando continuidade a alguns pontos levantados no terceiro capítulo, o quarto visa<br />

compreender o tipo de formação que o monitor possui para lidar com a temática do trabalho<br />

infanto-juvenil e a importância deste no espaço da Jornada Ampliada do Programa.<br />

No quinto capítulo, apresentam-se os aspectos metodológicos e o percurso seguido<br />

para a concretização da parte de pesquisa de campo.<br />

No sexto capítulo, descrevem-se e analisam-se a formação e o papel do monitor do<br />

PETI, a partir da análise dos dados colhidos da aplicação de questionários semi-estruturados,<br />

junto aos monitores.<br />

E concluem-se as análises com algumas considerações sobre os pontos mais<br />

pertinentes, levantados ao longo deste trabalho, no intuito de se oferecer aos sujeitos e leitores<br />

deste trabalho, mais um subsídio que possa contribuir para o melhor andamento das atividades<br />

socioeducativas realizadas pelos monitores do PETI, junto ao processo educacional das<br />

crianças e adolescentes egressos do trabalho infanto-juvenil.


Para as pessoas lembramos que, se existe menor marginalizado (e eles são milhões!), não<br />

foram eles que se automarginalizaram. Sua existência implica a de uma sociedade marginalizadora –


esta, sim, a verdadeira responsável por sua marginalização. O desemprego, o subemprego, a injusta<br />

distribuição de renda, a política salarial desumana, estes são os primeiros e mais básicos<br />

responsáveis pela existência do problema. Antes de vermos e condenarmos o pecado pessoal de um<br />

homem, de uma mulher ou de uma criança, devemos abrir os olhos para o pecado estrutural de uma<br />

sociedade erguida sobre a miséria e a injustiça.<br />

(Antonio Carlos Gomes da Costa, 1999)


2 A CRIANÇA E O ADOLESCENTE TRABALHADOR: O PETI COMO<br />

ALTERNATIVA<br />

O terceiro milênio desponta envolto em contrastes marcantes entre o avanço<br />

tecnológico e científico atual, que nos coloca frente a conquistas até há poucas décadas<br />

julgadas impossíveis, como a Internet, a expansão da tecnologia móvel, os transgênicos, as<br />

clonagens, as vacinas contra a tuberculose, entre outras. Estas conquistas provocaram<br />

mudanças nos hábitos cotidianos ao promoverem conforto, aumento da expectativa de vida,<br />

melhores condições de aprendizagem, moradia, lazer, etc. Toda essa evolução é, porém,<br />

insuficiente para disponibilizar melhores condições de vida e educação para crianças e<br />

adolescentes trabalhadores e marginalizados.<br />

O objetivo deste capítulo é contextualizar a trajetória da criança e do adolescente a<br />

partir do levantamento de alguns fatos históricos. Tais fatos demonstram os vários<br />

movimentos que ocorreram, de avanços e recuos, no processo de conquista ocorridas no<br />

âmbito social, legal e político, a favor da criança e do adolescente de direito. Nesta trajetória<br />

de luta por parte de diversos segmentos da sociedade civil organizada, deu-se inicio a<br />

inúmeros programas de proteção à criança e ao adolescente, dentre eles a criação do Programa<br />

de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), na conjuntura da sociedade brasileira.<br />

2.1 Conceito de criança e de adolescente<br />

Os termos criança e adolescente no Brasil podem ser considerados como expressões<br />

de uso recente. Foi a partir do final da década de 80, com a promulgação da Constituição de<br />

1988 e do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, Lei 8.069), em 1990, que os termos<br />

passaram a designar todo aquele que tem menos de dezoito anos como sujeito de direitos 3<br />

perante a sociedade. Sendo assim, diante do novo prisma que se descortinou para a<br />

constituição da infância e da juventude brasileira, a definição de criança e adolescente adotada<br />

neste trabalho corresponde ao que está descrito no Estatuto da Criança e do Adolescente, em<br />

3 Segundo Costa (1994, p.30), Sujeito de Direito “significa que a criança e adolescente já não poderão mais ser<br />

tratados como objetos passivos da intervenção da família, da sociedade e do Estado. A criança tem direito ao<br />

respeito, à dignidade e à liberdade, e este é um dado novo que em nenhum momento ou circunstância poderá<br />

deixar de ser levado em conta”.


seu artigo 2°, que denomina criança como toda a pessoa com idade até doze anos e<br />

adolescente como aquele com idade entre doze e dezoito anos.<br />

Até então, criança e adolescente eram os filhos daqueles que possuíam alguma<br />

condição financeira, freqüentavam uma boa escola, não precisavam trabalhar para ajudar os<br />

pais na manutenção da casa e não faziam da rua lugar de lazer ou divertimento. Em<br />

contrapartida, os filhos dos pais de baixa (ou nenhuma) renda eram tratados como “menores”,<br />

uma expressão estereotipada direcionada a crianças e adolescentes pobres, na sua grande<br />

maioria tratados como “caso de polícia” e enquadrados na “doutrina da situação irregular”,<br />

conforme Artigo 2º do Código dos Menores, (COSTA, 1994; FALEIROS, 1995; LONDOÑO,<br />

1991; PASSETTI, 1991).<br />

A doutrina de situação irregular consistia em definir o tipo de tratamento e a política<br />

de atendimento destinado aos “menores”. Esses variavam do assistencialismo à total reclusão<br />

do menor, que, via de regra, estava sob a tutela do Estado e com destino à mercê do veredito<br />

inquestionável da autoridade judicial.<br />

Segundo Londoño (1991), historicamente, a palavra “menor”, até 1920, era sinônimo<br />

de criança, adolescente ou jovem, e assinalava o limite de idade, que os impedia de terem<br />

direito à emancipação paterna, garantindo, assim, a guarda e a autoridade dos pais sobre os<br />

filhos e os impossibilitando de assumirem responsabilidades civis ou canônicas.<br />

Na passagem do século, menor deixou de ser uma palavra associada à idade,<br />

quando se queria definir a responsabilidade de um indivíduo perante a lei, para<br />

designar principalmente as crianças pobres abandonadas ou que incorriam em<br />

delitos (LODOÑO, 1991, p.142, grifo do autor).<br />

A partir de então, o termo “menor” passou a se referir a toda criança que estava em<br />

situação de abandono e marginalidade, além de definir sua condição civil e jurídica, pois o<br />

menor era caracterizado como a criança pobre, que estava totalmente desprotegida, moral e<br />

materialmente, pelos pais ou responsáveis, pelo Estado e pela sociedade. Para tanto, estes<br />

menores provenientes de lares desajustados (filhos de mães solteiras ou de relacionamentos<br />

extraconjugais; pais alcoólatras, desempregados, violentos, sem nenhuma fonte de renda,<br />

etc.), que viviam nas ruas das cidades, e de maior inclinação para a delinqüência, passaram a<br />

ser atendidos pelo Estado através de instituições e patronatos, a partir de 1921, com a lei<br />

orçamentária 4.2425/1, regulamentada em 20 de novembro de 1923. Esta Lei autorizou o<br />

serviço de Assistência e Proteção à Infância Abandonada e aos Delinqüentes (LODOÑO,<br />

1991; PASSETTI, 2004), transformando à “caridade” estendida a população infanto-juvenil<br />

em serviços financiados pelo Estado:


[...] A atenção à criança passou a ser proposta como um serviço especializado,<br />

diferenciado, com objetivos específicos. Isso significava a participação de<br />

saberes como os do higienista, que devia cuidar de sua saúde, nutrição e<br />

higiene; os do educador, que devia cuidar de disciplinar, instruir, tornando o<br />

menor apto para se reintegrar à sociedade; e os do jurista, que devia<br />

conseguir que a lei garantisse essa proteção e essa assistência (LODOÑO,<br />

1991, p. 142, grifo nosso).<br />

Mesmo colocando o menor sobre a tutela do Estado, a responsabilidade ou “culpa” de<br />

os menores incorrerem em condutas anti-sociais, e em “situação irregular”, era atribuída à<br />

família socioeconomicamente desfavorecida. Essa responsabilidade reforçava, cada vez mais,<br />

o preconceito e a desigualdade social existente na conjuntura brasileira da época, como<br />

descrevem os dispositivos do Artigo 2º do Código de Menores de 1927:<br />

Art 2º Para os efeitos deste Código, considera-se em situação irregular o<br />

menor:<br />

I - privado de condições essenciais à sua subsistência, saúde e instrução<br />

obrigatória, ainda que eventualmente, em razão de:<br />

a) falta, ação ou omissão dos pais ou responsável;<br />

b) manifesta impossibilidade dos pais ou responsável para provê-las;<br />

Il - vítima de maus tratos ou castigos imoderados impostos pelos pais ou<br />

responsável;<br />

III - em perigo moral, devido a:<br />

a) encontrar-se, de modo habitual, em ambiente contrário aos bons costumes;<br />

b) exploração em atividade contrária aos bons costumes;<br />

IV - privado de representação ou assistência legal, pela falta eventual dos pais<br />

ou responsável;<br />

V - Com desvio de conduta, em virtude de grave inadaptação familiar ou<br />

comunitária;<br />

VI - autor de infração penal.<br />

Parágrafo único. Entende-se por responsável aquele que, não sendo pai ou<br />

mãe, exerce, a qualquer título, vigilância, direção ou educação de menor, ou<br />

voluntariamente o traz em seu poder ou companhia, independentemente de ato<br />

judicial (BRASIL, 1927, grifo nosso).<br />

A partir destes dispositivos, fica perceptível a situação irregular à qual eram<br />

submetidos a criança e o adolescente pobres. Devido às más condições socioeconômicas,<br />

eram transformados em delinqüentes em potencial e nasciam predestinados, conforme a visão<br />

dos juristas, a seguirem no submundo do crime e a ameaçarem o futuro da sociedade. Logo as<br />

crianças, adolescentes e jovens oriundos de famílias de baixa renda e “desestruturadas”<br />

encontravam-se em situação irregular e estavam fadados a ingressar em instituições para<br />

menores, no intuito de serem reconduzidos à sociedade, que os esperava disciplinados e aptos<br />

ao trabalho:<br />

Perante a lei são menores que deverão ser educados para se tornarem adultos<br />

respeitosos. Socialmente são menores oriundos de famílias desorganizadas,<br />

incapazes de lhes dar a educação elementar. Psicologicamente são<br />

considerados imaturos e portam personalidades com desvios de conduta. Estas<br />

características levam o Estado, através da legislação (Código dos Menores) e


de instituições (Fundações Estaduais do Bem-Estar), a defini-los como<br />

perigosos (PASSETTI, 1986, p. 54).<br />

É importante ressaltar que, desde a Constituição de 1988, e com a promulgação dos<br />

Direitos da Criança e do Adolescente, como disciplina jurídica autônoma, houve a revogação<br />

total da doutrina da “Situação Irregular” do Código de Menores, passando para a chamada<br />

“Doutrina da Proteção Integral”, defendida pela União das Nações Unidas (ONU), respaldada<br />

na Declaração Universal dos Direitos das Crianças de 20 de novembro de 1959. Esta doutrina,<br />

segundo Costa (1994, p.24):<br />

[...] afirma o valor intrínseco da criança como ser humano; a necessidade de<br />

especial respeito à sua condição de pessoa em desenvolvimento; o valor<br />

prospectivo da infância e da juventude, como portadoras da continuidade do<br />

seu povo, da sua família e da espécie humana e o reconhecimento de sua<br />

vulnerabilidade, o que torna as crianças e os adolescentes merecedores de<br />

proteção integral por parte da família, da sociedade e do Estado, o qual deverá<br />

atuar por meio de políticas específicas para o entendimento, a promoção e a<br />

defesa de seus direitos.<br />

Estas novas definições ou termos tentam dar novos rumos e expectativas à população<br />

infanto-juvenil brasileira, recontextualizando o termo “menor” do ordenamento jurídico<br />

nacional, destituindo-o do seu caráter infracional, discriminatório e estigmatizante. A criança<br />

e o adolescente passam a ser então prioridade absoluta da família, da comunidade e do Estado.<br />

Conforme o mesmo autor, a criança e o adolescente têm prioridade em receber proteção e<br />

socorro em qualquer situação ou circunstância; precedência no atendimento por serviços ou<br />

órgãos públicos de qualquer um dos Poderes que regem o país; na formulação e execução de<br />

políticas públicas e em ter preferência na destinação de recursos públicos nas áreas<br />

relacionadas com a proteção da infância da juventude.<br />

2.2 Aspectos históricos do trabalho infanto-juvenil no Brasil<br />

O trabalho realizado por crianças e adolescentes não é um fenômeno social que<br />

apareceu na história da humanidade recentemente. Estudos como os de Ramos (2004)<br />

demonstram a presença destes como tripulantes nas embarcações lusitanas do século XVI, os<br />

meninos na condição de grumetes ou pagens e as meninas como órfãs do Rei, enviadas para<br />

se casar com súditos da Coroa nas Colônias, entre elas a brasileira. Estas situações<br />

demonstram como as crianças e adolescentes, em especial os provenientes de famílias pobres,


eram vistos e tratados pela sociedade no Velho Mundo como “homens de tamanho reduzido”<br />

(ÀRIES, 1981).<br />

Segundo Ramos (2004, p.22):<br />

Para os pais destas – consideradas um meio eficaz de aumentar a renda da<br />

família -, alistar seus filhos entre a tripulação dos navios parecia sempre um<br />

bom negócio. Eles, assim, tanto podiam receber os soldos de seus miúdos,<br />

mesmos que estes viessem a perecer no além-mar, quanto livravam-se de uma<br />

boca para alimentar. Tampouco a alta taxa de mortalidade a bordo dos navios<br />

– algo em torno de 39% dos embarcados – os assustava. Isso porque além de<br />

as crianças serem consideradas como pouco mais que animais, a alta taxa de<br />

mortalidade em Portugal fazia com que as chances de morrer vítima de<br />

inanição ou de alguma doença em terra, fosse quase igual, quando não maior<br />

do que a de perecer a bordo das embarcações.<br />

Na história do Brasil, não só as crianças e adolescentes portuguesas pobres foram<br />

convocados, através do dispêndio da sua força de trabalho, para construção e<br />

desenvolvimento do país. A população infanto-juvenil indígena e negra também foi submetida<br />

aos rigores do trabalho precoce, desde o Brasil Colônia até a modernidade, construindo a<br />

estrutura de produção conforme os ciclos econômicos gerados pelo país (Pau-Brasil, cana-deaçúcar,<br />

café, entre outros), num processo de distribuição de riquezas que manteve a<br />

desigualdade social, pois “os interesses da Coroa no Brasil e dos Portugueses que para cá<br />

vieram eram meramente econômicos, de espoliação, e por meio da escravidão estabeleceu-se<br />

no país um modelo de desprezo pela vida” (FALEIROS, 1995, p.232).<br />

Com a implantação e expansão da economia industrial capitalista no país, após o<br />

período escravista, a situação de desigualdade social, gerada desde a chegada dos portugueses,<br />

não foi modificada, e a situação do trabalho infanto-juvenil ainda era uma realidade para<br />

muitas crianças e adolescentes. Nesse período industrial, muitas foram as crianças e<br />

adolescentes brasileiros e imigrantes ingressados no sistema produtivo das fábricas e oficinas,<br />

assim como afirma Moura (2004, p. 262):<br />

[...] O trabalho infanto-juvenil foi o espelho fiel do baixo padrão de vida da<br />

família operária, pautado em salários insignificantes e em índices de custo de<br />

vida extremamente elevados. A exploração do trabalho se dava por meio da<br />

compressão salarial do trabalhador adulto de sexo masculino; da exploração<br />

da mão-de-obra feminina, uma vez que a remuneração de meninas e de<br />

adolescentes de sexo feminino caracterizava a dupla discriminação de sexo e<br />

de idade; e refletia claramente o fato de que sobre a infância e a adolescência<br />

pesava decisivamente a determinação do empresariado em reduzir os custos de<br />

produção.<br />

Além da exploração da mão-de-obra infanto-juvenil, os donos das fábricas ofereciam<br />

precárias condições estruturais e físicas de trabalho com “máquinas e operários muitas vezes<br />

acomodados em espaços exíguos, iluminação e ventilação insuficientes, ausência de


dispositivos de segurança colocando a mão-de-obra à mercê das engrenagens” (MOURA,<br />

2004, p.264). Nestas condições, as crianças e adolescentes estavam vulneráveis a constantes<br />

acidentes de trabalho por lidarem com equipamentos perigosos, em ambientes insalubres, e<br />

por executarem tarefas incompatíveis com sua idade. Além disso, o esforço físico excessivo, a<br />

disciplina e a atenção constante, exigidas na rotina do processo de trabalho produtivo,<br />

requeria destes um amadurecimento precoce, comprometendo o processo natural de<br />

desenvolvimento (infância e adolescência), a saúde e a escolarização.<br />

Segundo Moura (2004), não só nas indústrias era utilizada a força de trabalho infantojuvenil,<br />

mas também no mercado informal, como na venda de bilhetes de loterias pelas ruas<br />

da cidade de São Paulo. As crianças e adolescentes eram vistas trabalhando junto às praças e<br />

às portas das igrejas, engraxando sapatos, vendendo jornais, e na construção civil. Outros,<br />

para sobreviverem, recorriam à atividade de esmolar, assaltar e roubar. Estas últimas<br />

atividades, consideradas permissivas, transformavam-se:<br />

[...] no foco privilegiado de um discurso que enaltecia o trabalho enquanto<br />

instrumento que permitiria, fornecendo-lhes uma profissão, resgatá-los e<br />

preservá-los do contato pernicioso das ruas, que projetava sobre a cidade as<br />

sombras de uma crescente criminalidade (MOURA, 2004, p. 276).<br />

As crianças e adolescentes espalhados pelas ruas das grandes cidades, como São<br />

Paulo, refletiam a falta de infra-estrutura social, política e econômica existente nos centros<br />

industriais. As pessoas que migravam do campo, de outras cidades, estados ou de outros<br />

países, em busca de melhores perspectivas de vida, aglomeravam-se em quartos de cortiços,<br />

barracos de favelas, em construções clandestinas e debaixo de pontes. Essa composição<br />

difunde a idéia da falta de famílias estruturadas, carentes de subsídios financeiros, sociais,<br />

psíquicos e culturais, que empurram as crianças e adolescentes para a mendicância, expondoos<br />

à criminalidade ou à delinqüência (PASSETI, 2004):<br />

Tornaram-se comuns pais que trocam bordoadas e filhos que são pressionados<br />

a saírem em busca de sustento para prover a família dos meios de subsistência,<br />

abandonando a escola. A sexualidade nestas crianças tornou-se precoce e a<br />

prostituição uma fonte de renda, assim como o tráfico de drogas, e furtos e<br />

roubos passaram a ser “naturais” para a sobrevivência (PASSETTI, 1986,<br />

p.36).<br />

Pautados em discursos moralistas e paternalistas, muitos religiosos, juristas, policiais,<br />

advogados, industriais e as políticas adotadas pelo Estado criaram instituições educativas que<br />

tinham como propósito a adequação e a reabilitação da criança e do adolescente às<br />

necessidades das indústrias e do mercado (MOURA, 2004).


Rizzini (2004), pesquisadora contrária ao uso de mão-de-obra infanto-juvenil, através<br />

de uma breve síntese, demonstra como as instituições fizeram uso da educação para o trabalho<br />

e como esta força de trabalho foi usada como “desculpa” para a formação de mão-de-obra<br />

disciplinada com menor custo, nos moldes das Sunday Schools Inglesas, de crianças e<br />

adolescentes trabalhadores, usando a filantropia como argumento:<br />

Asilos de caridade foram transformados em institutos, escolas profissionais,<br />

patronatos agrícolas. Surgem novas instituições, algumas fundadas por<br />

industriais, visando a adequação do menor às necessidades da produção<br />

artesanal e fabril, formando desde cedo a futura mão-de-obra da indústria.<br />

Foi o caso do Seminário dos Meninos, que em 1874 tornou-se o Instituto de<br />

Educandos Artífices, em São Paulo, oferecendo ensino profissional para<br />

alfaiates, marceneiros, serralheiros e seleiros. A iniciativa foi estendida para<br />

outros estados. A Sociedade Propagadora da Instrução Popular (1874) tornouse<br />

o Liceu das Artes e Ofícios, oferecendo aprendizagem industrial e agrícola.<br />

O Asilo dos Meninos desvalidos, criado em 1875, transformou-se<br />

posteriormente no Instituto Profissional João Alfredo. Em 1899 é criado o<br />

Instituto Professora Orsina da Fonseca para o preparo profissional de<br />

operárias, de oito a 18 anos (RIZZINI, 2004, p.378-379, grifo nosso).<br />

Este tipo de pensamento se fez presente na filosofia de diversas instituições como o<br />

Instituto Disciplinar, criado em 1902, na cidade de São Paulo, com o propósito de recuperar e<br />

reabilitar meninos e meninas que estavam nas ruas, através do trabalho, em nome da<br />

preservação da ordem social (PASSETI, 2004). Conforme o mesmo autor, as crianças eram<br />

vistas como potencialmente perigosas e<br />

[...] integrá-las ao mercado de trabalho significava tirá-la da vida<br />

delinqüêncial, ainda associada aos efeitos da politização anarquista e educá-la<br />

com o intuito de incutir-lhe a obediência. Pretendendo domesticar as<br />

individualidades e garantindo com isso os preceitos de uma preservação geral,<br />

os governos passaram a investir em educação, sob o controle do estado, para<br />

criar cidadãos a reivindicar disciplinadamente segundo as expectativas de uma<br />

direção política cada vez mais centralizadora. Para tal, escola e internato<br />

passam a ser fundamentais (PASSETI, 2004, p.355).<br />

Quando o Presidente Getúlio Vargas assumiu o poder nos anos de 1930, o trabalho<br />

passou a ser objeto de atenção particular do seu governo. Em 1937, sob a égide de um<br />

governo militar, os investimentos em instituições correcionais através do trabalho<br />

continuaram. A partir de 1942, o governo federal criou o Departamento Nacional da Criança<br />

(DNCr), órgão responsável pela coordenação das ações dirigidas à criança e ao adolescente,<br />

que tinha como meta a preparação do futuro cidadão trabalhador. Seguindo a mesma lógica,<br />

outras instituições - públicas e privadas - surgiram como resultado de uma política<br />

compensatória em relação à pobreza sofrida pelos trabalhadores e suas famílias: Legião<br />

Brasileira de Assistência, Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial, Serviço Social do


Comércio, Serviço Social da Indústria, Campanha Nacional de Educandários Gratuitos. Estas<br />

instituições, junto ao DNCr, objetivavam dar às crianças uma formação profissional, além de<br />

desenvolver nelas o respeito à hierarquia por meio da educação, suprir o mercado com<br />

“capital humano” do futuro cidadão e salvaguardar a família no intuito de proteger a criança<br />

(RIZZINI, 1995).<br />

Neste mesmo período, o governo federal criou o Serviço de Assistência a Menores<br />

(SAM) subordinado ao Ministério da Justiça. A partir de 1944, este serviço passou a abranger<br />

todo o território nacional, centralizando a assistência ao menor “delinqüente e transviado” da<br />

sociedade brasileira. No entanto, conforme Rizzini (1995), o SAM, por não atender às reais<br />

necessidades das crianças e dos adolescentes, transformou-se em mais um “depósito” para<br />

essa população, passando a ser denominada negativamente pela sociedade de “Escola do<br />

crime”, “Fábrica de criminosos”, “Sucursal do inferno”, entre outros. O SAM foi alvo de<br />

severas críticas e denúncias de corrupção, clientelismo, maus tratos dos internos,<br />

superlotação, indo de encontro à proposta oficial, voltada para educação, formação<br />

profissional, assistência à saúde e cuidados dos internos.<br />

Conforme Del Priore (2003), o SAM foi um sistema criado pelo Estado Novo, que,<br />

devido à sua ineficiência, ajudou a criminalizar e estigmatizar definitivamente o menor de rua,<br />

como sendo um delinqüente perante toda a sociedade. Além disso, complementa Rizzini<br />

(1995), os menores ali internos eram submetidos aos castigos corporais, à alimentação de<br />

baixa qualidade, à falta de higiene, à violência sexual tanto masculina como feminina,<br />

praticados por seus responsáveis dentro da instituição:<br />

Os inspetores de alunos foram culpabilizados por praticamente todos os exdiretores<br />

do SAM pelos maus tratos e exploração praticados contra os<br />

internos, sendo considerados incapazes para exercerem o cargo, por<br />

desconhecerem o “problema” do menor abandonado. Ao que tudo indica,<br />

muitos desses funcionários foram dispensados de outros órgãos públicos e<br />

aproveitados no SAM (RIZZINI, 1995, p.284).<br />

Seguindo a tradição de educar ou reformar o “caráter” dos menores pelo trabalho,<br />

ainda segundo Rizzini (1995), as meninas internas no SAM eram submetidas à exploração do<br />

trabalho doméstico, enquanto os meninos eram encaminhados aos Patronatos Agrícolas<br />

(instituições subordinadas ao SAM), para serem usados na lavragem das terras dos donos<br />

destes institutos. Ao término do período de internação, eram reenviados à capital da<br />

República, maltrapilhos, subnutridos e analfabetos, para sobreviverem nas ruas (RIZZINI,<br />

2004).


Mesmo diante da exploração da mão-de-obra das crianças e adolescentes, o trabalho<br />

sempre foi visto pela sociedade como um tipo de “remédio”, que combate o “vírus” do<br />

comportamento desviante da população infanto-juvenil pobre. O desenvolvimento de alguma<br />

atividade laborativa por parte destes “menores”, geralmente, é vista como o melhor meio de<br />

aprendizagem para sobreviver na escola da vida, em detrimento da formação escolar,<br />

incorrendo na idéia de que o trabalho infanto-juvenil é uma alternativa eficaz para se evitar o<br />

envolvimento destes com roubos, com tráfico de drogas e com a prostituição. No entanto o<br />

que se viu é que o próprio SAM, como instituição governamental, de caráter educativo, levava<br />

os menores à prostituição e, ainda, em nome da educação pelo trabalho, explorava a força de<br />

trabalho destes, submetendo-os ao trabalho escravo (PASSETI, 2004; RIZZINI, 1995;<br />

RIZZINI, 2004).<br />

Ao escolher políticas de internação para crianças abandonadas e infratoras, o<br />

Estado escolhe educar pelo medo. Absolutiza a autoridade de seus<br />

funcionários, vigia comportamentos a partir de uma idealização das atitudes,<br />

cria a impessoalidade para a criança e o jovem vestindo-os uniformemente e<br />

estabelece rígidas rotinas de atividades, higiene, alimentação, vestuário, ofício,<br />

lazer e repouso. Mas neste elogio à disciplina nada funciona primorosamente.<br />

Antes mesmo do dia terminar, todo o proibitivo já está em funcionamento<br />

articulando internos entre si, internos e seus superiores, superiores e familiares<br />

dos prisioneiros numa engenhosa economia de ilegalidade pela qual circulam<br />

mercadorias roubadas, corpos, drogas e lucros (PASSETI, 2004, 356).<br />

Com a extinção do SAM, é criada a Política Nacional do Bem-Estar do Menor -<br />

PNBEM, em 1964, com a intenção de romper com as práticas negativas adotadas pelo SAM,<br />

na tentativa de reescrever a história das crianças pobres do país. A nova política de<br />

atendimento estava organizada para atender, a partir de uma metodologia científica, que se<br />

fundamentava em conhecimentos:<br />

• Psicológicos (estudos dos traços de personalidade);<br />

• Biológicos (deficiências de crescimento) e<br />

• Sociais (condições materiais) das crianças carentes e infratoras.<br />

O objetivo da PNBEM estava respaldado na formação de indivíduos para vida em<br />

sociedade através da educação (PASSETI, 2004). No entanto, conforme o mesmo autor, esta<br />

política nacional, através da Fundação Nacional do Bem Estar do Menor (FUNABEM) e das<br />

Fundações Estaduais do Bem Estar do Menor (FEBEMs), espalhadas pelo território nacional,<br />

apenas conseguiu “estigmatizar crianças e jovens da periferia como menores perigosos”<br />

(PASSETTI, 2004, p.358).<br />

Conforme o estudo realizado por Altoé (1990), demonstra-se também, que a formação<br />

profissional das crianças e adolescentes da FUNABEM, vista como meio de inserção social,


era inadequada à realidade do mercado de trabalho, e os internos, uma vez desligados, saíam<br />

da instituição com baixa escolaridade e sem formação profissional adequada para ingressarem<br />

no complexo mercado de trabalho. Além disso, acentuava a dificuldade da obtenção do<br />

primeiro emprego, pelo fato de terem sido internos ou terem passado por essa instituição, com<br />

uma imagem tão negativa.<br />

Costa (1994) afirma que o trabalho infanto-juvenil, a sociedade e o Estado, antes dos<br />

anos oitenta, conviveram pacificamente. A Pedagogia do Trabalho 4 era uma constante na<br />

metodologia de muitas instituições públicas e particulares. A fiscalização do Ministério do<br />

Trabalho, os sindicatos, as Organizações Não Governamentais (ONGs) faziam atendimentos<br />

isolados, evitando discussões que envolvessem questões políticas e sociais de forma a<br />

estabelecer ações mais eficazes na mudança da estrutura do quadro de exploração desta mãode-obra.<br />

No entanto, mesmo sob o domínio do regime militar em crise, o Brasil da década de<br />

80 passava a questionar o tratamento dado a suas crianças e adolescentes. A luta pela<br />

democratização do Estado, com o movimento das “Diretas Já”, fez eclodir, em todo o<br />

território nacional, os movimentos sociais de contestação, que reivindicam melhores<br />

condições de vida e de trabalho. A política recessiva adotada pelo governo, com seus vários<br />

planos econômicos, que elevou cada vez mais a inflação (que chegou a atingir patamares<br />

altíssimos de 235,5% em 1985), gerava a cada dia descontentamento na população, que via<br />

seus salários serem desvalorizados, perdendo, assim, o poder de compra. O desemprego<br />

crescente aumentava ainda mais o número de crianças e adolescentes nas ruas, demonstrando<br />

a incapacidade e ineficiência das FEBEMs em atender eficazmente essa população espalhada<br />

pelas ruas, fora as constantes fugas e rebeliões (VOGUEL, 1995).<br />

Segundo Costa (1994), apesar dessas constantes crises econômicas e políticas<br />

vivenciadas nos anos oitenta, o país avançou no processo de participação democrática com a<br />

eleição de um Presidente Civil, com a elaboração de uma nova Carta Magna para o país, com<br />

a participação dos diversos setores da sociedade e com a formação de um amplo movimento<br />

4 A pedagogia do trabalho, segundo Menezes e Santos (2007), “refere-se a uma área de estudo sobre o<br />

desenvolvimento dos indivíduos num processo histórico e social do trabalho. Os pesquisadores desse campo<br />

entendem que as contradições sociais têm papel fundamental na promoção das rupturas, com sérias<br />

transformações na vida do indivíduo. Uma preocupação constante nessa pedagogia é com as potencialidades do<br />

indivíduo, que são impedidas de se desenvolverem diante de um trabalho alienado. Daí, por conseqüência, a<br />

pedagogia do trabalho visa conscientizar o indivíduo em suas relações históricas, materiais e sociais. Karl Marx<br />

(1818-1883), junto com seus comentadores, foi um dos grandes pensadores sobre essa temática”. No entanto, a<br />

“Pedagogia do Trabalho”, à qual COSTA (1994) se refere, possui uma conotação de exploração, devido a várias<br />

instituições ao longo da história fazerem uso do trabalho, como meio educativo, para “disciplinar” e “reeducar”<br />

as crianças e adolescentes nelas inseridos.


social em favor dos direitos da criança e do adolescente, em especial, a formação do<br />

Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua,<br />

[...] organização da sociedade civil, que se tornará o marco e o baluarte pela<br />

defesa dos direitos desses pequenos cidadãos. Em 1986, o Movimento<br />

promove o I Encontro Nacional de Meninos e Meninas de Rua. Em 1988, criase<br />

o Fórum Nacional Permanente de Entidades Não-Governamentais de<br />

Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, o qual mobilizou várias<br />

organizações pró-constituinte e juntos elaboraram o projeto que culminou com<br />

a Lei 8.069/1990, denominado Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA),<br />

(ALBERTO, 2002, p.133-134).<br />

Conforme Lins (2004), o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) concretiza os<br />

novos direitos destes expressos na Constituição de 1988, no seu Artigo 227, que confere à<br />

família, à sociedade e ao Estado o dever de:<br />

[...] assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à<br />

vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à<br />

cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e a convivência familiar e<br />

comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência,<br />

discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (BRASIL, 1988).<br />

O Parágrafo 3º do mesmo dispositivo estabelece que a proteção especial à criança e ao<br />

adolescente abrangerá, entre outros aspectos, a idade mínima de ingresso ao mercado de<br />

trabalho, a garantia de direitos previdenciários e trabalhistas e a garantia de acesso do<br />

adolescente trabalhador à escola (MINHARRO, 2003). Vale salientar que a Emenda<br />

Constitucional de n. 20/98, em seu artigo 403, proíbe o trabalho de menores de 16 anos, salvo<br />

na condição de aprendiz a partir dos 14 anos.<br />

O ECA também rompe com o Código dos Menores de 1979, o qual estava<br />

fundamentado na Doutrina da Situação Irregular. Os dispositivos do Código enquadravam em<br />

uma mesma situação irregular abandonados, maltratados, vítimas e infratores, deixando ao<br />

encargo dos juízes o estabelecimento da “penalidade” mais adequada a ser tomada com<br />

relação ao menor. Enquanto que o Estatuto desestigmatiza a população infanto-juvenil<br />

brasileira retirando a sua condição de “menor” 5 , transformando-os em cidadãos possuidores<br />

de direitos legalmente reconhecidos:<br />

De fato, a concepção sustentadora do Estatuto é a chamada Doutrina<br />

da Proteção Integral, defendida pela ONU com base na Declaração Universal<br />

dos Direitos da Criança. Essa doutrina afirma o valor intrínseco da criança<br />

como ser humano; a necessidade de especial respeito à sua condição de pessoa<br />

em desenvolvimento; o valor prospectivo da infância e da juventude, como<br />

portadoras da continuidade do seu povo, da sua família e da espécie humana e<br />

o reconhecimento de sua vulnerabilidade, o que torna as crianças e os<br />

adolescentes merecedores de proteção integral por parte da família, da<br />

5 Para Passetti (1995, p. 37), “menor é aquele que, em decorrência da marginalidade social, se encontra, de<br />

acordo com o Código de Menores, em situação irregular”.


sociedade e do estado, o qual deverá atuar por meio de políticas específicas<br />

para o entendimento, a promoção e a defesa de seus direitos (COSTA, 1994,<br />

p.24).<br />

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988 e do ECA, a criança e o<br />

adolescente passaram a ser prioridades de Estado, pois a Legislação redimensiona o papel do<br />

Estado em relação às políticas públicas sociais, recomendando que a internação institucional<br />

seja evitada, como acontecia anteriormente nas FEBEMs, dando margem para o surgimento<br />

de programas sociais de prevenção como Bolsa-Escola, Programa de Erradicação do Trabalho<br />

Infantil, entre outros.<br />

2.3 As relações entre escola e trabalho<br />

Na medida em que o sistema de produção, no caso o fordismo 6 , aperfeiçoava-se e se<br />

afastava do sistema artesanal - ganhando dimensões de produção em larga escala, com o<br />

barateamento da mão-de-obra trabalhadora - aumentavam-se os lucros para os empresários e<br />

ocorria uma distribuição em massa de diversos tipos de produtos para o mercado-consumidor.<br />

Dessa forma, o sistema educacional do inicio do século XX, na tentativa de responder à nova<br />

realidade que se descortinava paulatinamente, buscou se amoldar aos principais elementos<br />

predominantes desses sistemas, formando indivíduos aptos a ingressar no mercado, porém<br />

despreparados para intervir nos processos produtivos, sociais, por meio de uma reflexão<br />

crítica. Logo trabalhadores eram submetidos a procedimentos que os condicionavam a<br />

desenvolver habilidades disciplinares como a obediência, a submissão, a sujeição a algum tipo<br />

de autoridade, seja esta a do diretor, a do professor ou a dos industriais.<br />

Segundo Santomé (1998, p.15):<br />

Os professores e professoras ocupavam-se mais de serem obedecidos, de<br />

seguir um determinado ritmo nas tarefas a realizar, de propiciar uma<br />

memorização de dados quase nunca bem compreendidos; enquanto isso os<br />

alunos geravam estratégias para recordar dados e conceitos que para eles não<br />

tinham qualquer significação; portanto, preocupavam-se mais com manter as<br />

aparências: apresentar exercícios caprichados, acabar a tempo, não falar sem<br />

permissão, manter a ordem nas filas etc. O menos importante eram os<br />

processos de reconstrução cultural que deviam ocorrer nas salas de aulas. Na<br />

6 Conforme Antunes (1997), o fordismo é entendido como a forma pela qual a indústria e o processo de trabalho<br />

foram se consolidando ao longo do século XX, cujos elementos constitutivos básicos eram dados pela: produção<br />

em massa, por meio da linha de montagem e da produção homogênea; controle do tempo e dos movimentos pelo<br />

cronômetro fordista e produção em série taylorista; trabalho parcelar e comfragmentação de funções; separação e<br />

elaboração e execução no processo de trabalho; existência de unidades fabris concentradas e verticalizadas.


verdade, o que realmente importava eram as notas escolares, que<br />

representavam a mesma coisa que salários para operários e operárias. O<br />

produto e o processo de trabalho não valiam a pena, só era importante o<br />

resultado extrínseco, o salário ou as qualificações escolares (grifo nosso).<br />

Com o aperfeiçoamento e desenvolvimento da Ciência e da Tecnologia, o modelo<br />

toyotista 7 veio responder às novas exigências do mercado, na medida em que produz<br />

conforme a demanda, evita a estocagem e o desperdício, diminui as despesas, equipamentos,<br />

funções, pessoal e aumenta os lucros empresariais. O trabalhador passa, então, a operar com<br />

várias máquinas automatizadas, com flexibilização da organização do trabalho, processo este<br />

que exige trabalhadores ágeis, flexíveis, polivalentes, cooperativos e corporativos para<br />

acompanhar as flutuações do mercado, diferente do modelo rígido fordista, no qual qualquer<br />

pessoa podia operacionalizar as máquinas dentro do processo de individualização e<br />

especialização. Contudo o trabalho em equipe, dentro da perspectiva do modelo japonês, não<br />

garante a empregabilidade, pelo contrário, diminui acentuadamente o número de<br />

trabalhadores, sendo uma das causas do desemprego estrutural, pois:<br />

[...] o toyotismo estrutura-se a partir de um número mínimo de trabalhadores,<br />

ampliando-os, através de horas extras, trabalhadores temporários ou subcontratação,<br />

dependendo das condições do mercado. O ponto de partida básico é um número<br />

reduzido de trabalhadores e a realização de horas extras (ANTUNES, 1997, P.28).<br />

Esses modelos assumidos pelo mundo da produção exercem influência direta na<br />

estrutura social e, em especial, na educacional. Na estrutura social, porque gera mão-de-obra<br />

excedente para a ocupação de um número reduzido de vagas de emprego, com o conseqüente<br />

aumento da pobreza, da miséria, da violência, com desvalorização do salário e o descarte do<br />

sujeito que não tenha qualificação polivalente. Sem emprego, o trabalhador busca as ruas<br />

como solução, inserindo-se no mercado informal, na mendicância, no tráfico de<br />

entorpecentes, na prostituição, entre outras atividades ilícitas ou pouco dignas.<br />

Na tentativa de responder às demandas dos postos de trabalho implantados pelo<br />

sistema de produção toyotista, a educação readapta o currículo a fim de responder aos novos<br />

modelos econômicos implantados pelo setor capitalista de produção, quais sejam os de<br />

competição e do consumo.<br />

7 Conforme Antunes (1997), o toyotismo, modelo japonês ou ohnismo (proveniente de Ohnor, engenheiro que<br />

originou o modelo na Toyota), após a Segunda Guerra Mundial, caracteriza-se como um modo de produção do<br />

sistema capitalista, baseado na flexibilidade da produção, com melhor aproveitamento do tempo de produção<br />

(just in time), controle de qualidade total, estoque mínimo (Kanban) e com mão-de-obra polivalente, autônoma,<br />

descentralizada e capacidade de trabalhar em equipe.


[...] Conceitos e propostas como as de “descentralização”, “autonomia dos<br />

centros escolares”, “flexibilidade dos programas escolares”, “liberdade de<br />

escolha de instituições docentes”, etc., têm suas correspondências na<br />

descentralização das grandes corporações industriais, na autonomia relativa de<br />

cada fábrica, na flexibilidade de organização para ajustar-se à variabilidade de<br />

mercados e consumidores, nas estratégias de melhora de produtividade<br />

baseada nos círculos de qualidade, na avaliação e supervisão central para<br />

controlar a validade e o cumprimento dos grandes objetivos da empresa, etc.<br />

(SANTOMÉ, 1998, p.20-21).<br />

Estas propostas educacionais, embora pareçam positivas, não são compatíveis com a<br />

proposta de educação verdadeiramente comprometida com o desenvolvimento da capacidade<br />

crítica, reflexiva, profissional e política dos discentes. Elas são sutis e correspondem às<br />

ideologias do mercado, desenhadas por meio da montagem de currículos que estão envolvidos<br />

com relações de poder, interesses, no intuito de controlar a maneira de pensar e de se<br />

comportar dos cidadãos, ficando à escola a função de inculcar os valores, as condutas e os<br />

hábitos “adequados” para manter o controle social, respondendo aos interesses ideológicos<br />

dos grupos que ocupam posições privilegiadas na organização social e que obtém benefícios<br />

com a manutenção do sistema capitalista, garantindo, assim, a continuidade da estrutura social<br />

existente e o prolongamento de seus investimentos financeiros e de poder (MOREIRA;<br />

SILVA, 2005).<br />

Sem fugir dos princípios do sistema capitalista com relação à educação, o “Relatório<br />

para UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI” recomenda<br />

que as escolas não devem ficar alheias ao rápido desenvolvimento econômico, que se desenha<br />

no mundo globalizado. Mas que se mantenham atentas à preparação de “capital humano”,<br />

para corresponderem às demandas do Mercado, conforme acentua o Relatório:<br />

Observa-se, de fato, que no decurso do período considerado e sob a<br />

pressão do progresso técnico e da modernização, a procura de educação com<br />

fins econômicos não parou de crescer na maior parte dos países. As<br />

comparações internacionais realçam a importância do capital humano e,<br />

portanto, do investimento educativo para a produtividade. A relação entre o<br />

ritmo do progresso técnico e a qualidade da intervenção humana torna-se,<br />

então, cada vez mais evidente, assim como a necessidade de formar agentes<br />

econômicos aptos a utilizar as novas tecnologias e que revelem um<br />

comportamento inovador. Requerem-se novas aptidões e os sistemas<br />

educativos devem dar respostas a esta necessidade, não só assegurando os<br />

anos de escolarização ou de formação profissional estritamente necessários,<br />

mas formando cientistas, inovadores e quadros técnicos de alto nível<br />

(<strong>DE</strong>LORS et al, 2000, p.70-71, grifo nosso).<br />

Portanto, o processo educativo passa a ser um meio eficaz para a formação e<br />

implantação do sistema capitalista, que gera uma “massa sobrante”, ou mais especificamente,<br />

um “exército de reserva” que fica a disposição dos empregadores, que se submetem a baixas


condições estruturais de trabalho e com remunerações inferiores. No entanto, a educação<br />

ainda é para muitos a porta de ascensão social. Os governos a utilizam em seus programas<br />

como meio de retirar as crianças e adolescentes da socialização desviante, das ruas e do<br />

trabalho infanto-juvenil. O Programa de Erradicação do Trabalho Infantil é um exemplo de<br />

um programa que tem como critério de inserção, a freqüência escolar.<br />

2.4 Breve trajetória do Programa de Erradicação ao Trabalho Infantil - PETI<br />

Fazendo-se um breve levantamento histórico do Programa de Erradicação do Trabalho<br />

Infantil (PETI), fica perceptível a junção de forças de vários segmentos da sociedade civil<br />

organizada (sindicatos, Organizações Não Governamentais de âmbito nacional e<br />

internacional, Pastorais, entidades patronais, etc.) e de setores do Estado (Ministério Público,<br />

Delegacia Regional do Trabalho, entre outros), na tentativa de se erradicar o estigma da<br />

exploração do trabalho infanto-juvenil da criança e do adolescente pobres do Brasil.<br />

Conforme Campos (1999), o PETI tem “uma de suas sementes cultivada” dentro da<br />

trajetória realizada a partir da mobilização feita pelos movimentos sociais, em especial, a<br />

Frente Nacional de Defesa dos Direitos das Crianças e Adolescentes, a Pastoral do Menor da<br />

Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB, o Movimento Nacional Meninos e<br />

Meninas de Rua, entre outros, que se mobilizaram para que os direitos da criança e do<br />

adolescente fossem ratificados pela Constituição Federal de 1988, a qual abriu espaço para a<br />

elaboração e promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, revogando o<br />

Código do Menor, legislação até antão vigente no país. O Estatuto da Criança e do<br />

Adolescente foi criado para:<br />

[...] regulamentar as conquistas em favor da infância e da juventude,<br />

introduzidas na Carta constitucional de 5 de outubro de 1988. Essas conquistas<br />

resultaram de um amplo movimento de mobilização e organização social que<br />

tomou a forma de duas emendas populares apresentadas à Assembléia<br />

Nacional Constituinte, com as assinaturas de mais de duzentos mil cidadãos<br />

adultos e de um milhão e quatrocentos mil crianças e adolescentes (COSTA,<br />

1994, p.23).<br />

Em uma de suas raízes, encontra-se, em 1990, a ratificação da Convenção<br />

Internacional dos Direitos da Criança pelo governo brasileiro, aprovada pela Assembléia<br />

Geral das Nações Unidas em novembro de 1989. No entanto, segundo Carvalho (2000), as


ações concernentes à prevenção e erradicação do trabalho infanto-juvenil não tiveram<br />

prioridade na época. Mas, sob a ameaça de o país sofrer sanções internacionais 8 , em junho de<br />

1992, com a assinatura do Memorando de Entendimento entre o governo brasileiro e a<br />

Organização Internacional do Trabalho, o Programa Internacional para a Eliminação do<br />

Trabalho Infantil – IPEC é implantado no Brasil. O país, então, passa a integrar a rede de 25<br />

países assistidos pelo IPEC (CAMPOS, 1999). Mesmo assim, afirma Carvalho (2000), o<br />

governo brasileiro ainda se comportava como um “participante-espectador” e, somente depois<br />

de 1995, mais particularmente em 1996, é que assume uma postura ativa e de protagonista.<br />

Para este autor, o IPEC se fez presente no Brasil em um período muito favorável a<br />

seus propósitos, devido tanto às articulações e atuações dos movimentos sociais pelos direitos<br />

da criança e do adolescente, quanto aos processos de globalização econômica e da conjuntura<br />

nacional, que exigiam novos propósitos de ação política:<br />

As centrais sindicais buscavam novos projetos de ação que lhes<br />

garantissem legitimidade; as organizações não-governamentais e fundações<br />

empresariais buscavam novos espaços e objetivos coerentes com os preceitos<br />

da época. Mais claramente, queriam superar a velha lógica da compaixão e de<br />

atenções assistencialistas pautando suas ações na lógica dos direitos<br />

(CARVALHO, 2000, p. 30).<br />

O Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI), criado<br />

em novembro de 1994, sob a coordenação do Ministério do Trabalho e Emprego, com o apoio<br />

do Fundo das Nações Unidas para a Infância - UNICEF e Organização Internacional do<br />

Trabalho - OIT, foi outra instância aglutinadora de extrema importância para a implantação<br />

do PETI:<br />

[...] O Fórum surgiu da necessidade de que fosse promovida uma melhor<br />

articulação entre as diversas organizações governamentais e nãogovernamentais<br />

capazes de atuar na área da eliminação do trabalho infantil,<br />

em decorrência de um número significativo de denuncias sobre a exploração<br />

do trabalho infantil em situações degradantes (BRASIL, 1998, p. 54).<br />

Os principais objetivos do Fórum se fazem sentir na proposta geral do PETI,<br />

principalmente nos pontos que fazem referências aos três eixos básicos do Programa, como a<br />

educação (escola), a família e a Jornada Ampliada, apresentados, em documento preliminar<br />

do governo brasileiro, à Conferência Nacional sobre o Trabalho Infantil, na cidade de Oslo,<br />

8 Segundo a Convenção 138, que trata da idade mínima para admissão a emprego, em seu Artigo 1º, afirma que:<br />

“Todo Estado-membro, no qual vigore esta Convenção, compromete-se a seguir uma política nacional que<br />

assegure a efetiva abolição do trabalho infantil e eleve, progressivamente, a idade mínima de admissão a<br />

emprego ou a trabalho a um nível adequado a pleno desenvolvimento físico e mental dos adolescentes. Mais<br />

adiante em seu Artigo 9º, dispositivo 1, assim determina: “A autoridade competente tomará todas as medidas<br />

necessárias, inclusive a instituição de sanções apropriadas, para garantir o efetivo cumprimento das disposições<br />

desta Convenção”.


capital da Noruega, organizado pela OIT e UNICEF. Os principais objetivos apresentados na<br />

ocasião eram de:<br />

• Discutir as ações sugeridas para se prevenir e se erradicar o trabalho infantil<br />

no país em cumprimento à legislação nacional que o proíbe a menores de 14<br />

anos de idade, bem como intervir, de forma articulada, em áreas de risco, isto<br />

é, áreas com concentrado número de crianças executando atividades que<br />

comprometam sua freqüência à escola e seu desenvolvimento biopsicossocial.<br />

• Tentar viabilizar uma sustentação econômica para as famílias, de forma que<br />

estas assumam seu papel social específico, desenvolvendo programas e<br />

projetos de geração de emprego e renda. A partir daí fica mais fácil garantir o<br />

ingresso, a permanência e o sucesso da criança na escola. (BRASIL, 1998, 53-<br />

54).<br />

Na busca da erradicação do trabalho infanto-juvenil no país, no que concerne às<br />

Delegacias Regionais do Trabalho – DRTs, a partir de 1995, foram criadas, em todos os<br />

estados, as Comissões Estaduais de Combate ao Trabalho Infantil, que tinham, a priori, a<br />

função de elaborar um “Diagnóstico preliminar dos focos de trabalho da criança e do<br />

adolescente”, sob a responsabilidade do Ministério do Trabalho e Emprego, que foi divulgado<br />

no ano de 1996 (BRASIL, 1998).<br />

Com base nos diagnósticos levantados, a partir de 1996, buscou-se colocar-se em<br />

prática as várias discussões, as articulações e capacitações que estavam sendo feitas até aquele<br />

ano. Sendo assim, o Fórum Nacional decidiu pela experimentação de uma metodologia de<br />

trabalho que englobasse diversas organizações participantes. Direcionada a setores<br />

econômicos específicos, situados em determinadas regiões, deu-se prioridade à região do<br />

Mato Grosso do Sul, onde eram apontadas por denúncias, a existência de 2.500 crianças e<br />

adolescentes explorados na atividade econômica de produção do carvão vegetal. A partir de<br />

então, deu-se inicio ao Programa de ações Integradas - PAI e ao Projeto de Erradicação do<br />

Trabalho Infantil nas carvoarias do Estado (CAMPOS, 1999).<br />

A elaboração do Projeto de erradicação do trabalho infanto-juvenil e de um subprojeto<br />

denominado Trabalhando com Famílias, conforme Campos (1999), ficou a cargo da<br />

Fundação de Promoção Social de Mato Grosso do Sul (PROMOSUL), num trabalho<br />

integrado com o Escritório de Representação da Secretaria de Assistência Social (ERSAS-<br />

MS), auxiliado pelo Fórum Nacional, os quais foram encaminhados ao Ministério da<br />

Previdência e Assistência Social (MPAS) e à Secretaria de Assistência Social (SAS).<br />

Campos (1999) afirma, ainda, que este Projeto saiu do papel em 1996, em caráter de<br />

experimentação, assistindo, a principio, 893 crianças e adolescentes, não só das carvoarias,


mas também os que estavam desenvolvendo atividades ervateiras 9 , sendo todos estes<br />

cadastrados na Bolsa Criança-Cidadã 10 . Em dezembro do ano seguinte, o Programa cadastrou<br />

mais crianças e adolescentes trabalhadoras, chegando ao total de 1.985 e atingindo cerca de<br />

43% dos municípios do estado. Ficou evidente sua tendência ao crescimento rápido e<br />

expansão.<br />

Segundo dados oferecidos pelo relatório da Organização Internacional do Trabalho<br />

(ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO, 2005), ocorreu um decréscimo no<br />

número de crianças no trabalho laboral a partir de 1995, sendo mais expressiva em 1996 no<br />

estado de Mato Grosso do Sul, quando o governo do então presidente Fernando Henrique<br />

Cardoso colocou em prática o projeto-piloto “Vale Cidadania”, posteriormente denominado<br />

de Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), nas carvoarias do mesmo estado.<br />

Esse Programa, conforme informações do Ministério das Relações Exteriores, atendeu por<br />

volta de 700 crianças, cujas famílias recebiam uma bolsa mensal de R$ 50,00 (cinqüenta<br />

reais). A metade (R$ 25,00) dessa ajuda de custo era paga pelos fundos da Secretaria de<br />

Assistência Social (SAS) do Ministério da Previdência Social, sendo a outra metade<br />

financiada pelo Governo do estado de Mato Grosso do Sul (BRASIL, 2005). Esta ação tinha o<br />

objetivo de fazer com que as crianças trocassem o trabalho nas carvoarias pelas atividades<br />

desenvolvidas pela escola.<br />

O trabalho das crianças e dos adolescentes desenvolvido na carvoaria se fazia em<br />

ambientes insalubres, além de exigir destes um desgaste físico desproporcional a seu<br />

desenvolvimento biológico, com exposição ao calor excessivo proveniente dos fornos e da<br />

exposição ao sol. Este tipo de situação enfrentada por esta população vai de encontro a Lei nº<br />

8069 de 1990, Art. 67, em seu inciso II, o qual veda à criança e ao adolescente exercerem<br />

trabalho perigoso, insalubre ou penoso e, no inciso III da referida legislação, que proíbe a<br />

atividade realizada “em locais prejudiciais à sua formação e ao seu desenvolvimento físico,<br />

psíquico, moral e social”.<br />

No entanto, conforme publicação da Organização Internacional do Trabalho - OIT<br />

(2003), até então, as crianças e os adolescentes que desenvolviam as atividades nas carvoarias<br />

ou no setor de plantação de erva-mate não tinham nenhum acesso à escola. Foi preciso<br />

desenvolver-se um trabalho junto às famílias, para informá-los da importância da educação,<br />

9 Atividade realizada em plantações de erva-mate.<br />

10 A Bolsa Criança-Cidadã, segundo Campos (1999), consiste em um subsídio complementar financeiro (bolsa),<br />

entregue a um responsável, de preferência à mãe da criança ou do adolescente inseridos no PETI: “Para fins de<br />

concessão e manutenção mensal da Bolsa, exige-se, única e exclusivamente, o requisito da freqüência regular da<br />

criança e o adolescente ao ensino formal e às atividades socioeducativas oferecidas no período complementar e<br />

ao abandono da atividade laboral (BRASIL, 1998, p.64)”.


com a instalação de salas de aula, contratação de professores e a colocação de transporte<br />

escolar, por parte da prefeitura, a fim de facilitar o acesso das crianças e adolescentes à escola.<br />

Em fevereiro de 1997, além das crianças e adolescentes do estado do Mato Grosso do<br />

Sul, o projeto se estendeu aos trabalhadores infantis do estado de Pernambuco, atendendo aos<br />

plantadores de cana-de-açúcar. Em julho do mesmo ano, o PETI inicia as suas atividades com<br />

1.898 crianças e adolescentes provenientes das plantações de sisal no estado da Bahia. A<br />

principio, o PETI era chamado pelos baianos de PPETI (Programa de Prevenção e<br />

Erradicação do Trabalho Infantil),<br />

[...] justamente porque havia a intenção de enfatizar uma preocupação com o<br />

componente de prevenção do trabalho infantil. A partir de 2000, ainda que<br />

esta preocupação fosse vigente, a SEAS renomeou o programa passando a<br />

denominá-lo simplesmente PETI (ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO<br />

TRABALHO, 2003, p.120).<br />

No ano de 1998, o Programa se expandiu e passou a atender às regiões citrícolas de<br />

estado do Sergipe e canaviais do Rio de Janeiro. Em 1999, este Programa estende suas ações a<br />

outros estados da região nordeste como Alagoas, Paraíba, Rio Grande do Norte,<br />

contemplando, ainda, o estado do Espírito Santo e de Santa Catarina, conforme documento da<br />

Organização Internacional do Trabalho (ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO<br />

TRABALHO, 2001).<br />

Na Paraíba, o PETI se estabeleceu a partir de ações coordenadas pelo Ministério da<br />

Previdência Social, que integrava diversos setores dos órgãos federais, estaduais e municipais,<br />

que tinham como objetivo atender crianças que estavam trabalhando na cana-de-açúcar e no<br />

sisal. Posteriormente estendeu-se aos trabalhadores precoces das pedreiras da cidade do Junco<br />

do Seridó em 1999/2000 (SOARES et al, 2003).<br />

O município de João Pessoa passou a ser contemplado com o PETI no ano 2000,<br />

depois da realização do “Censo Meninada 2000”, realizado pela Secretaria do Trabalho e<br />

Promoção Social do município, nos meses de junho, julho e agosto, dando prioridade às<br />

crianças e adolescentes, filhos de catadores de lixo, e àquelas que desenvolvem suas<br />

atividades nas ruas da cidade como os flanelinhas, engraxates e feirantes, com idade de 7 a 14<br />

anos (SILVA; MELO, 2003).<br />

Assim, a trajetória de lutas a favor da criança e do adolescente trabalhador passa a<br />

efetivar-se em todo o território brasileiro na tentativa de se fazer cumprir os direitos<br />

constitucionalmente adquiridos:<br />

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao<br />

adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação,


à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à<br />

liberdade e á convivência familiar e comunitária, além de colocá-lo a salvo de<br />

toda forma de negligência, discriminação, exploração, crueldade e opressão<br />

(BRASIL/CF, Art. 227 de 1988).<br />

Esta conquista constitucional abriu espaço para novas trajetórias de lutas na área da<br />

assistência social e legal, as quais favoreceram a melhoria de vida, pelo menos conforme a lei,<br />

para a sociedade brasileira, e, conseqüentemente, para as crianças e adolescentes. Segundo<br />

Aduan (2000), o PETI é fruto de uma luta histórica, na área da assistência social, por<br />

conquistas de mudanças no panorama legal, com a Lei Orgânica da Assistência Social -<br />

LOAS; na formulação de uma Política Nacional de Assistência Social - PNAS; na formulação<br />

de uma Norma Operacional Básica - NOB e na normatização do Estatuto da Criança e do<br />

Adolescente - ECA. Este arcabouço jurídico fornece a sociedade meios para cobrar do Estado<br />

medidas preventivas e de fiscalização para a erradicação do trabalho precoce.<br />

As crianças e adolescentes incluídos no Programa são provenientes de famílias de<br />

baixa renda, com até ½ salário mínimo, estando na faixa etária de 7 a 15 anos e que estejam<br />

em atividades de trabalho consideradas perigosas, insalubres, penosas ou que comprometam o<br />

seu desenvolvimento moral e social. Recebem uma “Bolsa Criança-Cidadã” mensalmente, no<br />

valor de R$ 25,00 ou de R$ 40, 00 (para capitais, regiões metropolitanas e municípios de mais<br />

de 250.000 mil habitantes), paga aos pais como complementação da renda familiar. Um dos<br />

requisitos obrigatórios para o recebimento da bolsa é o compromisso de os pais fazerem a<br />

criança e o adolescente freqüentar regularmente a escola e participar das atividades<br />

socioeducativas complementares à escola, denominada de Jornada Ampliada, oferecida pelo<br />

PETI.<br />

2.4.1 A contribuição de outras instâncias sociais para a formação e implementação do PETI<br />

O Programa Internacional para Eliminação do Trabalho Infantil (IPEC), foi criado pela<br />

Organização Internacional do Trabalho (OIT), em 1992, a partir de um encontro entre o<br />

Diretor geral da OIT e o Ministro do Trabalho da Alemanha, em 1990. Ambos objetivavam<br />

mudar a situação das crianças e adolescentes trabalhadores. Os seis primeiros países<br />

escolhidos para as ações do IPEC foram a Índia, a Indonésia, a Tailândia, o Quênia, a Turquia<br />

e o Brasil. Estes foram escolhidos em razão de suas principais condições políticas,<br />

econômicas, sociais, jurídicas, estatísticas, históricas, entre outras (ORGANIZAÇÃO<br />

INTERNACIONAL DO TRABALHO, 2003). No Brasil:


Até 1992, o trabalho infantil tinha uma determinada configuração. Seu<br />

volume, sua intensidade, seus processos chamaram a atenção da comunidade<br />

internacional. A situação das crianças e adolescentes trabalhadores do Brasil<br />

era tão alarmante que, no final da década de 80, o país tornou-se sinônimo de<br />

desigualdade social, concentração de renda, miséria, subdesenvolvimento,<br />

corrupção e negligência. O Brasil, que nos anos sessenta tinha proclamado ser<br />

“o país do futuro”, nos anos oitenta era o país que negava um futuro às suas<br />

próprias crianças e adolescentes (ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO<br />

TRABALHO, 2003, p.34).<br />

Conforme a OIT (2001, p.8), o IPEC objetiva a erradicação progressiva do trabalho<br />

infanto-juvenil através do fortalecimento das capacidades nacionais e do incentivo à<br />

mobilização mundial para o combate das atividades laborais perigosas, insalubres e<br />

degradantes exercidas por crianças e adolescentes. Visa também promover o desenvolvimento<br />

e a aplicação de legislação protetora e apoiar organizações parceiras na implementação de<br />

medidas destinadas a prevenir o trabalho infantil através de incentivos a políticas preventivas<br />

e ações diretas que desestimulem a exploração da mão-de-obra infanto-juvenil em todas as<br />

partes da terra.<br />

O IPEC/OIT, através de quatro programas de ações 11 , realizadas em seis anos de<br />

trabalho (1994 a 2000), no estado de Mato Grosso, junto às carvoarias do Mato grosso do Sul<br />

e da problemática nas destilarias da cana-de-açúcar, na plantação de braquiária, de algodão e<br />

erva-mate, tinham como objetivo geral a eliminação gradual do trabalho infanto-juvenil<br />

dessas atividades no estado (ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO, 2003,<br />

p.88).<br />

Essas ações foram importantes para a criação do Programa de Ações Integradas (PAI) no ano<br />

de 1995, iniciativa liderada pelos governos municipais e estadual de Mato Grosso do Sul,<br />

órgãos federais e por entidades da sociedade civil local, apoiada por instituições nacionais e<br />

11 Segundo a OIT (2003), os programas foram firmados com duas entidades não-governamentais: a Comissão<br />

Pastoral da Terra (CPT), que implementou 3 programas, e a Federação dos Trabalhadores na Agricultura do<br />

Estado do Mato Grosso do Sul (FETAGRI), que implementou 1 programa. O programa implementado pelo<br />

FETAGRI denominado de Mobilização para a Prevenção e Eliminação do Trabalho Infantil em Carvoarias<br />

do Estado do Mato Grosso do Sul (1994-1996), foi o primeiro a ser executado pelo IPEC/OIT, através de um<br />

acordo estabelecido com a FETAGRI/MS.<br />

Os outros três programas, realizados em parceria entre o IPEC/OIT e a Comissão Pastoral da Terra<br />

(CPT), Regional/MS, desdobraram-se paralelamente ao programa de ação implementado pela FETAGRI. O<br />

primeiro desses três executados pela Pastoral da Terra, foi denominado de Comissão Permanente de<br />

Investigação das Condições de Trabalho – Intervenção Sistemática nas Áreas de Trabalho Infantil em<br />

Condições de Risco (1994 -1996); o segundo, dando continuidade ao trabalho do primeiro e de maior<br />

abrangência e tendo como parceiros o Ministério Público do Trabalho e a Delegacia Regional de Trabalho, foi<br />

intitulado de Comissão Permanente de Investigação e Fiscalização das Condições de Trabalho no Estado<br />

do Mato Grosso do Sul – Intervenção Sistemática nas áreas de Trabalho Forçado em Condições de Risco<br />

(1996-1998). E, por fim, o terceiro programa, Comissão Permanente de Investigação e Fiscalização das<br />

Condições de Trabalho no Estado do Mato Grosso do Sul (1999-2000), deu continuidade aos dois anteriores<br />

e também contou com a parceria do Ministério Público do Trabalho e da Delegacia Regional do Trabalho.


internacionais. “O PAI constituía-se de 52 propostas de atuação divididas em três linhas<br />

básicas: mobilização e comunicação, diagnóstico para a formulação de políticas e, por fim,<br />

ações integradas iniciais para enfrentamento da questão” (ORGANIZAÇÃO<br />

INTERNACIONAL DO TRABALHO, 2003, p.88), tendo como propósito extinguir, não só a<br />

exploração da mão-de-obra infanto-juvenil, como também a opressão de suas famílias.<br />

Toda a movimentação dada em torno da problemática do trabalho infanto-juvenil nas<br />

carvoarias do Mato Grosso do Sul deveu-se às várias denúncias, no final da década de 80, de<br />

repercussão nacional e internacional, de diversas entidades Não Governamentais como a<br />

Comissão Pastoral da Terra (CPT), a Central Única dos Trabalhadores de Mato grosso do Sul<br />

(CUT/MT), entre outras, que se mobilizaram contra a situação precária de trabalho das<br />

crianças e adolescentes, bem como de suas famílias, além da indiferença mostrada pelo<br />

próprio Estado na resolução deste problema. Essa mobilização resultou em uma Comissão<br />

Parlamentar de Inquérito (CPI), em 1992, para averiguação das denúncias e acionamento dos<br />

órgãos competentes com a finalidade de se coibir o trabalho-escravo ocorrente na região,<br />

tanto de crianças como de adultos, como afirma a OIT:<br />

É importante registrar que a instituição do PAI deu-se a partir das denúncias e<br />

relatórios promovidos pela Comissão, que já contava com apoio da OIT. Isso<br />

produziu a mobilização de diversos organismos governamentais e nãogovernamentais<br />

que, durante uma reunião, realizada no primeiro semestre de<br />

1994, em Brasília, definiram como prioridade o combate do trabalho infantil<br />

nas carvoarias (ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO,<br />

2003, p.88).<br />

Nessa trajetória de combate ao trabalho infanto-juvenil, O FNPETI por ter<br />

representantes de todos os setores da sociedade civil como: a Presidência da República, as<br />

Centrais Sindicais de Trabalhadores, Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), a<br />

Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a Ordem dos Advogados do Brasil<br />

(OAB), a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG), entre outros<br />

(ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO, 2001), teve a função de “propiciar<br />

instância aglutinadora e articuladora de agentes sociais institucionais envolvidos com políticas<br />

e programas destinados a prevenir e erradicar o trabalho infantil em todo o país (BRASIL,<br />

2004, p.30)”, através da introdução de parcerias entre o Governo Federal e a sociedade civil;<br />

do desenvolvimento de ações que integrem os governos federal, estaduais e municipais, que<br />

englobem os setores jurídico, econômico, político, da saúde e da educação, por meio de uma<br />

atuação conjunta e democrática.


Oliveira (2004), ao fazer um breve balanço da atuação do FNPETI durante o período<br />

de 1999 a 2000, destaca a importância do fórum na ratificação das Convenções 138 e 139 da<br />

OIT no Brasil; da participação do mesmo na Comissão Tripartite 12 coordenada pelo<br />

Ministério do Trabalho e Emprego, que sistematizou as piores formas de trabalho infantojuvenil<br />

no país, e da integração do fórum, como membro titular, da Comissão Nacional de<br />

Erradicação do Trabalho Infantil (CONAETI), com a finalidade de que essas Convenções<br />

fossem implementadas e cumpridas em todo o país.<br />

2.4.2 A Proposta Educativa do Programa<br />

O Programa de Erradicação do Trabalho Infantil tem como objetivo geral a retirada de<br />

crianças e de adolescentes do trabalho considerado penoso, degradante e insalubre. Mas, para<br />

que esta meta seja alcançada, o Programa tem que possibilitar o acesso, a permanência e o<br />

bom desempenho das crianças, egressas do trabalho infanto-juvenil, na escola. Para viabilizar<br />

o processo de permanência das crianças e dos adolescentes no espaço escolar, o PETI dispõe<br />

da Jornada Ampliada, que é uma ação educativa complementar à escola. Suas atividades<br />

devem ser desenvolvidas visando à sociabilidade, às trocas culturais e às atividades lúdicas<br />

coordenadas por monitores, conforme prescreve o Manual de Orientações do Programa<br />

(BRASIL, 2004).<br />

A importância do monitor no PETI, para o cumprimento deste objetivo, se dá através<br />

do desenvolvimento das atividades escolares em espaços mais específicos, como os núcleos<br />

da Jornada Ampliada do PETI, os quais procuram oportunizar momentos de integração do<br />

conhecimento escolar com aproveitamento das experiências trazidas pelas<br />

crianças/adolescentes, como o reforço escolar e as atividades socioeducativas, como a<br />

capoeira, dentre outras. Nestes momentos de encontros, o monitor pode tirar dúvidas, estar<br />

mais próximo da criança e do adolescente, incentivar sua criatividade através da experiência<br />

de vida que cada um possui, aproveitando a vivência destes para desenvolver atividades mais<br />

dialógicas (FREIRE, 2001).<br />

Para Ceccon et al (1991), muitas dessas crianças e adolescentes que trabalham são<br />

forçados a interromper seus estudos quando são provenientes das camadas populares e do<br />

meio rural. Elas deixam de ir à escola e levam consigo o estigma do fracasso escolar, tendo<br />

12 Segundo Oliveira (1994, p.40), o “sistema de tripartite consiste na participação, em todos os colegiados, de<br />

representantes dos trabalhadores e dos empregadores em pé de igualdade com os representantes do governo”.<br />

Contudo não impede a participação, como convidados, de outras instância, como das Organizações Não<br />

Governamentais (ONGs) dos eventos e ações promovidos pela OIT.


que se submeter a trabalhos mais duros, de remuneração mais baixa e com risco de ficar sem<br />

o trabalho na hora da crise, pois a criança e adolescente trabalhadores não possuem nenhum<br />

direito trabalhista por parte de seu empregador, assim como a grande maioria, principalmente<br />

na Paraíba, que trabalha no setor informal.<br />

Através do desenvolvimento de suas atividades metodológicas educacionais, junto às<br />

crianças e adolescentes do PETI, os monitores, dependendo do tipo de relacionamento que<br />

mantêm com as crianças e adolescentes, podem desenvolver atividades que resgatem a autoestima<br />

destes trabalhadores precoces, ou ir de encontro à proposta do PETI, reforçando a idéia<br />

de que a criança deveria trabalhar para ajudar financeiramente seus pais, mascarando o<br />

desenvolvimento de suas atividades.<br />

Conforme Rizzini e Rizzini (1996), há, na sociedade, a idéia de que o trabalho evita<br />

que as crianças e adolescentes se tornem bandidos ou vagabundos; ou a de que o trabalho<br />

disciplina a criança e facilita a sua entrada no meio social, impedindo, assim, a sua inserção<br />

em atividades ilícitas, ocupando seu tempo ocioso com atividades consideradas “sérias”,<br />

“rentáveis” e de “futuro”. Sendo assim, os monitores, atores sociais responsáveis pelas<br />

crianças durante o período da Jornada Ampliada, podem estar desenvolvendo uma função<br />

dentro do PETI, sem ter consciência da sua importância e corroborando a idéia de que criança<br />

da classe popular deve trabalhar desde cedo para ajudar a sua família:<br />

A educação, desvinculada de um usufruto econômico imediato, era colocada<br />

como desnecessária e até problemática. Aprender a brincar, divertir-se e<br />

vivenciar o caráter lúdico e contemplativo de algumas atividades foram<br />

encaradas como total perda de tempo ou como atividade carente de sentido.<br />

Educação que não ensinasse a trabalhar era tida como uma atividade<br />

desviante, ora das tradições familiares (pois muitos pais, mães e avós tiveram<br />

de trabalhar ao lado dos seus pais), ora da própria realidade econômica das<br />

famílias dessas crianças, pois a equação era trabalhar ou passar fome<br />

(BRASIL,2004, p.22).<br />

Alberto (2002, p.230), complementa essa reflexão afirmando que as responsabilidades<br />

e obrigações atribuídas às crianças e adolescentes prematuramente incidem no<br />

desenvolvimento destes:<br />

[...] Estas responsabilidades prematuras têm conseqüências para a saúde,<br />

porque impedem o acesso desses sujeitos a vivências apropriadas e necessárias<br />

ao desenvolvimento, além de gerar um sentimento de sobrecarga, de perda, de<br />

pressão, de exploração, o que poderá levar, inclusive, ao desestímulo ao<br />

trabalho na vida adulta.<br />

Este tipo de pensamento vai de encontro ao objetivo da Jornada Ampliada, que é o de<br />

fomentar e incentivar a ampliação do universo de conhecimento dos egressos do trabalho


infanto-juvenil, através do desenvolvimento de atividades culturais, esportivas, artísticas e de<br />

lazer no período complementar ao da escola.<br />

Portanto o monitor deve estar preparado para lidar com esta população, pois as<br />

crianças e adolescentes provenientes do trabalho geralmente compartilham de uma imagem<br />

negativa de si, com auto-estima baixa e sem perspectiva de futuro, defasagem escolar entre<br />

outros aspectos, conforme Alberto (2002). Daí a importância de, junto a estes trabalhadores<br />

infanto-juvenis, através do espaço da Jornada Ampliada, o monitor buscar atividades que os<br />

levem a reconhecer-se como sujeitos de direitos, cidadãos pertencentes a um grupo social.<br />

No entanto, conforme a análise feita pelo Fundo das Nações Unidas para Infância:<br />

[...] os monitores que executam as atividades propostas não são devidamente<br />

capacitados, sendo significativo o número de municípios que registraram não<br />

oferecer nenhuma capacitação. Soma-se a este a fragilidade do sistema de<br />

seleção e a disparidade entre as formas de contratação estabelecidas pelos<br />

diferentes municípios (UNICEF, 2004, p. 4).<br />

Outro ponto importante para o processo educacional das crianças e dos adolescentes<br />

do PETI é o desenvolvimento de um trabalho pedagógico integrado à escola, com a qual,<br />

segundo as diretrizes do Programa, deveria funcionar “em perfeita sintonia”. Professores e<br />

monitores, visando ao desenvolvimento integral do educando, estabeleceriam um<br />

relacionamento pedagógico que possibilitaria trocas de informações concernentes ao<br />

desempenho do educando em sala de aula e fora dela. Mas a articulação entre a Jornada<br />

Ampliada e a rede educacional, segundo o relatório das Nações Unidas para Infância,<br />

“representa uma das principais dificuldades para o funcionamento adequado da jornada<br />

ampliada (UNICEF, 2004, p.48)”.<br />

É importante ressaltar que a Jornada Ampliada é um espaço socioeducativo<br />

complementar à escola, em que os inseridos no Programa possam fazer diversas atividades<br />

desportivas, artísticas, culturais, incluindo o “reforço escolar”. Conforme ressalta uma das<br />

publicações da OIT, “Combatendo o trabalho infantil: guia para educadores”, a intenção<br />

dos programas socioeducativos, desenvolvidos em períodos opostos ao da escola, “não é a<br />

de substituir ou repetir o que a criança faz na escola, mas complementar e enriquecer a<br />

educação que ela recebe de seus professores e familiares (ORGANIZAÇÃO<br />

INTERNACIONAL DO TRABALHO, 2001, p. 35)”.<br />

Ao se fazer uma breve análise da proposta da Jornada Ampliada do PETI, fica<br />

perceptível o caminho apontado pelo Programa de reinserção da criança e do adolescente<br />

na sociedade, que é a escola. Segundo o “Manual de orientações” do PETI:


O Programa deve intervir, junto às famílias, particularmente no sentido de<br />

propiciar o ingresso, o regresso, a permanência e o sucesso das crianças e dos<br />

adolescentes na escola, retirando as mesmas do mundo do trabalho. A<br />

educação para a cidadania deve ser o eixo central de todos os envolvidos<br />

(BRASIL, 2004, p.15, grifo nosso).<br />

Esta afirmação realça o valor da escola e do processo educativo, que se tornam, apesar<br />

da defasagem do ensino público, o meio mais viável para a criança ter direito à educação,<br />

ao contato com o conhecimento científico, tecnológico e ao lazer, conforme a Carta Magna<br />

do país, de 1988, no seu Art. 227:<br />

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao<br />

adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação,<br />

à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à<br />

liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de<br />

toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e<br />

opressão.<br />

Essa nova mentalidade que é apregoada pela Constituição de 1988 vai de encontro a<br />

idéia cultural de se considerar o trabalho desenvolvido por crianças e adolescentes como<br />

um valor educativo, disciplinador e reabilitador.<br />

Portanto, segundo as diretrizes do PETI, é vedado aos monitores da Jornada Ampliada<br />

desenvolver qualquer atividade profissionalizante ou semi-profissionalizante com os<br />

egressos do trabalho infanto-juvenil. No entanto, mesmo sendo proibido, de acordo com o<br />

relatório do Fundo das Nações Unidas:<br />

Cerca de 16% dos municípios informaram que é desenvolvida a iniciação ao<br />

trabalho, o que contraria as diretrizes e normas do Programa. O objetivo da<br />

jornada ampliada é direcionar a criança e o adolescente ao seu processo de<br />

aprendizagem e melhoria do seu desenvolvimento, não fazendo parte da sua<br />

proposta a execução de atividades voltadas para iniciação ao trabalho,<br />

profissionalização ou semi-profissionalização. Tal fato pode evidenciar<br />

entendimento diverso dos objetivos da jornada ampliada por parte de alguns<br />

gestores municipais, uma vez que, em termos absolutos, esse entendimento foi<br />

apresentado por 255 municípios. O dado registra também a preocupação de<br />

gestores municipais na garantia do acesso ao mercado de trabalho. A situação<br />

de pobreza conjugada à ausência ou escassa perspectiva de trabalho, nos<br />

centros urbanos e nas áreas rurais, induz as famílias, os próprios adolescentes<br />

e diversas entidades municipais a criarem mecanismos para o ingresso no<br />

mercado de trabalho (UNICEF, 2004, p.28).<br />

Esta análise proveniente do relatório do Fundo das Nações Unidas corrobora a idéia, já<br />

apontada, de se atribuir ao trabalho a saída da situação de pobreza, na qual estão inseridas<br />

as famílias das crianças e adolescentes trabalhadores e tantas outras incluídas na categoria<br />

de desempregado, sub-empregado, analfabeto, mendigo, entre outras, que juntas formam o<br />

universo daqueles que não têm acesso aos bens de serviço e consumo da população.


Para Oliveira (1994), o trabalho é um valor e um direito de todos, desde que tal valor<br />

seja exercido conforme a idade estabelecida na Lei. O trabalho, dentro de seu aspecto<br />

realizador e mantenedor da subsistência do indivíduo, não deve impedir nem interferir no<br />

desenvolvimento físico, psíquico, moral e social da pessoa humana. Daí a importância de<br />

se elevar a qualidade do ensino nas escolas, evitando-se, assim, o desenvolvimento de<br />

atividades laborativas por partes das crianças e adolescentes. O trabalho também não deve<br />

interferir no brincar nem na escolaridade; é bem vindo no momento certo e com<br />

instrumentos adequados, sem designação de classe social, pois a sociedade deve dar a<br />

todos, e não unicamente aos “eupátridas” ou “bem nascidos”, a possibilidade de um<br />

harmônico desenvolvimento físico e psíquico e de uma preparação qualificada para um<br />

futuro trabalho a ser exercido dignamente.<br />

Os programas sociais instituídos pelo governo não resolvem a situação, apenas<br />

remediam e encobrem os reais problemas gerados pela má distribuição de renda e pelas<br />

políticas públicas adotadas, que não visam à melhoria do todo da população. Para<br />

Buonfiglio (2004), numa discussão sobre as “Políticas Públicas e a qualificação do<br />

trabalhador”, afirma que programas criados pelo governo, como o Programa de Saúde da<br />

Família - PSF, Bolsa Família, PETI e tantos outros, são produtos de uma economia<br />

capitalista, que não visa ao desenvolvimento igualitário, com redução das disparidades<br />

sociais, mas constituem um paliativo frente à miséria gerada pela política neoliberal, a qual<br />

não investe em reformas estruturais necessárias para a melhoria da educação, da saúde, do<br />

trabalho e da renda.


Éramos pessoas das mais comuns, e tínhamos uma infinidade de toda sorte e defeitos. E na<br />

verdade nem conhecíamos direito o nosso serviço: nossa jornada de trabalho estava eivada de erros,<br />

movimentos inseguros, pensamentos confusos. E pela frente havia uma névoa interminável, na qual<br />

com muita dificuldade divisávamos fragmentos dos contornos da futura vida pedagógica.<br />

(Anton Makarenko, 2005)


3 MONITOR: DIFERENTES PERSPECTIVAS<br />

O objetivo deste capítulo é apresentar os diferentes conceitos da palavra “monitor” nos<br />

diferentes contextos educacionais e profissionais para, com isso, refletir sobre o papel do<br />

monitor no Programa de Erradicação do Trabalho Infantil.<br />

3.1 Monitor: a construção de um conceito<br />

Com o advento, expansão e o contínuo desenvolvimento das novas tecnologias da<br />

informação e comunicação, ao se fazer referência à palavra “monitor”, muitos fazem logo<br />

uma associação com a tela do computador, que projeta imagens e textos. Na área da saúde,<br />

monitor é um aparelho que monitora os batimentos cardíacos de determinados pacientes, suas<br />

oscilações ou estabilidade. Outros, envolvidos na área da educação, pensam logo naquele<br />

aluno mais adiantado da sala de aula, que auxilia os demais colegas em determinado assunto<br />

ou matéria.<br />

Segundo o dicionário Houaiss (2001), a palavra monitor é proveniente da palavra<br />

latina monitor(oris), que significa “o que adverte, lembra, guia, dirige; conselheiro;<br />

apontador; escravo nomenclador; o que repreende, censor; escravo que vigia o trabalho dos<br />

outros, feitor; instrutor militar”. O dicionário Aurélio – século XXI (2003) - complementa<br />

afirmando que é “aquele que dá conselhos, lições, que admoesta”.<br />

Em ambos os dicionários, é possível perceber que o termo “monitor” possui uma forte<br />

carga militar e está relacionado com o ato de “vigiar”, seja por meio de instrumentos materiais<br />

como câmeras de vigilância, ou pela função que a pessoa exerce junto às outras, como o<br />

bedel 13 nas escolas. Na marinha, por exemplo, o monitor é a pessoa que acompanha e orienta<br />

alunos ou estagiários na realização de uma tarefa. Função também atribuída ao professor de<br />

educação física ou de orientação de atividades esportistas (HOUAISS, 2001). Monitor<br />

também se refere a um navio de combate, que possui canhões de médio ou alto calibre,<br />

13 Bedel segundo o dicionário Houaiss (2001), consiste em ser “o chefe da disciplina em escola; censor,<br />

disciplinador; funcionário subalterno encarregado de tarefas administrativas nas faculdades”. Conforme o<br />

mesmo dicionário, bedel, do latim medieval bedellus, se refere a “oficial de justiça, bedel, infante”.


empregado em operações fluviais ou de bombardeio de costa (AURÉLIO, 2003). O que todos<br />

eles têm em comum é a função de vigiar, instruir, manter a ordem e a disciplina.<br />

Ao se fazer uma consulta à Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) 14 , do<br />

Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), sobre a função “monitor”, dentre as várias<br />

denominações, destacam-se dois registros que se referem mais especificamente à área da<br />

educação:<br />

a) Monitor de Alunos, que se refere ao Inspetor de Aluno de Escola Privada ou de<br />

Escola Pública, cuja função é zelar da segurança dos alunos no ambiente ou nas<br />

proximidades da escola. Além desta, são atribuídas também a este profissional as<br />

seguintes obrigações:<br />

Orientar alunos sobre regras e procedimentos, regimento escolar,<br />

cumprimento de horários; ouvir reclamações e analisar fatos. Prestar apoio às<br />

atividades acadêmicas; controlar as atividades livres dos alunos, orientando<br />

entrada e saída de alunos, fiscalizando espaços de recreação, definindo limites<br />

nas atividades livres. Organizar ambiente escolar e providenciar manutenção<br />

predial (BRASIL, 2006, grifo nosso).<br />

b) Monitor Infantil, de Recreação, Esporte e Lazer se refere ao Recreador de<br />

Acantonamento 15 ou de Recreador, cujas atribuições consistem em:<br />

Promover atividades recreativas diversificadas, visando ao entretenimento, à<br />

integração social e ao desenvolvimento pessoal dos clientes. Para tanto,<br />

elaboram projetos e executam atividades recreativas; promovem atividades<br />

lúdicas, estimulantes à participação; atender clientes, criar atividades<br />

recreativas e coordenar setores de recreação; administrar equipamentos e<br />

materiais para recreação. As atividades são desenvolvidas segundo normas de<br />

segurança (BRASIL, 2002).<br />

Ao se fazer uma nova busca nas classificações da CBO/MTE sobre a função do<br />

monitor, encontra-se este como sinônimo de “Agente de organização escolar, Agente<br />

educador, Auxiliar técnico de educação, Bedel, Inspetor de alunos, Inspetor de disciplina,<br />

Monitor de alunos”. Dentro da organização escolar, o monitor está na posição de responsável<br />

pela organização estrutural e disciplinar da escola, com ênfase na função de inspetoria,<br />

mantenedor da ordem. Essa função desempenhada pelos monitores nos seus espaços de<br />

trabalho, segundo Foulcault (1977, p.127) os tornam responsável em contribuir “para uma<br />

política das coerções que são um trabalho sobre o corpo, uma manipulação calculada de seus<br />

elementos, de seus gestos, de seus comportamentos”.<br />

O ato de educar, conforme Libâneo (2005, p.73):<br />

14 MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO. Classificação Brasileira de Ocupações. Disponível em:<br />

. Acesso em: 26 de outubro de 2006.<br />

15 Termo militar que se refere à acampamento, alojamento, aquartelamento (HOUAISS, 2001).


[...] corresponde à ação e ao resultado de um processo de formação dos<br />

sujeitos ao longo das idades para se tornarem adultos, pelo que adquirem<br />

capacidades e qualidades humanas para o enfrentamento de exigências postas<br />

por determinado contexto social.<br />

Segundo o mesmo autor, numa visão mais tradicional da educação, o ato de educar<br />

tem a finalidade de fazer com que os indivíduos repitam ou reproduzam os comportamentos<br />

sociais esperados pelos adultos, de modo que se formem à imagem e semelhança da sociedade<br />

em que se desenvolvem. Sendo assim, as ações disciplinares exercidas pelo monitor, dentro<br />

do sistema educativo, além de complementar e reforçar os ensinamentos do professor em sala<br />

de aula, contribuem para a formação e adequação pessoal dos sujeitos dentro do sistema de<br />

enquadramento dos comportamentos e relações organizados na escola, na manutenção da<br />

estrutura social:<br />

de:<br />

[...] Crianças e jovens são mantidos constamente em interação com o professor<br />

e outros agentes da instituição ou sob sua vigilância. A escola não apenas<br />

pretende modelar suas dimensões cognitivas, mas também seu<br />

comportamento, seu caráter, sua relação com seu corpo, suas relações mútuas<br />

(ENGUITA, 1989, p. 158)<br />

Cabe ao professor, conforme o mesmo autor, dentro do sistema capitalista, o trabalho<br />

[...] ensinar crianças e jovens a comportar-se da forma que corresponde ao<br />

coletivo ou categoria em que foram incluídos, exigindo e premiando a conduta<br />

correspondente e rejeitando e mesmo penalizando tudo o que possa derivar de<br />

suas outras características como indivíduos ou, ao menos, tudo o que delas<br />

possa manifestar-se na escola ou chegar a afetar a relação pedagógica<br />

(ENGUITA, 1989, p.168).<br />

No entanto, para Nosella (2005, p. 226), criticando esta postura “tradicional” do<br />

professor, dentro do período de transição do autoritarismo militar para a democracia, afirma<br />

que:<br />

[...] o termo “educador”, sobrepondo-se ao de “professor”, justamente porque<br />

“educador” semanticamente explicitava a necessidade do engajamento éticopolítico<br />

dos professores. Com efeito, o conceito de educador transcende o de<br />

professor. Este se refere às competências específicas adquiridas por uma<br />

pessoa, que as transmite a outras, ensinando-as e treinando-as. Aquele se<br />

refere à responsabilidade na formação integral do cidadão, à cumplicidade<br />

radical entre educando e educador. O professor que não assume plenamente a<br />

função de educador e se exime de sua responsabilidade de ensinar a leitura do<br />

mundo, para restringir-se à leitura das palavras – utilizando expressões<br />

freireanas –, era considerado um técnico asséptico, reducionista, que reeditava<br />

na prática pedagógica a velha tese da neutralidade científica (grifo do autor).


Segundo o dicionário Houaiss (2001), o termo educador é proveniente do latim<br />

educator,oris, que significa “o que cria, nutre; diretor, educador, pedagogo”. É também<br />

aquele “que ou o que educa”. Para Freire (1981, p. 61), “Nenhuma ação educativa pode<br />

prescindir de uma reflexão sobre o homem e de uma análise sobre suas condições culturais.<br />

Não há educação fora das sociedades humanas e não há homens isolados”. Logo ser educador<br />

é se dispor a instruir e capacitar o sujeito que se coloca na posição de quem aprende, no<br />

intuito de levá-lo a tornar-se capaz de saber utilizar seus conhecimentos tanto no âmbito<br />

social como no pessoal:<br />

O educador não é a soma imperfeita do que existe da maneira mais completa e<br />

profunda no psicólogo, no cientista social, no político ou no artista. Ele traz<br />

para o seu campo de saber, de sentido de vida e de trabalho dentro e fora da<br />

sala de aula, a contribuição de todos. Uma diversa e complexa contribuição<br />

que cabe a ele, profissional da educação, integrar e fazer interagir com a sua<br />

própria experiência cotidiana, para realizar, em seu próprio campo de ofício, a<br />

plenitude de sua identidade como educador (BRANDÃO, 2002b, p.198).<br />

Sendo assim, na tentativa de esclarecer o verdadeiro papel do monitor dentro do<br />

sistema educativo, não se poderia prescindir da função do professor e da do pedagogo. O<br />

primeiro, segundo a CBO do Ministério do Trabalho e Emprego (BRASIL, 2002), atuante nos<br />

níveis infantil, fundamental, médio e superior, consiste, sinteticamente, em ministrar aulas<br />

teóricas e práticas de diversas áreas do conhecimento científico e tecnológico, em instituições<br />

educativas da rede pública ou privada; em avaliar o processo de ensino-aprendizagem e seus<br />

resultados; preparar aulas; realizar procedimentos administrativos; registra práticas escolares<br />

de caráter pedagógico e desenvolver atividades de estudo e pesquisa. No desenvolvimento de<br />

suas atividades, comunica-se com alunos, pais, equipe escolar e comunidade.<br />

Segundo a definição dada pelo dicionário Houaiss (2001), professor é aquele “cuja<br />

profissão é dar aulas em escola, colégio ou universidade; docente, mestre”. É aquele que<br />

ministra “aulas sobre algum assunto”, “transmite algum ensinamento a outra pessoa”, possui<br />

“diploma de algum curso que forma professores (como o normal, alguns cursos universitários,<br />

o curso de licenciatura etc.)” e é aquele “que exerce a função de ensinar ou tem diploma ou<br />

título de professor”. Em síntese, é a pessoa apta a ensinar, transmitir, dividir, explicar,<br />

ministrar conhecimentos ou saberes à pessoa que se dispõe a adquirir novos conhecimentos ou<br />

habilidades, ou aquela que está envolvida no processo de aprendizagem.<br />

Como um proletário, afirma Wenzel (1994, p.27), a produção do professor acontece<br />

mediante um processo produtivo específico que:<br />

Consiste em não só utilizar ferramentas, como o quadro de giz, livros<br />

didáticos, cartazes, instrumentos de laboratório, aparelhos etc., mas<br />

estabelecer com os alunos seu “objeto” de trabalho, um processo


comunicativo. O professor “atinge” o seu objeto de trabalho mediante uma<br />

relação interpessoal, utilizando-se de instrumentos e materiais os mais<br />

diversos para se comunicar como os alunos, para estabelecer com eles uma<br />

participação “ativa” do próprio objeto de trabalho. Entre o professor e o seu<br />

objeto de trabalho interpõe, portanto, um conjunto de meios. Esses meios,<br />

todavia, não são os responsáveis pela qualificação do professor. Quando muito<br />

são fatores limitadores da ação pedagógica.<br />

O trabalho do professor, embora, aparentemente, possa apresentar uma certa<br />

autonomia, assim como os demais trabalhadores, está limitado às condições materiais<br />

colocadas à sua disposição:<br />

que:<br />

[...] o trabalho do professor está condicionado em termos de espaço físico,<br />

número de alunos em cada sala, tempo e duração das atividades, horários para<br />

cada atividade, instalações físicas, como mesas, carteiras, luminosidade,<br />

barulho, temperatura do ambiente; tudo isso condiciona o seu trabalho não só<br />

pelo que ele pode ou não desenvolver com seus alunos, mas até por seu<br />

movimento e dos membros do seu corpo, como pernas, mãos, voz etc., sobre<br />

todos esses fatores, o professor não tem controle. Mas, ao mesmo tempo, são<br />

aspectos importantes, porque dizem respeito não só ao rendimento, à<br />

produtividade, mas definem o próprio conteúdo do processo. Embora todas<br />

essas questões estejam diretamente relacionadas com o processo de trabalho,<br />

não são decididas pelo professor (WENZEL, 1994, p.28).<br />

Marcílio (2005, p. 289), ao analisar a formação do professor, de 1930 a 1990, afirma<br />

O magistério representa a peça mais importante da obra educativa, o “suporte<br />

humano” do ensino. Dele depende a eficiência da escola, o rendimento<br />

escolar, a formação do aluno. O bom treinamento, a formação do professor,<br />

seu preparo, sua capacitação constante, seu entusiasmo pelo ensino, sua<br />

vocação, constituem a chave da educação de qualidade. E, justamente aqui, na<br />

formação do professor, é onde se encontram uma das mais sérias barreiras<br />

para o avanço da qualidade da educação brasileira e o combate eficiente ao<br />

fracasso escolar. O aluno não aprende porque o professor não ensina ou não<br />

sabe ensinar. O professor não ensina porque não aprendeu bem como ensinar.<br />

O docente do século XXI, diante das transformações econômicas, tecnológicas,<br />

culturais e sociais, ocorridas no seio da sociedade, está tentando reavaliar seu papel e o papel<br />

da escola no âmbito da educação num mundo globalizado sujeito a constantes transformações,<br />

pois os educandos precisam estar preparados para uma leitura crítica destas transformações,<br />

além de saberem se colocar cientificamente diante dos problemas humanos, dentro de um<br />

mercado competitivo de trabalho (LIBÂNEO, 2000).<br />

Para isso, o professor necessitaria resgatar sua identidade profissional, fortalecendo as<br />

lutas e movimentos que visam a melhores condições de trabalho nas escolas, valorização<br />

salarial, formação de qualidade e continuada.<br />

[...] O contexto em que trabalha o magistério tornou-se complexo e<br />

diversificado. Hoje, a profissão já não é a transmissão de um conhecimento<br />

comum do aluno em um conhecimento acadêmico. A profissão exerce outras


funções: motivação, luta contra a exclusão social, participação, animação de<br />

grupos, relações com estruturas sociais, com a comunidade... E é claro que<br />

tudo isso requer uma nova formação: inicial e permanente (IMBERNÓN,<br />

2004, p. 14).<br />

Quanto à função de pedagogo, conforme a Classificação do Ministério do Trabalho e<br />

Emprego (BRASIL, 2002), é descrita como Programadores, Avaliadores e Orientadores de<br />

Ensino, na função de Coordenador Pedagógico, Orientador educacional, Supervisor de<br />

Ensino, definido como aquele que implementa, avalia, auxilia e coordena a (re)construção do<br />

projeto pedagógico de escolas de educação fundamental, médio ou do ensino<br />

profissionalizante com a equipe escolar. No desenvolvimento das atividades, o pedagogo<br />

viabiliza o trabalho pedagógico coletivo e facilita o processo comunicativo da comunidade<br />

escolar e de associações ela vinculadas.<br />

Estas definições, dos principais agentes envolvidos no processo educativo,<br />

demonstram o elo existente entre o monitor, o professor, o pedagogo no desempenho da<br />

função de educador dentro da sociedade. Todos eles lidam diariamente na formação de<br />

conhecimentos, comportamentos, atitudes, crenças, valores de crianças e adolescentes que<br />

ficam sob a sua responsabilidade.<br />

Mediante as classificações e descrições do monitor, do educador, do professor e do<br />

pedagogo realizada pela CBO, no tocante ao desenvolvimento da principal atividade, função,<br />

lugar exercida por cada um dentro do processo educativo nas instituições, percebe-se que o<br />

monitor, conforme as descrições, é o que apresenta a função menos complexa, delimitada em<br />

desenvolver a aprendizagem referente à assimilação dos horários, das regras, da vigilância e<br />

da obediência aos superiores.<br />

No entanto Bazon e Biasoli-Alves (2000) apresentam um outro conceito sobre o qual<br />

seria o papel do monitor, que complementa as descrições feitas pela CBO sobre a função<br />

exercida pelo monitor, que consiste em ser um educador de nível técnico e universitário que,<br />

“(...) na prática encarrega-se dos cuidados e da educação cotidiana de crianças e adolescentes<br />

vivendo em situação de risco para o próprio desenvolvimento pessoal e social”. E acrescenta<br />

essa informação afirmando que “o monitor, pela própria natureza do seu trabalho, é um<br />

educador, e atua diretamente junto aos jovens, vivencia a escassez de oportunidades para se<br />

formar e, até mesmo, para se reciclar”.<br />

Porém, apesar de sua atual invisibilidade social, a função de monitor era exercida e<br />

destinada aos melhores alunos, desde o desenvolvimento das escolas paroquiais do século


XVII e XVIII – como a escola baseada no modelo fabril – adaptado por Batencour 16 para a<br />

escola, segundo o exemplo citado por Foucault (1977). Este modelo foi aplicado na medida<br />

em que foi aumentando o número de alunos para regulamentar as atividades de toda a turma e<br />

ordenar o funcionamento da mesma.<br />

Os “observadores” devem anotar quem sai do banco, que conversa, quem não<br />

tem o terço ou o livro de orações, que se comporta mal na missa, quem comete<br />

alguma imodéstia, conversa ou grita na rua; os “admonitores 17 ” estão<br />

encarregados de “tomar conta dos que falam ou fazem zumzum ao estudar as<br />

lições, dos que não escrevem ou brincam”; os “visitadores” vão se informar,<br />

nas famílias, sobre os alunos que estiveram ausentes ou cometeram faltas<br />

graves. Quanto aos “intendentes”, fiscalizam todos os outros oficiais. Só os<br />

“repetidores” têm um papel pedagógico: têm que fazer os alunos ler dois a<br />

dois, em voz baixa (INSTRUCTION MÉTHODIQUE POUR L’ÉCOLE<br />

PAROISSIALE, 1669, p.68-83, apud FOUCAULT, 1977, p. 158).<br />

O monitor, fora dos âmbitos escolares, mas não do processo educativo, possui também<br />

sua figura associada às creches, instituições Não Governamentais (ONGs) e aos programas do<br />

governo, onde é visto como educador e desenvolve suas atividades educativas com crianças e<br />

adolescentes em situação de risco. Costa (1994), ao falar das características dos profissionais<br />

que despendem suas energias em ONGs e programas de Atendimento Alternativo 18 para<br />

crianças e adolescentes, os denominam de Instrutores. Segundo ele:<br />

O instrutor é alguém que sabe realizar uma atividade determinada e se dispõe<br />

a ensiná-la. Ele não passa por nenhum tipo de capacitação sistemática nem é<br />

acompanhado em sua atividade docente. Os alunos, por outro lado, são<br />

aqueles que se dispõem a aprender algo, engajando-se simplesmente nas<br />

atividades oferecida (Costa 1994, p.11).<br />

Os instrutores, segundo a Classificação Brasileira de Ocupações do Ministério do<br />

Ministério do Trabalho e Emprego (BRASIL, 2002), são descritos como sendo aqueles que:<br />

Planejam e desenvolvem situações de ensino e aprendizagem voltadas para a<br />

qualificação profissional de jovens e adultos orientando-os nas técnicas<br />

específicas da área em questão. Avaliam processo ensino-aprendizagem;<br />

elaboram material pedagógico; sistematizam estudos, informações e<br />

experiências sobre a área ensinada; garantem segurança, higiene e proteção<br />

ambiental nas situações de ensino-aprendizagem; fazem registros de<br />

16 Segundo Hébrard (2002), Jacques de Batencour foi um pedagogo que fez parte do quadro da comunidade dos<br />

padres de Saint-Nicolas-du-Chardonnet, em Paris, que tentou renovar, em 1650, o ensino realizado nas pequenas<br />

escolas dessa paróquia. Sua obra, L’Escole paroissiale (publicada por Pierre Targa, em Paris, em 1654),<br />

influenciou o sacerdote e educador francês do século XVII, La Salle e tantos outros criadores de obras de<br />

educação depois deles.<br />

17 A palavra admonitores, proveniente do latim admonitororis, da mesma raiz latina de monitor, que significa<br />

admoestador, 'o que faz lembrar', do v.lat. admoneo,es,nui,itum,ere 'advertir, fazer lembrar; exortar, excitar;<br />

castigar' (HOUAISS, 2001).<br />

18 Costa (1994, p.11) denomina de Atendimento Alternativo o “universo de programas e ações, voltados para a<br />

capacitação e encaminhamento de adolescentes para o trabalho, que não fazem parte do sistema regular de<br />

ensino (educação sistêmica de Iº e IIº graus) nem dos serviços nacionais de aprendizagem (SENAI, SENAC,<br />

SENAR)”.


documentação escolar, de oficinas e de laboratórios. Podem prestar serviços à<br />

comunidade. No desenvolvimento das atividades mobilizam capacidades<br />

comunicativas.<br />

O dicionário Aurélio (2003) complementa esta informação afirmando que o instrutor é<br />

aquele que “instrui, que ensina e que adestra”. Na etimologia apresentada pelo dicionário<br />

Houaiss (2001), é originado do latim instructor(oris), que significa “o que prepara, põe em<br />

ordem”. Ou seja, pessoa possuidora de autoridade e conhecimento para transmitir<br />

conhecimentos e orientações sobre determinadas atividades sem prescindir da ordem, da<br />

inspeção e da disciplina sobre outrem.<br />

Um outro agente responsável pela disciplina escolar ou educacional é o inspetor de<br />

alunos. Este, segundo a Classificação Brasileira de Ocupações do Ministério do Trabalho e<br />

Emprego (BRASIL, 2002), desempenha suas atividades em escolas privadas e públicas,<br />

cabendo a ele o papel de:<br />

Cuidar da segurança do aluno nas dependências e proximidades da escola;<br />

inspecionar o comportamento dos alunos no ambiente escolar. Orientar alunos<br />

sobre regras e procedimentos, regimento escolar, cumprimento de horários;<br />

ouvir reclamações e analisar fatos. Prestar apoio às atividades acadêmicas;<br />

controlar as atividades livres dos alunos, orientando entrada e saída de alunos,<br />

fiscalizando espaços de recreação, definindo limites nas atividades livres.<br />

Organizar ambiente escolar e providenciar manutenção predial.<br />

Portanto a diferença etimológica entre as palavras monitor, bedel, inspetor e instrutor<br />

não modifica a essência do papel exercido na origem destas funções no decorrer da história,<br />

que era a de manter a Lei e a ordem, fosse na escola, na fábrica, nos institutos disciplinares ou<br />

nos internatos de menores, entre outros locais onde o corpo, assim como o de um soldado, que<br />

a partir da segunda metade do século XVIII:<br />

[...] tornou-se algo que se fabrica; uma massa informe, de um corpo inapto,<br />

fez-se a máquina de que se precisa; corrigiram-se aos poucos as posturas;<br />

lentamente uma coação calculada percorre cada parte do corpo, se assenhoreia<br />

dele, dobra o conjunto, torna-o perpetuamente disponível, e se prolonga, em<br />

silêncio, no automatismo dos hábitos (FOUCAULT, 1977, p. 125).<br />

Raul Pompéia (1973, p.46), em seu livro “O ateneu”, reforça a similitude de funções<br />

etimológicas quando afirma:<br />

[...] João Numa, inspetor ou bedel, baixote, barrigudo, de óculos escuros,<br />

movendo-se com vivacidade de bácoro alegre, veio achar-me indeciso, à<br />

escada do pátio. “Não desce, a brincar?” perguntou bondosamente. “Vamos,<br />

desça, vá com os outros”. O amável bácoro tomou-me pela mão e descemos<br />

juntos.<br />

O inspetor deixou-me entre dois rapazinhos, que me trataram com simpatia.<br />

Às onze horas, a sineta deu o sinal das aulas. Os meus bons companheiros, de<br />

classes atrasadas, indicaram a sala de ensino superior de primeiras letras, que<br />

devia ser a minha, e se despediram.


Infelizmente, essa visão um tanto positiva passada por Raul Pompéia com relação ao<br />

inspetor não reverberou em outras instâncias educativas da sociedade, que visavam ao<br />

desenvolvimento biopsicossocial da criança e do adolescente, como a Fundação Nacional do<br />

Bem-Estar do Menor – FUNABEM.<br />

3.1.1 O monitor como agente disciplinar<br />

A história recente das políticas de juventude em nosso país tem como marco<br />

fundamental a criação da Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor - FUNABEM, em<br />

1964, que teria “por função exercer a vigilância sobre os menores, principalmente a partir de<br />

sua condição, de carenciado, isto é, próximo a uma situação de marginalidade social<br />

(PASSETI, 1991, p.151)”. Conforme Vogel (1995, p.303), o processo de urbanização,<br />

impulsionado pelas mudanças sociais e econômicas, estimulava o fluxo constante de pessoas<br />

que migravam para as regiões metropolitanas em busca de melhores padrões de vida.<br />

Povoavam-se, assim, as periferias das cidades e expandia-se a pobreza, devido à incapacidade<br />

de o mercado de trabalho absorver todos os “adventícios, excessivos quanto ao número, e<br />

limitados quanto à sua qualificação como mão-de-obra”.<br />

A conjuntura educacional, no ano de implementação da FUNABEM, se apresentava<br />

precarizada, como afirma Freitag (1995, p.53) ao fazer uma retrospectiva histórica da política<br />

educacional brasileira:<br />

[...] assim é necessário ressaltar que, em 1964, somente dois terços das<br />

crianças de 7 a 14 anos estavam matriculados em uma escola; 5 milhões (!)<br />

não estavam escolarizados, dos quais 3,3 milhões nunca haviam visitado uma<br />

escola.<br />

No âmbito social, conforme o “Censo de 1970, em uma população global de<br />

93.292.100 habitantes, contavam-se 49.378.200 com idade entre 0 – 19 anos (52,93%). Dessa<br />

população infanto-juvenil, 1/3 podia considerar-se em estado de marginalização (BRASIL,<br />

1976, p.29. apud VOGEL, 1995, p.304). Sendo assim:<br />

A massa crescente de crianças e jovens marginalizados fazia prever, a curto e<br />

médio prazo, prejuízos consideráveis, quer do ponto de vista socioeconômico,<br />

quer do ponto de vista político. No primeiro caso, em virtude da riqueza que<br />

se deixava de gerar e do dispêndio com o qual se teria de fazer face aos<br />

problemas sociais decorrentes da marginalização. No segundo, em virtude do<br />

risco de que o potencial constituído por esses “irregulares” viesse a ser<br />

capitalizado por forças contrárias ao regime (VOGEL, 1995, p. 304).


A FUNABEM, extinta em 1990, com a promulgação do Estatuto da Criança e do<br />

Adolescente (ECA), órgão subordinado diretamente à Presidência da República, tinha a<br />

função de formular e implementar, em todo o território nacional, a Política Nacional do Bem-<br />

Estar do Menor (PNBEM), que procurou introduzir a metodologia interdisciplinar<br />

redimensionando a periculosidade limitada aos aspectos médicos dos higienistas (PASSETI,<br />

2004). Segundo o mesmo autor, ao se adotar uma metodologia científica na FUNABEM,<br />

fundamentada no conhecimento “biopsicossocial”, buscava-se romper com as práticas<br />

repressivas, usadas pelo Serviço de Assistência a Menores (SAM), criando-se um sistema que<br />

levasse em consideração as condições materiais de vida das crianças e adolescentes<br />

abandonados, carentes e infratores; o perfil psicológico; o desempenho escolar; as<br />

deficiências e os potenciais que os mesmos tivessem com vistas ao crescimento:<br />

[...] A nova política de atendimento organizada para funcionar em âmbito<br />

nacional pretendia mudar comportamentos não pela reclusão do infrator, mas<br />

pela educação em reclusão – uma educação globalizadora na qual não estava<br />

em jogo dar prioridades à correção de desvios de comportamentos, mas formar<br />

um indivíduo para a vida em sociedade (PASSETI, 2004, p.357, grifo nosso).<br />

A realidade, porém, não era condizente com a política apregoada pela fundação, como<br />

o papel desempenhado pelos inspetores que, conforme o depoimento de um ex-interno da<br />

Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (FUNABEM), não se dava com tanta maestria,<br />

quando se tratava de manter a ordem e a disciplina:<br />

O regime de lá é tipo militarismo, tem que ficar em sentido, não pode nem se<br />

mexer. Se você se mexer, você é anotado no caderninho preto do inspetor (...).<br />

(Todo sábado) o pessoal que foi para a varanda, ficava em pé de uma hora às<br />

três da tarde. Em pé de sentido de sentido mesmo [...]. (Ficava em pé) até a<br />

hora que ele achasse que está bom o castigo. Eu achei que eles pensam que<br />

assim ‘vai’ educar. Eu acho pelo contrário, isso vai fazer com que a gente<br />

fique mais revoltado. Como no caso, muita gente tinha vontade de esganar os<br />

inspetores. Só não esganava porque não tinha como atacar eles. Mas muito<br />

‘pessoal’ tinha vontade de esganar - Entrevista com J. C. 20 anos, ex-interno -<br />

(ALTOÉ, 1990, p. 60).<br />

Altoé (1990), ao desenvolver seu trabalho sobre o internato de menores (FUNABEM)<br />

- partindo das representações que alguns ex-internos tinham de si, construído a partir das<br />

experiências passadas no internato -, reporta-se à questão da violência física e da disciplina. A<br />

autora chama atenção para:<br />

A referência à disciplina sempre surge como sendo rígida e militar. A<br />

disciplina vem, invariavelmente, associada às formas de punição, uma vez que<br />

as pequenas faltas disciplinares são tratadas como castigos diários. A punição<br />

severa muitas vezes não se relaciona à falta cometida, mas ao rigor ou à raiva<br />

do funcionário (ALTOÉ, 1990, p.59).


Mesmo diante do sofrimento psíquico e físico sofrido, os ex-internos deixam<br />

transparecer a construção de uma “visão idealizada” do internato, como sendo uma “família”<br />

que os acolheu para mantê-los nas suas necessidades de sobrevivência física, sem que os<br />

mesmos tivessem consciência de que usufruíam de um direito. Além do mais, os ex-internos<br />

se responsabilizam pelo insucesso profissional fora da instituição.<br />

[...] A inculcação de normas e valores é tão intensa nos internatos que faz com<br />

que o ex-interno sinta-se culpado pelo ‘insucesso’, pelo fato de ‘não lograr<br />

êxito’ na sua vida fora do internato, sempre partindo do princípio de que no<br />

internato teve todas as chances e as desprezou. O ex-interno se coloca contra<br />

si próprio e ‘elogia a instituição’ (ALTOÉ, 1990, p.73).<br />

Passetti (1991), ao discorrer sobre a criação da FUNABEM e de outras instituições<br />

para menores, demonstra que a absorção da população infanto-juvenil nos internatos passa a<br />

ser uma alternativa tutelar do Estado, o qual regula corpos e mentes oriundos de crianças e<br />

adolescentes de famílias que, por serem pobres, eram consideradas desestruturadas - fonte de<br />

desvio e de condutas anti-sociais, conforme o Estatuto do Menor de 1927:<br />

Foi com o Código de Menores (decreto nº 17.343/A, de 12 de outubro de<br />

1927), que o Estado respondeu pela primeira vez com internação,<br />

responsabilizando-se pela situação de abandono e propondo-se a aplicar os<br />

corretivos necessários para suprimir o comportamento delinqüencial. Os<br />

abandonados agora estavam na mira do Estado (PASSETI, 2004).<br />

Sendo responsabilidade do Estado, o menor:<br />

Desloca-se para o âmbito social, o problema da infração cometida pelo menor<br />

passa a ser um problema público. Cabe à educação estatal obrigatória,<br />

responsabilizar-se por suprir, tanto essa deficiência da família, como<br />

desenvolver o conjunto dos valores normativos integradores da ordem.<br />

Garantindo as introjeções dos valores dominantes, acredita-se estar dando um<br />

passo à frente no combate à criminalidade infanto-juvenil. O importante, por<br />

fim, é nomear a competitividade no mercado como pacífica, deslocando-se<br />

para o estado e para as legislações, o papel de intervir no conflito (PASSETTI,<br />

1991, p.150).<br />

No entanto o atendimento direcionado pelo Estado às crianças e adolescentes internos<br />

em diversos internatos conveniados com a FUNABEM caracteriza-se por:<br />

[...] um atendimento marcado pela disciplina rígida, sobretudo para inquietar e<br />

treinar os movimentos do corpo, pelo castigo físico exagerado e arbitrário,<br />

pela humilhação, pelo treinamento para ser um “bom assistido” e, portanto, ser<br />

dependente e infantilizado. Durante o tempo de internação a cidadania não<br />

está em jogo e o interno não é formado para gozar de seus direitos de cidadão.<br />

Eis que, ao ser desligado, ele se defronta com uma sociedade cujas regras de<br />

funcionamento não conhece exatamente e na qual ele tem que cuidar de sua<br />

própria sobrevivência e assumir sozinho sua condição de cidadão (ALTOÉ,<br />

1990, p. 51).


Tais práticas “educativas” utilizadas para a “recuperação” dos menores assistidos pelas<br />

instituições ligadas à FUNABEM contradiziam os dispositivos contidos na Declaração<br />

Universal dos Direitos das Crianças, de 20 de novembro de 1959, que garante em seus<br />

princípios:<br />

Principio I: A criança gozará de proteção especial e disporá de oportunidade<br />

e serviços, a serem estabelecidos em lei por outros meios, de modo que possa<br />

desenvolver-se física, mental, moral, espiritual e socialmente de forma<br />

saudável e normal, assim em condições de liberdade e dignidade.<br />

Princípio VII: A criança tem direito a receber educação escolar, a qual será<br />

gratuita e obrigatória, ao menos nas etapas elementares. Dar-se-á à criança<br />

uma educação que favoreça sua cultura geral e lhe permita – em condições de<br />

igualdade de oportunidades – desenvolver suas aptidões e sua individualidade,<br />

seu senso de responsabilidade social e moral. Chegando ser um membro útil à<br />

sociedade (BRASIL, 1959).<br />

Contudo, enquanto o sistema educacional gerido pelo Estado for deficiente, devido à<br />

má qualidade do ensino público, somada à falta de investimentos tanto estrutural como<br />

humano, o direito de “todos” à educação não se consolidará, conforme Passeti (2004, p.365):<br />

Os planos do governo de levar a escola para todos nunca se conclui. A escola<br />

não completa as carências da sociabilidade e muitas vezes caracteriza-se como<br />

local prioritário para obtenção de alimentos, por meio da merenda. Sob este<br />

cenário, enquanto mais creches e as escolas falham, mais fortes se tornam os<br />

argumentos em favor dos internatos. Os infratores ainda são vistos como<br />

resultado de famílias fracassadas, incapazes de serem contidos e educados nas<br />

escolas, instabilizadores de internatos como os da Febem, e, por fim, como<br />

pequenas encarnações do mal.<br />

As crianças e adolescentes que viviam nos internatos da FUNABEM estavam<br />

submetidos a rigorosas disciplinas, empregadas pelo inspetor, que tinha por função estar<br />

atento a cada movimento dos internos, vigiando-os como um sentinela, descrito pelos internos<br />

como violento e indiferente:<br />

Porque Funabem é ‘foda’, se o inspetor bater uma vez assim, o cara deixou,<br />

ele ‘servou’ (acostumar-se). Agora ele bateu e o cara reagiu, ai ‘tá’ ele já fica<br />

na atividade, logo. (...) os coroas vêm em dois ou em três - Entrevista com M.<br />

18 anos, ex-interno – (ALTOÉ, 1990, p.64);<br />

A escola era ruim. Tinha um coroa lá que era ruim. Batia nos outros na boca<br />

do estômago. Porque ‘nego’ xingava na sala de aula, cochilava, dormia,<br />

fumava cigarro - Entrevista com J. 31 anos, ex-interno - (ALTOÉ, 1990, p.<br />

59;64)<br />

Sob a vigilância dos adultos, representados pela figura do instrutor, monitor ou do<br />

inspetor, as crianças e adolescentes eram submetidos a métodos disciplinares totalitários em<br />

instituições públicas, que, teoricamente visavam resguardar a infância brasileira da<br />

degradação moral através da educação. Mas tais instituições mostraram-se ser lugar onde o<br />

verdadeiro objetivo era o de submeter os internos à docilidade dos corpos, onde os gestos, as


palavras, a posição do corpo e a maneira de se expressar sempre reafirmassem a subordinação<br />

lhes imposta, tanto pela escola, como pelo trabalho desempenhado em tais instituições, como<br />

fora delas. Conforme Foucault (1977, p.126), “(...) é dócil um corpo que pode ser submetido,<br />

que pode ser utilizado, que pode ser transformado e aperfeiçoado”.<br />

Sendo assim, é mister perceber que o processo disciplinar visa não só à subordinação<br />

do sujeito, mas também à sua produtividade, que é um elemento útil na manutenção e<br />

ampliação do sistema capitalista. Portanto a disciplina se faz necessária porque:<br />

[...] fabrica assim corpos submissos e exercitados, corpos “dóceis”. A<br />

disciplina aumenta as forças do corpo (em termos econômicos de utilidade) e<br />

diminui essas mesmas forças (em termos políticos de obediência). Em uma<br />

palavra: ela dissocia o poder do corpo; faz dele por um lado uma “aptidão”,<br />

uma “capacidade” que ela procura aumentar; e inverte por outro lado a<br />

energia, a potência que poderia resultar disso, e faz dela uma relação de<br />

sujeição estrita. Se a exploração econômica separa a força e o produto do<br />

trabalho, digamos que a coerção disciplinar estabelece no corpo o elo<br />

coercitivo entre a aptidão aumentada e uma dominação acentuada (Foucault,<br />

1977, p.127, grifo do autor).<br />

Seguindo a reflexão feita por Foucault, Rizzini (2004) traz presente a questão das<br />

políticas adotadas pelo governo, com a criação de instituições para menores, no intuito de<br />

retirá-los das ruas, que visavam não só à reabilitação por meio da disciplina rígida e da<br />

educação pelo trabalho, mas também:<br />

Tratava-se de uma política voltada para o ordenamento do espaço urbano e de<br />

sua população, por meio do afastamento dos indivíduos indesejáveis para<br />

transformá-los nos futuros trabalhadores da nação, mas que culminava no uso<br />

imediato e oportunista do seu trabalho. A história destes institutos mostra que<br />

o preparo do jovem tinha mais um sentido político-ideológico do que de<br />

qualificação para o trabalho, pois o mercado (tanto industrial quanto<br />

agrícola) pedia grandes contingentes de trabalhadores baratos e nãoqualificados,<br />

porém dóceis, facilmente adaptáveis ao trabalho (p.380, grifo<br />

nosso).<br />

Assim, diante de uma situação de pobreza, de exclusão social em que viviam muitas<br />

das famílias das crianças e adolescentes, o trabalho para esses se tornou a alternativa mais<br />

viável e foi se consolidando até tornar-se uma virtude até então inquestionável, sendo<br />

construída uma série de argumentos simples como: “é melhor a criança trabalhar do que ficar<br />

na rua exposta ao crime e aos maus costumes”, “o trabalho ensina a ter responsabilidade e<br />

evita a bandidagem”, “trabalhar educa o caráter da criança”, entre outras. Estes argumentos só<br />

reforçavam ainda mais a representação social do trabalho como a solução do comportamento<br />

“anti-social” das crianças e adolescentes brasileiras pobres, aceito pela elite que usufrui da<br />

força de trabalho destes e pelos pais das crianças e adolescentes pobres, que tinham a


impressão de estar dando um ofício aos filhos, vendo entrar uma ajuda extra na economia da<br />

família.<br />

A mídia reforçava o trabalho precoce como “salvação” das crianças e adolescentes<br />

pobres, procurando sempre difundir nos meios de comunicação em massa os casos que<br />

serviam de exemplo e bravura, enaltecendo sempre a disciplina, seriedade, dedicação e a<br />

coragem destes trabalhadores. Por outro lado, noticiava com teor negativo as crianças e<br />

adolescentes vistos nas ruas ou cometendo algum delito, como conseqüência da falta de<br />

estarem fora de alguma atividade laboral, tornando-se “por natureza, desonestos, preguiçosos,<br />

desorientados, desordeiros (BRASIL, 2004b, p.21)”.<br />

Mas afinal, qual o papel do monitor diante de tudo isso, já que se está fazendo uma<br />

análise da construção do conceito deste sujeito?<br />

O monitor, bedel, instrutor ou inspetor foram categorias profissionais constituídas na<br />

sua gênese para desempenharem o papel de vigilante, disciplinador, sendo os responsáveis<br />

pelo cumprimento dos regulamentos, de zelar pelo controle da lei e da ordem do<br />

estabelecimento em que desempenhavam suas funções. E, assim, buscavam, dentro de suas<br />

limitações, evitar que as crianças e adolescentes, sob os cuidados da instituição, fugissem do<br />

esquema de uma ordem imposta proveniente de uma organização hierárquica, sob os ditames<br />

dos esquemas da lógica do olhar disciplinar nascido do sistema militar, pois “o sucesso do<br />

poder disciplinar se deve sem dúvida ao uso de instrumentos simples: o olhar hierárquico, a<br />

sanção normalizadora e sua combinação num procedimento que lhe é específico, o exame 19 ”<br />

(FOUCAUT, 1977, p. 153).<br />

Foucault (1977) afirma que, na medida em que as atividades de produção foram<br />

ficando mais complexas - fossem elas nas fábricas ou nas escolas e o número de operários ou<br />

de alunos fossem aumentando -, a função de vigiar tornou-se mais definida e necessária,<br />

transformando-se em uma engrenagem indispensável no controle da produção e da educação.<br />

Como bem esclarece este mesmo autor, na mesma obra (p.157), quando se refere à escola:<br />

[...] O desenvolvimento das escolas paroquiais, o aumento de seu número de<br />

alunos, a inexistência de métodos que permitissem regulamentar<br />

simultaneamente a atividade de toda uma turma, a desordem e a confusão que<br />

daí provinham tornavam necessária a organização dos controles. Para ajudar o<br />

mestre, Batencour escolhe entre os melhores alunos toda uma série de<br />

19 O exame, segundo Foucault (1977, p.164-165), é um dispositivo que: “combina as técnicas da hierarquia que<br />

vigia e as da sanção que normaliza. É um controle normalizante, uma vigilância que permite qualificar,<br />

classificar e punir. Estabelece sobre os indivíduos uma visibilidade através da qual eles são diferenciados e<br />

sancionados. É por isso que, em todos os dispositivos de disciplina, o exame é altamente ritualizado. Nele vêmse<br />

reunir a cerimônia do poder e a forma da experiência, a demonstração da força e o estabelecimento da<br />

verdade. No coração dos processos de disciplina, ele manifesta a sujeição dos que são percebidos como objetos e<br />

a objetivação dos que se sujeitam”.


“oficiais”, intendentes, observadores, monitores, repetidores, recitadores de<br />

orações, oficiais de escrita, recebedores de tinta, capelães e visitadores. Os<br />

papeis assim definidos são de duas ordens: uns respondem a tarefas materiais<br />

(distribuir a tinta e o papel, dar as sobras aos pobres, ler textos espirituais<br />

nos dias de festa, etc.); outros são da ordem da fiscalização (grifo nosso).<br />

Os responsáveis pela ordem da fiscalização, como os “monitores”, “observadores”,<br />

“visitadores”, “intendentes” e os “repetidores”, também eram possuidores do poder vigilante,<br />

que faziam funcionar, dentro de um sistema integrado de relações hierárquicas, a máquina do<br />

controle das relações, sem que houvesse a dissolução da força deste poder, levando um a<br />

vigiar o outro. Segundo Foucault (1977, p.158-159), esse poder:<br />

[...] Organiza-se assim como um poder múltiplo, automático e anônimo; pois,<br />

se é verdade que a vigilância repousa sobre indivíduos, seu funcionamento é<br />

de uma rede de relações de alto a baixo, mas também até um certo ponto de<br />

baixo para cima e lateralmente; essa rede “sustenta” o conjunto, e o perpassa<br />

de efeitos de poder que se apóiam uns sobre os outros: fiscais perpetuamente<br />

fiscalizados. O poder na vigilância hierarquizada das disciplinas não se detém<br />

como uma coisa, não se transfere como uma propriedade; funciona como uma<br />

máquina. E se é verdade que sua organização piramidal lhe dá um “chefe”, é o<br />

aparelho inteiro que produz “poder” e distribui os indivíduos nesse campo<br />

permanente e contínuo. O que permite ao poder disciplinar ser absolutamente<br />

indiscreto, pois está em toda parte e sempre alerta, pois em princípio não deixa<br />

nenhuma parte às escuras e controla continuamente os mesmos que estão<br />

encarregados de controlar; e absolutamente “discreto”, pois funciona<br />

permanentemente e em grande silêncio. A disciplina faz “funcionar” um<br />

poder relacional que se auto-sustenta por seus próprios mecanismos e substitui<br />

o brilho das manifestações pelo jogo ininterrupto dos olhares calculados.<br />

Graças às técnicas de vigilância, “física” do poder, o domínio sobre o corpo se<br />

efetuam segundo as leis da ótica e da mecânica, segundo um jogo de espaços,<br />

de linhas, de telas, de feixes, de graus, e sem recursos, pelo menos em<br />

princípio, ao excesso, à violência. Poder que é em aparência ainda menos<br />

“corporal” por ser mais sabiamente “físico”.<br />

Portanto, o poder disciplinar e vigilante, por meio de seus “agentes”, visa amoldar os<br />

que estão sob os seus olhares, os corpos individualizados, tornando-os produtivos e dóceis, e,<br />

assim, serem úteis para o sistema de produção capitalista através do adestramento. No entanto<br />

esta modalidade de poder produtivo, em vez de fazer uso da repressão e do castigo físico, atua<br />

na sociedade moderna através das instituições escolares, programas assistenciais como a<br />

FUNABEM, o PETI, dos meios de comunicação de massa – enfim, dispositivos que<br />

(re)passam, (re)transmitem os conhecimentos e as informações conforme os interesses sóciopolíticos<br />

e ideológicos de quem se encontra no topo da hierarquia social.<br />

A partir da perspectiva do poder disciplinar de Foucault, qual a relação existente deste<br />

sistema disciplinar com as crianças e adolescentes trabalhadores na contemporaneidade? Qual<br />

o papel dos monitores na desconstrução deste círculo hierárquico de poder, já que a função


carrega consigo a função de vigiar e fazer cumprir leis e regras normativas provenientes de<br />

algum regulamento?<br />

Quanto à primeira indagação, Graciani (2005) - ao tratar da corporeidade como um ato<br />

de expressão e comunicação - apresenta a situação passada pelas crianças e adolescentes<br />

trabalhadores nos tempos modernos, mostrando a diferença de tratamento vivida entre a<br />

população infanto-juvenil a partir da estrutura hierárquica de classes, afirmando que:<br />

Do ponto de vista do desenvolvimento da corporeidade e do jogo da<br />

população infanto-juvenil, a cidade industrial capitalista estabeleceu uma<br />

dualidade histórica. Para os filhos das camadas médias e superiores, a cidade<br />

mostrou-se generosa em viabilizar tempo, espaço e elementos culturais para<br />

potencialização do “viver infantil”. Ainda que exercendo o controle e o<br />

gerenciamento sobre o tempo livre da criança burguesa, as gerações adultas<br />

souberam reconhecer sua importância para o desenvolvimento. Para os filhos<br />

das classes trabalhadoras, entretanto, acenou-se com a figura do trabalho<br />

precoce, da instrução disciplinar e com o controle e gerenciamento do escasso<br />

tempo livre para atividades lúdicas e de corporeidade (p.163).<br />

Partindo desta visão, Alberto (2002, p.103), ao se referir às fases do desenvolvimento<br />

complementa:<br />

A infância e a adolescência são categorias sociais que permitem pensar a<br />

desigualdade social como inerente a uma sociedade de classes sociais<br />

antagônicas: classes sociais que têm infância e adolescência e classes sociais<br />

que não as têm – ou de formas desiguais de viver estas fases do<br />

desenvolvimento, imprescindíveis na formação do homem. Nesta fase da vida,<br />

já se incumbem socializações divergentes, para assumirem os lugares que<br />

ocuparão na sociedade. Os que precisam trabalhar para sobreviver – os que se<br />

preparam para dominar.<br />

Logo as crianças e adolescentes da classe da base da pirâmide social (os pobres) são<br />

condicionados, seja pelo processo educativo escolar formal, ou pelos agentes dos diversos<br />

programas sociais do governo, mais especificamente do Programa de Erradicação do Trabalho<br />

Infantil (PETI), a reconhecerem-se como pessoas “ignorantes” e inaptas a exercerem uma<br />

função de destaque dentro da sociedade:<br />

De tanto ouvirem de si mesmos que são incapazes, que não sabem nada, que<br />

não podem saber, que são enfermos, indolentes, que não produzem em virtude<br />

de tudo isto, terminam por se convencer de sua “incapacidade”. Falam de si<br />

como os que não sabem e do “doutor” como o que sabe e a quem devem<br />

escutar. Os critérios de saber que lhe são impostos são convencionais<br />

(FREIRE 2005, p. 56).<br />

As conseqüências, complementa Alberto (2002, p. 103-104), são:<br />

Sob essa lógica, a reprodução da força-de-trabalho se dá mediante um<br />

processo de exclusão de bens materiais e culturais. O que se tem são<br />

mecanismos de pauperização, mãos-de-obra desempregadas, que criam<br />

estratégias de sobrevivência. A reprodução da força de trabalho é


desempenhada pelas atividades informais e, no caso específico do trabalhador<br />

precoce, essa reprodução se dá na família. Destarte, a criança e o adolescente<br />

desempenham um papel na divisão social e sexual do trabalho, compõem um<br />

contingente que ajuda a manter a família, cujos adultos não conseguem<br />

inserir-se nem mesmo nas atividades de sobrevivência.<br />

Portanto a função do monitor como um agente da educação, que tem junto às crianças<br />

e adolescentes do PETI, no desenvolvimento de atividades educativas, deve ser revisto, pois o<br />

papel desempenhado por esses profissionais se enquadra mais no perfil do “vigilante”, do<br />

“disciplinador”, do “moralista”, do “representante da lei e da ordem”, que vai ao encontro do<br />

“disciplinamento” social desejado Foucault (1977). Sendo assim, repensar o papel desse<br />

agente educacional significa fazer uma revisão tanto da política econômica, social e<br />

educacional do país, como, mais especificamente, da estrutura do Programa, da formação e do<br />

modo de atuação dos monitores junto às crianças e adolescentes egressas do trabalho infantojuvenil.<br />

Atuar como educador, ou como um agente educacional, em um Programa que deveria<br />

visar o desenvolvimento biopsicossocial dos educandos, necessitaria adotar a postura de um<br />

“educador dialógico” 20 , onde educador e educando poderiam interagir buscando o melhor<br />

método para o prosseguimento da aprendizagem e do crescimento mútuo. Portanto, Segundo<br />

Freire (2005, p.58), “somente quando os oprimidos descobrem, nitidamente, o opressor, e se<br />

engajam na luta organizada por sua libertação, começam a crer em si mesmos, superando,<br />

assim, sua “convivência” com o regime opressor”. Afinal, o monitor faz parte do sistema<br />

administrativo, mas hierarquicamente a sua função está subordinada às demais dentro das<br />

instituições educacionais, como as do diretor, do pedagogo e do professor.<br />

3.2 A prática profissional dos monitores e a Educação Popular<br />

O trabalho desenvolvido por crianças e adolescentes “contribui com o analfabetismo<br />

de jovens, promove o baixo nível de escolaridade e a defasagem escolar, porque dificulta o<br />

20 Freire (2005) considera essencial que o educador dialógico, atuante como membro de equipe interdisciplinar,<br />

contribua para problematizar o universo temático do educando, recolhido através do processo investigativo<br />

surgido a partir da “palavra geradora”, junto aos educandos, ao invés de simplesmente discorrer sobre<br />

determinado tema ou conteúdos pragmáticos, que apenas “involucra finalidades” a serem impostas ao povo, sem<br />

refletir os anseios e ansiedades deste povo, assim como faz a educação bancária.


aprendizado da leitura e da escrita (ALBERTO, 2002, p.235)”. Isto se dá devido, descreve<br />

Consedey (2002, p.51), a:<br />

[...] O cansaço toma conta e não há disposição para freqüentar a escola,<br />

dormem em sala de aula ou simplesmente não conseguem ter uma boa<br />

freqüência. Quando insistem, a falta de atenção, pelo cansaço, os faz ficar<br />

cada vez mais distantes da aprendizagem desejável e, em conseqüência,<br />

sentem-se humilhados frente aos colegas que acompanham com regularidade a<br />

escola. Tal fato vai se agravando até que o jovem trabalhador perde totalmente<br />

o interesse por aprender. A liberdade que experimentam nas ruas é mais<br />

interessante que os fatos ocorridos em sala de aula.<br />

Koller (2001, p.160) afirma que, além da falta de apoio familiar, as crianças apontam o<br />

motivo mais eloqüente para deixarem de freqüentar a escola:<br />

[...] expressa-se pela falta de interesse, de motivação e pela auto-percepção de<br />

falta de capacidade para aprender, demonstrando que a escola não apresentou<br />

nenhum atrativo para esta criança e que não serviu como fator de proteção na<br />

busca de superação de suas dificuldades.<br />

As escolas onde são atendidas crianças em situação de rua, acrescenta a autora,<br />

“precisam priorizar a dimensão da rua, sempre presente no cotidiano de cada uma daquelas<br />

crianças (p.160)”. Ou seja, a vivência, a cultura, o mundo experienciado pelos trabalhadores<br />

precoces, seja na rua, em casa de famílias ou em outros locais como fábricas, mercadinhos,<br />

entre outros, diante dos “conteúdos” que têm que ser debulhados pelo educador, tornam-se<br />

irrelevantes para a aprendizagem escolar, contribuindo, assim, para aumentar o desinteresse<br />

pela aprendizagem realizada na instituição escolar.<br />

Contudo a escola, para ser um lugar de desenvolvimento biopsicossocial e do saber,<br />

não deveria, conforme Freire (2005, p.79), deixar de levar em consideração tais experiências e<br />

os conhecimentos trazidos pelos educando para sala de aula, pois “ninguém educa ninguém,<br />

como tampouco ninguém se educa a si mesmo: os homens se educam em comunhão,<br />

mediatizados pelo mundo”. Sendo assim, conforme Koller (2001, p.171), “A criança em<br />

situação de rua não quer uma escola estática e monótona. Ela quer uma escola lúdica e<br />

dinâmica, onde possa estudar, brincar e utilizar os significados de suas vivências”.<br />

A Educação Popular surge, então, como alternativa dentre as várias metodologias que<br />

existem dentro da Educação, que vai ao encontro dessas problemáticas levantadas pelas<br />

crianças em condição de rua, devido a mesma trazer em seu bojo experiências históricas de<br />

projetos político-pedagógicos vinculados às lutas emancipatórias dos interesses populares na<br />

América Latina, África e Brasil. Muitas das experiências da Educação Popular embasaram<br />

campanhas de alfabetização de adultos, dos movimentos populares e sindicais, das<br />

Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), Pastorais, da Teologia da Libertação, Alfabetização


Solidária e de grupos de Educadores Sociais de Rua, os quais se organizaram diante da difícil<br />

situação das crianças e adolescentes de e na rua 21 , entre outros movimentos que fizeram da<br />

Educação Popular uma bandeira de luta, na tentativa de transformar a realidade através da<br />

prática dialógica, democrática e política.<br />

O que se percebe, na trajetória dessa concepção de Educação Popular, é que<br />

ela incidiu em mudanças na consciência política e social e no nível cultural e<br />

principalmente na capacitação dos setores oprimidos, mas não gerou<br />

diretamente uma organização política capaz de transformar as sociedades. No<br />

entanto, na década de 80, observou-se a vinculação da Educação Popular, dos<br />

movimentos sociais, a um novo campo problemático, o da defesa dos Direitos<br />

Humanos, principalmente ligados à mulher, aos indígenas, às crianças e aos<br />

adolescentes, e como novos sujeitos políticos – sujeitos de direitos - cujos<br />

discursos passaram a ser os mais fortes e candentes do século XX<br />

(GRACIANI, 2005, p. 57).<br />

Brandão (2002) completa a reflexão de Graciani ao afirmar que a Educação Popular<br />

tem como uma de suas características o esforço em recuperar a novidade da tradição<br />

pedagógica pautada em pelo menos quatro pontos:<br />

a) o mundo em que vivemos pode e deve ser transformado continuamente em<br />

algo melhor, mais justo e mais humano; b) esta mudança contínua é um direito<br />

e um dever de todas as pessoas que se reconheçam convocadas a participarem<br />

dela, em alguma dimensão onde, para elas, isto é uma vocação devida e<br />

viável; c) a educação possui aqui um lugar não absoluto, mas importante, pois<br />

ela cabe formar pessoas destinadas a se verem como co-construtores do<br />

mundo em que vivem, o que significa algo mais do que serem preparados para<br />

servirem no limite dos produtores de bens e de serviços em mundos sociais<br />

que conspiraram contra as suas próprias humanidades; d) aos até aqui<br />

excluídos dos bens da vida e dos bens do saber, o direito à educação, e que<br />

ademais de ser uma educação de qualidade, elas seja também um lugar onde a<br />

cultura e o poder sejam pensados a partir deles: de sua condição, de seus<br />

saberes e de seus projetos sociais (BRANDÃO, 2002a, p. 168).<br />

Nesta trajetória da Educação Popular, Paiva (2003), através de um breve relato sobre a<br />

importância e a luta dos Movimentos Sociais pelo direito das classes populares de se ter<br />

acesso à escola pública e gratuita, afirma que:<br />

Os movimentos que surgiram na primeira metade da década dos anos 60,<br />

voltados para promoção popular, pretendiam-se às condições políticas e<br />

culturais, vividas pelo país naquele momento. Eles nasceram das preocupações<br />

dos intelectuais, políticos e estudantes com a promoção da participação<br />

política das massas e do processo de tomada de consciência da problemática<br />

brasileira que caracterizou os últimos anos do governo Kubtischek (...). Os<br />

diversos grupos lançam-se ao campo da atuação educativa com objetivos<br />

políticos claros e mesmos convergentes, embora cada um deles enfocasse o<br />

problema à sua maneira e mesmo lutassem entre si. Pretendiam todos a<br />

transformação das estruturas sociais, econômicas e políticas do país, sua<br />

21 Os termos crianças e adolescentes de rua e na rua denotam condições diferentes, pois o primeiro se refere<br />

àqueles que não mantêm nenhum vínculo com os seus familiares, escolas entre outros, enquanto que o segundo<br />

se refere àqueles que conservam os vínculos e retornam para casa a maioria dos dias (GRACIANI, 2005).


ecomposição fora dos supostos da ordem vigente; buscavam criar a<br />

oportunidade de construção de uma sociedade mais justa e mais humana (...).<br />

Para tanto, a educação parecia ser um instrumento de fundamental importância<br />

(PAIVA, 2003, p.258).<br />

Segundo Pilotti (1995), assim como os Movimentos Sociais, as Organizações Não<br />

Governamentais (ONGs) surgem na perspectiva de buscar melhores condições de vida para as<br />

crianças pobres, não só dentro da conjuntura brasileiras, mas em toda a América Latina:<br />

Os anos 70 e 80 foram testemunhas do aparecimento maciço de organizações<br />

não-governamentais (ONG) na América Latina, muitas das quais orientaram<br />

seus esforços visando a melhoria das condições de vida de crianças vivendo<br />

em comunidades afetadas pela pobreza. Em termos gerais, as ONGs apóiam as<br />

iniciativas dos movimentos sociais nas comunidades pobres oferecendo, sem<br />

fins lucrativos, assistência técnica em diversas áreas assim como ajuda na<br />

obtenção dos fundos necessários para a execução dos projetos (PILOTTI,<br />

1995, p. 42).<br />

Gohn (2004) complementa a reflexão de Pilotti, afirmando que, a nova política de<br />

regime democrático, implantada no Brasil a partir da Constituição de 1988, e com a adoção da<br />

política de gestão e distribuição dos fundos públicos, em parceria com a sociedade civil<br />

organizada, focalizados em projetos pontualizados, como mulheres, crianças, jovens, velhos<br />

etc., contribuíram para a desarticulação e desorganização das antigas formas de reivindicações<br />

dos movimentos sociais, cujo resultado foi que<br />

[...] Muitos movimentos se transformaram em ONGs ou se incorporaram às<br />

ONGs que já os apoiavam. A atuação por projetos exige resultados e tem<br />

prazos. Criou-se uma nova gramática na qual mobilizar deixou de ser para o<br />

desenvolvimento de uma consciência crítica ou para protestar nas ruas.<br />

Mobilizar passou a ser sinônimo de arregimentar e organizar a população para<br />

participar de programas e projetos sociais, a maioria dos quais já vinha<br />

totalmente pronta e atendia a pequenas parcelas da população. O militante foi<br />

se transformando no ativista organizador das clientelas usuárias dos serviços<br />

sociais (GOHN, 2004, p.26).<br />

Conforme Pilotti (1995), os trabalhos realizados pelas ONGs de proteção a infância,<br />

tornam-se mais hábeis e eficazes do que as Organizações Governamentais devido as ONGs<br />

não terem que se deparar com a freqüente burocracia que, além de tornar o processo lento,<br />

ainda favorece a institucionalização como meio de proteção da população infanto-juvenil:<br />

O aparecimento das ONGs está intimamente vinculado aos seguintes fatores:<br />

efeitos regressivos das políticas econômicas dos regimes autoritários; exclusão<br />

de numerosos profissionais, especialmente das ciências sociais, das<br />

universidades e do setor estatal; redirecionamento da cooperação internacional<br />

do setor estatal oficial para o não-governamental. Como resultado destes<br />

fatores, em muitos países da região as ações destes organismos se constituíram<br />

em uma espécie de política social alternativa e paralela à oficial, muitas vezes<br />

cobrindo as deficiências e omissões desta última (PILOTTI, 1995, p.42)


Graciani (2005), ao discorrer sobre a importância do surgimento das ONGs para a<br />

prática do processo educativo, o qual via a criança e o adolescente pobre como ameaça social,<br />

afirma que:<br />

[...] as primeiras ONGs progressistas iniciaram uma prática, na época<br />

denominada “prática alternativa comunitária”, que trazia em seu bojo novas<br />

perspectivas educacionais de atendimento, de maneira geral e especialmente<br />

em relação à criança e ao adolescente de rua, cuja essência onde “a criança<br />

deve ser sujeito do processo pedagógico e deve trabalhar no contexto em que<br />

está inserida”, influenciada pela concepção de Paulo Freire (GRACIANI,<br />

2005, p.262).<br />

Vale salientar que, dentro do processo de implantação, luta e reconhecimento da<br />

criança e do adolescente como sendo “sujeitos de direitos”, Graciani (2005, p.264) destaca a<br />

mobilização da Pastoral do Menor e o Movimento de Meninos e Meninas de Rua (MNMMR),<br />

que “favoreceram a criação de um amplo movimento social em defesa dos Direitos da Criança<br />

e do Adolescente, que resultou no artigo 227 da Constituição Brasileira (BRASIL, 1988), bem<br />

como na elaboração e aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)”.<br />

Por meio da conquista Legal, o MNMMR abre espaço para criação do Movimento de<br />

Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (MDDCA) e do Fórum Nacional dos<br />

Direitos da Criança e do Adolescente (Fórum DCA). Ambos assumidos por pessoas engajadas<br />

em algum movimento da sociedade civil organizada como, no caso do MDDCA:<br />

O MDDCA teve como atores básicos diferentes categorias sociais, a saber:<br />

agentes que trabalhavam diretamente com crianças e adolescentes, em<br />

instituições públicas e particulares; integrantes de ONGs, sindicatos,<br />

movimentos populares, partidos políticos e Igrejas; técnicos de entidades,<br />

organismos oficiais e ONGs internacionais. Trata-se de um espectro amplo e<br />

plural, composto basicamente de indivíduos pertencentes às camadas médias<br />

da população, e que tem como objeto central de reivindicação uma categoria<br />

geracional – a faixa de 0 a 18 anos – independente da classe social ou etnia a<br />

que pertença (GOHN, 2003, p.123).<br />

Respaldado nas experiências adquiridas durante a atuação nos Movimentos Sociais e<br />

ONGs, preocupados com a problemática da população infanto-juvenil de rua, o educador<br />

proveniente destes segmentos foi absorvido pelos programas sociais do governo devido o<br />

Estado estar definindo linhas de atuação dos movimentos populares na medida em que cria<br />

programas de assistência social, com subsídios de auxílio e financiamentos, conforme reza o<br />

Artigo 204 da Constituição de 1988:<br />

As ações governamentais na área da assistência social serão realizadas com<br />

recursos do orçamento da seguridade social, previsto no ar. 195, além de<br />

outras fontes, e organizadas com base nas seguintes diretrizes:


I – descentralização político-administrativa, cabendo a coordenação e as<br />

normas gerais à esfera federal e a coordenação e a excussão dos respectivos<br />

programas às esferas estadual e municipal, bem como entidades beneficentes e<br />

de assistência social;<br />

II - participação da população, por meio de organizações representativas, na<br />

formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis (BRASIL,<br />

1988).<br />

Portanto postura de oposição ao Estado adotada pelos movimentos não se enquadrava<br />

mais na realidade que se descortinava nas décadas posteriores aos anos de ditadura militar.<br />

Conforme Gohn (2003, p.33),<br />

[...] Ao longo dos anos 80, com a transição democrática, os movimentos<br />

passaram a ser interlocutores privilegiados com o Estado e foram mudando a<br />

sua postura. Nos anos 90, esta mudança se aprofundou porque os movimentos<br />

progressistas que sobreviveram à sua crise interna querem participar das<br />

políticas públicas, criando uma nova forma democrática, a pública não-estatal.<br />

Nesta trajetória em direção e concretização da atuação de políticas públicas nãoestatal,<br />

nos anos 90, a autora salienta que, com o crescimento das ONGs e com as políticas de<br />

parcerias implementadas pelo poder público, ocorrem<br />

que:<br />

“[...] novas orientações voltadas para a desregulamentação do papel do Estado<br />

na economia e na sociedade como um todo, transferindo responsabilidades do<br />

Estado para as “comunidades” organizadas, com a intermediação das ONGs,<br />

em trabalhos de parcerias entre o público e o estatal e o público e o não-estatal<br />

e, às vezes, com a iniciativa privada também. Dessa interação surgem<br />

experiências de trabalho cooperativo, dando origem ao chamado terceiro setor<br />

da economia, no âmbito informal. O resultado das novas políticas tem sido<br />

uma grande ênfase ao mercado informal de trabalho e uma redefinição de seu<br />

papel no conjunto do processo de desenvolvimento (GOHN, 2003, p.34-35).<br />

Pimenta (2003, p. 74), ao fazer uma breve análise sobre a atuação das ONGs, afirma<br />

As ONGs tomaram para si, em seu contexto de origem de restrições à democracia, a<br />

preocupação com as políticas públicas (ou ausência delas) face ao Estado cada vez<br />

mais distante das preocupações com os direitos sociais, com eqüidade, com a justiça<br />

social e com a relação com a sociedade civil .<br />

No entanto, segundo a autora (2003), devido as ONGs desenvolverem suas atividades<br />

junto à população mais carente da sociedade, o Estado não deve se esquivar das suas<br />

responsabilidades básicas sociais e financeiras junto a esta parcela da população. Na discussão<br />

do trabalho infanto-juvenil, a Organização Internacional do Trabalho (OIT), por exemplo, foi<br />

atuante no desenvolvimento de Convenções e Recomendações junto aos governos no âmbito<br />

internacional, adotando junto aos países membros medidas legais no intuito de erradicar o


trabalho precoce, principalmente nos países em desenvolvimento da América Latina, como o<br />

Brasil.<br />

Dentro deste contexto, o PETI, dentre outros programas sociais, pode ser utilizado<br />

como exemplo desta nova conjuntura que se formou entre o Estado, movimentos sociais e<br />

ONGs. Campos (1999) procura demonstrar a descentralização da responsabilidade do Estado,<br />

com relação à falta de estrutura social envolvendo vários segmentos da sociedade civil<br />

organizada, quando afirma que as bases para o desenvolvimento das ações do PETI estão no<br />

“envolvimento da sociedade e do governo, de forma coordenada”, em que a sociedade e o<br />

governo “são chamados a um processo de intervenção pactuada conjuntamente, dentro das<br />

capacidades e competências de cada organização, tendo como uma de suas diretrizes básicas a<br />

descentralização político-administrativa (CAMPOS, 1999, p.17)”.<br />

Sendo assim, dentro da trajetória da Educação Popular, inseridos nos movimentos<br />

sociais e ONGs, os educadores provenientes destes movimentos deveriam trazer consigo não<br />

apenas a tarefa de ensinar, mas a de fomentar nos seus educandos a capacidade de<br />

desenvolverem pensamento autônomo, crítico-reflexivo, no qual vão além dos muros da<br />

escola, dentro de um processo político-pedagógico, em que o conhecimento humano deveria<br />

está continuamente em construção e o educando, sujeito deste processo, seria instigado a<br />

aprender cada vez mais, fazendo uso de seu sentir, da sua percepção, da sua crítica, do seu<br />

pensamento e práxis 22 . Nesta interação escola e programas sociais, no caso deste trabalho,<br />

escola e PETI,caberia, então, ao monitor, assumir o papel de um Educador Social, onde o<br />

mesmo assimilaria, na sua prática, a função de “[...] ser um animador, um guia, um apoio do<br />

descobrimento permanente dos próprios sujeitos da aprendizagem (GRACIANI, 2005, p.77)”.<br />

Seguindo esta mesma linha de reflexão Gohn (2004), ao fazer uma análise do<br />

“Empoderamento e participação da comunidade em políticas sociais”, delineia o perfil<br />

adotado pelos educadores provenientes dos movimentos sociais e ONGs:<br />

[...] com as mudanças da conjuntura política na economia globalizada, o perfil<br />

e caráter da formação dos agentes mediadores ou educadores (as) sociais se<br />

alterou. Ser apenas “ativista”, ter um largo currículo de militância ou de<br />

compromisso com certas lutas sociais, não é mais suficiente para qualificá-lo<br />

para o desempenho de suas tarefas. O novo educador deve ter outras<br />

qualificações além da militância. Para poder conhecer seus educandos, suas<br />

culturas, linguagens, valores e expectativas na vida, ele deve conhecer também<br />

a comunidade onde atua, ser sensível aos seus problemas. Para isso ele tem<br />

que se formar e ser informado, não apenas na relação dialógica, mas em cursos<br />

22 Conforme Guimarães (1988, p.292), práxis, “no sentido que lhe atribui Marx, refere-se à atividade livre,<br />

universal, criativa e auto-criativa, por meio da qual o homem cria (faz, produz), e transforma (conforma) seu<br />

mundo humano e histórico e a si mesmo; atividade específica ao homem, que o torna basicamente diferente de<br />

todos os outros seres”.


de formação específica, combinados com cursos de formação geral (por isto os<br />

programas de pós-graduação estão repletos de educadores advindos das<br />

ONGs). (GOHN, 2004, p. 24).<br />

O educador ao fomentar dentro de si e para si tais características, se colocará, então,<br />

contra a “educação bancária” tão criticada por Paulo Freire, pois esta tolhe, fragmenta e<br />

desconsidera a história de vida, experiências, conhecimentos, além de reprimir a livre<br />

expressão, participação do educando, destituindo-o de sua condição de sujeito de direito,<br />

tornando-o mero receptáculo de informações, que apenas armazena e executa as ordens,<br />

domesticando suas ações e reações numa constante disciplina em prol de um modelo de<br />

gestão da produção.<br />

3.3 O sistema educacional na contemporaneidade<br />

As escolas públicas tornaram-se um campo amplo e complexo a ser “explorado” por<br />

grupos que estão no topo da organização social, devido a maioria dos estudantes do país estar<br />

freqüentando escolas públicas. Conforme análise de dados do Instituto Brasileiro de Pesquisa<br />

– IBGE para o ano de 2005, as instituições públicas de ensino atendiam 88,8% das crianças e<br />

adolescentes que estavam freqüentando o ensino Fundamental, enquanto que 11,2% estavam<br />

nas escolas da rede particular de ensino. O índice também é bastante expressivo no ensino<br />

Médio, com cerca de 85,0% dos estudantes.<br />

O percentual se inverte, segundo o IBGE (2005), quando se trata do ensino superior,<br />

no qual 75,3% dos discentes estão matriculados na rede de ensino particular, enquanto os<br />

outros 24,7% estão matriculados nas universidades públicas. É interessante observar esta<br />

mudança estatística que ocorre quando se trata do ensino superior público. Nesta área, apesar<br />

do sucateamento das universidades públicas, o ensino ainda é considerado de melhor<br />

qualidade e está restrito a uma pequena parcela da população, que corresponde:<br />

[...] do total de estudantes da rede pública de ensino superior, 58% pertenciam<br />

ao quinto mais rico e do total de estudantes da rede privada, 70% pertenciam a<br />

este quinto. Além da própria questão referente à demanda dos estudantes mais<br />

pobres ao nível superior, dado que muitos deles sequer conseguem terminar os<br />

níveis de ensino anteriores, o que se observa é que se por um lado o nível de<br />

rendimento familiar funciona como uma barreira ao acesso desses estudantes<br />

às universidades e faculdades privadas, por outro, a precariedade da atual rede<br />

pública de escolas de nível médio e fundamental não vem preparando<br />

adequadamente seus alunos de forma a concorrer em condições de igualdade


com os estudantes formados pelas escolas particulares às vagas existentes na<br />

rede pública de ensino superior (IBGE, 2005).<br />

Estes dados demonstram que, na medida em que o ensino público se expandiu em<br />

número de vagas, principalmente no ensino fundamental e médio, a qualidade dos serviços<br />

oferecidos decresceu devido a fatores como a falta de investimentos no setor, seja através da<br />

redução de recursos, como por meio do desvio de verbas por parte dos dirigentes; a má<br />

qualificação e formação profissional dos docentes; despreparo para lidar com os recursos<br />

tecnológicos existentes e, paradoxalmente, a inexistência de tais recursos nas escolas; além do<br />

não incentivo financeiro e pedagógico aos docentes, os quais desenvolvem suas atividades em<br />

estruturas físicas precárias, com superlotação das salas de aulas, permeadas de componentes<br />

curriculares conteudistas, que se limitam à realização de exames e provas, entre outras<br />

dificuldades (PARO, 2001).<br />

Segundo Graciani (2005, p.104),<br />

Na realidade o sistema educativo, sem ser o único, assume, à sua maneira, os<br />

conflitos sociais, dominado como está por interesses privados de manutenção<br />

de privilégios socieconômicos, e um processo de seleção baseado em méritos<br />

escolares, com uma dinâmica de discriminação social. Isso explica sua<br />

segmentação interna que, por meio de subsistemas de prestígio social diversos<br />

e de tipos e anos de escolaridade em função de metas social diferentes e<br />

através de filtros de toda sorte, regula a oferta e a promoção educativa<br />

segundo os cânones de desigualdade social. A maioria das crianças,<br />

adolescentes e jovens de e na rua foi excluída desse processo, principalmente<br />

da educação básica fundamental e do próprio contingente populacional a que<br />

pertence<br />

Complementando a reflexão de Graciani sobre a relação entre pobreza com a<br />

educação, Connell (2001, p. 11) aponta:<br />

3.3.1 Um olhar crítico sobre a educação<br />

A maneira como a escola trata a pobreza constitui uma avaliação importante<br />

do êxito de um sistema educacional. Crianças vindas de famílias pobres são,<br />

em geral, as que têm menor êxito, se avaliadas através dos procedimentos<br />

convencionais de medida e as mais difíceis de serem ensinadas através dos<br />

métodos tradicionais. Elas são as que têm menos poder na escola, são as<br />

menos capazes de fazer valer suas reivindicações ou de insistir para que suas<br />

necessidades sejam satisfeitas, mas são, por outro lado, as que mais dependem<br />

da escola para obter sua educação.<br />

Freire (2001) faz crítica à educação tradicional ou a dos “bancos escolares”, que se<br />

limita a empregar uma metodologia em que os educandos se transformam em meros<br />

recipientes de conhecimentos prontos, desvinculada da realidade desses sujeitos, além de não


valorizar as experiências e saberes de cada um. A educação, para o autor, também não deve<br />

ficar restrita à mera busca de valorização de experiências, sem aprofundamento teórico, o qual<br />

leve a pensar sobre seu agir no mundo. Para tanto, o educador, consciente de sua função, deve<br />

conduzir o educando, na superação do senso comum, por meio de uma leitura critica da<br />

realidade social e política, diferente do que está contido nos livros, jornais, revistas, de modo<br />

que o educando, possa atuar rompendo com o pragmatismo, com o determinismo e com o<br />

fatalismo da História 23 .<br />

Segundo dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Anísio Teixeira (INEP),<br />

divulgada na matéria de Bencini e Minami (2006) da revista Nova Escola, o país destina<br />

apenas 4,3 % do Produto Interno Bruto (PIB) em educação, ao invés do ideal de 7%, proposto<br />

pelo Plano Nacional de Educação de 2001; e, para agravar a situação, ressalta a revista, de<br />

“cada 100 alunos que entram na 1ª série, só 47% concluem a 8ª série na idade certa, 14%<br />

terminam o ensino Médio sem repetir ou evadir e 11% conseguem ingressar no ensino<br />

Superior (p.40)”. Portanto a exclusão gradativa de alunos do sistema educacional gera uma<br />

massa de trabalhadores com baixa escolaridade e desqualificada para ingressar no concorrido<br />

mercado de trabalho, o qual exige, a cada dia, mais qualificação técnico-profissional.<br />

Conforme a mesma reportagem da Nova Escola, “[...] é como se aos olhos do mundo o país<br />

tivesse uma grande massa de trabalhadores que não é capaz de pensar, apenas executar tarefas<br />

– o que deveria ser feito exclusivamente por máquinas” (BENCINI; MINAMI, 2006, p.43).<br />

Paulo Freire (2001), ao fazer uma análise da Escola Pública e da Educação Popular,<br />

chama a atenção dos educadores para não exercerem práticas educacionais autoritárias e<br />

muito menos “populistas”. O educador deve desenvolver suas atividades pedagógicas a partir<br />

de mecanismos que levem os educandos a perceberem a “História como possibilidades”, que<br />

recusa o jogo de destinos e reconhece a intervenção dos sujeitos no mundo que o cerca,<br />

levando em consideração a subjetividade deste no processo de reconstrução dos fatores<br />

condicionantes, que robotiza a ação humana dentro do sistema neoliberal.<br />

Dados publicados pelo IBGE, na “Síntese dos Indicadores Sociais de 2005”,<br />

demonstram a queda no analfabetismo. No entanto há, em contrapartida, um elevado número<br />

23 Dentre as várias compreensões da História relacionadas ao futuro dos educando, no percurso educacional e<br />

social, Paulo Freire (2001) destaca a História imobilizadora, a qual ele define como a “pura repetição do presente<br />

(p.33)”, onde é inculcada no educando a não possibilidade de mudança, de superação da pobreza e das diversas<br />

formas de discriminação. Uma outra se refere à concepção de História condicionada, ou seja, “o futuro é um prédado,<br />

uma espécie de sina, de fado. O futuro não é problemático. Pelo contrário, é inexorável (p.34)”, que, por<br />

sua vez, domestica as vontades, deixando intactas as estruturas sociais. Para Paulo Freire, a História “é tempo de<br />

possibilidades e não de determinações (p.35)”, demanda liberdade de ação dos sujeitos-objetos dela, pois o ser<br />

humano possui a capacidade de reinventar, inovar o mundo.


de analfabetos funcionais, que não conseguem compreender o que lêem, por mais simples que<br />

possa parecer:<br />

A análise do que se convencionou chamar de analfabetos funcionais, isto é, as<br />

pessoas com 15 anos ou mais de idade com menos de quatro anos completos<br />

de estudo (ou seja, pessoas alfabetizadas, mas não suficientemente<br />

familiarizadas com as bases da leitura, escrita e operações elementares),<br />

mostra-se mais preocupante. No Brasil, quase ¼ da população na referida<br />

faixa etária encontrava-se nessa condição. Nas Regiões Norte e Nordeste,<br />

esses percentuais alcançavam 29,1% e 37,6%, respectivamente. Dentre as<br />

Unidades da Federação, chama atenção a elevada proporção de analfabetos<br />

funcionais em Alagoas (45,5%) e Piauí (42,4%) (IBGE, 2005).<br />

De acordo com a IBGE (2005), a região Nordeste ocupa o 1º lugar na taxa de<br />

analfabetismo (22,4%) e de analfabetismo funcional (37,6%), sendo que a Paraíba ocupa o 3º<br />

lugar na taxa de analfabetismo funcional das pessoas de 15 anos ou mais de idade (40,5%).<br />

Convém destacar que a situação da Paraíba é quase semelhante à do Piauí, uma vez<br />

que ambos os Estados estão bem acima da média brasileira de analfabetos funcionais, que é<br />

de 24,5 %. O alto índice de analfabetismo funcional demonstra que a maioria da população<br />

não se encontra preparada para ingressar no mercado de trabalho e, assim, ter melhores<br />

perspectivas de vida. Estes dados corroboram a literatura que aponta a desconexão existente<br />

entre a Educação e a Realidade Social dos educandos, os quais saem despreparados para<br />

enfrentar o complexo e informatizado mercado de trabalho, que exige habilidades complexas,<br />

boa comunicação, capacidade de abstração, de prospecção, de aprender continuamente, de<br />

agir responsavelmente e de maneira autônoma, ser flexível diante de decisões grupais, ter<br />

capacidade de suportar e superar conflitos a partir de uma base sólida de conhecimentos,<br />

como bem afirma Paiva (2003). Ao fazer análise sobre o analfabetismo funcional na<br />

contemporaneidade, a autora explicita que:<br />

[...] Num mundo em que o emprego torna-se mais precário e mais raro, mais<br />

do que cursos profissionais rápidos jovens e adultos precisam de uma<br />

formação de base ampla e de caráter geral sobre a qual possam enfrentar a<br />

gangorra social e profissional. Ela demanda de cada um flexibilidade<br />

suficiente para mudar de profissão ao longo da vida e enfrentar situações<br />

marcadas pela instabilidade e pela necessidade constante de adaptação<br />

(PAIVA, 2003, p.416).<br />

É sabido, ressalta a autora, que as experiências educacionais acumuladas durante o<br />

transcorrer da história, as quais limitam a massa da população ao simples ato de ler e escrever,<br />

são ineficazes. A fixação da aprendizagem não se limita a decodificação e cópia de letras, ela<br />

vai muito além desses atos. A aprendizagem depende também de fatores como a qualificação<br />

dos professores, da qualidade do material, da infra-estrutura da escola e dos investimentos<br />

nela depositados, no intuito do desenvolvimento das habilidades e potencialidades dos


educandos, viabilizando o acesso ao conhecimento efetivo, transpassado no dia-a-dia pelas<br />

constantes inovações tecnológicas inseridas na sociedade, caracterizada como “sociedade do<br />

conhecimento 24 ”. Sem as características necessárias para ingressar no complexo mercado de<br />

trabalho, estes trabalhadores estão inclinados ao subemprego, vulneráveis ao Sistema de<br />

Proteção Social que:<br />

[...] tem se mostrado incapaz de enfrentar o empobrecimento crescente e a<br />

desproteção social de amplo contingente da população brasileira, sem lugar no<br />

mercado de trabalho ou sujeita a ocupar postos de trabalhos precários,<br />

instáveis, sem proteção social e com remuneração cada vez mais rebaixada.<br />

Ademais, os programas sociais têm sido orientados, historicamente por<br />

políticas compensatórias e desvinculadas das políticas de desenvolvimento<br />

econômico, cujos modelos só têm servido para incrementar a concentração de<br />

renda e a manutenção de uma economia centrada na informalidade, que exclui<br />

a maioria dos trabalhadores dos serviços sociais que deveriam atender à<br />

população mais carente (SILVA; YAZBEK; GIOVANNI, 2004, p.28).<br />

Sendo assim, a inserção de crianças e adolescentes no mercado de trabalho demonstra,<br />

por um lado, as deficiências das políticas para a educação, saúde, saneamento básico,<br />

moradia, esportes, lazer, cultura entre outras. Por outro, expressa claramente os efeitos<br />

perversos da má distribuição de renda, do desemprego estrutural, dos baixos salários, ou seja,<br />

de um modelo econômico que não contempla as necessidades do desenvolvimento social.<br />

Neste quadro que se desenha sobre a educação formal e sobre os programas sociais,<br />

em especial o PETI, pode-se perguntar, então, em que o monitor difere do professor, já que<br />

cabe a ambos o papel de educador? E como fica a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) com<br />

relação ao papel desempenhado pelo monitor no PETI?<br />

24 Para Gadotti (2000) devido a importância atribuída ao conhecimento e aos constantes desenvolvimentos das<br />

novas tecnologias da informação e da comunicação, além da globalização das telecomunicações, seria mais<br />

apropriado afirmar que se vive na “era da informação”. Segundo o autor, “a sociedade do conhecimento traduzse<br />

por redes, teias (Illich), árvores do conhecimento, sem hierarquias, em unidades dinâmicas e criativas, em<br />

conectividade, intercâmbio, consultas entre instituições e pessoas, articulação, contatos e vínculo (p.250)”


Na verdade, porém, os chamados marginalizados, que são os oprimidos, jamais estiveram fora de.<br />

Sempre estiveram dentro de. Dentro da estrutura que os transforma em “seres para outro”. Sua<br />

solução, pois, não está em “integrar-se” a esta estrutura que o oprime, mas em transformá-la para<br />

que possam fazer-se “seres para si”.<br />

(Paulo Freire,2000)


4 A FORMAÇÃO E A PRÁTICA DO MONITOR DO PETI<br />

Neste capítulo, faz-se-á uma discussão sobre a concepção de monitor dentro da<br />

Jornada Ampliada do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil, procurando-se perceber<br />

o papel social que o monitor exerce junto às crianças e adolescentes egressos do trabalho<br />

infanto-juvenil.<br />

4.1 A concepção de monitor e suas atribuições no PETI<br />

As crianças e os adolescentes, ao serem inseridos no Programa de Erradicação do Trabalho<br />

Infantil (PETI), devem freqüentar a escola e a Jornada Ampliada do Programa, dando<br />

continuidade aos estudos, conforme estabelece o Artigo 208 da Constituição de 1988, que fixa<br />

ser dever do Estado garantir o ensino fundamental obrigatório e gratuito. Essa articulação da<br />

escola com a Jornada Ampliada do PETI pode ser vista como um ensaio ou esforço a priori<br />

para implantação do regime de escolas de tempo integral, conforme reza o artigo 87,<br />

parágrafo 5º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB): “Serão conjugados<br />

todos os esforços objetivando a progressão das redes escolares públicas urbanas de ensino<br />

fundamental para o regime de escolas de tempo integral”.<br />

Na Jornada Ampliada, os egressos do trabalho infantil ficam sob a responsabilidade do<br />

monitor, que é contratado para desenvolver atividades ludo-pedagógicas e de aprendizagem<br />

junto às crianças e aos adolescentes, em um período complementar ao da escola, de segunda a<br />

sexta-feira, com a duração de quatro horas diárias, conforme o período antagônico em que a<br />

criança e o adolescente estejam na escola. Caso haja dificuldade de acesso aos locais de<br />

realização da Jornada Ampliada, especialmente na área rural, a carga horária diária poderá ser<br />

reduzida, não podendo ser inferior a duas horas (BRASIL, 2004).<br />

A Jornada Ampliada como ação educativa, segundo as diretrizes do Programa, está<br />

dividida em núcleo básico e específico. O primeiro consiste em:<br />

• Enriquecer o universo de informações, cultural e lúdico, de crianças e<br />

adolescentes, por meio de atividades complementares e articuladas entre si,<br />

destacando aquelas voltadas para o desenvolvimento da comunicação, da<br />

sociabilidade, de habilidades para a vida, de trocas culturais e as atividades<br />

lúdicas;


• Apoiar a criança e o adolescente em seu processo de desenvolvimento,<br />

fortalecendo sua auto-estima, em estreita relação com a família, a escola e a<br />

comunidade (BRASIL, 2004, p.6).<br />

Este núcleo exprime o objetivo principal da jornada, o qual procura evidenciar a<br />

proposta educacional como reintegradora dos egressos do trabalho infanto-juvenil à<br />

sociedade, levando em consideração os aspectos físicos, psíquicos, culturais e econômicos.<br />

Sendo assim, este núcleo se baseia em planejamentos de atividades não-formais ou extraescolares<br />

(LIBÂNEO, 1994) 25 , que deverão ser desenvolvidas junto aos egressos do trabalho<br />

infanto-juvenil.<br />

O segundo núcleo está direcionado às atividades inerentes à formação prática, como as<br />

artísticas e desportivas, as quais auxiliam o monitor no processo de ensino-aprendizagem, tais<br />

como:<br />

• Atividades artísticas em suas diferentes linguagens que favoreçam a<br />

sociabilidade e preencham necessidades de expressão e trocas culturais;<br />

• Práticas desportivas que favoreçam o auto-conhecimento corporal, a<br />

convivência grupal e o acesso ao lúdico;<br />

• Atividades de apoio ao processo de aprendizagem, por meio de reforço<br />

escolar, aulas de informática, línguas estrangeiras, educação para a cidadania<br />

e direitos humanos, educação ambiental e outros, de acordo com interesses e<br />

demandas, especificidades locais e capacidade técnico-profissional do órgão<br />

ou organização proponente; ações de educação para a saúde, priorizando o<br />

acesso a informações sobre os riscos do trabalho precoce, a sexualidade,<br />

gravidez na adolescência, malefícios do uso de drogas, DST/AIDS, entre<br />

outros temas (BRASIL, 2004, p.7).<br />

O desenvolvimento destas atividades requer dos monitores formação e preparação<br />

profissional em múltiplas áreas como: conhecimentos básicos de Arte, Português,<br />

Matemática, História, Língua Estrangeira, Informática, Ciências e Geografia. Estas e outras<br />

disciplinas de âmbito escolar serão solicitadas na hora do reforço escolar 26 . No entanto,<br />

observa-se que teoricamente, as diretrizes do Programa, requerem um profissional bem<br />

qualificado, que saiba lidar, em um mesmo espaço educativo, com educandos em níveis<br />

escolares diversos e, que o mesmo possua múltipla formação, para suprir as diversas<br />

necessidades apresentadas pelos egressos do trabalho infanto-juvenil. Cumprir ou respeitar<br />

tais exigências torna-se difícil para o monitor, devido tal profissional inexistir na<br />

25 A educação não-formal, conforme Libâneo (1994), se refere àquelas atividades com caráter de<br />

intencionalidade, no entanto com baixo grau de estruturação e sistematização, abrangendo relações pedagógicas,<br />

mas não formalizadas. Tal é o caso da Jornada Ampliada do PETI, definida como não-formal.<br />

26 Conforme as diretrizes descritas no Manual do PETI (BRASIL, 2004, p.16), a Jornada Ampliada deverá ter a<br />

sua carga horária distribuída, “sendo que, de 20% a 30% desse tempo, deverá ser destinado ao reforço escolar e<br />

de 70% a 80% às demais atividades”.


contemporaneidade, pois é uma época onde se descortina e se investe na formação de<br />

especialistas.<br />

Além das exigências específicas provenientes de sala de aulas, há também os temas<br />

complexos - como cidadania, direitos humanos, educação ambiental, cultura geral e local,<br />

trabalho infanto-juvenil e suas implicações, legislação e a importância da socialização do<br />

trabalho em grupo e elevação da auto-estima, entre outros – os quais requerem do monitor<br />

conhecimento gerais e capacidade crítica, conforme exige o Manual de Orientações do<br />

Programa (BRASIL, 2004) e o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, o qual reza:<br />

Art. 58. No processo educacional respeitar-se-ão os valores culturais,<br />

artísticos e históricos próprios do contexto social da criança e do adolescente,<br />

garantindo-se a estes a liberdade da criação e o acesso às fontes de cultura<br />

(grifo nosso).<br />

Art. 59. Os municípios, com apoio dos estados e da União, estimularão e<br />

facilitarão a destinação de recursos e espaços para programações culturais,<br />

esportivas e de lazer voltadas para a infância e a juventude.<br />

A formação continuada dos monitores, segundo o Manual de Orientações do PETI<br />

(BRASIL, 2004), deveria ficar sob a responsabilidade do Município, em parceria com as<br />

Secretarias Municipais e Estaduais de Educação, no intuito de selecionar e capacitar os<br />

monitores da Jornada Ampliada, cabendo a coordenação geral das atividades no âmbito local<br />

à Secretaria Municipal de Ação Social ou órgão equivalente. Essa articulação entre as esferas<br />

dos poderes Estadual e Municipal não pode deixar de prescindir a importância da formação do<br />

monitor que:<br />

Faz-se necessário garantir a formação continuada dos monitores. Deve ser<br />

previsto um treinamento mínimo, além de momentos mensais formativos, para<br />

favorecer o planejamento e a reflexão sobre temáticas do cotidiano. Essa<br />

formação fundamenta-se no pressuposto de que a educação implica a<br />

necessidade de conhecimentos sempre atualizados (BRASIL, 2004, p. 20,<br />

grifo nosso).<br />

Para tanto, o Manual de Orientações do PETI (BRASIL, 2004), no intuito de<br />

complementar e nortear o trabalho desenvolvido na Jornada Ampliada exige a elaboração de<br />

uma Proposta Pedagógica. Tal proposta deve pautar suas bases em dados da realidade dos<br />

inseridos e, ao mesmo tempo, atender às demandas provenientes da escola, procurando<br />

envolver a participação das famílias no Programa e obedecendo aos seguintes eixos:<br />

▪ princípios estabelecidos no ECA e na LOAS;<br />

▪ interdisciplinariedade das atividades;<br />

▪ multiprofissionalidade do atendimento;<br />

▪ integração das Políticas e Programas (Educação, Assistência Social,<br />

Cultura, Esporte, etc.);<br />

▪ fortalecimento da Cultura Local e intercâmbio com outras realidades;


▪ protagonismo dos usuários;<br />

▪ participação das Famílias Assistidas;<br />

▪ nível de desenvolvimento físico, psíquico e social dos usuários;<br />

▪ alteração da realidade dos usuários, buscando-se a promoção de melhorias;<br />

▪ avaliação e monitoramento (BRASIL, 2004, p.8).<br />

Para que esses eixos sejam contemplados, exige-se que todos “os atores” envolvidos<br />

na execução e funcionamento do Programa sejam capacitados, contemplando os “atores” da<br />

esfera estadual e municipal:<br />

Devem ser alvo de capacitação no âmbito estadual a equipe técnica<br />

responsável pela Coordenação do PETI, os Grupos Especiais de Combate ao<br />

Trabalho Infantil – GECTIPA’s - e as Comissões Estaduais de Erradicação do<br />

Trabalho Infantil. Para tanto, conta-se com a colaboração dos demais<br />

parceiros, no sentido de viabilização de meios para a efetiva participação dos<br />

seus representantes, nas capacitações oferecidas.<br />

No âmbito dos municípios, devem ser promovidas capacitações pelo estado,<br />

destinadas às equipes técnicas responsáveis pela Coordenação do PETI,<br />

gestores municipais da Assistência Social, Comissões Municipais de<br />

Erradicação do Trabalho Infantil e monitores da jornada ampliada. Os<br />

monitores da jornada ampliada devem ser capacitados, se possível, em<br />

parceria com os municípios (BRASIL, 2004, p. 14).<br />

Para os monitores, o Manual do Programa afirma que:<br />

[...] Deve ser previsto um treinamento mínimo, além de momentos mensais<br />

formativos, para favorecer o planejamento e a reflexão sobre temáticas do<br />

cotidiano. Essa formação fundamenta-se no pressuposto de que a educação<br />

implica a necessidade de conhecimentos sempre atualizados (BRASIL, 2004,<br />

p. 16).<br />

Com a devida formação, o monitor do PETI terá mais condições de desenvolver seu<br />

trabalho educativo de forma organizada e efetiva, e terá as bases para identificar os diferentes<br />

atores que compõem o espaço da Jornada Ampliada, estabelecendo com eles uma relação de<br />

confiança, auxiliando-os na construção dos projetos de vida, por meio de atividades lúdicas e<br />

socioeducativas, norteadas pela educação para a cidadania, que é o eixo central de todo<br />

trabalho desenvolvido (BRASIL, 2004):<br />

O contato entre os professores e monitores deve ser regular para que haja<br />

harmonia nas ações desenvolvidas e para que se possa realizar um<br />

acompanhamento mais eficiente dos avanços e dificuldades no processo de<br />

aprendizagem das crianças e dos adolescentes (BRASIL, 2004, p.16).<br />

Portanto vale ressaltar que a figura do monitor do PETI, no processo educativo e<br />

social dos inseridos no Programa, é um elemento de fundamental importância para o sucesso<br />

do trabalho, pois ele desenvolve atividades educativas em um espaço onde as crianças e<br />

adolescentes poderão reorganizar o seu cotidiano, tendo a oportunidade de entrar em contato<br />

com atividades próprias da idade em desenvolvimento, através de atividades lúdicas,


pedagógicas e de aprendizagem, que contribuirão para o desenvolvimento cultura e<br />

biopsicosocial. O PETI, quando bem articulado nos municípios onde foi implantado, ressalta<br />

Mustafá et al (2001, p.17):<br />

[...] o retorno ou ingresso da criança à escola lhe devolve a auto-estima, a<br />

capacidade de acreditar em si mesma, a socialização e o respeito pelos outros,<br />

o desenvolvimento da criatividade e de potencialidades latentes desconhecidas<br />

pelos pais e pelas próprias crianças; a descoberta de um mundo e de valores<br />

novos com novas perspectivas de vida.<br />

Sendo assim, vale salientar a importância da brincadeira e dos jogos, pois é por meio<br />

da realização das atividades lúdicas que a criança e o adolescente desenvolvem o senso de<br />

companheirismo, aprendem a aceitar o sucesso e o fracasso, a lidar com suas frustrações, a<br />

compreender o sentido das regras sociais, têm estimulo para aguçar a imaginação, a<br />

curiosidade, a fantasia, as habilidades cognitivas, lingüísticas e motoras. Autores como Piaget<br />

e Vygotsky deram atenção a este assunto e mostraram a importância do lúdico e do “faz-deconta”<br />

para o desenvolvimento saudável no processo de maturação e de interação social com<br />

o meio de ir aguçando a capacidade simbólica (RIVIÈRE, 1995).<br />

Para os cognitivistas, o brincar preenche as necessidades da criança para o seu<br />

desenvolvimento, possibilita a aquisição dos pré-requisitos para a construção<br />

das estruturas operacionais, do pensamento lógico, de autonomia moral e da<br />

linguagem socializada (ALBERTO, 2002, p.257).<br />

Oliveira (2002), ao falar da importância da brincadeira e do brinquedo para o<br />

desenvolvimento cognitivo e social da criança, a partir da perspectiva de Vygotsky, afirma:<br />

Tanto pela criação da situação imaginária, como pela definição de regras<br />

específicas, o brinquedo cria uma zona de desenvolvimento proximal na<br />

criança. No brinquedo a criança comporta-se de forma mais avançada do que<br />

nas atividades da vida real e também aprende a separar objeto e significado.<br />

Embora num exame superficial possa parecer que o brinquedo tem pouca<br />

semelhança com atividades psicológicas mais complexas do ser humano, uma<br />

análise mais aprofundada revela que as ações no brinquedo são subordinadas<br />

aos significados dos objetos, contribuindo claramente para o desenvolvimento<br />

da criança (OLIVEIRA, 2002, p.67, grifo da autora).<br />

Os jogos realizados pelas crianças em todos os tempos, estabelecem vínculos sociais,<br />

ajudam a criança a se adequar ao grupo e as fazem aceitar a participação de outras crianças<br />

com os mesmos direitos, afirma Altman (2004) ao analisar a importância da brincadeira no<br />

decorrer da história. Segundo a mesma autora, a criança, através do seu momento de<br />

ludicidade:<br />

[...] Aprende a ganhar, mas também a perder. Acatando regras, propondo e<br />

aceitando modificações, aprende a apoiar o mais fraco e a consagrar o<br />

vitorioso. Ao sair-se bem, torna-se confiante e seguro. Quando perde se


aborrece, mas enfrenta a realidade. Participa e é eliminado, como parte do<br />

jogo. Assim aprende a agir como “ser social” e cresce (ALTMAN, p. 240).<br />

No entanto, Graciani (2005) ressalta que há uma preocupação histórica e desconfiança<br />

por parte da sociedade e das instituições, em especial a escola, com o “tempo livre” das<br />

crianças das classes populares. Esse tempo é visto como momentos de “vagabundagem e<br />

vadiagem”, caminho perigoso, que conduz à participação no mundo do tráfico de drogas,<br />

roubo, prostituição entre outros delitos. Daí a importância de se dar à criança, a todo custo,<br />

algum tipo de ocupação, mantendo-a na escola ou exercendo alguma atividade laboral, pois é<br />

“no bom emprego do corpo, que permite um bom emprego do tempo, nada deve ficar ocioso e<br />

inútil (FOUCAULT, 1977, p.138)”.<br />

Contudo Graciani (2005) afirma que se faz necessário perceber-se a importância do<br />

“tempo livre” para o processo de constituição do sujeito e do cidadão, pois “a liberdade<br />

proporcionada pelo jogo estabelece uma subjetividade interna ao próprio ato de jogar”. E essa<br />

liberdade, continua a autora, “combina-se com a necessidade de exercer funções e tarefas,<br />

num quadro geral de obrigações preparatórias ou antecipatórias da vida adulta (p.168)”, que<br />

auxiliará no desenvolvimento do processo social e educativo, seja através de jogos,<br />

brincadeiras ou de desenhos.<br />

A criança e o adolescente, ao desenvolverem atividades lúdicas, irão refletir o contexto<br />

social em que vivem, as relações humanas e outras variáveis externas à sua condição de<br />

sujeito, como bem afirma Gramsci (1985, p.131):<br />

[...] a consciência da criança não é algo “individual” (e muito menos<br />

individualizado), é o reflexo da fração da sociedade civil da qual participa, das<br />

relações sociais como elas se concentram na família, na vizinhança, na aldeia,<br />

etc.<br />

Daí a importância de se estar atento ao que os egressos do trabalho infantil trazem para<br />

a situação socioeducativa, seja para o espaço da Jornada Ampliada ou para o da escolar, já<br />

que eles trazem consigo as condições de vida real que o meio social lhes permite ter.<br />

Mas, para que o monitor do PETI venha a desenvolver suas atividades com crianças e<br />

adolescentes, de forma ludo-pedagógica, a partir da formação de um ambiente de confiança e<br />

em consonância com as diretrizes do Programa, deve, primeiramente, se dispor a conhecê-los,<br />

pois, conforme Gadotti (2005, p.16), isso “exige tempo, sensibilidade, alegria, envolvimento<br />

[...] O imediatismo não resolve e a pura preparação técnica também não”. Esse tempo,<br />

conforme este autor, é para que o educador venha a aprender sobre a linguagem e códigos de<br />

que eles fazem uso no seu dia-a-dia, os significados de cada gesto, palavra e olhar no intuito


de haver uma troca de saberes e de experiências, facilitando, assim, o processo de aquisição<br />

de novos saberes.<br />

Segundo Graciani (2005 p. 81-82):<br />

É, pois, fundamental, no trabalho popular, informar, estimular e orientar o<br />

descobrimento do educando, sujeito a se apropriar dos conhecimentos, tanto<br />

no seu aspecto específico local (por exemplo, levar as crianças e os<br />

adolescentes a criarem um novo projeto de vida) quanto no âmbito mais geral<br />

e global (por exemplo, levá-los a perceber como as políticas públicas básicas<br />

têm se preocupado ou não com as crianças e adolescentes de rua). Ao mesmo<br />

tempo, deve-se levá-los a se apropriar dos conhecimentos relativos a seu<br />

corpo, à saúde individual e ambiental, preventiva e curativa, ao estilo de vida<br />

que levam, ao trabalho de cada um, a um universo psicológico, intuitivo,<br />

perceptivo, além dos conhecimentos relativos à sua cultura, linguagem,<br />

ludicidade e luta.<br />

Para tanto, conforme o Manual do PETI (BRASIL, 2004, p.16), faz-se necessário ao<br />

monitor da Jornada Ampliada “procurar estabelecer vínculos com as crianças e adolescentes,<br />

de forma a instigar o seu auto-conhecimento como sujeito social, além de estimular sua autoestima”.<br />

Estas características delineadas mostram que a ação pedagógica que deve ser<br />

desenvolvida por este profissional exige capacitação adequada para saber lidar com os<br />

egressos do trabalho infanto-juvenil, pois tanto a escola como a Jornada Ampliada são<br />

obrigados a respeitar “os valores culturais, artísticos e históricos próprios do contexto social<br />

da criança e do adolescente, garantindo-se a estes a liberdade da criação e o acesso às fontes<br />

de cultura”, assegurados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, no seu Artigo 58.<br />

Para que este “vínculo” venha a ser estabelecido e o trabalho pedagógico venha a ser<br />

efetuado de modo eficaz, objetivo e contextualizado, Graciani (2005) aponta algumas<br />

características fundamentais no processo educativo das crianças e adolescentes em condição<br />

de rua como a personalidade da pessoa que se coloca a desenvolver atividades<br />

socioeducativas com esta população, denominada pela autora de educador social de rua, e o<br />

aparato técnico-profissional. Com relação à primeira, a autora destaca a dimensão relacional,<br />

que se refere à facilidade pessoal do educador em construir relacionamentos, pois “[...] é no<br />

corpo a corpo, no olho a olho cotidianos com esses meninos (as) que se pode revelar o<br />

acolhimento, o compromisso, a paciência e a competência, assim como os preconceitos,<br />

impaciências, rejeições ou rigidez [...] (GRACIANI, 2005, p.199)”. Quanto ao aparato<br />

técnico-profissional, a autora destaca o respeito às habilidades e conhecimentos<br />

(competências), sobre determinadas áreas do conhecimento, pessoas ou processos específicos<br />

e globais, os quais darão suporte, tanto na reflexão como na ação do educador, bem como no<br />

desenvolvimento das atividades educativas junto às crianças e aos adolescentes.


Mas, para que o processo educativo venha a se efetivar, segundo a autora, o educador<br />

social de rua deve considerar como fundamental ao seu perfil:<br />

[...] a ausência de preconceito e discriminação racial e social em relação a<br />

crianças e adolescentes degradados, a crença autêntica e comprometida na<br />

emancipalidade, a empatia real com meninos (as) de rua e um potencial de<br />

afetividade equilibrado, sem dependência, gerando respeito, confiança e<br />

segurança na criança e no adolescente, a percepção aguçada das diferentes<br />

circunstâncias do processo pessoal e grupal em relação à escrita do menino<br />

(a), a capacidade de agir com autoridade, diferente de autoritarismo, a<br />

compreensão e o espírito de justiça, o espírito democrático, diferente do<br />

democratismo e permissividade, a criatividade, a crítica e o espírito<br />

participativo para lidar com situações emergentes, originais e individualizadas,<br />

saber administrar e lidar com conflitos individuais e coletivos, a<br />

disponibilidade e a disposição permanentes ao aprendizado, à retificação, à<br />

revisão e à releitura do processo educativo como processo avaliativo<br />

(GRACIANI, 2005, p.199-200).<br />

Logo, devido à semelhança de atividades e conceitos, o trabalho desenvolvido pelo<br />

monitor, no espaço da Jornada Ampliada do PETI, deveria equivaler aos trabalhos<br />

desenvolvidos ou realizados pelo educador social de rua. Este educador, apresentado por<br />

Graciani (2005), exerce ações pedagógicas fora dos domínios do ambiente escolar, mas que<br />

está envolvido em atividades sócio-educativas e coletivas que visam ao desenvolvimento das<br />

dimensões corporais, afetivas e intelectuais, das crianças e adolescentes, fragilizadas pelo<br />

desempenho de atividades laborais que desconsideram as fases de desenvolvimento físico e<br />

psíquico, além do processo de maturação peculiar a cada sujeito. Muitas vezes, as<br />

dificuldades da criança e do adolescente têm a sua origem na própria falta de apoio da família,<br />

que, em sua maioria, desconhece esse processo de desenvolvimento, conduzindo-os para o<br />

trabalho precoce, no intuito de que eles venham “ajudar” na manutenção financeira da casa e<br />

no “cuidado 27 ” dos demais membros da família, pois “a situação de pobreza obriga os pais<br />

tanto a utilizar os filhos como mão de obra doméstica, quanto a oferecê-los no mercado de<br />

trabalho para aumentar a renda familiar (ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO<br />

TRABALHO, 2001, p.20)”.<br />

A criança e o adolescente, ao serem inseridos no PETI, devem ser destituídos da<br />

responsabilidade que assumiram, como as de mantenedores de suas famílias. No espaço da<br />

Jornada Ampliada do Programa, os egressos do trabalho infanto-juvenil têm a possibilidade<br />

de resgatar o gosto pela brincadeira, próprio do seu estágio de desenvolvimento, e o tempo<br />

necessário para se dedicarem às atividades escolares, conforme estabelecem as diretrizes do<br />

27 Entende-se por “cuidado” a atividade realizada por um cuidador, sendo aquele que está na condição de<br />

responsável por alguma coisa ou alguém (HOUAISS, 2001).


PETI, as quais determinam a sua retirada de atividades laborais, que colocam em risco que<br />

saúde e segurança.<br />

A garantia da permanência das crianças e dos adolescentes no espaço da Jornada<br />

Ampliada e do ensino regular está estabelecida pela Portaria 666, de 28 de dezembro de 2005,<br />

Art. 27, que disciplina a integração entre o Programa Bolsa Família e o PETI, de modo que os<br />

egressos do trabalho infanto-juvenil devem ter a freqüência mínima exigida de 85% da carga<br />

horária mensal. Caso contrário, o beneficio será suspenso até a situação da criança e do<br />

adolescente ser novamente regularizada.<br />

Daí a importância do monitor, desenvolver um papel de educador social nos moldes da<br />

Educação Popular, que deveria desenvolver atividades educativas com as crianças e<br />

adolescentes em situação de risco pessoal e social, em espaços não-formais para tornar o<br />

ambiente educativo atrativo, criativo, interativo, acolhedor, onde o processo de aprendizagem<br />

possa provocar curiosidade, estimulando a atenção e a concentração, visando afastá-los das<br />

piores formas de trabalho infantil, como a exploração sexual, a lavoura de cana-de-açúcar e de<br />

abacaxi, o trabalho infantil doméstico entre outras.<br />

Trillar (2003), ao analisar as atividades socioeducativas na Espanha, elabora o<br />

conceito da Pedagogia Social 28 , de forma que seu campo de atuação refere-se a:<br />

• Prioritariamente ao desenvolvimento da sociabilidade dos sujeitos.<br />

• Têm como destinatários privilegiados indivíduos ou grupos em situação de<br />

conflito social.<br />

• Ocupa-se de contextos ou de meios educativos não-formais.<br />

Este educador social, tal qual no contexto em que se dá o PETI, é de fundamental<br />

importância para a formação das crianças e adolescentes inseridos no PETI, se enquadra, na<br />

definição dada por Graciani (2005, p.26), na categoria “Educador social de Rua” que, segundo<br />

a autora, consiste em ser:<br />

O profissional que desenvolve uma ação pedagógica junto às crianças e<br />

adolescentes em situação de risco pessoal e social, que têm dificuldades de<br />

inserção social, e uma ação comunitária mediante a promoção de eventos e<br />

atividades de sensibilização e de informação junto às famílias e comunidades,<br />

escolas e toda à sociedade sobre direitos das crianças; uma ação jurídicoinstitucional<br />

de contatos com instituições sociais organizadas, governamentais<br />

ou não, como respaldo e retaguarda do seu trabalho educativo.<br />

A partir da reflexão desses autores, fica perceptível o papel do monitor do PETI,<br />

sujeito desta pesquisa, deveria se assemelhar, pois a função que o educador social exerce vai<br />

28 Para Trillar (2003, p. 26), o objeto da Pedagogia Social está direcionada a intervenções educativas dirigidas<br />

ao: “desenvolvimento da sociabilidade de sujeitos ou grupos em situação de conflito social; ao desenvolvimento<br />

da sociabilidade em contextos educativos não-formais; a intervenções educativas não-formais sobre sujeitos ou<br />

grupos em situação de conflito social”.


ao encontro da realizada pelo o educador descrito tanto por Graciani (2005) como por Trillar<br />

(2003). Os modelos apresentados por estes autores descrevem a postura do educador que<br />

trabalha com uma população considerada de risco e que necessita de intervenções e<br />

metodologias apropriadas, que conduzam o educador a desenvolver seu trabalho, respeitando<br />

a trajetória e experiências de vida e cultural dos educandos. Sendo assim, o PETI, como<br />

Programa de Assistência Social de Renda Mínima deveria se, através de seus agentes:<br />

[...] um valioso instrumento de articulação e mobilização das ações integradas,<br />

abrangendo as diversas necessidades e políticas que perpassam as condições<br />

de vida da população alvo. Fato que requer uma politização das discussões dos<br />

gestores, usuários e organizações da sociedade civil sobre o potencial do<br />

Programa e o seu papel como política de combate à pobreza que é de fato a<br />

principal condição responsável pela existência de crianças trabalhadoras<br />

(PADILHA, 2001, p.25).<br />

Portanto a atitude do educador social se dá a partir do desenvolvimento de projetos<br />

pedagógicos que fazem uso da alfabetização, do teatro, da música, do coral, da banda, da<br />

elaboração e criação de brinquedos, da construção de brinquedoteca, do teatro de bonecos,<br />

etc., “[...] sempre com caráter transitório, para alavancar a criança ou o adolescente de rua<br />

para outros projetos de vida, principalmente a ida à escola, a volta à família e à comunidade<br />

de origem (GRACIANI, 2005, p. 203-204)”.<br />

As diretrizes do PETI aumentam a responsabilidade do monitor quando o incube de<br />

“colaborar em todos os procedimentos necessários para a permanência, freqüência e sucesso<br />

das crianças e dos adolescentes na jornada ampliada, podendo, para tanto, recorrer à família,<br />

sensibilizando-a e mobilizando-a quando for necessário”, segundo o Manual do PETI<br />

(BRASIL, 2004, p.23). Neste processo, o monitor passa a ser elemento central para o sucesso<br />

do trabalho com essas crianças e adolescentes, pois tanto a escola como a família e a<br />

comunidade cobrarão deste a melhoria “psíquica” e, conseqüentemente, um melhor<br />

“comportamento” dos integrados no Programa, os quais muitas vezes são vistos como<br />

crianças e adolescentes agressivos, taxados de “problemáticos”, “indisciplinados”,<br />

“trombadinhas”, etc.<br />

No entanto tal responsabilidade não deve se restringir apenas ao trabalho do monitor,<br />

mas deve ser distribuída entre a família, a comunidade e a escola, num processo coletivo e<br />

interdisciplinar na perspectiva de desafiar os integrados ao PETI a pensar, elaborar e a criar<br />

seus conhecimentos a partir de suas experiências laborais passadas e saberes populares.


4.2 O papel social do monitor junto às crianças e aos adolescentes inseridos no PETI<br />

Os conceitos de educador social de rua ou educador popular e monitor têm em comum<br />

o fato de estes serem sujeitos que desenvolvem suas atividades educativas junto a criança e<br />

adolescente em condição de risco, seja ela “da rua” ou “na rua”. Esta população, muitas vezes<br />

composta por crianças e adolescentes abandonadas ou submetidas ao desenvolvimento de<br />

atividades de trabalho ou mendicância por seus pais e familiares, também é vítima da<br />

violência e da pobreza geradas pelo sistema econômico capitalista.<br />

Segundo os dados do IBGE de 2004, divulgados no Correio da Paraíba no dia 06 de<br />

novembro de 2005, revelam que, só na Paraíba, há 126,9 mil crianças e adolescentes, entre 10<br />

e 17 anos que são mantenedoras financeiras de suas famílias. Conforme o artigo, os jovens<br />

paraibanos:<br />

[...] levam para casa até 90% da renda média mensal familiar. Deste total, 65,<br />

9% das crianças e adolescentes contribuem com mais de 10% até 50% do<br />

rendimento das suas famílias e 13% deles já são responsáveis por uma<br />

contribuição que varia de 51% a mais de 90% da renda mensal dos seus pais<br />

(SANTIAGO, 2005, p. B-1).<br />

Dados do Ministério do Desenvolvimento Social – MDS, publicados pelo jornal<br />

Correio da Paraíba, no dia 12 de junho de 2007, demonstram que o trabalho infantil na<br />

Paraíba cresceu consideravelmente de 2004 a 2005, fazendo com que o estado passasse do 6º<br />

ao 3º lugar no ranking entre os estados brasileiros, com 145.103 mil crianças e adolescentes<br />

trabalhadores na faixa de 5 a 15 anos, só perdendo para o Piauí e o Maranhão.<br />

Os números mostram que o Estado está na contramão da tendência registrada<br />

em toda América Latina. Enquanto a maioria dos Estados apresenta redução,<br />

aqui a taxa subiu dos 10,94 de 2004 para 13,32% em 2005 (LÚCIO,2007, p.<br />

B-3).<br />

No entanto a condição de estarem nas ruas das pequenas e grandes cidades brasileiras<br />

representa para a população em geral, de alguma forma, uma “ameaça” à ordem pública e à<br />

tranqüilidade dos transeuntes que saem para trabalhar ou passear e se deparam com crianças e<br />

adolescentes, pedindo, vendendo alguma mercadoria (como balas, doces, adesivos, quentinhas<br />

ou o próprio corpo), olhando carros em troca de alguns centavos, “batendo carteira”, ou<br />

mesmo recolhendo material reciclável (garrafa plástica, latinha de refrigerante de alumínio,<br />

papelão nos sacos de lixos, etc.) nas ruas:<br />

Para todos [meninos e meninas trabalhadores na rua], o trabalho precoce<br />

ataca a dignidade, gera um sentimento de vergonha em decorrência do


olhar do outro, que os faz ver a sua condição de vida e trabalho. Para elas<br />

[meninas trabalhadoras], o olhar do OUTRO tem uma expressividade e<br />

assume significados que são identificados e traduzidos por elas em<br />

linguagens de discriminação. O olhar é uma projeção que indica o<br />

preconceito com a atividade de trabalho, com a presença delas nas ruas e<br />

com a localização da atividade de trabalho nas ruas (ALBERTO, 2002,<br />

p.196, intervenção nossa).<br />

Silva e Koller (2002, p. 2005) complementam a reflexão de Alberto (2002) sobre<br />

como é esse olhar da sociedade com relação à população infanto-juvenil, que faz da rua lugar<br />

de sobrevivência, onde:<br />

[...] ainda hoje, as crianças e adolescentes em situação de rua são, com<br />

freqüência, vistos como culturalmente privados, incapazes de sentir amor,<br />

compaixão, simpatia, de aprender e compreender a sociedade. Muitas pessoas<br />

crêem que essas crianças não se interessam por educação e trabalho, são sujos<br />

por opção, amantes das drogas e criminosos irremediáveis.<br />

A rua, além de ser um espaço físico no qual são realizadas as principais relações de<br />

socialização e de sobrevivência da população infanto-juvenil (SILVA; KOLLER, 2002),<br />

também se torna um local cruel e perigoso onde, muitas vezes, crianças e adolescentes põem<br />

em risco a própria vida, trabalhando entre veículos parados nos sinais de trânsitos, pontos de<br />

ônibus, em frente aos centros comerciais, em locais e horários impróprios para a idade, como<br />

bares, restaurantes e casas noturnas, expondo-se aos vários tipos de perigos como<br />

atropelamentos, assédio sexual, espancamentos entre outros (ALBERTO, 2002). Estes, além<br />

de se alimentarem de maneira precária e em horários inadequados de trabalho, também estão<br />

sendo excluídos de seu direito ao lazer, à educação, garantido pela Constituição de 1988, em<br />

seu Artigo 227.<br />

Segundo Graciani (2005, p.125), as populações infanto-juvenis de e na rua “não<br />

dispõem de um espaço de proteção, nem afeto, nem de ‘pessoas de referência’, apoio,<br />

orientação” e, complementa a autora, “desde muito cedo, têm sua vida condicionada à luta<br />

pela sobrevivência”. E, quando aparece a figura de um adulto responsável, ou de um pretenso<br />

responsável, muitas vezes, tais adultos “se aproximam das crianças e adolescentes, com<br />

pretensas aparências de cuidador, mas, na verdade, são exploradores do trabalho ou da<br />

sexualidade deles”, adverte Silva e Koller (2002, p.221).<br />

Segundo as “Diretrizes para Formulação de uma Política Nacional de Combate ao<br />

Trabalho Infantil” do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil<br />

(FNPETI) de outubro de 2000:<br />

Na educação está a centralidade da política de erradicação do trabalho<br />

infantil, isto é, qualquer que tenha como objetivo o combate e a eliminação do<br />

trabalho infantil deve ter inscrito entre seus objetivos permanentes o ingresso,


o reingresso, a permanência e o sucesso de todas as crianças e adolescentes na<br />

escola. O acesso igualitário de meninos e meninas à educação e ao<br />

treinamento técnico profissionalizante de qualidade é o instrumento mais<br />

importante contra o trabalho infantil (FNPETI, 2000, p.37, grifo nosso).<br />

Logo as atividades desenvolvidas pelas crianças e adolescentes, com a finalidade de<br />

conseguir alguma remuneração, geralmente acarreta prejuízo escolar, implicando, por<br />

conseqüência, a formação de um adulto com baixa qualificação e que, no futuro, terá<br />

dificuldades de competir no mercado de trabalho, reproduzindo o ciclo vicioso de pobreza, em<br />

que os mesmos serão levados a perpetuar os baixos padrões de vida de seus pais, pois, de<br />

acordo com o Relatório da Análise Situacional do Programa de Erradicação do Trabalho<br />

Infantil (UNICEF, 2004, p.23), afirma que<br />

[...] cerca de 92% das mães não concluíram o ensino fundamental, o que<br />

demonstra a reprodução do ciclo de pobreza e vulnerabilidade social, estando<br />

essas famílias mais suscetíveis à necessidade de inserção de crianças e<br />

adolescentes no trabalho precoce.<br />

Essas informações demonstram a importância do processo educativo tanto para criança<br />

e para o adolescente, como para seus responsáveis. Na tentativa de que estes não fiquem à<br />

margem do Programa, o PETI estabelece, como critério para o recebimento do incentivo<br />

financeiro (a bolsa), a participação das famílias nas atividades socioeducativas e em<br />

programas e projetos de qualificação profissional e de geração de trabalho e renda, que<br />

deveriam ser oferecidos pelo governo:<br />

Apesar de o Programa visar à retirada das crianças e dos adolescentes do<br />

trabalho perigoso, penoso, insalubre e degradante, o alvo de atenção é a<br />

família, que deve ser trabalhada por meio de ações socioeducativas e de<br />

geração de trabalho e renda que contribuam para o seu processo de<br />

emancipação, para sua promoção e inclusão social, tornando-as protagonistas<br />

de seu próprio desenvolvimento social (BRASIL, 2004b, p. 4, grifo do autor).<br />

No entanto o Relatório apresentado pelo UNICEF (2004) analisou os dados obtidos de<br />

1.603 municípios brasileiros inseridos no PETI (cerca de 62%), sobre a participação das<br />

famílias beneficiadas pelo Programa, e apresentou as seguintes informações:<br />

Dos municípios analisados, aproximadamente 73% informaram haver<br />

dificuldades na participação dos pais em programas de geração de emprego e<br />

renda, sendo esta dificuldade atribuída, principalmente, em 38% dos casos, à<br />

resistência da família em participar (medo de perder a bolsa); 36%<br />

responsabilizaram a limitação de programas ou projetos; 31% atribuíram a<br />

ausência daqueles; 19% à dificuldade de acesso aos programas e projetos<br />

existentes; e 12% dada a pouca atratividade de programas e projetos<br />

(UNICEF, 2004, p.31, grifo nosso).


Logo, a partir da análise desse documento, deduz-se que boa parte e tipo de atividade<br />

para geração de renda realizada com as famílias beneficiárias são questionáveis e deixam em<br />

evidência a falta de articulação existente entre a política de assistência social e a política<br />

educacional na formação profissional e educacional dos responsáveis pelos egressos do<br />

trabalho infanto-juvenil:<br />

O medo de perder a bolsa, como fator preponderante na questão da inserção em<br />

projetos de geração de emprego e renda, remete à necessidade de análise da eficácia<br />

desses projetos, e aponta a relação de dependência estabelecida pelo repasse da bolsa.<br />

Todavia experiências exitosas registradas demonstram que os programas de geração<br />

de emprego e renda, quando realizados mediante planejamento adequado,<br />

dimensionam as potencialidades do Programa, superando os desafios (UNICEF,<br />

2004, p.31, grifo nosso).<br />

Esta reflexão é importante para demonstrar a responsabilidade assumida pelo monitor<br />

do PETI e da escola no processo educacional das crianças e adolescentes inseridos no<br />

Programa. Com a falta de informação básica por parte dos responsáveis, fica ao encargo<br />

destes educadores desenvolverem atividades na tentativa de acompanhar o desenvolvimento<br />

socioeducativo dos educandos e de seus familiares.<br />

Os dados do estudo, feito com base na Pesquisa Nacional de Amostragem por<br />

Domicilio (PNAD) no ano de 2004, realizada pelo IBGE, mostram que tanto a escola como o<br />

PETI, para afastar as crianças e adolescentes das atividades laborais, precisam desenvolver<br />

atividades em conjunto com a família dos egressos do trabalho infantil, pois, mesmo<br />

recebendo algum tipo de benefício por parte do governo, elas continuam a desempenhar<br />

alguma atividade de trabalho, principalmente entre os adolescentes:<br />

O nível da ocupação (percentual de pessoas ocupadas na população de 10 anos ou<br />

mais de idade) na parcela residente em habitações que receberam benefício monetário<br />

de programa social do governo foi menor (52,1%) do que na moradora em domicílios<br />

que não receberam (57,7%), o mesmo ocorrendo para ambos os gêneros. Esse<br />

indicador foi de 63,8% na população masculina e de 41,0% na feminina na primeira<br />

parcela e de 69,5% e 46,8%, respectivamente, na segunda. A inserção de crianças e<br />

adolescentes na população ocupada foi mais intensa nos domicílios que receberam<br />

dinheiro de programa social do governo do que nos que não receberam. Na parcela<br />

dos moradores em domicílios que receberam esse benefício, o nível da ocupação na<br />

faixa etária de 10 a 14 anos foi de 14,8% e na de 15 a 17 anos, 38,1%, enquanto na<br />

dos residentes em moradias que não receberam, caiu para 7,1% e 27,9%,<br />

respectivamente. Esse mesmo comportamento foi observado em todas as regiões<br />

(PNAD, 2004, grifo nosso)).<br />

Estes dados, relativos aos programas sociais do governo, em especial o PETI,<br />

demonstram a inoperância na melhoria da qualidade do nível educacional promovido pelo


Programa de Erradicação do Trabalho Infantil 29 , o qual faz parte de um universo de<br />

programas assistenciais, denominado de “Rede de Proteção Social”, como o Bolsa Família,<br />

Bolsa – Escola, Fome Zero, etc., cujo critério de inserção, entre outros, é estar próximo, na ou<br />

abaixo da Linha da Pobreza 30 . Por meio destes programas de “Proteção Social” (que se<br />

constituem em dispositivos de poder), o aparelho Estatal maquia as políticas e os projetos<br />

sócio-políticos e econômicos adotados, o que pauperiza cada vez mais as famílias das crianças<br />

e adolescentes, no campo material, social, educativo e afetivo. Assim, fica perceptível que<br />

estes programas sociais possuem um caráter essencialmente compensatório, que pouco<br />

contribui para amenizar as condições de pobreza presente na população brasileira, tornando-se<br />

instrumento para a prática de corrupção, demagogia, fisiologismo e clientelismo político<br />

(SILVA; YAZBEK; GIOVANNI, 2004).<br />

Demo (1996, p. 30-31), ao refletir sobre políticas assistenciais, chama a atenção para o<br />

fato de não se confundir assistência com assistencialismo, pois o atendimento ou ação<br />

realizada sob a ótica assistencialista:<br />

[...] significa sempre o cultivo do problema social sob aparência da ajuda.<br />

Humilha a pessoa que recebe benefícios, em todos os sentidos:<br />

- porque reserva apenas sobras, esmolas;<br />

- porque provoca a dependência diante do doador;<br />

- porque desmobiliza o potencial de cidadania no assistido;<br />

- porque escamoteia o contexto duro da desigualdade social, inventando a<br />

farsa da ajuda;<br />

- porque vende soluções sob a capa de compensações.<br />

Quanto a assistência, o autor afirma que esta corresponde a um direito humano,<br />

embora não seja a solução, pois “toda assistência significa atendimento tendencialmente<br />

29 A Portaria n° 666, de 28 de dezembro de 2005, que regula a integração entre o Programa Bolsa Família e o<br />

Programa de Erradicação do Trabalho Infantil, no seu Artigo 6°, sobre a seleção de famílias para ingresso no<br />

PETI estabelece os seguintes critérios:<br />

I – Cuja renda familiar per capita mensal seja superior a R$ 100,00 (cem reais);<br />

II – Cujas informações estejam corretamente inseridas no CadÚnico; e<br />

III – cuja situação de trabalho infantil seja devidamente registrada no CadÚnico, segundo as regras definidas<br />

nesta portaria.<br />

30 Linha de pobreza, termo que descreve o nível de renda anual com o qual uma pessoa ou uma famíla não possui<br />

condições de obter todos os recursos necessários para viver. As estatísticas de pobreza nem sempre são<br />

comparáveis, pois as metodologias utilizadas para definir se um indivíduo é ou não pobre podem ser diferentes.<br />

Por exemplo, a CEPAL, o Governo Brasileiro e o Banco Mundial adotam em seus estudos referências diferentes<br />

para traçar o limite abaixo do qual uma pessoa deve ser considerada pobre ou indigente (pobreza extrema). A<br />

Cepal utiliza o custo de uma cesta de alimentos que, geograficamente definida, contemple as necessidades de<br />

consumo calórico mínimo de uma pessoa (linha de pobreza); o Banco Mundial, por sua vez, utiliza o dólar PPC<br />

(paridade do poder de compra) que elimina as diferenças de custo de vida entre os países; no Brasil, a<br />

metodologia oficial usa como referência o Salário Mínimo, isto é, 1/4 do salário mínimo familiar per capita e 1/2<br />

do salário mínimo familiar per capita, limites abaixo dos quais se define uma família extremamente pobre<br />

(indigente) e pobre, respectivamente, segundo o IBGE (http:. Acesso em 10 de mar. De<br />

2006).


emergencial, exceto naqueles casos em que precisa ser mantido até o fim da vida ou do ciclo<br />

da idade (<strong>DE</strong>MO, 1996, p.31)”. No que se refere ao papel do Estado na política assistencial,<br />

ressalta o autor: “Cabe ao Estado cumprir adequadamente esse dever, sobretudo não rebaixar<br />

assistência a assistencialismo”.<br />

De modo correlato, observa-se, que o mesmo aconteceu na formação das primeiras<br />

instituições para menores, que atribuíam ao processo educativo o mito da resolução dos<br />

“problemas de delinqüência e pauperização” das crianças e adolescentes das grandes cidades<br />

brasileiras, na tentativa de corrigi-las e adequá-las à estrutura da sociedade.<br />

Contemporaneamente, nos moldes da sociedade pós-moderna e tecnológica, ficou ao encargo<br />

do PETI o papel de reinserção dos egressos do trabalho infantil na sociedade, antes<br />

desempenhado por instituições como as Casas de Correções e Institutos Disciplinares<br />

instituídos desde as primeiras décadas do regime republicano, passando pelas FUNABEM,<br />

FEBEMs entre outros, que “educavam” pelo medo, pela vigilância dos desvios de conduta,<br />

preparando-os para a vida em sociedade. O monitor, na sua postura de educador do PETI,<br />

para não fugir desta herança pedagógica, deve, segundo o Manual do Programa (BRASIL,<br />

2004, p.21), “ver as crianças e adolescentes do PETI como seres em particular, com uma<br />

história própria, carências e problemas peculiares, pois as mais vulneráveis podem precisar de<br />

atendimento específico (assistência à saúde, terapias etc.)”.<br />

No entanto, diante desse quadro apontado para os programas de assistência social, em<br />

especial o PETI, é necessário refletir sobre as seguintes questões: qual é a contribuição da<br />

Jornada Ampliada para o futuro profissional e escolar dos egressos do trabalho infanto-juvenil<br />

integrados ao PETI? Qual é a especificidade do trabalho educativo do monitor junto a essas<br />

crianças e adolescente para a construção deste futuro no espaço da Jornada Ampliada, já que a<br />

população infanto-juvenil integrada ao programa foi caracterizada em condição de risco<br />

social? E, se toda a educação é voltada para o desenvolvimento dos educandos na sociedade,<br />

então por que a educação desenvolvida junto às crianças e aos adolescentes em condição de<br />

risco é conhecida como educação social e o profissional de educador social? Qual o papel da<br />

escola, já que se torna necessária a implantação de programas sociais de cunho educativo<br />

(Bolsa-Escola, PETI) para subsidiar o processo educacional das crianças e adolescentes de<br />

baixa-renda do país?<br />

Estas indagações demonstram um cenário de dissociação entre as Políticas Públicas<br />

(em particular as educacionais) e a realidade em que vive a maioria da população, em que as<br />

diferenças econômicas existentes na sociedade brasileira influenciam na permanência da<br />

criança e do adolescente na escola ou mesmo no trabalho precoce.


Corroborando este cenário, dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística –<br />

IBGE (2005) demonstram que a taxa de escolarização e a freqüência à creche e escola têm<br />

correlação com a renda per capita da família. De acordo com o IBGE:<br />

A taxa de escolarização e de freqüência à creche apresentou nítida<br />

relação com o nível do rendimento mensal domiciliar per capita. Os<br />

resultados mostraram que quanto maior era o nível desse rendimento menor<br />

era a proporção de crianças e adolescentes que não freqüentavam escola ou<br />

creche.<br />

A proporção de crianças e adolescentes que não freqüentavam escola<br />

na faixa de rendimento mensal domiciliar per capita de até ¼ do salário<br />

mínimo atingiu 38,5% no grupo etário de 4 a 6 anos, 5,1% no de 7 a 14 anos e<br />

27,0% no de 15 a 17 anos. Esses percentuais foram declinando com o<br />

crescimento das faixas desse rendimento e na de 2 salários mínimos atingiram,<br />

respectivamente, 9,6%, 0,6% e 4,8%. Esse mesmo comportamento foi<br />

observado em todas as regiões (IBGE, 2005, p.20).<br />

Os dados mostram claramente que o acesso e permanência nas instituições<br />

educacionais está correlacionado com as condições de subsistência da população, nas quais o<br />

acesso ao conhecimento sistematizado oferecido pela escola não tem prioridade, devido à falta<br />

de condições mínimas de sobrevivência, como o acesso à alimentação básica (arroz, feijão...),<br />

à saúde (assistência médica e medicamentosa) e à moradia (água, iluminação elétrica,<br />

saneamento básico...). Pelos indicadores aqui apresentados, pode-se afirmar que, na medida<br />

em que as condições financeiras vão aumentando, a educação vai tendo prioridade e a<br />

freqüência escolar vai se efetivando. Embora haja a oferta da alimentação gratuita nas escolas<br />

e creches, sendo um fator de incentivo à permanência das crianças e adolescentes da<br />

população mais pobre na Instituição de Ensino, a maioria das crianças e adolescentes<br />

pertencentes a famílias com a renda menor de ¼ do salário mínimo, totalizando cerca de<br />

70,6% desta população, não freqüentam a escola. Infere-se, então, que, para se manterem,<br />

estas crianças são encaminhadas às ruas para desenvolverem algum tipo de atividade laboral<br />

ou na condição de pedinte, entre outras.<br />

Dados do IBGE, na síntese dos indicadores sociais de 2002, demonstravam a clara<br />

divisão social ou apartheid, onde 1% da população mais rica do país acumula o mesmo<br />

volume de rendimentos dos 50% mais pobres e os 10% mais ricos ganham 18 vezes mais que<br />

os 40% mais pobres. Tais indicadores evidenciam que o trabalho infanto-juvenil, entre outras<br />

atividades exercidas pelas crianças e adolescentes nas ruas das cidades brasileiras, torna a<br />

infância e a juventude ingressas no trabalho precoce vítimas de uma estrutura social de<br />

pauperização socioeconômica. As políticas adotadas ao longo da história, submetidas às leis<br />

do mercado financeiro internacional e, contemporaneamente, interconectadas dentro do


sistema Capitalista Global, preservam as injustiças sociais e conservam os abismos existentes<br />

entre ricos e pobres, gerados pelos diversos sistemas de produção.


O conhecimento é uma construção que se faz a partir de outros conhecimentos sobre os<br />

quais se exercita a apreensão, a crítica e a dúvida.<br />

(Maria Cecília de Souza Minayo, 1996)


5 ASPECTOS METODOLÓGICOS<br />

O processo de conhecimento, pesquisa ou investigação deu-se por meio de várias vias,<br />

que foram apontadas ou delimitadas, conforme a necessidade do fenômeno em estudo, dentro<br />

de seu contexto e características peculiares, levando-se em consideração a preocupação com<br />

“o rigor, com o método para assegurar a si e aos demais que os resultados da pesquisa serão<br />

confiáveis, válidos (LAVILLE, 1999, p.11)”.<br />

Para abordagem do objeto em questão, procurou-se perceber o papel que o monitor do<br />

Programa de Erradicação do Trabalho Infantil possui junto aos egressos do trabalho Infantojuvenil<br />

da cidade de João Pessoa. Buscou-se mais especificamente identificar qual a formação<br />

que o monitor possui para trabalhar com o PETI e verificar qual a concepção que o mesmo<br />

tem do Programa; identificar como o monitor define o seu papel, bem como a sua prática<br />

educativa e a sua clientela (os educandos); averiguar o direcionamento que o monitor dá às<br />

atividades na jornada; analisar as atividades priorizadas pelo monitor no processo ensinoaprendizagem,<br />

no que diz respeito a uma prática educativa. Nesta trajetória fez uso<br />

prioritariamente de metodologia qualitativa, dado ao caráter do objeto multifacetado,<br />

complexo, carente de aprofundamento.<br />

A metodologia qualitativa é importante devido sua capacidade de “aprofundar-se no<br />

mundo dos significados das ações e relações humanas”, (MINAYO, 1996, p.22). Todavia<br />

embora o qualitativo tenha sido priorizado, também se faz uso de aspectos quantitativos, pois<br />

como salienta Minayo (1996, p.22): “O conjunto dos dados quantitativos e qualitativos,<br />

porém, não se opõem. Ao contrário, se complementam, pois a realidade abrangida por eles<br />

interage dinamicamente, excluindo qualquer dicotomia”.<br />

Para tanto, o debate sobre o tipo de metodologia apropriado para os estudos em<br />

ciências humanas e sociais tem privilegiado três fatores considerados essenciais no processo<br />

de pesquisa social: teoria, método e criatividade. Esses fatores são intrinsecamente<br />

inseparáveis e, juntos, direcionam todo o processo da pesquisa, produzindo conhecimentos e<br />

conduzindo a investigação e compreensão (em termos aproximativos) da realidade social<br />

(MINAYO, 2000).<br />

Nessa perspectiva, a teoria é definida como um sistema de proposições que orienta<br />

todo o processo de investigação, desde a construção de objeto de pesquisa até as análises e<br />

interpretação dos dados. A metodologia, enquanto conjunto de técnicas, deve dispor de um


instrumental claro, coerente, elaborado, capaz de encaminhar os impasses teóricos para o<br />

desafio da prática.<br />

Mas, conforme Minayo (2000, p. 25), numa pesquisa social, nada substitui o potencial<br />

criativo do pesquisador. A sua capacidade criadora, aliada à experiência, pode relativizar o<br />

instrumental técnico e superá-lo pela arte: “Esta qualidade pessoal do trabalho científico,<br />

verdadeiro artesanato intelectual que traz a marca do autor, nenhuma técnica ou teoria pode<br />

realmente suprir (MINAYO, 2000, p. 25)”.<br />

É, pois, dentro dessa visão de interdependência entre teoria, método e criatividade que<br />

se pretendeu conduzir este estudo, cujo campo empírico constitui-se em analisar a formação e<br />

prática dos monitores do PETI.<br />

5.1 A pesquisa de campo<br />

A parte de pesquisa de campo desta dissertação foi desenvolvida por duas<br />

pesquisadoras junto aos monitores da Jornada Ampliada, promovida pelo Programa de<br />

Erradicação do Trabalho Infantil, na cidade de João Pessoa, no período de 14 a 16 de<br />

Novembro de 2006, durante a realização da Capacitação dos Monitores do PETI, organizada e<br />

promovida pela equipe técnica do Programa.<br />

A opção por duas pessoas para a aplicação do questionário se deu por, desta forma,<br />

haver a maior possibilidade de estas abarcarem um número considerável de respondentes,<br />

bem como para que se tivesse um maior controle acerca das dúvidas surgidas na ocasião e<br />

para que se evitasse grande número de respostas em branco na aplicação do questionário.<br />

5.2 Participantes<br />

De uma população de 73 monitores, os quais fazem parte da Jornada Ampliada do<br />

Programa de Erradicação do Trabalho Infantil - PETI, a amostra foi composta por 57 sujeitos,<br />

que participaram de uma oficina de capacitação para monitores promovida pela Coordenação<br />

do PETI, nos dias 14 e 16 de novembro de 2006.


Os referidos monitores desempenham suas atividades em 27 núcleos espalhados em<br />

15 bairros da cidade. Dos 57 participantes da pesquisa, 36 são monitores fixos, que são<br />

responsáveis pelos egressos do trabalho infanto-juvenil com atividades diárias de pelo menos<br />

4 horas, conforme prescrito nas diretrizes do Programa; e 19 monitores itinerantes, dos quais<br />

12 são tidos como oficineiros. Esses desenvolvem atividades de informática, desportivas, de<br />

teatro, dança em núcleos e grupos de crianças e adolescentes diferentes; 02 sujeitos não<br />

informaram suas funções.<br />

5.3 Espaço de realização da pesquisa<br />

O trabalho de campo foi desenvolvido durante a capacitação dos monitores do<br />

Programa de Erradicação do Trabalho Infantil, organizada pela equipe técnica do Programa e<br />

realizada na Secretaria de Desenvolvimento Social (SE<strong>DE</strong>S), localizada na Rua Santos<br />

Dumont, n° 80, Centro, da cidade de João Pessoa/ PB.<br />

5.4 Procedimentos e Instrumentos Metodológicos<br />

A princípio, entrou-se em contato com a Coordenação do PETI para esclarecimentos<br />

acerca dos objetivos da pesquisa, bem como para se obter informações sobre a estrutura e<br />

funcionamento do Programa na cidade de João Pessoa. Posteriormente foi solicitado, junto à<br />

Coordenação do Programa, a data da reunião de Formação de Monitores, no intuito de se<br />

fazer a aplicação dos questionários. Em seguida, foi encaminhado um pedido de autorização<br />

para a realização da pesquisa, junto á Secretaria de Secretaria de Desenvolvimento Social<br />

(SE<strong>DE</strong>S), pertencente a Prefeitura da Cidade João Pessoa - Pb.<br />

Seguido ao contato com o programa, foi encaminhada ao Comitê de Ética e Pesquisa,<br />

da Universidade Federal da Paraíba, uma solicitação para aprovação da realização da pesquisa<br />

junto ao referido programa, seguindo-se, desta forma, todos os procedimentos éticos exigidos<br />

por esta comissão (Ver Anexo A e B).


No dia da aplicação dos questionários, foi comunicado aos monitores que se tratava de<br />

uma pesquisa acerca da sua formação e prática profissional junto às crianças e adolescentes<br />

inseridas na Jornada Ampliada do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil - PETI.<br />

Após o esclarecimento dos objetivos e garantido o sigilo das informações, esses<br />

monitores se dispuseram a responder livremente um questionário semi-estruturado e autoaplicável<br />

de coleta de dados (Ver Apêndice A).<br />

5.4.1 Questionário de entrevista semi-estruturada<br />

Para a operacionalização deste estudo, na coleta dos dados, foi utilizado como<br />

procedimento e instrumento metodológico, no desenvolvimento de pesquisa de campo, o<br />

questionário com caráter semi-estruturado, com 41 questões, sendo 16 perguntas fechadas e<br />

25 abertas, de modo a proporcionar aos sujeitos a contribuição de novos rumos e categorias<br />

para análise da pesquisa.<br />

A adoção desse instrumental se justifica na medida em que a análise da produção de<br />

subjetividades requer uma disponibilidade de maior aprofundamento nas respostas do sujeito,<br />

na qual se propicia interatividade, permitindo a possibilidade de maior entendimento acerca<br />

de suas vivências e práticas profissionais. Conforme Minayo (2000), são diferentes as<br />

informações individuais experienciadas em comum por um grupo, o que permite compor o<br />

quadro global das estruturas e das relações, onde o mais importante é a compreensão dos<br />

modelos culturais e da particularidade das determinações, pois estes atores sociais conhecem<br />

o fato social no qual estão inseridos de forma peculiar.<br />

Com relação à realização da pesquisa, através de questionário semi-estruturado, este<br />

versou acerca da temática abordada, obedecendo à seguinte estrutura:<br />

1. Dados sócio-demográficos;<br />

2. Experiência profissional do monitor antes do PETI;<br />

3. Processo de inserção do monitor no Programa;<br />

4. Familiarização do monitor com as diretrizes do Programa e de sua formação;<br />

5. Caracterização da prática exercida pelo monitor na Jornada Ampliada;<br />

6. Eficácia do Programa na opinião do monitor.<br />

Após a aplicação dos questionários, a etapa seguinte foi a de análise das respostas,<br />

através da leitura e agrupamento por semelhança de conteúdo, o que propiciou uma visão<br />

geral do papel do monitor no PETI.


5.4.2 Análise dos dados<br />

Para a análise dos dados usou-se a análise de conteúdo de Bardim (1992), através da<br />

técnica de análise de conteúdo temático, que fez emergir os núcleos de sentido. Essa<br />

modalidade de análise, segundo Bardin (1997), consiste na codificação, categorização,<br />

agrupamento temático e interpretação de forma mais ampla, à medida que permite deduções<br />

específicas, bem como possibilita se trabalhar com categorias discriminantes.<br />

A análise das respostas do questionário fez surgir questões pertinentes à prática<br />

profissional dos monitores junto às crianças e adolescente que participam da Jornada<br />

Ampliada do PETI, bem como demonstrou a possibilidade de maior aprofundamento em<br />

alguns temas que não constavam no roteiro, propiciando, assim, uma maior amplitude da<br />

realidade da formação e da prática dos monitores que atuam junto às crianças e aos<br />

adolescentes egressos da condição de trabalhadores precoces da cidade de João Pessoa-Pb.<br />

Essa análise se deu, primeiramente, na enumeração, organização e leitura dos questionários,<br />

categorizando as respostas de acordo com as características comuns ou de aproximação<br />

existentes entre elas.<br />

Segundo Bardin (1997, p. 42), a análise de conteúdo constitui-se em:<br />

[...] um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, por<br />

procedimentos, sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das<br />

mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitem a inferência de<br />

conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis<br />

inferidas), destas mensagens.<br />

5.5 A devolução prevista do resultado aos sujeitos da pesquisa<br />

A devolução dos resultados aos educadores se dará primeiramente em uma oficina<br />

realizada pelas pesquisadoras num encontro de formação de monitores do PETI, bem como<br />

também se dará de forma indireta através de publicação dos resultados, encontrados nesta<br />

pesquisa, direcionada à comunidade científica e aos profissionais dos movimentos sociais,<br />

defensores dos direitos das crianças e adolescentes trabalhadores; enriquecendo, assim, as<br />

discussões acerca da temática do trabalho infanto-juvenil.


Educar é sempre uma aposta no outro. Ao contrário do ceticismo dos que querem “ver para<br />

crer”, costuma-se dizer que o educador é aquele que buscará sempre “crer para ver”. De fato,<br />

quem não aposta que existem nas crianças e nos jovens com quem trabalhamos qualidades que,<br />

muitas vezes, não se fazem evidentes nos seus atos, não se presta, verdadeiramente, ao trabalho<br />

educativo.<br />

(Antonio Carlos Gomes da Costa, 1999)


6 APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS<br />

A cidade de João Pessoa, situada no estado da Paraíba, conta com uma população de<br />

597.934 habitantes, sendo 266.149 do sexo feminino e 225.609 masculinos, segundo o Censo<br />

do IBGE de 2001. Além de ser a terceira cidade mais antiga do Brasil, João Pessoa também<br />

ocupava, conforme o mesmo Censo, a posição de primeiro lugar, entre os municípios do<br />

Estado, em “número de crianças e adolescentes trabalhando, e também em atividades<br />

perigosas desempenhadas pelos sujeitos nesta faixa etária” (ALBERTO et al, 2005).<br />

Pesquisa realizada por Alberto (2002, p.259) busca descrever o perfil das crianças e<br />

adolescentes trabalhadoras em condição de rua na capital da Paraíba. Segundo a autora, esta<br />

população se encontra:<br />

[...] na faixa dos oito aos quatorze anos de idade, os quais começaram a<br />

trabalhar entre os seis e dez anos e têm um tempo entre um e seis anos de<br />

trabalho nas ruas. Todos têm uma defasagem escolar que varia de um a sete<br />

anos. Desempenham as atividades de trabalho de vendedores de frutas e<br />

legumes no sinal, vendedores de doces, de bijuterias e refrigerantes nas noites,<br />

olheiros de carros, vendedoras de quentinhas e vítimas da prostituição. São na<br />

maioria filhos de migrantes do interior do Estado da Paraíba, que se<br />

deslocaram em busca de melhores condições de vida. São famílias compostas<br />

na maioria por mulheres ou pais desempregados, que necessitam da ajuda dos<br />

filhos para sobreviver.<br />

Neste contexto é que se destaca a importância do Programa de Erradicação do<br />

Trabalho Infantil (PETI), na capital do estado da Paraíba, a qual possui em torno de 5.240<br />

crianças desenvolvendo alguma atividade de trabalho, conforme dados do IBGE de 2003. Este<br />

Programa do governo federal de transferência de renda para famílias das crianças e<br />

adolescentes egressos do trabalho infanto-juvenil, atendia – em novembro de 2006, período<br />

do levantamento de campo da pesquisa - aproximadamente 3.112 crianças e adolescentes na<br />

cidade de João Pessoa, sendo beneficiados por uma bolsa no valor de R$ 40,00 (quarenta<br />

reais). Os inseridos no Programa, além de freqüentar a escola, participam diariamente da<br />

Jornada Ampliada em um período complementar à escola, em 27 núcleos espalhados nos<br />

bairros da cidade (Ver Apêndice B), onde monitores desenvolvem atividades lúdicas,<br />

artísticas, desportivas e culturais.<br />

Os monitores, segundo o Manual de Orientações do Programa (BRASIL, 2004, p.16),<br />

devem ser pessoas capacitadas e orientadas pela coordenação do Programa em parceria com


as Secretarias de Educação Municipais e Estaduais para lidar com a demanda trazida pelas<br />

crianças e adolescentes egressas do trabalho infanto-juvenil. Para tanto:<br />

6.1 - Quadro sócio-demográfico<br />

[...] faz-se necessário garantir a formação continuada dos monitores. Deve ser<br />

previsto um treinamento mínimo, além de momentos mensais formativos, para<br />

favorecer o planejamento e a reflexão sobre temáticas do cotidiano. Essa<br />

formação fundamenta-se no pressuposto de que a educação implica a<br />

necessidade de conhecimentos sempre atualizados. Além das atividades<br />

ligadas ao cotidiano comum, os monitores devem ver as crianças e os<br />

adolescentes do PETI como seres em particular, com uma história própria,<br />

carências e problemas peculiares.<br />

Para melhor entendimento do quadro sócio-demográfico da pesquisa, fez-se a<br />

análise e discussão dos resultados a partir das suas principais categorias: monitor, a formação<br />

do monitor e uma breve reflexão sobre a raça/etnia e religião, levantando em consideração<br />

suas principais características.<br />

6.1.1 Monitores<br />

De uma população de 73 monitores, responsáveis pelo desenvolvimento das atividades<br />

na Jornada Ampliada do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil - PETI, a amostra foi<br />

composta por 57 sujeitos, sendo 36 monitores fixos, que cumprem uma jornada de trabalho de<br />

40 horas semanais e têm um salário mensal de R$ 400,00 (quatrocentos reais); 07 monitores<br />

itinerantes, que também exercem uma carga horária de 40 horas semanais e possuem um<br />

salário mensal de R$ 400,00 (quatrocentos reais); enquanto que os monitores oficineiros, que<br />

também são itinerantes, trabalham 12 horas semanais e recebem mensalmente R$ 620, 00<br />

(seiscentos e vinte reais).<br />

Tabela 01 – Carga horária e remuneração<br />

Modalidade Nº de Monitores Carga Horária Remuneração<br />

Fixo 36 40 R$ 400,00<br />

Itinerante 7 40 R$ 400,00<br />

Oficineiro 12 12 R$ 620,00<br />

Total 57 - -<br />

Fonte: Direta da Pesquisa, 2007.


Desses 57 participantes, 36 são monitores fixos, responsáveis por desenvolver<br />

atividades ludo-pedogógicas com crianças e adolescentes egressas do trabalho. Estes<br />

monitores acompanham as crianças e adolescentes de segunda a sexta-feira por 4 horas diárias<br />

com cada grupo e recebem um salário mensal de R$ 400,00 31 (quatrocentos reais).<br />

A segunda modalidade de monitor é o chamado itinerante. Estes desempenham<br />

atividades como capoeira, informática, recreação, música, esporte, teatro, canto, dança etc.,<br />

em período de 40 horas semanais, atendendo a, no mínimo, dois núcleos distintos dentro do<br />

PETI. Quanto à remuneração, assim como os fixos, recebem R$ 400,00 (quatrocentos reais).<br />

Do total da amostra, 07 sujeitos eram monitores itinerantes.<br />

Por fim, têm-se os monitores denominados de oficineiros, que também são itinerantes<br />

e exercem basicamente as mesmas atividades dos monitores denominados de itinerantes.<br />

Diferem basicamente do monitor itinerante na carga horária, que é de 12 horas semanais, e na<br />

remuneração, que é de R$ 620,00 (seiscentos e vinte) mensais. Tanto os monitores itinerantes<br />

como os oficineiros desenvolvem atividades de: futebol, informática, teatro, coral, música,<br />

xadrez, dança, artes plásticas e percussão. A diferenciação de carga horária e salário deve-se<br />

ao fato de os monitores oficineiros terem sido escolhidos por serem artistas conhecidos na<br />

cidade e com destaque na área em que iriam atuar 32 .<br />

Destes 57 participantes, 68,42% são do sexo feminino e 31,58% do sexo masculino,<br />

com a idade variando dos 19 anos aos 65 anos, com média e moda concentrando-se na idade<br />

de 40 anos.<br />

Como se pode observar, de acordo com a tabela 02, que relaciona o sexo e o tipo de<br />

monitoria, identificam-se monitores do sexo masculino assim distribuídos: 04 fixos, 05<br />

itinerantes e 09 oficineiros. Em relação aos monitores do sexo feminino, foram identificados<br />

32 monitores fixos, 02 itinerantes e 03 oficineiros. O sexo feminino, conforme os dados,<br />

mostra-se em quantidade superior ao sexo masculino, caracterizando, assim, a feminilização<br />

da função de monitor na cidade de João Pessoa, como bem demonstra a tabela a seguir.<br />

31 O salário mínimo, em novembro de 2006, tinha como base o valor de R$ 350,00.<br />

32 Informações provenientes da Coordenação do PETI da cidade de João Pessoa.


Tabela 02 – Modalidade da monitoria e gênero<br />

Sexo Fixo Itinerante Oficineiro<br />

Masculino 04 05 09<br />

Feminino 32 02 03<br />

Total 36 07 12<br />

Fonte: Direta da Pesquisa, 2007.<br />

Com relação ao gênero, o sexo feminino, em sua maioria, se encontra na modalidade<br />

de monitor fixo, ou seja, aquela que passa mais tempo junto às crianças e adolescentes,<br />

responsabilizando-se em preparar, planejar, organizar as atividades ludo-pedagógicas e,<br />

conseqüentemente, por contribuir para educação pessoal e escolar dos egressos do trabalho<br />

infanto-juvenil do Programa. Cabe ressaltar que esta é a modalidade que recebe a menor<br />

remuneração e tem a maior responsabilidade, pois as crianças e adolescentes são<br />

acompanhadas por estes, cotidianamente, por um período de 04 horas diárias, durante cinco<br />

dias por semana.<br />

Na modalidade itinerante, que engloba o monitor oficineiro, a predominância é do<br />

gênero masculino. Estes, diferentemente dos monitores fixos, passam menos tempo em<br />

contato com as crianças e adolescentes do PETI, restringindo a sua responsabilidade do<br />

“cuidado” a momentos pontuais, reforçando o papel do feminino na aplicação da educação<br />

das crianças e adolescentes. E essa responsabilidade restrita a momentos pontuais se expressa<br />

no tipo de atividade que os monitores itinerantes desenvolvem - como as que envolvem o<br />

físico, como o futebol, a capoeira e o teatro; e o desenvolvimento de habilidades, como a<br />

informática, a música, jogos de raciocínio lógico como o xadrez - entre outras, que visam ao<br />

desenvolvimento da disciplina 33 corporal através do lazer.<br />

Em contraposição a este modelo disciplinar, Graciani (2005, p.230) propõe que as<br />

“brincadeiras” desenvolvidas com as crianças e adolescentes procurem o “resgate do lúdico, o<br />

sentido e o significado do brinquedo, do brincar e da brincadeira, próprios de uma infância<br />

podada e de uma adolescência roubada”. Silva e Koller (2002, p. 211) complementam esta<br />

colocação de Graciani, afirmando que o lúdico, além de auxiliar na elaboração da relação da<br />

criança com o mundo, ajuda na compreensão da ocupação dos espaços e experiência com<br />

outras pessoas, pois “brincando a criança se transforma em um agente que lida com objetos<br />

carregados de mensagens que são continuamente transformadas”.<br />

33 Disciplina nesse contexto tem o sentido de “ordem, bom comportamento e obediência às regras de cunho<br />

interior; firmeza, constância” (HOUAISS, 2001).


No contexto educativo do PETI, a leitura dos dados também deixa transparecer o<br />

antigo modelo de uma educação básica, que atribui à mulher o papel de implantar, nas<br />

crianças e adolescentes, “a boa educação”, através do exemplo, da paciência e da ternura.<br />

Essa predominância do sexo feminino, no quadro dos monitores do PETI, revela que a<br />

estrutura da escola se faz ecoar nas ações dos monitores, que atribui à mulher, em pleno<br />

século XXI, o trabalho ou a missão de “educar” as crianças e adolescentes, considerando esta<br />

uma função tipicamente do sexo feminino.<br />

Conforme Neves (1999, p.99), além de as atividades femininas estarem marcadas pela<br />

relação entre dentro e fora do lar, que envolvem atividades relativas à casa, aos filhos e ao<br />

esposo, as mulheres também foram cogitadas para esta atividade pelo Estado por serem vistas<br />

como um investimento barato na implementação das escolas públicas no país, assim como<br />

afirma a autora:<br />

O magistério feminino no Brasil está relacionado à própria origem do ensino<br />

público, que aglutinou em torno de si inúmeras mulheres oriundas<br />

principalmente das classes médias da época. O Estado, procurando diminuir os<br />

custos de seus serviços, entre eles o da Educação, passou a contratar mão-deobra<br />

feminina, que se apresentava mais barata do que a masculina e pouco<br />

qualificada.<br />

Sendo assim, os dados colhidos junto aos monitores demonstram que esse papel de<br />

“cuidadora” no contexto educacional, na contemporaneidade, ainda se faz presente ao<br />

universo feminino. A Jornada Ampliada, que funciona como um espaço educativo, acaba por<br />

funcionar como um espaço de cuidado, disciplina, que coloca as crianças e adolescentes sob a<br />

responsabilidade daquela que já traz, em sua construção social, a função de criar e ensinar os<br />

filhos, subordinando-se a baixos salários, conforme a tabela 01.<br />

Novaes (1986) corrobora a reflexão de Neves (1999) afirmando que o magistério era<br />

entendido como uma atividade que prolongava as atividades maternas, passando, então, a ser<br />

visto e aceito pela sociedade como uma ocupação essencialmente feminina. A autora afirma,<br />

ainda, que a função de professora constrói-se enquanto função essencialmente maternal.<br />

Logo, a professora (educadora), para desempenhar bem seu papel, faz da escola o seu segundo<br />

lar, assumindo, muitas vezes, o papel de “mãe” ou de “tia”, tornando-se um parente “postiço”<br />

do educando. Talvez, afirma Novaes (1986),<br />

(...) seja por isso que as professoras se absorvam tanto com sua função<br />

formadora, disciplinadora; se preocupem tanto com o controle das crianças<br />

em prejuízo de sua função de levar os alunos a aprender (p.106).<br />

Freire (1998), ao criticar a postura da professora como “tia”, afirma que o ofício de<br />

professor implica cumprimento de uma função, exige uma postura política do profissional da


educação, enquanto o ser tia é viver uma relação de parentesco com seus sobrinhos, função<br />

não necessária na escola. Segundo o autor, a recusa em aceitar a identificação com a figura da<br />

“tia” não significa menosprezá-la ou diminuí-la, ao passo que aceitá-la também não lhe atribui<br />

valoração. Implica, sim, em retirar da figura da professora a sua responsabilidade profissional<br />

exigida politicamente por sua formação.<br />

Conforme Souza (1996), o que leva as pessoas a optarem pela profissão do magistério<br />

se dá pela facilidade do acesso a ela, como pelo fato de ser oferecida no período da noite de o<br />

investimento ser baixo, proporcionando menor custo para o estudante, ser menos competitiva<br />

no vestibular e de fácil inserção no mercado de trabalho, apesar dos baixos salários.<br />

Neste sentido, ao falar sobre as mulheres brasileiras, Domingos (2004) aponta que<br />

estas compõem a maioria do corpo docente do ensino fundamental. Segundo a autora, o<br />

levantamento realizado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico –<br />

OC<strong>DE</strong> 34 mostra que, de cada 100 professores em atividade, 83 são mulheres. Dentre os 34<br />

países pesquisados, o Brasil é o campeão do ranking com 83,10%. Israel ficou em segundo<br />

com 77,20%. O menor índice foi verificado na Índia, com 39,4%. Essas informações<br />

demonstram que o ato de “educar” faz parte do papel desempenhado pelas mulheres na<br />

cultura brasileira, refletindo as diferenças de gênero no Brasil.<br />

Os dados de nossa pesquisa, junto aos monitores do PETI da cidade de João Pessoa,<br />

confirmam claramente este fato da cultura brasileira, que aponta para a predominância do<br />

gênero feminino na função docente que se perpetua ao longo da história, que delega às<br />

mulheres a tarefa de ensinar as crianças, enquanto que o gênero masculino busca outras<br />

atividades, com salários mais atraentes, tornando-se uma minoria no exercício do magistério<br />

nas séries iniciais. A inserção masculina neste tipo de trabalho, junto às crianças, conforme<br />

Novaes (1986), é vista com certo “preconceito” por parte da sociedade, que coloca em dúvida<br />

a masculinidade do professor ou questiona a sua atuação profissional pelo fato de não ser<br />

considerado “meigo”, “carinhoso” e “paciente” com as crianças, atitudes estas consideradas<br />

inerentes ao ser mulher.<br />

Para Novaes (1986, p.104):<br />

34 A autora não cita a data do levantamento.<br />

As professoras se espantam quando vêem um homem se interessando<br />

pelo Magistério – surge até a dúvida quanto à sua masculinidade (...). O<br />

espanto cresce quando o homem é bem sucedido no seu trabalho. As<br />

professoras, supervisoras e mesmo a direção da escola reconsideram sua<br />

posição preconcebida, pois as crianças gostam do professor, o professor não<br />

tem problemas de disciplina e consegue se sair bem em suas aulas.


A reflexão feita por Costa e Camino (2003, p.250-251) atesta que:<br />

[...] Em geral, pensa-se automaticamente em papéis diferentes na sociedade e<br />

que estes papéis sociais são determinados pela biologia. As mulheres seriam<br />

destinadas biologicamente à geração de filhos e ao cuidado destes; os homens,<br />

à proteção da prole e ao provimento das necessidades materiais destes. Assim,<br />

as mulheres a partir de suas características sexuais, seriam mais eficientes e<br />

pacientes no cuidado das crianças (professoras) pessoas doentes (pediatras,<br />

enfermeiras, psicólogas, fisioterapeutas), pessoas idosas (filhas cuidando dos<br />

pais idosos). Essa especialização no mercado de trabalho, evidentemente, não<br />

é determinada pelo biológico, mas por um conjunto de visões e práticas sociais<br />

que foram se formando na História e que são passadas de geração a geração,<br />

não como algo cultural, mas como algo natural. Um dos papéis da ideologia é<br />

o de fornecer explicações “verdadeiras” às diferenças sociais transformandoas<br />

não em injustiça, mas em situações naturais (Grifo nosso).<br />

Os mesmos autores ainda afirmam que<br />

O lugar diferenciado dos homens e das mulheres nos espaços público<br />

e privado, bem como nas atividades de trabalho é fruto da construção social da<br />

diferença de gênero. Essa construção compreende uma série de símbolos,<br />

representações, normas e práticas elaboradas coletivamente a partir das<br />

diferenças biológicas de cada um dos sexos. A divisão do trabalho entre<br />

homens e mulheres não representa uma simples divisão de tarefas, mas<br />

significa uma diferenciação de tarefas assentadas em uma distribuição<br />

desigual de status, na qual a dimensão de gênero é o elemento chave (259-<br />

260).<br />

Portanto, no que se refere à questão de gênero entre os monitores desta amostra no<br />

PETI/PB, verificou-se que há predominância do gênero feminino, e isto se coaduna, reafirma<br />

e reitera o PETI, evidentemente, como um programa de cuidado e assistência. A implicação<br />

deste fato está na impossibilidade de uma intervenção que transforme a vida das crianças e<br />

adolescentes segundo a orientação da erradicação do trabalho infantil.<br />

Com relação à faixa etária ter a sua maior freqüência nos 40 anos, isto nos leva a<br />

questionar até que ponto estes monitores serão capazes de acompanhar as transformações ou a<br />

dinamicidade da sociedade contemporânea, uma vez que as concepções ideológicas, os<br />

valores morais e atitudes diferem entre as gerações. No entanto, Freire (2001, p.39) alude que<br />

o ato de ensinar exige risco e aceitação do novo. Mas é preciso que o educador procure ser<br />

coerente e aberto consigo e com seus educandos, pois, segundo este autor:<br />

É próprio do pensar certo a disponibilidade ao risco, a aceitação do novo que<br />

não pode ser negado ou acolhido só porque é novo, assim como critério de<br />

recusa ao velho não é apenas o cronológico. O velho que preserva sua<br />

validade ou que encarna uma tradição ou marca uma presença no tempo<br />

continua novo.<br />

Sendo assim, o processo educativo de atualização dos conhecimentos requer dos<br />

monitores um esforço permanente de autoformação, na releitura dos seus valores pessoais,


para que estes possam enriquecer a formação profissional, frente ao trabalho pedagógico<br />

desenvolvido com as crianças e adolescentes egressas do trabalho infanto-juvenil, nos núcleos<br />

do PETI 35 .<br />

Segundo Gentili (2005, p. 76):<br />

A moralidade é um saber prático e racional constituído pelas considerações<br />

que nos oferecem os motivos fundamentais para viver e agir de determinada<br />

maneira (grifo do autor). Ela é produzida socialmente num complexo e<br />

conflitante processo de construção inter-subjetiva, onde se criam e<br />

desenvolvem as razões que nos conduzem a tomar decisões ou descartá-las, a<br />

aceitar desafios ou a renunciar a eles, a amar ou odiar, a simpatizar ou<br />

antipatizar, a atuar solidária ou indiferentemente, a nos sentir parte ou alheios,<br />

a desejar ou recusar. Do ponto de vista descritivo, a moralidade se configura<br />

por valores, normas e direitos que um indivíduo ou grupo reconhece como<br />

próprios e afirma em sua prática cotidiana. Os saberes, crenças e valores que<br />

a constituem orientam nossa ação não somente nos momentos mais complexos<br />

da vida, mas também em alguns aparentemente triviais (grifo nosso).<br />

Daí a importância de se levar em conta não só a experiência do monitor-educador em<br />

lidar com crianças e adolescentes, mas também se a formação deste está em consonância com<br />

os objetivos do Programa e com as peculiaridades das crianças e adolescentes egressas do<br />

trabalho infantil.<br />

6.1.2 Quanto à formação pessoal e à formação continuada<br />

Quando perguntados se estudam atualmente, 18 sujeitos responderam que sim, 38 que<br />

não e 01 não respondeu.<br />

De acordo com a tabela 03, do total dos 18 que responderam que ainda estudavam,<br />

tem-se 01 cursando o Ensino Fundamental, 01 o Magistério, 06 cursavam o Ensino Médio e<br />

10 o Nível Superior. Dos que cursavam o Ensino Superior, 01 era do curso de Educação<br />

Artística, 01 do curso de Ciências Biológicas, 06 do curso de Educação Física, 01 do curso de<br />

Pedagogia e 01 do curso de Música.<br />

35 Vale salientar que o trabalho infanto-juvenil, por muito tempo, dentro da sociedade brasileira, era visto com<br />

valor social inquestionável, além de ser apontado como o melhor caminho para se evitar a socialização desviante<br />

das crianças e adolescentes pobres, visão que gradualmente foi sendo revista, discutida e criticada por vários<br />

segmentos internacionais e da sociedade brasileira: OIT, ONG’s, movimentos sociais, entre outros. Daí a<br />

importância de o monitor-educador do PETI estar atento à sua prática educativa, no espaço da Jornada<br />

Ampliada, para não ser condizente com tal valor, pois ele vai de encontro com um dos objetivos do Programa,<br />

que é a retirada de crianças e adolescentes das atividades laborais: flanelinha, engraxates, distribuição e venda de<br />

jornais e revistas, na fabricação de farinha, carvoaria entre outras, conforme reza a Portaria nº 20, de 13 de<br />

setembro de 2001, do Ministério do Trabalho e Emprego e a Convenção nº 182 da Organização Internacional do<br />

Trabalho - OIT.


Tabela 03 – Escolaridade do monitor<br />

Estudam<br />

atualmente<br />

Fundamental<br />

II<br />

Fonte: Direta da Pesquisa, 2007.<br />

Magistério<br />

Ensino<br />

Médio<br />

01 01 06 10<br />

Superior<br />

incompleto/Cursos<br />

01 Ed.Artística<br />

01 Ciên.Biológicas<br />

06 Ed. Física<br />

01 Pedagogia<br />

01 Música<br />

Não<br />

informou<br />

Como se observa na tabela 04, dos 38 que responderam que não estudam atualmente,<br />

tem-se o seguinte quadro: 08 tinham como formação o Magistério Completo, 16 possuíam o<br />

Ensino Médio completo, 07 possuíam o Ensino Superior completo, e 06 possuíam o curso<br />

superior incompleto. Dentre os 07 que possuíam o Nível Superior Completo, 02 eram<br />

graduados no curso de Educação Física, 03 no curso de Pedagogia, 01 no curso de Educação<br />

Artística, 01 no curso de História e 01 não respondeu. Já os 06 que possuíam o Nível Superior<br />

Incompleto estão distribuídos nas seguintes áreas: 01 em Educação Física, 01 em Ciências da<br />

Computação, 02 em Pedagogia e 02 em Ciências Biológicas.<br />

Tabela 04 – Escolaridade do monitor<br />

Não<br />

Estudam<br />

atualmente<br />

Magistério<br />

Completo<br />

Fonte: Direta da Pesquisa, 2007.<br />

Ensino<br />

Médio<br />

Completo<br />

08 16 07<br />

Superior<br />

completo/Cursos<br />

Superior<br />

incompleto/Cursos<br />

02 Ed. Física 01 Ed. Física<br />

03 Pedagogia 01<br />

Ciência da<br />

computação<br />

01<br />

Ed.<br />

Artística<br />

06 02 Pedagogia<br />

01<br />

01<br />

História<br />

Não<br />

respondeu<br />

02<br />

Ciências<br />

Biológicas<br />

01<br />

Não<br />

informou<br />

A partir das duas tabelas, pode-se perceber que, entre os monitores, há uma<br />

diversidade das áreas em que eles buscaram sua formação profissional. Essa diversificação<br />

poderia ser um ponto positivo para o PETI, se não fosse a fluidez dos critérios elencados para<br />

seleção dos monitores, que variam conforme as exigências de cada município onde o<br />

Programa foi implantado. Segundo a “Análise situacional do PETI” realizado pela UNICEF<br />

(2004), a forma de contratação dos monitores varia, que vai desde a prova escrita até a<br />

indicação política. Segundo a mesma análise:<br />

01


De acordo com os municípios, a contratação dos monitores é realizada<br />

diretamente pelos municípios (76%) e não está, em sua maioria, vinculada à<br />

assinatura da carteira (81% dos municípios). O Gráfico IX indica as formas de<br />

contratação apresentadas. É relevante o número de monitores que ainda está<br />

contratado de forma irregular, sem a garantia dos direitos trabalhistas. Cerca<br />

de 26% dos municípios informaram como dificuldade para implantação e<br />

implementação do PETI, a viabilização dos monitores (UNICEF, 2004, p.25).<br />

A mesma análise acrescenta:<br />

A problemática das diversas formas de contratação dos monitores está<br />

relacionada às limitações dispostas pela Lei de Responsabilidade Fiscal. A<br />

natureza da transferência de recursos federais ao município pelo PETI não<br />

permite a contratação dos monitores pelo regime estatutário, pois esta forma<br />

de contratação exige o aumento permanente de receitas ou a redução<br />

permanente de despesas (UNICEF, 2004, p.25).<br />

Os critérios de seleção 36 adotados pelo município de João Pessoa são: Ensino Médio<br />

completo, algum tipo de experiência na área de educação, análise de currículo e entrevista.<br />

No entanto, pelo que demonstram os dados coletados entre esses monitores, alguns<br />

destes critérios “passam desapercebidos” ou nem sempre são seguidos, uma vez que eles não<br />

existem documentados, conforme informações dadas pela Coordenação do Programa. Desses<br />

monitores, 59,25% possuem, em sua formação escolar, apenas o ensino fundamental, médio,<br />

ou cursavam o magistério. Os outros 40,25% possuem algum tipo de curso superior. Destes<br />

últimos, apenas 3,2% concluíram o ensino superior, enquanto os demais estão cursando ou<br />

não chegaram a concluí-lo, afunilando ainda mais o nível de qualificação dos monitores do<br />

Programa. Sendo assim, infere-se que poderá haver intervenção política na escolha dos<br />

monitores, já que não existe vínculo empregatício e os critérios deixam margens para o não<br />

cumprimento dos critérios.<br />

Todavia o fato de que existam no Programa monitores que possuam o Nível Superior<br />

Incompleto não é garantia de que estes professores adquiriram, ao longo dessa formação, os<br />

conhecimentos oferecidos pelo curso, ou que estes se enquadrem dentro das necessidades<br />

advindas da realidade da população infanto-juvenil atendidas por eles. Além disso, essa<br />

formação incompleta também não garante se ter uma remuneração condizente com a<br />

formação superior, uma vez que, em nossa sociedade, a remuneração é dada conforme o nível<br />

de escolaridade concluído e certificada, segundo as designações e reconhecimento do<br />

Ministério da Educação. Sendo assim, o fato de não ter concluído o ensino Superior coloca o<br />

monitor, que se encontra nesta situação, na categoria de possuidor apenas do Ensino Médio<br />

completo, e a sua remuneração ser equivalente a de um servidor do Ensino Médio. Essa<br />

36 Dados colhidos junto ao PETI de João Pessoa.


condição gera insatisfações que afetam diretamente o desempenho pedagógico do monitor que<br />

gera uma maior insatisfação com o trabalho, demonstrado através da: falta de compromisso,<br />

interesse, organização e falhas na pontualidade e assiduidade, entre outras.<br />

Por outro lado, os monitores que possuem a formação de nível superior, devido à falta<br />

de vagas no mercado de trabalho, enfrentam o problema de se submeterem a ocupações cuja<br />

remuneração não é condizente com a formação que possuem. Isto mostra que esses<br />

profissionais se sentem obrigados a procurar empregos de baixa remuneração (no caso PETI),<br />

que não valorizam o grau de escolaridade, para poderem ter alguma fonte de renda. O PETI,<br />

embora seja um programa de assistência social do Governo Federal, não concede a estes<br />

profissionais a garantia dos direitos trabalhistas previstos na Consolidação das Leis do<br />

Trabalho - CLT.<br />

É interessante observar que o PETI, na sua estrutura, foi organizado para empregar<br />

“monitores”, e não o educador-professor, pois este está, na escala hierárquica, acima da<br />

ocupação do monitor em termos de qualificação profissional, formação e poder. Esta<br />

diferença se expressa claramente na “Análise Situacional do Programa de Erradicação do<br />

Trabalho Infantil- PETI” redigida pelo UNICEF (2004), na qual não se faz nenhuma reflexão<br />

aprofundada, como é feita em relação ao educador escolar, sobre a função do monitor, sobre o<br />

seu papel junto aos educandos, influências positivas ou negativas, e mesmo uma conceituação<br />

clara do que seja um monitor do PETI. Pode-se perceber isto a partir de um dos trechos deste<br />

mesmo documento (UNICEF, 2004), que faz referência ao professor, na sua qualidade de<br />

educador, excluindo o monitor do exercício de tal função, como fica claro nesta citação, na<br />

qual se omite subitamente o monitor na reflexão sobre o papel do educador no parágrafo em<br />

questão:<br />

A qualidade da educação formal na escola pública e nas ações educativas da<br />

jornada ampliada deve ser um compromisso político. Neste sentido, o<br />

educador [professor da escola] e o monitor [do PETI] têm também uma<br />

enorme importância política, principalmente porque o educador e o monitor<br />

afetam o educando, podendo o educador influenciar sobre os aspectos<br />

positivos ou negativos do encontro escolar [e o monitor?]. O encontro positivo<br />

para o educando influencia a produção de uma subjetividade positiva e um<br />

imaginário sobre si e sua classe social vinculada à realidade do Brasil e do<br />

mundo. O encontro negativo afeta o educando pobre, o decompõe e inculca<br />

nele a responsabilidade do fracasso escolar, intensificando o risco de exclusão<br />

escolar. Aliás, a escola praticamente não reflete sobre si e sobre suas<br />

responsabilidades em relação ao processo de aprendizagem dos educandos. Os<br />

fracassos são vistos como responsabilidade dos próprios educandos (UNICEF,<br />

2004, p.27, intervenções e grifo nosso).


Cabe, então, questionar se existe um papel educativo por parte do monitor junto às<br />

crianças e adolescentes. E, se este existe, que papel é este, dado que o próprio UNICEF e a<br />

própria Política de Assistência Social Brasileira (o PETI) não definem com clareza o papel a<br />

ser desempenhado pelo monitor no PETI, reforçando a sua imagem de “inspetor escolar”, que<br />

desempenha a função de “controlador social”. Logo o papel do monitor se perde entre o do<br />

educador e o do controlador, confundindo, assim, a execução de sua prática e a definição de<br />

sua identidade profissional.<br />

Para agravar ainda mais a situação da qualificação dos monitores no critério da<br />

escolaridade, foi observada, na tabela que se refere à “Escolaridade do monitor”, a existência<br />

de um monitor que se encontra ainda cursando o ensino Fundamental II e que o mesmo já está<br />

inserido nos quadros do Programa, exercendo a função de monitor, no intuito de desenvolver<br />

atividades pedagógicas com educandos que estão no seu mesmo nível de escolaridade,<br />

podendo estar desconsiderando pontos básicos como o processo do desenvolvimento<br />

cognitivo e social, necessários para a elaboração das atividades junto às crianças e<br />

adolescentes egressos do trabalho precoce.<br />

Essas informações - colhidas junto aos monitores da Jornada Ampliada da cidade de<br />

João Pessoa - corroboram as informações levantadas pela “Análise Situacional do Programa<br />

de Erradicação do Trabalho Infantil – PETI”, do ano de 2004, as quais afirmam que a falta de<br />

critérios básicos para a contratação dos monitores, como a definição de uma escolaridade<br />

mínima, pode influenciar negativamente na qualidade das ações executadas no espaço da<br />

Jornada Ampliada (UNICEF, 2004).<br />

Ao se fazer uma análise geral da escolaridade do monitor, interrelacionando-a, com a<br />

sua função dentro do Programa, pode-se perceber que há uma predominância do Ensino<br />

Médio nas três modalidades. Esse dado também foi observado, no ano de 2004, pela análise<br />

do UNICEF. No entanto este mesmo relatório não vê este tipo de escolaridade como algo<br />

negativo. Para nós, é preocupante o fato de que a maioria dos monitores, em quase todos os<br />

municípios brasileiros, possuir, nos quadros do PETI, 1/3 dos monitores com o “Segundo<br />

Grau Incompleto” ou o atual Ensino Médio Incompleto.<br />

Esta condição de a qualificação da maioria dos monitores ser caracterizada pelo o<br />

Ensino Médio Incompleto reforça a posição inferior do monitor dentro do quadro hierárquico<br />

institucional. A falta de clareza do papel do monitor, ao mesmo tempo que a desvalorização<br />

do papel deste na formação, educação e preparação das crianças e adolescentes egressas do<br />

trabalho infanto-juvenil, tem como conseqüência a fragilidade do trabalho sócio-pedagógico<br />

desenvolvido. O fato de o programa estar na área social do governo favorece o


descomprometimento com os critérios estabelecidos pela Lei de Diretrizes e Bases da<br />

Educação – LDB. Esta lei, vale ressaltar, em seu Artigo 62, exige do docente uma Formação<br />

Superior mínima ou o Normal, para exercer sua função nas séries iniciais:<br />

A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível<br />

superior, em cursos de licenciatura, de graduação plena, em universidade e<br />

institutos superiores de educação, admitida, como formação mínima para o<br />

exercício do magistério na educação infantil e nas quatro primeiras séries do<br />

ensino fundamental, oferecida em nível médio, na modalidade Normal<br />

(BRASIL, 1996).<br />

Daí a importância de o PETI, investir, ainda mais, em pessoas que possuam o curso do<br />

Magistério (Normal) ou naqueles que possuam Superior Completo, levando em consideração<br />

a área de atuação, visando a uma melhor articulação com a escola. Esta seria uma forma de<br />

minimizar a problemática, isto é, a inadequação da falta de qualificação dos monitores,<br />

enquanto não for implantado o sistema de atendimento em tempo integral as crianças e<br />

adolescestes atendidos pelas escolas municipais e estaduais, conforme prevê o parágrafo 5º do<br />

artigo 87 da LDB: “Serão conjugados todos os esforços objetivando a progressão das redes<br />

escolares públicas urbanas de ensino fundamental para o regime de escolas de tempo<br />

integral”.<br />

6.1.3 Quanto à raça/etnia e religião<br />

Com relação à Raça/Etnia, dos 57 participantes, 31 se auto-denominaram na categoria<br />

afro-brasileiros, compreendida pelas respostas, moreno (24), negro (06) e pardo (01), e 25 na<br />

categoria brancos, 01 não respondeu.<br />

Tabela 05 – Sobre a raça/ etnia dos monitores do PETI<br />

Brancos Afro-brasileiros Não respondeu Total<br />

25<br />

Fonte: Direta da Pesquisa, 2007.<br />

Morenos Negros Pardos<br />

24 06 01<br />

A partir dos dados, pode-se perceber que há uma prevalência de afro-brasileiros<br />

desenvolvendo as atividades socioeducativas junto às crianças e adolescentes egressos do<br />

trabalho infanto-juvenil. Dos 31 monitores afro-brasileiros, 09 não concluíram o ensino<br />

01<br />

57


Superior completo, enquanto apenas 04 dos 25 dos monitores ditos brancos não chegaram a<br />

terminar o curso superior. Esses dados demonstram que os afro-brasileiros, além de serem a<br />

maioria dos monitores do PETI, acabam também assumindo ocupações de baixa remuneração,<br />

sem critérios de escolhas de uma formação mínima, como no caso do PETI. Assim, se<br />

colocam a desenvolver atividades ludo-pedagógicas, sem carteira assinada, precarizando o<br />

trabalho por meio de contrato temporário de trabalho (REDA) 37 .<br />

A identificação étnico-racial, conforme o observado, ainda é um dos componentes que<br />

tece o padrão brasileiro de pobreza e de desigualdade social. Os afro-brasileiros estão<br />

desproporcionalmente presentes nos estratos sociais mais empobrecidos da nossa população:<br />

A escolaridade diferenciada entre brancos e pretos e pardos, como não poderia<br />

deixar de ser, acaba por se refletir no mercado de trabalho. As pessoas<br />

ocupadas de cor branca possuem, em média, em 2004, 8,4 anos de estudo e<br />

recebem mensalmente 3,8 salários mínimos. Em contrapartida, a população<br />

preta e parda ocupada, apresenta, respectivamente, 6,2 anos de estudo e 2<br />

salários mínimos de rendimento. Todavia uma análise mais apurada da<br />

desigualdade encontrada nesse indicador mostra que o diferencial nos<br />

rendimentos não é totalmente explicado pela diferença de escolaridade.<br />

Embora a média de anos de estudo de pretos e pardos tenha representado 74%<br />

da média de anos de estudo dos brancos, o rendimento médio mensal da<br />

população ocupada preta e parda representa apenas 53% do rendimento dos<br />

brancos (IBGE, 2005).<br />

O PETI da cidade de João Pessoa não se diferencia do quadro nacional, pois reflete,<br />

conforme os dados coletados e analisados nesta pesquisa, a situação já detectada em outros<br />

estudos quanto à inferioridade de cargos ocupados e de seus salários em decorrência da<br />

origem racial ou étnica.<br />

Quanto à Religião, 46 afirmaram que possuem alguma religião, 07 não possuem e 04<br />

não responderam. Dos que possuem: 32 são católicos, 11 são evangélicos, 01 é espírita, 01<br />

budista e 01 neo-pagão 38 . Na junção dos católicos e evangélicos, têm-se 43 da religião Cristã.<br />

Essa visão religiosa pode trazer consigo a visão assistencialista no atendimento das crianças e<br />

adolescentes integradas no PETI, ao invés de contribuir para a autonomia destes e de suas<br />

famílias.<br />

Conforme Neves (1999, p. 95), o ofício de ensinar esteve por muito tempo agregado e<br />

sedimentado na religião. Os religiosos, em especial os jesuítas, foram os primeiros<br />

37 Regime Especial de Direito Administrativo – REDA, Lei n° 8.884 de 11 de junho de 1994, são contratos de<br />

caráter temporário, sem que o contratado tenha se submetido a concurso público. No caso do PETI: “[...] Cabe<br />

também ao município arcar com as despesas para pagamento dos monitores, podendo ser utilizado até 30% dos<br />

recursos destinados à jornada ampliada para pagamento dos mesmos, desde que não seja estabelecido nenhum<br />

vínculo empregatício com a União. Os monitores devem ser contratados em conformidade com a legislação<br />

pertinente em vigor” (BRASIL, 2004, p.8-9).<br />

38 Religião voltada ao culto à natureza e aos deuses pagãos.


esponsáveis pelas escolas no Brasil e as principais figuras no exercício do magistério, muitas<br />

vezes tornando o ensino um dos ideais ascéticos como o de “viver a docência como<br />

sacerdócio, como missão que exige sacrifício e doação”. Embora, mesmo com as diversas<br />

transformações ocorridas no exercício do magistério, durante mais de 500 anos de história do<br />

Brasil, esse viver “sacerdotal”, por parte de muitos professores e da sociedade em geral,<br />

parece ter permanecido. Segundo Freitas (1995, p.40), os religiosos, também, por meio da<br />

educação, tinham também a função de auxiliar a classe dominante da época (latifundiários e<br />

representantes da coroa portuguesa) a “subjugar de forma pacífica as classes subalternas às<br />

relações de produção implantadas”.<br />

6.2 Experiência profissional dos monitores antes do PETI<br />

As experiências que os monitores possuem na área de Educação, antes de integrarem o<br />

quadro profissional do PETI, relacionam-se às seguintes as categorias: monitores com<br />

experiência na área de educação e sem experiência nesta área. Com relação aos monitores<br />

com experiência na área, têm-se 20 sujeitos na área de “educação infantil e ensino<br />

fundamental I”; “voluntariado em pastorais/ igrejas”, com 08 sujeitos; “arte-educação” com<br />

07 sujeitos; “educação esportiva”, 05 sujeitos. Quanto aos que não possuem nenhuma<br />

experiência, podem-se indicar 08 sujeitos. Apareceram, ainda, 08 participantes que indicaram<br />

outro tipo de experiência tais como: reforço escolar, educação social, monitor em<br />

computação, dentre outros, e 01 não respondeu a questão.<br />

Quanto ao tipo de atividade com vínculo empregatício que os monitores exerciam<br />

antes de sua inserção no PETI, as categorias que mais se destacaram foram: professor, 16<br />

sujeitos; educador social, 07 sujeitos; vendedor, 04 sujeitos; artista, 04 sujeitos e arteeducador<br />

04, sujeitos. Dentro desta questão, surgiram ainda 19 sujeitos que indicaram outras<br />

categorias, dentre as quais destacam-se: xerocopista, doméstica, arquivista, garçom, modelo,<br />

diretora, auxiliar administrativo, auxiliar de enfermagem, estudante, 03 sujeitos não<br />

responderam.<br />

Essa diversidade de função e de atividades desenvolvidas anteriormente não garante<br />

nem sustenta o desenvolvimento de atividades adequadas junto às crianças e adolescentes<br />

egressas do trabalho infanto-juvenil. Como a maioria é proveniente de experiência escolar,<br />

supõe-se que a metodologia usada na escola formal seja a referência utilizada pelos monitores


na orientação das atividades desenvolvidas no espaço da Jornada Ampliada. As respostas<br />

coletadas também revelam que as experiências trazidas pelos monitores antes de entrar no<br />

PETI reforça a idéia já apresentada anteriormente da fragilidade dos critérios para o ingresso<br />

no Programa, ou seja, qualquer pessoa pode ser “monitor-educador”.<br />

Cabe ressaltar que, embora a maioria dos monitores demonstre ter algum tipo de<br />

experiência na área da educação, seja formal ou leiga, o universo dos que não são<br />

provenientes da área da educação também é significativo, o que reforça a hipótese de que “a<br />

função de monitor do PETI” é preenchida por aqueles que buscam uma ocupação, motivados<br />

pela necessidade de oportunidades, para obtenção de uma renda. Os dados do Instituto<br />

Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), na “Pesquisa Mensal de Emprego”, de dezembro<br />

de 2006, corrobora essa tendência ao afirmar que há, aproximadamente, 40 milhões de<br />

desempregados em idade ativa, para um conjunto de seis regiões metropolitanas abrangida<br />

pela pesquisa 39 .<br />

Segundo Antunes (1997), com a diminuição dos postos de trabalho no setor fabril, no<br />

sistema capitalista, conseqüência da automação, da robótica e da microeletrônica, efetivou-se<br />

uma expressiva expansão do setor de serviços, subproletarizando-se o trabalho, além da<br />

precarização das diferentes formas de trabalho, tornando-o parcial, temporário, subcontratado,<br />

entre outras atividades, em que:<br />

[...] as diversas categorias de trabalhadores têm em comum a precariedade do<br />

emprego e da remuneração; a desregulamentação das condições de trabalho<br />

em relação às normas legais vigentes ou acordadas e a conseqüente regressão<br />

dos direitos sociais, bem como a ausência de proteção e expressão sindicais,<br />

configurando uma tendência à individualização extrema da relação social<br />

(ANTUNES 1997, p.44).<br />

A busca por uma ocupação financeira fica mais visível quando são indagados sobre o<br />

motivo de irem trabalhar na Jornada Ampliada. Como resposta a essa indagação, foram<br />

apontadas as seguintes afirmações: “por necessidade financeira”, 13 sujeitos; e “para ter uma<br />

oportunidade”, 13 sujeitos. As outras afirmações que emergiram foram: “porque gosta do<br />

trabalho”, 08 sujeitos; “por já ter experiência com crianças”, 07 sujeitos; e “por convite ou<br />

indicação de terceiros ou instituições”, 05 sujeitos; “necessidade de repassar conhecimentos à<br />

comunidade”, 03 sujeitos; “para ajudar crianças e adolescentes”, 03 sujeitos; “por<br />

transferência de função”, 01 sujeito. E não responderam, 04 sujeitos.<br />

39<br />

Regiões abrangidas pela pesquisa do IBGE de dezembro de 2006: Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de<br />

Janeiro, São Paulo e Porto Alegre.


A necessidade econômica transparece nas seguintes afirmações de alguns dos<br />

pesquisados usadas aqui para exemplificar a questão:<br />

Por está(sic) desempregada e ter surgido uma oportunidade no núcleo<br />

próximo de minha residência. (monitora fixa, 32 anos, Ensino Superior<br />

Incompleto).<br />

Por que estava procurando emprego e fui convocada. (monitora fixa, 19 anos,<br />

Ensino Médio Completo).<br />

Por necessidade, falta de emprego (Monitora fixa, 26 anos, Magistério).<br />

Oportunidade de trabalho, pois estava desempregado (Monitor itinerante, não<br />

informou a idade, Ensino Superior Incompleto)<br />

Pode-se perceber, então, que o monitor da Jornada Ampliada do PETI, na sua maioria,<br />

não está preparado nem familiarizado com a temática nem com a realidade das crianças e<br />

adolescentes provenientes do trabalho infanto-juvenil. Essa realidade dos monitores do PETI<br />

difere das que possuía o educador social de rua, descrita por Graciani (2005), que, na sua<br />

gênese, era formado por um grupo interdisciplinar de universitários e professores do Centro<br />

de Educação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Essa equipe<br />

interdisciplinar resolveu:<br />

[...] após exaustiva discussão e análise de referência, partir para as ruas da<br />

cidade de São Paulo e efetivar uma prática educativa (...) com o compromisso<br />

de se engajar nessa realidade e, se possível, contribuir para a sua reversão,<br />

mesmo sem contar que nenhuma estrutura política lhe desse respaldo (p.215-<br />

216).<br />

A pedagogia social de rua, proposta por Graciani (2005), exige competência técnica<br />

para trabalhar com a realidade que se encontra fora do espaço, do tempo e dos conteúdos e<br />

métodos oferecidos pela escola formal, mas está articulada com um compromisso político<br />

com os educandos. Para tanto, o fazer pedagógico do educador social de rua deve propiciar<br />

aos educandos o resgate da cidadania plena, orientada e embasada pelos princípios da<br />

Educação Popular freireana, a qual se contrapõe às condições correcionais, disciplinares e<br />

repressivas provenientes do passado.<br />

A proposta metodológica educativa da Pedagogia Social de Rua se inscreve<br />

como criadora das condições lúdicas para que o fazer educativo ocorra num<br />

espaço de ação, reflexão e debate dos principais desafios e dificuldades,<br />

concatenados com a pluralidade dos acontecimentos cotidianos da rua.<br />

Possibilitando que o educando contextualize sua realidade, problematizando-a,<br />

ele pode se distanciar dela e criticar as múltiplas determinações de sua<br />

circunstância pessoal e social, como autor de sua própria história e com o<br />

apoio imprescindível do Educador Social de Rua. Ele apreende e aprende, por<br />

meio de comunicação, do diálogo e principalmente dos atos concretos e da<br />

relação com o educador, a solidarizar-se com o plano mais amplo das lutas dos


setores populares mais oprimidos da sociedade por uma cidadania mais plena,<br />

pela justiça e pela igualdade social, e a firmar-se na construção de sua autoestima,<br />

autovalorização e autoconfiança, como um feixe de potencialidades<br />

abertas para o futuro (GRACIANI, 2005, p.310-311).<br />

Portanto a falta de preparação do monitor do PETI para lidar com a demanda<br />

demonstra que não faz parte da política que orienta o PETI, de que os egressos do trabalho<br />

infanto-juvenil venham a ter uma formação para o exercício de uma cidadania, no momento<br />

em que não se exige uma formação mínima e relacionada à temática por parte do monitor.<br />

Outro ponto observado é que a política desse mesmo Programa tenta fazer a junção da figura<br />

do educador social com a do inspetor escolar. Essa falta de clareza por parte do monitor de<br />

sua função torna o PETI mais um programa, entre outros já criados, destinado apenas ao<br />

controle social e ao afastamento da infância pobre do país das ruas da cidade. Como bem<br />

lembra Rizzini (2004), a população “beneficiada”, muitas vezes, torna-se alvo de políticas<br />

compensatórias que não atingem os objetivos ou metas a que foram propostos ao serem<br />

criados. Mas, não raramente, esses benefícios são oferecidos como um favor à população,<br />

permitindo o uso eleitoreiro do Programa.<br />

Quanto à questão do “controle social” por parte do Estado, através do Programa, fica<br />

evidente quando este Estado delega aos Conselhos e Comissões a missão de monitorar as<br />

ações desenvolvidas no PETI e, conseqüentemente, tudo o que for pertinente às crianças e<br />

adolescentes inseridos no Programa, conforme consta no Manual de orientações do PETI<br />

(2004, p.10):<br />

[...] A participação da sociedade será concretizada por meio dos Conselhos de<br />

Assistência Social, dos Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente,<br />

dos Conselhos Tutelares e das Comissões de Erradicação do Trabalho Infantil,<br />

das quais farão parte membros dos demais Conselhos Setoriais, viabilizando o<br />

controle social e a participação comunitária (grifo nosso).<br />

Portanto essas instâncias apontadas pelo Manual do PETI (2004) fazem parte de uma<br />

rede de mecanismos de controle cada vez mais sofisticada que, através da operacionalização<br />

da disciplina, fazem parte da constituição e da formação do que Foucault denomina de<br />

“quadros vivos que transformam as multidões confusas, inúteis ou perigosas em<br />

multiplicidade organizadas (FOUCAULT, 1986, p.135)”, fáceis de exercer algum tipo de<br />

domínio ou influência. Logo, o monitor do PETI em vez de exercer a função de educador,<br />

assumi, no desenvolvimento de suas atividades, o papel de disciplinador e controlador junto<br />

as crianças e adolescentes egressos do trabalho infanto-juvenil.


6.3 Quanto à inserção do monitor no PETI<br />

Com relação ao tempo em que participam do PETI, 25 sujeitos estão a menos de 01<br />

ano no Programa; 15 sujeitos estão há 2 anos incompletos; 06 sujeitos há 3 anos incompletos;<br />

02 sujeitos há 4 anos incompletos; 04 sujeitos estão no Programa há 5 anos; 03 sujeitos estão<br />

há 6 anos no Programa e 02 não responderam.<br />

Tabela 06 – Tempo do monitor no PETI<br />

Menos de<br />

1 ano<br />

Entre<br />

1 e 2<br />

anos<br />

Entre 2 e 3<br />

anos<br />

incompletos<br />

Entre 3 e 4<br />

anos<br />

incompletos<br />

5 anos 6 anos<br />

25 15 06 02 04 03<br />

Fonte: Direta da Pesquisa, 2007.<br />

Não<br />

respondeu Total<br />

A simples observação do quadro apresentado demonstra que a maioria está há pouco<br />

tempo no PETI. A constatação do pouco tempo de permanência no PETI e a necessidade de<br />

um número permanente de monitores no Programa criam uma situação que nos permite inferir<br />

uma situação de rotatividade e instabilidade na permanência dos monitores, considerando-se<br />

que o Programa tem aproximadamente seis anos de existência na cidade de João Pessoa. Estes<br />

dados sugerem que a baixa permanência dos monitores no Programa pode ser gerada pela<br />

falta de incentivos financeiros, materiais e de investimento na formação do profissional em<br />

lidar com a realidade das crianças e adolescentes egressas do trabalho infanto-juvenil. A todas<br />

essas questões apresentadas pode-se agregar uma falta de identificação com o trabalho que<br />

estão desenvolvendo no espaço da Jornada Ampliada, conforme demonstra a tabela 07, na<br />

qual se indicam 21, que se identificam como educadores, e 36 que se dão variadas autoidentificações.<br />

02<br />

57


Tabela 07 – Função do Monitor<br />

Educador 21<br />

Monitor 08<br />

Oficineiro 08<br />

Professor 07<br />

Educador social 04<br />

Instrutor 01<br />

Recreador 01<br />

Ludopedagogo 01<br />

Não responderam 06<br />

TOTAL 57<br />

Obs: Dentro do total dos 57, 06 sujeitos<br />

acrescentaram como parte integrante de suas<br />

atividades o Reforço Escolar.<br />

Fonte: Direta da Pesquisa, 2007.<br />

Libâneo (2000, p.83), ao discorrer sobre a formação do docente, alerta para o fato de<br />

que a “formação geral de qualidade dos alunos depende de formação de qualidade dos<br />

professores”. Ao desenvolver o papel de educador, o monitor não deveria se excluir desta<br />

afirmação, devido o mesmo lidar cotidianamente com crianças e adolescentes em um período<br />

complementar ao da escola. Portanto o monitor deveria se identificar com o trabalho que<br />

desenvolve, embora ele também seja produto das estratégias de globalização do sistema<br />

capitalista, que, nos planos econômico, cultural, ético-político e educacional, procura ajustar<br />

as sociedades à política da globalização. Esta, por sua vez, torna dois terços da humanidade<br />

em excluídos dos direitos básicos de sobrevivência, emprego, saúde, educação, entre outras<br />

necessidades, segundo o mesmo autor. Podem-se usar as palavras do próprio Libâneo (2000,<br />

p.17-18) para se ilustrar o que se afirmou anteriormente:<br />

[...] a ideologia neoliberal prega o individualismo e a naturalização da<br />

exclusão social, considerando-se esta como sacrifício inevitável no processo<br />

de modernização e globalização da sociedade. No plano educacional, a<br />

educação deixa de ser um direito e transforma-se em serviço, em mercadoria,<br />

ao mesmo tempo que se acentua o dualismo educacional: diferentes<br />

qualidades de educação para ricos e pobres.<br />

Infelizmente, ao se contemplar as diferentes áreas de atuações e experiências dos<br />

monitores, somadas à falta de identidade com a função que exercem no Programa, infere-se<br />

que, para o Estado, o que importa é apenas afastar a população infanto-juvenil das ruas da<br />

cidade, tornando os núcleos do PETI “depósitos de crianças e adolescentes”, assim como


aconteceu com outros programas desenvolvidos pela FUNABEM e tantos outros. No<br />

Programa, as crianças e adolescentes não são internos em uma instituição para menores, mas,<br />

se não comparecerem à escola e ao espaço da Jornada Ampliada, no cumprimento de um<br />

regime semi-abeto, têm seus benefícios de R$ 40,00 (quarenta reais) suspensos.<br />

A dificuldade do monitor de definir sua função e de descrever suas atividades junto às<br />

crianças e adolescentes egressos do trabalho revela uma grande possibilidade ou inexistência<br />

de um planejamento prévio de tais atividades. Isto reflete a falta de uma proposta pedagógica<br />

básica que conduza o processo de desenvolvimento psicossocial dos egressos do trabalho<br />

infanto-juvenil, que estão sob responsabilidade destes profissionais. Esse ponto também<br />

aparece na “Análise Situacional do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil”, realizada<br />

pela UNICEF (2004, p.44):<br />

Reduzida capacitação dos monitores, ausência de uma proposta básica de<br />

capacitação e forma precária de contratação são indicadas também como<br />

problemas pelos monitores. Vale registrar que os governos estaduais, com<br />

raras exceções, nada ou pouco investem no Programa, ficando sua execução<br />

sob total responsabilidade dos municípios.<br />

É importante ressaltar que o processo de seleção para ingresso dos monitores no PETI<br />

não leva em consideração a formação específica na área de educação, o que implica a<br />

dificuldade de uma proposta de reinserção do trabalhador precoce no seu processo de<br />

desenvolvimento biopsicossocial, tal qual o previsto nas diretrizes do próprio Programa.<br />

Enriquecer o universo informacional, cultural e lúdico de crianças e<br />

adolescentes, por meio de atividades complementares e articuladas entre si,<br />

destacando aquelas voltadas para o desenvolvimento da comunicação, da<br />

sociabilidade, de habilidades para a vida, de trocas culturais e as atividades<br />

lúdicas. Apoiar a criança e o adolescente em seu processo de<br />

desenvolvimento, fortalecendo sua auto-estima, em estreita relação com a<br />

família, a escola e a comunidade (BRASIL, 2004, p.7).<br />

Mas, para que esse processo possa vir a se efetivar, a preparação, a formação do<br />

monitor e a familiarização deste com a temática tornam-se imprescindíveis, devido este<br />

também, em nosso entendimento, ser responsável pela condução do processo educacional dos<br />

egressos do trabalho infanto-juvenil. Para tanto, o monitor deveria se sentir um educador, que<br />

vai muito além de ser um “vigia”, que apenas percebe essa população como que devedora de<br />

ter um bom desenvolvimento de seu caráter (Conforme a Monitora de 45 anos, há dois anos<br />

no PETI, exercendo a modalidade: Monitor fixo).<br />

Cabe ao monitor que trabalha com uma população proveniente do trabalho infantojuvenil<br />

assumir uma postura de maneira a conceber, em sua formação continuada, o


aprofundamento e avaliação constante de sua prática, num processo ativo e crítico, pois,<br />

conforme Brandão (2002, p.55):<br />

Toda educação sonha uma pessoa. Sonha mesmo um tipo de mundo realizado<br />

através de diferentes categorias de interações entre pessoas. E uma diferença<br />

importante entre as propostas e os processos dos diferentes projetos de criação<br />

de pessoas, através do ofício de educar, está na maneira como cada um dos<br />

ideários pedagógicos possíveis pensa e faz interagir estas perguntas<br />

fundadoras que os gregos e outros nos deixaram: que tipo de mundo criar,<br />

manter ou transformar? Como e através de quem? Que pessoas podem, e como<br />

poderiam, realizar isto? Qual o lugar e o alcance da educação em tudo isso?<br />

Portanto o monitor como um agente da educação deve ser, junto às crianças e<br />

adolescentes do PETI, “um animador, guia, um apoio do descobrimento permanente dos<br />

próprios sujeitos da aprendizagem. Seu maior desafio é tornar-se sujeito entre os sujeitos, na<br />

dinâmica do trabalho coletivo” (GRACIANI, 2005, p77).<br />

No entanto, dentro da conjuntura do PETI que foi se configurando através dos dados<br />

colhidos por meio dos questionários, oferecidos pelos monitores da Jornada Ampliada,<br />

demonstrou-se que a forma de seleção para exercer a função de monitor do PETI é volátil.<br />

Isso se dá devido à inexistência de critérios bem definidos para a ocupação da função de<br />

monitor, já que, dos 57 monitores, 29 destes ingressaram através de entrevista e análise do<br />

currículo, 14 através da experiência com trabalhos com crianças e adolescentes, 09<br />

responderam que ingressaram por outras vias como: remanejamento e apresentação de<br />

projetos e 05 não responderam.<br />

Complementando a informação sobre o como foi selecionado, a forma de contratação<br />

para trabalhar na Jornada Ampliada demonstra que 49 monitores, de uma população de 57,<br />

estão como prestadores de serviço; 04 como funcionários públicos remanejados; 01 como<br />

voluntário e 02 não responderam.<br />

Os dados identificados quanto à forma de seleção e contratação dos monitores indicam<br />

que não há critérios mínimos para esta seleção e contratação. As crianças e adolescentes<br />

inseridos no Programa sofrem o reflexo da falta de preparação dos monitores, “gerando<br />

relações fragilizadas e possíveis interferências políticas na escolha de pessoal para execução<br />

da Jornada Ampliada” (UNICEF, 2004, p.26). A ausência de uniformidade na seleção,<br />

contratação e formação do monitor, para atuar na educação dos egressos, pode colaborar para<br />

a baixa qualidade das atividades desenvolvidas das ações socioeducativas e de convivência do<br />

PETI. Observa-se, ainda, que a qualidade de tais ações sugerem que elas não são suficientes e<br />

adequadas para contribuir na melhoria do processo de aprendizagem dos egressos.


Estes dados são reforçados quando se perguntou sobre a realização de capacitação<br />

antes de ingressar no Programa: 29 sujeitos informaram que não tiveram capacitações, 25<br />

assinalaram que a tiveram, e 03 não responderam. Dos que responderam sim, 01 afirmou que<br />

a capacitação ocorreu uma vez por semana, 16 disseram uma vez por mês, 01 a cada dois<br />

meses, 02 afirmaram que aconteceu uma vez, por três dias consecutivos, e 05 não<br />

responderam.<br />

Quando indagados se ocorreu alguma capacitação depois da sua inserção no PETI, 53<br />

afirmaram que sim, 01 que não e 03 não responderam. Com base nessas informações, inferese<br />

que os monitores, na medida em que são contratados, são imediatamente encaminhados<br />

para o espaço da Jornada Ampliada para desenvolverem suas atividades socioeducativas,<br />

tornando, assim, a sua presença nas capacitações algo de grande importância, devido estas se<br />

caracterizarem como o local de aprendizagem e formação. Isto se confirma quando 46 dos 57<br />

participantes desta pesquisa responderam que elas aconteceram uma vez por mês, enquanto<br />

apenas 04 responderam que as capacitações ocorriam a cada dois meses, e 03 não<br />

responderam.<br />

Sobre o conteúdo destas capacitações, dos 25 que responderam que tiveram algumas<br />

capacitações antes de começar de fato as atividades no PETI, 10 enfatizaram as orientações<br />

e conhecimentos básicos acerca do projeto, 07 sobre a importância do projeto e conhecimento<br />

da legislação, 06 sobre dinâmicas e planejamento de atividades e 02 sobre como lidar com<br />

crianças e de como melhorar o ensino.<br />

No entanto, ao se indagar sobre o conteúdo das capacitações posteriores à sua<br />

inserção no PETI, dos 57 sujeitos: 18 enfatizaram sobre “dinâmicas e planejamento de<br />

atividades”; 09 sujeitos trouxeram “o como lidar com crianças e melhorar o ensino”; 12<br />

sujeitos falaram “sobre a importância do projeto de conhecimento da legislação”; 08 sujeitos<br />

sobre as “orientações e conhecimentos básicos acerca do projeto”, e 07 não responderam.<br />

Ao se fazer uma breve análise das capacitações realizadas antes e depois da inserção<br />

no Programa, pode-se perceber que não há diferença significativa nos conteúdos apresentados<br />

nas capacitações. Mesmo sendo um espaço de formação, treinamento, partilha de<br />

experiências, conhecimento da realidade das crianças e dos adolescentes egressos do trabalho<br />

infanto-juvenil, fica claro o total desconhecimento dos mesmos a respeito da temática e do<br />

trabalho a ser realizado pelo PETI.<br />

Logo tais dados só demonstram e reforçam a idéia de que o monitor do PETI<br />

desempenha uma função na qual não está qualificado para atuar, que é o de um agente<br />

educador e transformador. Sem uma preparação adequada, o monitor reproduz nos espaços do


PETI, o modelo tradicional de sala de aula, o que não se configura enquanto objetivo do<br />

referido Programa (Ver Fotos I e II), além de transformar o espaço da Jornada Ampliada um<br />

lugar onde as crianças e os adolescentes são obrigados a ir visando à manutenção do benefício<br />

de R$ 40,00 (quarenta reais) por mês. No entanto tal obrigação apenas retira as crianças e os<br />

adolescentes das atividades laborais, mas não as isentam da responsabilidade de contribuírem<br />

para o sustento ou a manutenção da família, sendo muitas vezes obrigadas a freqüentarem e a<br />

permanecerem na escola e na jornada ampliada.<br />

Foto I: Termômetro do Comportamento Foto II: Espaço da Jornada Ampliada<br />

Fonte: Direta da Pesquisa, 2007.<br />

Não possuindo o poder da “nota” que prende o aluno em sala de aula, o monitor do<br />

PETI usa a concessão ou suspensão do benefício como instrumento de manutenção das<br />

crianças e adolescentes no espaço de atividades da Jornada Ampliada do Programa. Esta<br />

atitude configura o total desconhecimento, desfamiliarização ou indiferença do monitor com<br />

as diretrizes e com os objetivos educativos e de inserção social propostos pelo PETI. Desta<br />

forma, o PETI configura-se em uma Biopolítica 40 que regula práticas de modo a promover um<br />

40 Para Foucault1(997, p.89), Biopolítica é entendida como “a maneira pela qual se tentou, desde o século XVIII,<br />

racionalizar os problemas propostos à prática governamental, pelos fenômenos próprios a um conjunto de seres<br />

vivos constituídos em população: saúde, higiene, natalidade, raças... Sabe-se o lugar crescente que esses


equilíbrio entre o que é esperado dos egressos do trabalho infanto-juvenil no espaço da<br />

Jornada Ampliada e no que é possível compensá-los em detrimento da remuneração através<br />

da concessão do benefício, pois é essa concessão mais a merenda que os mantém<br />

freqüentando o Programa.<br />

6.4 Familiarização do monitor com as diretrizes do programa e de sua formação<br />

Paulo Freire (2001, p.43), ao falar sobre “os saberes necessários à prática docente”, em<br />

seu livro “Pedagogia da autonomia”, afirma que o educador deve refletir sobre a sua prática<br />

num processo dialético, que envolve “o fazer e pensar sobre o fazer”. Essa reflexão, segundo<br />

o autor, leva o sujeito a perceber e a (re)conhecer suas limitações na tentativa de melhorá-las,<br />

passando do estado de consciência ingênua para o de curiosidade epistemológica. Mas, para<br />

que esse processo venha a acontecer, o sujeito deve procurar fazer a aproximação cada vez<br />

maior entre o que fala com o que faz, entre o que parece ser e o que realmente está sendo.<br />

Segundo Freire (2001, p.108), não é possível ser um educador sem revelar para o educando as<br />

suas principais intenções, pois “impossível seria sairmos na chuva expostos totalmente a ela,<br />

sem defesas, e não nos molhar”.<br />

Essa afirmação de Paulo Freire é confirmada por um dos 57 monitores da pesquisa<br />

quando reconhece a importância de sua presença junto aos egressos. Ele disse:<br />

Temos que entender que devemos nos colocar como um ponto de<br />

referência... (Monitor itinerante, 41 anos, ensino médio completo).<br />

No entanto, o mesmo monitor, apesar de saber desta importância, não consegue ter<br />

claro para si o seu real papel junto aos egressos do trabalho infantil quando conclui a sua<br />

afirmação:<br />

Por isso temos que ser de tudo um pouco.<br />

A indefinição do monitor da função que exerce como educador no Programa reflete<br />

uma prática não condizente com os objetivos do programa, que visa, através de atividades<br />

socioeducativas, à retirada das crianças e dos adolescentes do trabalho considerado perigoso,<br />

insalubre ou degradante, que coloca em risco a saúde e a segurança destes. Estas atividades<br />

problemas ocuparam, desde o século XIX, e as questões políticas e econômicas em que eles se constituíram até<br />

os dias de hoje”.


devem proporcionar à população infanto-juvenil o acesso, a permanência e o bom<br />

desempenho de crianças e adolescentes na escola (BRASIL, 2004, p.3).<br />

Essa postura se confirma quando 22 monitores afirmam que a sua função no Programa<br />

é a de “educar as crianças e adolescentes”; 09 monitores, a de dar uma “formação para a<br />

cidadania”; 08 monitores, a de “resgatar e valorizar a auto-estima das crianças e<br />

adolescentes”; 07 monitores, que é a de “realizar atividades socioeducativas”; 03 monitores,<br />

que é a de “participar da vida e dos problemas das crianças e dos adolescentes”; 03 monitores,<br />

que é a de “atuar como multiprofissional”; 02 monitores, que é a de “evitar o trabalho infantojuvenil”;<br />

01 monitor, que é a de “auxiliar no reforço escolar”, e 02 não responderam.<br />

A consulta ao dicionário Aurélio revela que a palavra “educar” pode significar o ato de<br />

“promover a educação, transmitir conhecimentos, instruir, domesticar, domar; cultivar o<br />

espírito, instruir-se e cultivar-se”. Quando, em resposta a uma das questões, 22 monitores<br />

dizem que a sua função é “educar as crianças e adolescentes”, não deixam claro o tipo de<br />

educação que gostariam de compartilhar com as crianças e adolescentes do PETI, podendo<br />

estar se referindo tanto à transmissão de conhecimento, como à falta de disciplina por parte da<br />

população infanto-juvenil, como exemplificam as afirmações seguintes:<br />

Tentar educar e disciplinar as crianças (Monitor (a) fixo, 33 anos, Ensino<br />

Médio completo);<br />

Ser transmissor de conhecimentos e resgatá-los das culturas de cada um<br />

(Monitor fixo, 21 anos, Ensino Médio completo);<br />

Direcionar os adolescentes, a terem sua própria opinião, mudando o seu<br />

perfil (Monitor (a) fixo, 42 anos, não informou a escolaridade).<br />

Educar as crianças e adolescentes a serem bons cidadãos (Monitor (a) fixo,<br />

21 anos, ensino Superior Incompleto).<br />

Essas afirmações demonstram uma preocupação por parte dos monitores de tentar<br />

enquadrar as crianças e adolescentes segundo as normas sociais vigentes, sem considerar o<br />

processo pessoal de cada um, caracterizando o que Freire (2005, p.76) denomina de “prática<br />

bancária” da educação. O papel do educador que segue esta prática, segundo o autor, é o de<br />

apassivar os educandos e adaptá-los ao mundo, pois, “quanto mais adaptados, para a<br />

concepção “bancária”, tanto mais “educados”, porque adequados ao mundo”.<br />

Daí a necessidade de os monitores verem o espaço da Jornada Ampliada como um<br />

lugar que pode ajudar as crianças e os adolescentes no sentido de “melhorá-los” socialmente e<br />

no sentido de disciplinar, de vigiar e de colocar uma ordem, assim como acontece com as<br />

escolas. Essas imposições são realizadas, não por meio da força bruta, mas sutilmente, através<br />

da implantação de sistemas simbólicos de acordo com os quais a pessoa deve interpretar e<br />

organizar o mundo e nele agir: “A infância e o alfabetismo tornaram-se institucionalizados


como uma estratégia para confrontar a desordem social com padrões religiosos, sociais e<br />

morais (POPKEWITZ, 1994, p.187)”.<br />

A análise dos dados coletados neste item confirma as afirmações já apresentadas<br />

anteriormente, isto é, de que a condição de cidadão e de uma auto-estima positiva regatadas<br />

por meio das atividades desenvolvidas na Jornada ampliada não passa de uma pseudoconquista,<br />

uma vez que pouco representa a superação das dificuldades de aprendizagem, de<br />

inserção social e da percepção de si, conforme se afirma na questão sobre o que a Jornada<br />

Ampliada pode ajudar os egressos do trabalho, apontando:<br />

Quadro 01 - Jornada Ampliada<br />

Em que a Jornada Ampliada pode ajudar os egressos<br />

Quantidade<br />

de monitores<br />

Retirar a população infanto-juvenil das ruas 16<br />

Resgate da auto-estima através de atividades sócio-educativas 16<br />

Pagar o benefício em dia 04<br />

Formar para cidadania 04<br />

Suprir as dificuldades através do reforço escolar 04<br />

Valorizar os monitores com formação e melhores salários 03<br />

Auxiliar nas dificuldades das crianças e adolescentes dando oportunidade 02<br />

Não responderam 08<br />

Total<br />

Fonte: Direta da Pesquisa, 2007.<br />

57<br />

As respostas emitidas pelos monitores não refletem o quanto de ajuda é dado às<br />

crianças e aos adolescentes no espaço e no tempo em que estão em atividade. Além do<br />

exposto, transparece nas afirmações o não entendimento do que foi perguntado e do que<br />

poderia ser oferecido às crianças e aos adolescentes para transformar o seu modus operandi.<br />

Apesar das observações elaboradas acerca dos dados contidos no quadro 01, com<br />

exceção dos itens “Pagar o benefício em dia” e “Valorizar-se os monitores com formação e<br />

melhores salários”, é possível visualizar-se etapas de um processo gradativo de conquistas que<br />

dariam ao programa a eficácia desejada. Isso só não se concretiza, pois os itens não foram<br />

sugeridos em consenso por todos os monitores, mas as respostas foram coletadas<br />

individualmente e agrupadas por semelhança e por grupos separados e independentes,<br />

demonstrando, assim, a visão fragmentada que os monitores têm do programa em questão.<br />

Por fim, observa-se que, nas respostas apontadas no quadro 01, não há nenhuma<br />

alusão à “retirada das crianças e adolescentes do trabalho infantil”, que é o principal objetivo<br />

do PETI. Portanto pode-se apontar como mais uma evidência da não compreensão e falta de<br />

familiarização do monitores com o Programa.


6.5 Caracterização da prática exercida pelo monitor na Jornada Ampliada<br />

6.5.1 A formação do monitor e sua relação com os egressos do trabalho infantil<br />

Para que os monitores venham a desempenhar um bom trabalho com os egressos do<br />

trabalho infantil, faz-se necessário também que os mesmo tenham à disposição material<br />

didático, boas estruturas de funcionamento e um número adequado de educandos. Elementos<br />

estes que propiciem o bom desempenho das atividades, conforme garantem as diretrizes do<br />

Programa, quando afirmam que os recursos devem ser utilizados desde os gêneros<br />

alimentícios para o reforço alimentar, bem como para materiais escolares, esportivos,<br />

artísticos, pedagógicos e de lazer (BRASIL, 2004).<br />

No entanto, conforme a tabela 08, além de a maioria dos monitores se mostrar<br />

despreparadas para lidar com a problemática do trabalho infantil, no espaço da Jornada<br />

Ampliada, eles ainda têm que desenvolver suas atividades com um número de crianças e<br />

adolescentes, que varia de 10-65 por turma. Levando em consideração o perfil das crianças e a<br />

diferença de idade existente em cada grupo de educandos, a partir de 15, já se poderia<br />

considerar um número inadequado, devido à necessidade de se fazer um acompanhamento<br />

mais personalizado de cada egresso dentro do grupo.<br />

Tabela 08 – Grupos e quantidade de crianças e adolescentes assistidos por modalidade de<br />

Monitor<br />

Modalidade de<br />

Monitor<br />

Quantidade<br />

Quantidade de crianças e adolescentes<br />

atendidos pelo monitor<br />

Fixo 1 turma por turno diferentes 14-65<br />

Itinerante 2 – 4 grupos 10-50<br />

Oficineiro 2 – 3 grupos 15-50<br />

Fonte: Direta da Pesquisa, 2007.<br />

Segundo os monitores, as atividades que eles costumam realizar com os egressos do<br />

trabalho infantil consistem em: atividades com jogos e brincadeiras, oficinas de artes plásticas<br />

(confecção de brinquedos, oficinas de reciclagem, etc.), dança, teatro, debates (palestras,<br />

oficinas de pinturas e desenho); jogos esportivos (futebol, vôlei, capoeira e xadrez), dinâmicas<br />

de grupo, leitura e criação de textos, expressão corporal, música, passeios, histórias, reforço<br />

escolar e informática.


Ao ser perguntado aos mesmos acerca de outras atividades, consideradas relevantes<br />

para desenvolver com as crianças e adolescentes, surgiram: jogos esportivos (futebol,<br />

capoeira, natação e xadrez), dança, teatro, música, brincadeiras e jogos, artesanato, reforço<br />

escolar, computação, passeios, boas maneiras, palestras e oficinas (drogas, sexo, violência,<br />

cidadania, ECA, raça (etnia, gênero), DST/AIDS, deveres sociais, atendimento psicológico,<br />

dinâmica de grupo, ensino profissionalizante, oficinas de reciclagem, grafite e desenho,<br />

higienização, educação e assistência familiar, educação religiosa, participação da família nas<br />

atividades, monitores mais treinados, atendimento médico e atendimento odontológico.<br />

Identificam-se as mesmas respostas para perguntas diferentes e algumas atividades<br />

sugeridas aos sujeitos desta pesquisa são inadequadas com a função do monitor, como o<br />

atendimento psicológico e médico em geral. Este fato é analisado como indício da dificuldade<br />

dos monitores de serem criativos e de não saberem como transformar as orientações recebidas<br />

numa prática agradável, adequada e pedagógica. Se somar-se a essa situação a<br />

heterogeneidade numérica dos grupos dos educandos e, em sua maioria, grupos muito grandes<br />

e inadequados a uma prática pedagógica eficiente, poder-se-á concluir que a atuação dos<br />

monitores está longe de atender ao objetivo proposto pelo Programa.<br />

Essas dificuldades repercutem na permanência dos egressos no espaço da Jornada<br />

Ampliada do Programa. Ao se questionar se existia situação de evasão na turma em que o<br />

monitor desenvolvia suas atividades, dos 57 monitores, 33 responderam que sim, 17<br />

monitores que não, e 07 não responderam. As causas que esses 33 monitores apontaram<br />

foram: “falta de pagamento ou atraso da bolsa”, 18 monitores; “falta de interesse das crianças<br />

e adolescentes”, 07 monitores; “falta de material e espaço adequado para as crianças”, 03<br />

monitores; “mau funcionamento do Programa”, 02 monitores; “envolvimento com drogas”,<br />

01 monitor; “devido ao cansaço e a fome”, 01 monitor; “devido à incorporação do PETI no<br />

Bolsa-Família”, 01 monitor.<br />

É interessante observar que a maioria afirma que há evasão em suas turmas e os<br />

maiores responsáveis seriam: o atraso da bolsa, que é a questão financeira e a falta de<br />

“interesse” dos egressos. Com relação à primeira causa, infere-se que as crianças estão<br />

retornando ao trabalho devido ao atraso do incentivo financeiro oferecido pelo Programa.<br />

Logo o governo não está cumprindo a sua parte na permanência das crianças no PETI, já que<br />

é ele o principal responsável pelo pagamento. Quanto à falta de “interesse” dos egressos,<br />

questiona-se o tipo e o como as atividades estão sendo desenvolvidas junto aos egressos, já<br />

que as atividades ludopedagógicas são desenvolvidas pelos monitores. É sabido, portanto, que


a falta de estrutura física e material 41 interfere no bom desenvolvimento das atividades<br />

socioeducativas. Mas o que se observa, mais uma vez, é que o PETI de João Pessoa não está<br />

preparado para receber, trabalhar e desenvolver as potencialidades dos egressos do trabalho<br />

infantil.<br />

O que se verifica é que os monitores do Programa não sabem como desenvolver suas<br />

atividades ludopedagógicas, deixando transparecer o seu despreparo em lidar com as crianças<br />

e adolescentes advindos do trabalho infanto-juvenil. Essa observação é corroborada quando,<br />

ao se perguntar, através de uma pergunta fechada, se as atividades desenvolvidas no PETI<br />

devem ser apenas de caráter lúdico-pedagógico e de reforço escolar, conforme estabelecem as<br />

diretrizes do Programa, 12 monitores responderam que sim, enquanto 41 disseram que não, e<br />

04 não responderam.<br />

Os que responderam sim justificam suas respostas afirmando que as atividades<br />

ludopedagógicas e de reforço escolar facilitam a aprendizagem, além de levarem os educando<br />

a relaxarem, possibilitando a realização dos objetivos do PETI.<br />

No entanto os 41 dos 57 dos monitores que responderam não apontaram como<br />

motivos: o cansaço e a necessidade de atividades que não despertem o interesse das crianças e<br />

adolescentes; atividades que não despertam a sensibilidade, a curiosidade e as necessidades<br />

destas crianças e adolescentes repetindo, apenas, a rotina escolar. Portanto, fica visível que a<br />

prática dos monitores do PETI não atrai o interesse dos egressos do trabalho infantil,<br />

contradizendo a afirmação de acordo com o qual eles apontam como um dos motivos da<br />

evasão “a falta de interesses das crianças e dos adolescentes”. Isto é, uma das causas da<br />

evasão na Jornada Ampliada está localizada principalmente na dificuldade do monitor em<br />

desenvolver atividades adequadas.<br />

6.5.2 A relação do monitor do PETI com a escola<br />

As dificuldades apontadas ao longo desse trabalho, quanto ao desempenho das<br />

crianças e adolescentes em relação à aprendizagem, impõem a se pensar nas ações do monitor<br />

do PETI e sua relação com a escola regular. Além de se identificar uma grande defasagem no<br />

processo de aprendizagem dessas crianças, conforme pesquisa realizada por Alberto et al<br />

(2005), adicione-se a ênfase dada pelo Ministério do Desenvolvimento Social na necessidade<br />

41 Quanto à falta de material ludopedagógico, foi perguntado neste mesmo estudo sobre se os monitores tinham<br />

acesso a esse tipo de material. Dos 57, 37 responderam que sim, 18 que não e 02 não responderam. Conforme a<br />

maioria, o material é adequado e educativo. Enquanto os demais que responderam afirmaram que o material é<br />

em número insuficiente, pouco diversificado, de baixa qualidade e não é reposto na freqüência satisfatória.


de uma parceria contínua do PETI com as Secretarias de Educação Municipais e Estaduais.<br />

Esta parceria forneceria os subsídios metodológicos e pedagógicos necessários a uma prática<br />

eficiente e eficaz. Na prática, o que se observa é que, no município de João Pessoa, esta<br />

parceria se encontra apenas na intenção.<br />

Retornando-se à pesquisa sobre o trabalho infantil doméstico, realizada por Alberto et<br />

al (2005), podem-se apresentar os seguintes dados: a pesquisa foi realizada em sete escolas da<br />

cidade de João Pessoa, com uma população de crianças e adolescente entre 07 e 18 anos,<br />

sendo três municipais e quatro estaduais, em quatro bairros da cidade: Mangabeira, Castelo<br />

Branco, Geisel e José Américo. Nesta pesquisa, constatou-se que, dentre os sujeitos<br />

investigados, 68,5% apresentavam defasagem escolar, que variava de 1 a 9 anos. A pesquisa<br />

aponta também que 58% dos sujeitos já foram reprovados pelo menos uma vez, corroborando<br />

estudos como os de Alberto (2002), Rizzini (1996), Rizzini (2004), Consedey (2002), entre<br />

outros que se dedicam a estudar a problemática do trabalho infantil, mostrando que trabalho<br />

também influencia na evasão escolar.<br />

Segundo Campos (1999, p.19):<br />

O direito à educação é, no Brasil, não só um direito social público subjetivo,<br />

mas vem se tornando um valor consensual, entendido, no mundo globalizado,<br />

como condição de empregabilidade de adolescentes e adultos. Na luta por<br />

direitos humanos, a educação é entendida como condição necessária para o<br />

exercício da cidadania, impondo-se, portanto, o desenvolvimento de políticas<br />

sociais voltadas à garantia deste direito.<br />

O espaço da Jornada Ampliada, conforme a mesma autora, surge na tentativa de<br />

propiciar a ampliação das oportunidades educacionais em um período complementar ao da<br />

escola, no intuito de enriquecer o universo cultural da criança e do adolescente, facilitando o<br />

aproveitamento escolar destes: “Constitui, também, alternativa desejável de ocupação do<br />

tempo das crianças e adolescentes envolvidos no Programa, em vista do risco de continuarem<br />

a trabalhar em tempo parcial (CAMPOS, 1999, p.19)”.<br />

Nas diretrizes do PETI, consta que: “A jornada ampliada deve manter perfeita sintonia<br />

com a escola (BRASIL, 2004, p. 7)”. Tendo presente esta recomendação do Programa, foi<br />

perguntado aos monitores se mantinham algum contato com os professores das escolas com<br />

os quais os egressos do trabalho infanto-juvenil estudam. Dos 57 monitores participantes da<br />

pesquisa, 41 afirmaram que não, enquanto 14 responderam que sim, e 02 não responderam.<br />

Dos 14 que responderam sim, 12 monitores justificaram sua resposta afirmando que a<br />

este contato é importante para que a escola formal dê continuidade ao trabalho do PETI e para<br />

acompanhar o desenvolvimento das crianças e adolescentes. Enquanto 02 monitores


afirmaram que, apesar de terem contato com os professores, este contato pouco acrescentou<br />

ao trabalho deles.<br />

Dos 41 que responderam não, apontaram como motivos: a distância das escolas, a falta<br />

de tempo, a falta de integração entre o PETI e as escolas, a falta de orientação do Programa, a<br />

falta de interesse das escolas e por entender que essa função cabe a outro profissional<br />

(diretores, assistente social e psicólogo).<br />

Observando-se as respostas dos monitores, verifica-se que não há sintonia entre os<br />

professores da escola formal da rede de ensino de João Pessoa com os monitores do PETI. O<br />

que se nota é que ambos desenvolvem atividades isoladas e desarticuladas, repetindo o erro já<br />

apontado em uma avaliação do PETI no período de sua implantação, nos anos de 96 a 97,<br />

publicado em 1999, realizado pela equipe de Marta Silva Campos, da Pontifícia Universidade<br />

Católica de São Paulo, em parceria com o UNICEF e com o Ministério da Previdência Social<br />

(MPAS).<br />

Segundo essa avaliação:<br />

Em geral, podemos dizer que há uma falta de sintonia entre o ensino regular e<br />

a jornada complementar. A ausência de interação entre a jornada ampliada e o<br />

ensino regular evidencia-se tanto pelo desencontro entre a didática dos<br />

professores e a metodologia usada na jornada ampliada, como pela falta de<br />

seqüência entre os conteúdos tratados, ou ainda, pela simples ausência de<br />

comunicação entre os monitores e professores (CAMPOS, 1999, p.119).<br />

Esta mesma falha foi apontada pela “Análise Situacional do PETI”, publicada pelo<br />

UNICEF no ano de 2004, numa pesquisa de âmbito nacional e que compreendeu 27 estados e<br />

2.601 municípios, entre eles a Paraíba. Conforme a análise, foi observada:<br />

Inexistência de uma proposta pedagógica referencial para a jornada ampliada;<br />

e a desarticulação entre as ações realizadas na rede regular de ensino e na<br />

jornada ampliada que contribuem para os resultados limitados em termos de<br />

aprendizagem das crianças e adolescentes (UNICEF, 2004, p. 44).<br />

Portanto o objetivo do PETI de “propiciar o ingresso, o regresso, a permanência e o<br />

sucesso das crianças e dos adolescentes na escola, retirando as mesmas do mundo do trabalho<br />

(BRASIL, 2004, p.15)”, não está sendo concretizado nem pelos monitores nem pelos<br />

professores das escolas.<br />

Essa realidade vivenciada pelos egressos do trabalho infanto-juvenil só reflete o<br />

quadro em que se encontra a educação do Brasil e, em especial, a paraibana. Segundo Brito<br />

(2007), o Ministério da Educação e Cultura (MEC) reprovou o ensino nas escolas públicas da<br />

Paraíba, avaliado através do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (I<strong>DE</strong>B), que usa<br />

uma escala que varia de zero a 10 (dez). Conforme a Jornalista, os índices observados foram:


“[...] 3,0 para a 1ª fase do ensino fundamental; 2,3 para a 2ª fase do ensino fundamental e 2,6<br />

para o ensino médio”. Segundo a mesma reportagem, o município de João Pessoa se encontra<br />

na 25ª posição, entre as 27 capitais brasileiras, com média 2,9.<br />

Esses dados levantados pelo Ministério da Educação demonstram que a qualidade do<br />

ensino público pessoense encontra-se bem abaixo da média. Logo as crianças e adolescentes<br />

que passam pela maioria das escolas públicas saem totalmente despreparados para<br />

enfrentarem a competitividade do mercado de trabalho, o qual exige cada vez mais pessoas<br />

versáteis, criativas e bilíngües. A situação se agrava quando se percebe que a proposta de se<br />

retirar as crianças e adolescentes da situação de trabalho não tem o respaldo da escola, devido<br />

a educação que é oferecida no sistema público de ensino ser de baixa qualidade e os docentes<br />

não possuírem formação adequada para receber e trabalhar com crianças e adolescentes<br />

egressos do trabalho infanto-juvenil.<br />

6.6 Acerca da eficácia do Programa na opinião do monitor<br />

A proposta central do PETI é fazer com que crianças e adolescentes troquem o<br />

trabalho penoso, muitas vezes degradante e desenvolvido em ambientes insalubres, por<br />

atividades ludopedagógicas, artísticas, culturais e esportistas. Essas atividades deveriam ser<br />

desenvolvidas como conseqüência da integração da escola com a Jornada Ampliada. No<br />

entanto percebe-se que essa integração não está ocorrendo. Segundo Silva, Yazbek, Di<br />

Giovanni (2004), se as atividades realizadas pelos professores e monitores fossem criativas e<br />

concatenadas, somadas à criação de emprego e renda para os responsáveis dos inseridos no<br />

PETI, dificultaria o retorno da população infanto-juvenil ao trabalho que exercia antes de sua<br />

entrada no Programa.<br />

O que se verifica, no entanto, é que as crianças e adolescentes, adultizadas<br />

precocemente pelo trabalho, não encontram na escola a motivação necessária para<br />

permanecem nela e desenvolver suas habilidades cognitivas, sociais e culturais. As escolas,<br />

conforme Alberto et al (2005), não estão sabendo lidar com a população infanto-juvenil<br />

trabalhadora ou com a dificuldade desta em acompanhar o processo de escolarização.<br />

Situação semelhante é encontrada na Jornada Ampliada, que não consegue cumprir também o<br />

fim a que se destina. Toda essa situação configurada acarreta um alto índice de reprovação.


Segundo a autora, as crianças e adolescentes adultizados precocemente não encontram<br />

no modelo de escola a que têm acesso o acolhimento de que precisam para progredir nos<br />

estudos. O que se observa, então, são<br />

Para Rizzini (2004, p.404):<br />

[...] inabilidades da escola para lidar com os comportamentos de meninos, que<br />

já são autônomos. É essa inabilidade da escola uma das causas das<br />

reprovações e da evasão escolar. O que justifica a defasagem escolar retendo<br />

número significativo de sujeitos no ensino fundamental. É também um fator<br />

explicativo para o analfabetismo juvenil que vem crescendo (ALBERTO et<br />

al., 2005, p. 61).<br />

[...] Crianças e adolescentes que passam anos dentro da escola e que mal<br />

conseguem escrever o próprio nome são comuns em todo o país, só restando a<br />

eles uma vida de miséria, dependente do trabalho desqualificado e explorador.<br />

Fome e aproveitamento escolar são incompatíveis. A criança que precisa<br />

trabalhar para comer, deixa a escola ou não consegue aprender (...). Colocar<br />

todas as crianças na escola é uma meta que depende da melhoria das<br />

condições de vida da população. Políticas sociais que garantam uma renda<br />

mínima a estas famílias são necessárias para que a criança vá para a escola e lá<br />

permaneça. A criança que não estuda não tem alternativa: ela irá perpetuar a<br />

sua condição de miséria, tornando-se um adulto mal remunerado por falta de<br />

qualificação profissional. No mundo da informação, a criança sem<br />

escolarização, tornada um indivíduo analfabeto ou semi-analfabeto, acaba por<br />

comprometer a sua existência e a dos seus, num círculo infernal, sem fim.<br />

Para averiguar se as crianças e adolescentes inseridos no PETI estão cumprindo a<br />

determinação de estarem fora das atividades laborais, perguntou-se aos monitores se tinham<br />

conhecimento desses inseridos estarem ainda trabalhando, mesmo freqüentando o Programa.<br />

Dos 57 monitores, 30 responderam que não, 24 que sim, e 03 não responderam.<br />

Dos 24 monitores que responderam sim, foi perguntado qual atitude tomada com<br />

relação aos inseridos no Programa, já que as diretrizes do programa impedem tal exercício.<br />

Com relação a esta questão, observou-se a falta de uma atitude mais firme da parte dos<br />

monitores, pois 16 monitores informaram que “só conversaram com as crianças e<br />

adolescentes”; 05 responderam que “só conversaram com os pais”; 06 falaram “que<br />

conversaram com as crianças/adolescentes e com os pais”; 03 monitores afirmaram “que<br />

comunicaram a coordenação do PETI”. Ressalte-se que o número de monitores que possuíam<br />

algum tipo de conhecimento de crianças e adolescentes inseridos no PETI trabalhando é<br />

significativo. Isso deixa margem para se inferir que essa prática dentro do PETI, por parte das<br />

crianças e adolescentes, seja comum e do conhecimento dos monitores. A postura mais<br />

coerente a ser seguida pelos monitores seria a de notificar a equipe técnica do Programa para


que fossem tomadas as devidas providências, no intuito de se manter os inseridos<br />

freqüentando a escola, a Jornada Ampliada e longe das atividades de trabalho.<br />

Conforme o Art. 9º, parágrafo 2º da portaria n º 666, de 28 de dezembro de 2005,<br />

afirma-se que:<br />

Comprovada a existência de trabalho infantil em família usuária do PETI, os<br />

benefícios financeiros serão bloqueados até a cessação do trabalho infantil,<br />

desbloqueando-se em seguida ao cumprimento dessa obrigação.<br />

No capítulo VI, inciso II desta mesma portaria, determina-se que:<br />

A freqüência mínima da criança e do adolescente nas atividades do ensino<br />

regular e da Jornada Ampliada será exigida no percentual de 85% (oitenta e<br />

cinco) da carga horária mensal.<br />

Refletindo-se sobre o que pensam os monitores do PETI, perguntou-se a estes se o<br />

Programa atinge os objetivos a qual ele se propõe: dos 57 monitores, 30 monitores<br />

responderam que não, 24 que sim, e 03 não responderam. Os 30 que afirmaram não<br />

apontaram como motivos: “a falta de melhores instalações e recursos do PETI”; “a falta de<br />

maior participação dos pais”; “a grande necessidade financeira das famílias”; “atraso no<br />

repasse das bolsas”; “a falta de acompanhamento do PETI com as famílias”. Enquanto que os<br />

24 que responderam sim apontaram: “porque completa o horário da escola”; “porque exerce<br />

atividades condizentes com a realidade”; “porque não vê mais as crianças e adolescentes nas<br />

ruas”; “porque complementa as atividades da escola e oferece uma bolsa”.<br />

Ao se observar as respostas desses dois grupos, fica perceptível a ineficácia do PETI<br />

no atendimento da população infanto-juvenil, e a conseqüente falta de interesse e motivação<br />

por parte dos monitores do Programa pela problemática do trabalho infanto-juvenil. Essa<br />

desmotivação pode ser gerada por vários fatores. Entre eles, aponta-se a frustração<br />

profissional, por se estar realizando um trabalho fora da sua área de interesse, já analisado no<br />

6.1.2 desta pesquisa, em que se descreve a formação dos monitores. Outros fatores que<br />

acompanham esta falta de motivação são reafirmados pelos monitores quando se referem a<br />

“falta de estrutura física e material”, “baixa remuneração”, “um número alto de crianças e<br />

adolescentes por monitor” e a “falta de preparação para lidar com os egressos do trabalho<br />

infanto-juvenil”.<br />

Libâneo (2005, p.196), ao fazer uma análise sobre a escola diante das realidades<br />

contemporâneas, lembra que “a desqualificação da educação básica provoca a desvalorização<br />

econômica e social da profissão e, por sua vez, a desvalorização da prática docente”. Essa<br />

realidade apontada pelo autor, com relação à profissão docente, não difere da que passa o


monitor do PETI, já que atua numa função predominantemente educativa, no espaço da<br />

Jornada Ampliada, através de um programa social financiado pelo governo.<br />

No entanto o que se observa quando se reflete sobre a função do monitor com relação<br />

ao docente, verifica-se que a atividade desempenhada pelo monitor agrava-se, em termos de<br />

valorização, devido tal função não ser uma ocupação vista como prática docente. A função do<br />

monitor é percebida, apenas, como uma prática que pode ser realizada por qualquer pessoa<br />

leiga que tenha um mínimo de instrução, vontade de querer “cuidar” de crianças e adolescente<br />

reunidos em uma sala e, para completar, uma boa indicação política em virtude de existir um<br />

vínculo empregatício maleável, contratual e provisório. Essa instabilidade empregatícia e<br />

profissional, somada à falta de formação na temática do trabalho infanto-juvenil, contribui<br />

para um não-comprometimento com o trabalho que os monitores realizam no Programa.<br />

O descompromisso com o trabalho, a apatia e a inabilidade dos monitores do PETI se<br />

refletem quando se pergunta aos mesmos se o Programa oferece alguma perspectiva de futuro<br />

para as crianças e adolescentes. Dentre os 57 monitores, 42 disseram que sim, 11 responderam<br />

que não, e 04 não responderam. Os 42 que afirmaram que sim apontaram como motivos “a<br />

promoção e a ampliação da visão das crianças e adolescentes”. Os 11 monitores que<br />

responderam não afirmaram que: “porque não há acompanhamento pelo Programa das<br />

famílias”; “porque não há uma boa administração do Programa”; “porque deveria ser um<br />

curso profissionalizante”; “porque não se assistem as crianças e adolescentes depois que saem<br />

dos programas”; “porque algumas crianças e adolescentes não tendem a evoluir como gente”.<br />

Analisando-se o conjunto das respostas, observa-se a existência de uma acentuada<br />

contradição nas afirmações feitas por estes monitores, já que estes exprimiram anteriormente<br />

que o PETI não alcança os objetivos por ele proposto. Sendo assim, não é possível ao PETI da<br />

cidade de João Pessoa não atingir seus objetivos e ao mesmo tempo, oferecer perspectiva de<br />

futuro às crianças e adolescentes participantes do programa, uma vez que há falhas nas<br />

propostas educativas (eixo norteador do Programa). O que as respostas dadas pelos monitores<br />

deixam transparecer, na verdade, é que é transferida às crianças e adolescentes inseridas no<br />

Programa e suas famílias a responsabilidade por não serem alcançados os objetivos do PETI.<br />

Além das observações já feitas, destacam-se respostas que demonstram descrédito<br />

pessoal no programa e na possibilidade de crescimento do ser humano. Como exemplo,<br />

podemos citar as seguintes respostas: “deveria ser um curso profissionalizante” e “porque<br />

algumas crianças e adolescentes não tendem a evoluir como gente”. Portanto, se não há<br />

crença, por parte do próprio monitor, de que o trabalho não é prejudicial ao desenvolvimento<br />

da criança e do adolescente, e, para eles, existem pessoas que não têm uma tendência ao


crescimento, como poderiam, então, estes educadores desenvolver um trabalho adequado e de<br />

qualidade que permita o alcance dos objetivos do Programa se trazem consigo a mentalidade<br />

impregnada na sociedade brasileira, de que “Trabalhar educa o caráter da criança”?<br />

Segundo Rizzini (2004, p.389):<br />

[...] O trabalho da criança e do adolescente das classes populares é visto em<br />

nossa sociedade como um mecanismo disciplinador, capaz de afastá-los das<br />

companhias maléficas e dos perigos da rua. A “escola para o trabalho” é<br />

percebida como a verdadeira “escola da vida” – a criança é socializada desde<br />

cedo para ocupar o seu lugar em uma sociedade extremamente estratificada,<br />

onde lhe são reservadas as funções mais subalternas.<br />

Consedey (2002) complementa a reflexão de Rizzini, trazendo presente que o combate<br />

ao trabalho infanto-juvenil depende de uma nova visão sobre a questão e ampla discussão<br />

com os vários setores da sociedade, entre eles, os profissionais que atuam na área educacional<br />

como: diretores, supervisores, professores, monitores, entre outros. Os agentes educacionais,<br />

segundo a OIT (2001), ao aprofundar, discutir e analisar a problemática do trabalho infantil,<br />

tornar-se-ão agentes nesse combate. A participação dos educadores é de fundamental<br />

importância porque são as pessoas mais próximas dos educandos e da comunidade, podendo<br />

desenvolver trabalhos educativos que venham a sensibilizar e mobilizar a comunidade na<br />

busca de soluções e alternativas para erradicação do trabalho infantil, com a melhoria das<br />

atividades desenvolvidas no PETI.<br />

Conforme a Organização Internacional do Trabalho (2001), apesar de o PETI ter<br />

diminuído o número de crianças e adolescentes em atividades laborais, o Programa apresenta<br />

limitações, como o fato de ele ser de caráter emergencial e por não ser acompanhado de<br />

políticas mais efetivas voltadas para a superação da injusta distribuição de renda no país.<br />

Acerca de outros comentários sobre as atividades do PETI, surge a “necessidade de<br />

maior valorização dos profissionais” (monitores); de “liberação do ensino profissionalizante<br />

para os adolescentes do Programa”; do “maior comprometimento profissional”; “maior<br />

número e melhor qualidade das capacitações”; “maior envolvimento do Programa com as<br />

famílias”; “atividades de geração de renda para os familiares”; “maior valorização das<br />

atividades esportivas”; “diminuição dos atrasos das bolsas e no repasse do material”; e “maior<br />

incentivo para as crianças e adolescentes participarem das atividades musicais”.<br />

As afirmações contidas no último parágrafo são resultantes de uma pergunta cuja<br />

resposta não era obrigatória e, por este motivo, não foram contabilizadas. Apesar disto, essas<br />

afirmações indicam também incoerências que podem ser traduzidas pelas indagações que se<br />

seguem: que procedimentos adotar para se valorizar um profissional que não acredita naquilo


que faz? Como valorizar um profissional que não consegue perceber as características da<br />

população por ele atendida?<br />

Uma leitura superficial do texto anterior pode nos conduzir a uma atitude de<br />

culpabilizar o monitor pela falta de êxito do Programa. Percebe-se, porém, que essa situação<br />

mascara questões preliminares e de mérito do Programa, tais como: o não atendimento das<br />

crianças e adolescentes em tempo integral pela escola regular; por que situar o atendimento às<br />

crianças e adolescentes em áreas diferentes: educação e social? Não seria mais viável<br />

concentrar esforços econômicos, humanos, sociais, políticos e de trabalho no atendimento às<br />

famílias dessas crianças e adolescentes? Por que culpabilizar os monitores se não é exigido<br />

deles oficialmente uma qualificação especifica e atendimento a critérios definidos<br />

oficialmente?<br />

A situação encontrada oficialmente deixa margem à contratação de pessoas não<br />

qualificadas ao oficio. Não são desenvolvidas ações que tenham como conseqüência a geração<br />

de emprego e renda para estas famílias, embora esteja nas Diretrizes do Programa tal<br />

proposta. Situação esta que dispensaria a necessidade de concessão de benefícios que geram<br />

dependência, distorção da realidade e manutenção de uma situação em que a não qualificação<br />

profissional gera inércia e descrédito das pessoas no meio social em que vivem. Desta forma,<br />

os programas gerados pelo governo federal acabam legalizando a situação de pobreza e<br />

miséria em que vive grande parte da nossa sociedade.


Não posso aceitar como tática do bom combate a política do quanto pior melhor, mas nosso posso<br />

também aceitar, impassível , a política assistencialista que, anestesiando a consciência oprimida,<br />

prorroga, sine die, a necessária mudança da sociedade.<br />

(Paulo Freire, 2000)


7 CONSI<strong>DE</strong>RAÇÕES FINAIS<br />

As análises e reflexões realizadas nos capítulos que compõem este trabalho sobre o<br />

papel desempenhado pelo monitor do PETI, junto às crianças e adolescentes egressos do<br />

trabalho infanto-juvenil, levaram-nos a perceber a importância que o monitor possui no<br />

exercício das atividades socioeducativas que caracterizam a Jornada Ampliada do PETI. Cabe<br />

ao monitor, conforme as diretrizes do Programa (BRASIL, 2004), aproximar-se das crianças e<br />

adolescentes, estabelecendo vínculos afetivos que os levem a ampliar sua bagagem cultural e<br />

social, no intuito de afastá-los do trabalho precoce e reconduzi-los às atividades escolares, em<br />

um processo que deveria ser executado em “mão dupla”: escola e Jornada Ampliada.<br />

No entanto, a partir das primeiras análises situacionais do PETI, desde a sua<br />

implementação, permite-se observar a falta de sintonia entre escola e Jornada Ampliada<br />

(CAMPOS, 1999; UNICEF, 2004). E, infelizmente, a situação da cidade de João Pessoa não é<br />

diferente das constatações feitas em âmbito nacional. A parceria entre setores responsáveis e<br />

os atores envolvidos no processo educacional da população infanto-juvenil não ocorre, tendose<br />

a impressão de estarem desenvolvendo atividades educacionais com populações<br />

diferenciadas. Pregam, em suas diretrizes, o bom desempenho escolar, o enriquecimento<br />

cultural e social das crianças e adolescentes que freqüentam tanto a escola como a Jornada<br />

Ampliada. Esta, por sua vez, tornou-se apenas um lugar onde as crianças e adolescentes se<br />

dirigem para garantir o recebimento do subsídio financeiro de R$ 40,00 (quarenta reais),<br />

concedido pelo Programa, e, ao mesmo tempo, a garantia de que eles freqüentem uma “escola<br />

pública” que também não está apta para recebê-los e que se caracteriza atualmente pela baixa<br />

qualidade do ensino.<br />

Os dados da pesquisa demonstram que não há integração entre as atividades realizadas<br />

na Jornada Ampliada e na escola, uma vez que há falta de tempo para o contato entre<br />

professores e monitores da Jornada, pois eles cumprem jornada dupla de trabalho. Vale<br />

ressaltar que os monitores fixos, responsáveis pelos egressos no espaço da Jornada Ampliada,<br />

trabalham nos dois períodos, totalizando 8h00 diárias.<br />

O exercício em dupla jornada é um dos aspectos que reforçam a não integração e o não<br />

acompanhamento direto do desempenho escolar dos inseridos no Programa. Outro ponto de<br />

igual importância, que colabora para que essa integração não venha a acontecer, é o<br />

desconhecimento das diretrizes do Programa, que fala sobre a parceria entre a escola regular e<br />

a jornada do PETI.


Os resultados enfatizam outro aspecto, também relevante, que é o não conhecimento<br />

da proposta do PETI e o despreparo para desempenhar a função de monitor junto aos egressos<br />

do trabalho infanto-juvenil. Embora a maioria tenha o ensino médio completo e, até mesmo, o<br />

nível superior, observou-se que os monitores não estão preparados para atuar junto à<br />

população infanto-juvenil provenientes da situação de trabalho precoce, seja por<br />

desconhecimento da temática e das diretrizes do Programa, seja por não saber como organizar<br />

e coordenar diariamente turmas que chegam a compor entre 15 e 50 crianças e adolescentes,<br />

multiseriadas, em espaços físicos pequenos, desenhando um quadro de super-lotação. Muitos<br />

têm conhecimentos teóricos e práticos, mas não têm conhecimentos metodológicos adequados<br />

à proposta.<br />

Isso demonstra a falta de organização estrutural do programa, pois não existem<br />

critérios bem definidos para a seleção e formação dos monitores, bem como a falta de<br />

organização física para o funcionamento dos grupos, além de outros aspectos como a<br />

desigualdade de pagamento dos monitores, divididos em categorias, em que os que ganham<br />

menos são aqueles que possuem a maior responsabilidade, como no caso dos monitores fixos.<br />

O trabalho socioeducativo desenvolvido pelos monitores, pelos dados coletados, segue<br />

a linha da escola tradicional de ensino, com cadeiras enfileiradas e quadro negro. Não foi ao<br />

acaso que alguns se denominaram de professores ou de educadores no sentido restrito do<br />

exercício da docência, na tentativa de colocar uma “ordem” através do uso da disciplina, pois<br />

para alguns monitores a “culpa” em não atingir os objetivos do Programa é da falta de<br />

“interesse” e “compromisso” da criança e do adolescente, por serem inquietos, como<br />

“argumenta” um monitor oficineiro ao afirmar que uma das principais dificuldades para<br />

desenvolver suas atividades na Jornada Ampliada, junto às crianças e adolescentes: O não<br />

conhecimento de como funciona a mente deles, e a falta de disciplina mínima (Monitor de 47<br />

anos, Ensino superior completo).<br />

Pode-se perceber que o PETI também é visto pelos pais como sendo “apenas um<br />

depósito de crianças”, confirmando a visão de uma parte dos monitores, que afirma que o<br />

PETI não oferece perspectiva de futuro para a população infanto-juvenil egressos do trabalho<br />

infantil. Daí questiona-se: como o monitor pode desenvolver um trabalho, que visa, ao<br />

desenvolvimento de crianças e adolescentes, se não consegue vislumbrar um futuro promissor<br />

para essa população? Tal postura torna-se contraditória com a política do Programa e reforça<br />

a idéia de que o PETI - assim como outros programas sociais do governo, destinado a crianças<br />

e adolescentes - visa mais à retirada das crianças das ruas, devido ao “incômodo” causado<br />

para a população, do que à sua formação pessoal. Afinal, de acordo com as diretrizes do


Programa, o “curso profissionalizante” deve ser direcionado aos pais ou responsáveis pela<br />

criança e o adolescente, e não aos egressos do trabalho infanto-juvenil. Sendo assim, a<br />

impressão que emerge do tipo do papel que o monitor exerce junto a essa população está<br />

associada ao de um vigia que, para evitar que elas “escapem” do “regime semi-aberto”, faz<br />

uso de atividades ocupacionais que ajudem a “passar o tempo”, já que os monitores não têm<br />

clara para si a função educativa que deveriam exercer. Isso fica evidente quando diante da<br />

necessidade de uma formação mais consistente e de material para o desenvolvimento das<br />

atividades.<br />

Pode-se perceber que a capacitação dos monitores torna-se um dos fatores essenciais<br />

para fazer acontecer o “bom desempenho” das crianças e adolescentes, no circuito<br />

educacional, em parceria com a escola e a família. Junto a esse movimento, são também<br />

necessários investimentos por parte do governo em material, estrutura física e humana, além<br />

da necessidade de se estabelecer mecanismos de qualificação profissional, para que as ações<br />

dos monitores não se limitem ao desenvolvimento de atividades inócuas que visam apenas à<br />

ocupação da criança, de forma a apenas “passar o tempo”.<br />

Na tentativa de se nortear os objetivos do Programa, seria interessante o uso de<br />

técnicas disponibilizadas pela educação, tais como: utilização e elaboração de um<br />

planejamento geral, articulado à formação continuada para todos os núcleos e monitores,<br />

levando-se em consideração a proposta pedagógica do Programa. Uma vez elaborado esse<br />

planejamento, caberia aos monitores os desenvolverem de forma específica e colocá-los em<br />

prática conforme a realidade e necessidade de cada grupo. Os encontros de formação dos<br />

monitores, que ocorrem uma vez por mês, segundo a estrutura atual, seriam usados como um<br />

espaço para reavaliação dos planejamentos, procurando-se perceber quais metas foram<br />

atingidas ou não; as principais dificuldades e conquistas feitas pelos monitores e pelos<br />

egressos, além de se reservar um período para aprofundamento de temas ligados à temática do<br />

trabalho infantil e para o conhecimento das diretrizes do PETI.<br />

Além do exposto, enfatiza-se a necessidade de que as parcerias propostas no corpo do<br />

Programa com as Secretarias Municipais e Estaduais de Educação, Secretarias de Saúde,<br />

Ministério Público, entre outras, sejam concretizadas com a conquista de escola regular de<br />

atendimento integral. Para finalizar, registra-se, também, a clareza que se tem de que esta<br />

pesquisa reflete e sinaliza para a construção de um conjunto de respostas e ações satisfatórias<br />

para o enfrentamento do fenômeno aqui discutido. Mas acredita-se que, com este trabalho,<br />

contribui-se para a continuidade de pesquisas que possam trazer mais esclarecimentos e


possibilidades de ações efetivas que atendam, de fato, aos anseios da população, faminta que é<br />

de soluções para a construção de uma sociedade baseada na justiça e na dignidade para todos.


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APÊNDICES


APÊNDICE A - Questionário Semi-estruturado


APÊNDICE B – Quadro dos Núcleos do Programa de Erradicação do<br />

Trabalho Infantil em João Pessoa-PB


ANEXOS


ANEXO A – Certidão do Comitê de Ética e Pesquisa


ANEXO B – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido


TERMO <strong>DE</strong> CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO<br />

Você está convidado(a) a participar de um estudo, que está sendo desenvolvido pelo Programa<br />

de Pós-Graduação em Educação, da Universidade Federal da Paraíba – UFPB, Centro de Educação –<br />

CE, por Sônia de Almeida Pimenta (pesquisadora orientadora) e Nozângela Maria Rolim Dantas<br />

(pesquisadora responsável), sobre a formação e a prática dos monitores do Programa de Erradicação<br />

do Trabalho Infantil – PETI. Contribuindo para este estudo, você estará prestando importante ajuda<br />

para a pesquisa na área de Educação Popular, para conhecermos a atividade real dessa categoria<br />

profissional.<br />

No estudo, procuraremos investigar o papel dos monitores e como está se dando a prática<br />

desses profissionais em comparação com o que se exige dos mesmos nas diretrizes do programa.<br />

Não haverá qualquer custo financeiro ou riscos à saúde na realização dos procedimentos<br />

citados.<br />

Você tem liberdade de participar ou não deste estudo. Poderá perguntar o que quiser sobre a<br />

pesquisa a qualquer um das pesquisadoras envolvidas citadas a cima, bem como poderá cancelar sua<br />

autorização de participação em qualquer momento (antes, durante ou depois da pesquisa). Cabe<br />

destacar que serão respeitados seu anonimato, privacidade e sigilo das informações.<br />

Solicitamos a sua colaboração na resolução de um questionário, como também sua autorização<br />

para apresentar os resultados deste estudo em eventos da área de humanas e publicar em revista<br />

científica. Por ocasião da publicação dos resultados, seu nome será mantido em sigilo. Informamos<br />

que essa pesquisa não oferece riscos, previsíveis, para a sua saúde.<br />

Diante do exposto, declaro que fui devidamente esclarecido(a) e dou o meu consentimento<br />

para participar da pesquisa e para publicação dos resultados. Estou ciente que receberei uma cópia<br />

desse documento.<br />

João Pessoa, ___/___/____<br />

______________________________________<br />

Assinatura do Participante da Pesquisa<br />

Contato com o Pesquisador (a) Responsável:<br />

Caso necessite de maiores informações sobre o presente estudo, favor ligar para o (a) pesquisador (a)<br />

Nozângela Maria Rolim Dantas<br />

Endereço: R. Clotilde Torres, 83 Bairro: Tambauzinho<br />

Telefone: 93625272<br />

Atenciosamente,<br />

___________________________________________<br />

Assinatura do Pesquisador Responsável<br />

___________________________________________<br />

Assinatura do Pesquisador Participante

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