ENTRE O CAMPO E A CIDADE (EM FESTA ... - XII Simpurb

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passa assim a significar o terceiro termo da tríade dialética, a síntese da contradição cidade-campo” (MONTE-MÓR, 2007: 99, grifo do autor). É nesse contexto que se inserem as festas sertanejas que dão vida a uma curiosa cena contemporânea, na qual a ruralidade, como estilo de vida, surge mais como imaginário coletivo do que efetivamente como reflexo de uma prática cotidiana agrária na cidade. É ainda essa realidade socioespacial que permite entender o rural contemporâneo, louvado nas festas sertanejas ou em tantas outras manifestações culturais, como demanda de um mundo urbano que avança para além da cidade, borrando limites e imiscuindo realidades. Assim, a festa sertaneja e sua atualização no espaço citadino surge como imagem desse tempo em que a dicotomia entre cidade e campo se esvazia e faz surgir um elemento outro, reflexo de uma acentuada porosidade entre fronteiras. Algumas considerações Desde o início do processo de urbanização, a produção do espaço social brasileiro tem sofrido alterações contínuas e significativas, e a relação cidade-campo se configura como parte intrínseca desse drama. Um embate que poderia ser observado já nos primeiros sobrados e mucambos urbanos sucessores de um país essencialmente agrário, que, com suas casas-grandes e senzalas, enunciava relações de poder patriarcal (FREYRE, 1984; 2004). Uma questão ainda presente na cidade contemporânea, seja no uso do solo urbano para fins agrícolas, seja na “condominização” às margens de tantas rodovias, para além das centralidades consolidadas, em busca de um espaço verde para viver. Um conflito histórico (ou seria diáologo?) também explícito na relação entre o espaço social e a festa. As cenas expostas aqui mostraram o quão associados, ou associáveis, são a festa e o urbano e, consequentemente, o rural. Na descrição de Saint-Hilaire, o urbano é dado pelo rural, ao seu modo e no momento apropriado para ele. Daí, o processo de ruralização das Minas no início do século XIX, com os dias de festa fazendo da cidade o lugar do encontro, com a atividade agropecuária transformando o campo em espaço privilegiado da produção. Na Vila Rica setecentista, é o modo de vida urbano que conforma o rural e, claro, também a festa, que surge revelando todo o esplendor da cidade mineradora à época. Não por acaso, é esse espetáculo que ganha destaque no século XXI. É revivido e reinventado para um novo público, tendo como base outra 10
urbanidade, mas que não deixa de remeter a uma modernidade primeira, com ares nostálgicos de quem ainda não se esqueceu da glória do passado. Na festa sertaneja do século XXI, é o urbano extensivo que se torna evidente, símbolo de uma nova urbanidade, permeada por referências ao campo, mas que se dá para além dos limites da cidade e é fortemente marcada por fluxos intensos entre as duas realidades. Enfim, duas cenas, alguns fotogramas e uma proposição: a festa pode e deve ser observada como reveladora do urbano de seu tempo. Referências BAKHTIN, Mikhail. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François Rabelais. São Paulo: Hucitec, 2002. BAUDRILLARD, Jean. Simulacros e simulações. Lisboa: Relógio D’água, 1991. CAILLOIS, Roger. L´homme et le sacré. Paris: Éditions Gallimard, 1950. CARLOS, Ana Fani Alessandri. O espaço urbano: novos critérios sobre a cidade. São Paulo: Contexto, 2007. CUNHA, Alexandre Mendes. O urbano e o rural em Minas Gerais entre os séculos XVIII e XIX. Cadernos da Escola do Legislativo. Belo Horizonte, v. 11, n. 16, p. 57- 70, jan./jun. 2009. ECAD – Escritório Central de Arrecadação e Distribuição. 2011. Apresenta estatísticas e informações sobre a execução pública de músicas no Brasil. Disponível em: . Acesso em: 12 jul. 2011. IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Sinopse do censo demográfico 2010. Rio de Janeiro: IBGE, 2011. Disponível em: . Acesso em: 09 jul. 2011. DA MATTA, Roberto. Carnavais, malandros e heróis: para uma sociologia do dilema brasileiro. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1983. DURKHEIM, Émile. Les formes elementaires de la vie religieus: le systeme totemique en Australie. Paris: Presses Universitaires de France, 1960. DUVIGNAUD, Jean. Festas e civilizações. Edições Universidade Federal do Ceará: Fortaleza; Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1983. FREYRE, Gilberto. Casa-grande e senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1984. FREYRE, Gilberto. Sobrados e mucambos: decadência do patriarcado rural e desenvolvimento urbano São Paulo: Global, 2004. GIRARD, René. A violência e o sagrado. São Paulo: Unesp; Paz e Terra, 1990. 11
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