os africanos no brasil - Departamento de História - UEM
os africanos no brasil - Departamento de História - UEM
os africanos no brasil - Departamento de História - UEM
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Revista Brasileira <strong>de</strong> <strong>História</strong> das Religiões. ANPUH, A<strong>no</strong> III, n. 7, Mai. 2010 - ISSN 1983-2850<br />
http://www.dhi.uem.br/gtreligiao - Artig<strong>os</strong><br />
______________________________________________________________________<br />
vias: atavismo ou sobrevivência. Para isto, Rodrigues (1982) diferencia <strong>os</strong> conceit<strong>os</strong> <strong>de</strong><br />
atavismo e sobrevivência e discute como a criminalida<strong>de</strong> <strong>no</strong> negro po<strong>de</strong> ora proce<strong>de</strong>r do<br />
estágio da sua evolução jurídica, ora proce<strong>de</strong> das suas crenças religi<strong>os</strong>as.<br />
O indivíduo Nina Rodrigues, também se faz presente em alguns moment<strong>os</strong> <strong>de</strong><br />
seu discurso, quando dá a enten<strong>de</strong>r, por exemplo, que foi criado por ama <strong>de</strong> leite, e<br />
utiliza-se das histórias que ouvia quando meni<strong>no</strong> para explicar a etimologia do termo<br />
“zumbi”.<br />
E, segundo a impressão que <strong>de</strong>le recebi na infância, <strong>os</strong> cont<strong>os</strong> das<br />
amas <strong>de</strong> meni<strong>no</strong>, assim se <strong>de</strong>signaria um ser misteri<strong>os</strong>o, algo <strong>de</strong><br />
feiticeiro, escuso e retraído, só trabalhando e andando às <strong>de</strong>soras. Daí<br />
a sentença popular: „você está feito zumbi‟, para crismar aquele que é<br />
<strong>de</strong> natural macambúzio, ou tem o vezo <strong>de</strong> passar as <strong>no</strong>ites em claro,<br />
ou ainda prefere o trabalho às horas mortas. (RODRIGUES, 1982,<br />
p.92).<br />
Embora Mariza Corrêa (2001) aconselhe à não se <strong>de</strong>ixar enganar pela narrativa<br />
emotiva <strong>de</strong> Nina Rodrigues sobre o regresso <strong>de</strong> african<strong>os</strong> velhinh<strong>os</strong> à África, o relato<br />
n<strong>os</strong> parece contribuir muito mais <strong>no</strong> sentido <strong>de</strong> não n<strong>os</strong> <strong>de</strong>ixar enganar pela idéia <strong>de</strong> um<br />
Nina Rodrigues cem por cento racional e objetivo guiado por uma ciência neutra e<br />
imparcial, ao observar as <strong>de</strong>silusões que reservam o retor<strong>no</strong> <strong>de</strong>stes velh<strong>os</strong> a uma África<br />
mais fantasi<strong>os</strong>a. Rodrigues narra a partida em princípi<strong>os</strong> <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1899, da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
Lag<strong>os</strong>, o patacho da Aliança, levando 60 passageir<strong>os</strong>, quase tod<strong>os</strong> velh<strong>os</strong> african<strong>os</strong>,<br />
nagôs e haussás, que se repatriavam.<br />
Foi presa <strong>de</strong> bem profunda emoção, que assisti em 1897 uma turma<br />
<strong>de</strong> velh<strong>os</strong> nagôs e haussás, já bem perto do termo da existência,<br />
muit<strong>os</strong> <strong>de</strong> passo incerto e cobert<strong>os</strong> <strong>de</strong> alvas cãs tão serôdias na sua<br />
raça, atravessar a cida<strong>de</strong> em alvoroço, a embarcar para a África, em<br />
busca da paz do túmulo nas mesmas plagas em que tiveram o berço.<br />
Dolor<strong>os</strong>a impressão a daquela gente, estrangeira <strong>no</strong> seio do povo que<br />
a vira envelhecer curvada ao cativeiro e que agora, tão alheio e<br />
intrigado diante da ruid<strong>os</strong>a satisfação d<strong>os</strong> inválid<strong>os</strong> que se iam, como<br />
da recolhida tristeza d<strong>os</strong> que ficavam, assistia, indiferente ou<br />
p<strong>os</strong>suído <strong>de</strong> efêmera curi<strong>os</strong>ida<strong>de</strong>, àquele emocionante espetáculo da<br />
restituição a<strong>os</strong> penates d<strong>os</strong> <strong>de</strong>spoj<strong>os</strong> <strong>de</strong> uma raça <strong>de</strong>stroçada pela<br />
escravidão. E, perante aquela cena comovente, a quant<strong>os</strong> espírit<strong>os</strong><br />
teriam assaltado as graves cogitações d<strong>os</strong> benefici<strong>os</strong> e males que a<br />
este país trouxera e nele <strong>de</strong>ixava aquela gente negra que, nas formas<br />
<strong>de</strong> uma satisfação, avisada e inconfessável, <strong>de</strong> pur<strong>os</strong> interesses<br />
mercantis, o <strong>de</strong>sti<strong>no</strong> inconsciente d<strong>os</strong> pov<strong>os</strong> atirara um dia na<br />
América Latina? Também, velh<strong>os</strong> e gast<strong>os</strong>, partiam agora sem<br />
sauda<strong>de</strong>s nem maldições, que já longe vão extintas as pulsações da<br />
gana <strong>de</strong> lucr<strong>os</strong> com que eram recebid<strong>os</strong> <strong>os</strong> negreir<strong>os</strong> do tráfico.<br />
(RODRIGUES, 1982, p.98-99).<br />
82