os africanos no brasil - Departamento de História - UEM
os africanos no brasil - Departamento de História - UEM
os africanos no brasil - Departamento de História - UEM
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Revista Brasileira <strong>de</strong> <strong>História</strong> das Religiões. ANPUH, A<strong>no</strong> III, n. 7, Mai. 2010 - ISSN 1983-2850<br />
http://www.dhi.uem.br/gtreligiao - Artig<strong>os</strong><br />
______________________________________________________________________<br />
“OS AFRICANOS NO BRASIL”: O DISCURSO DE NINA RODRIGUES<br />
ACERCA DAS RELIGIÕES AFRICANAS NA BAHIA DO SÉCULO XIX.<br />
Vanda Fortuna Serafim *<br />
RESUMO: N<strong>os</strong>sa prop<strong>os</strong>ta consiste em expor aspect<strong>os</strong> da discussão <strong>de</strong>senvolvida em n<strong>os</strong>sa<br />
dissertação “O discurso <strong>de</strong> Raimundo Nina Rodrigues acerca das religiões africanas na Bahia do<br />
século XIX”, <strong>de</strong>stacando principalmente à problemática levantada a partir da fonte “Os<br />
African<strong>os</strong> <strong>no</strong> Brasil”. Para isto apresentarem<strong>os</strong> a obra e em seqüência abordarem<strong>os</strong> a<br />
diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> olhares <strong>no</strong> discurso <strong>de</strong> Nina Rodrigues acerca das religiões africanas, atentando<br />
a<strong>os</strong> diferentes sujeit<strong>os</strong> presentes nesta obra: o pesquisador nacionalista, o social darwinista e o<br />
evolucionista social, o p<strong>os</strong>itivista, o historiador, o sociólogo, o filólogo, o lingüista, o<br />
antropólogo, o folclorista, o psicólogo, o ogã, o indivíduo e o católico. Analisarem<strong>os</strong> também,<br />
as categorias explicativas utilizadas por Nina Rodrigues para o estudo das religiões africanas:<br />
“sobrevivências”, “mestiçagem espiritual”, “negr<strong>os</strong> maometan<strong>os</strong>” e “totemismo”.<br />
Palavras - chave: Nina Rodrigues. “Os African<strong>os</strong> <strong>no</strong> Brasil”. Religiões africanas. Século XIX.<br />
“OS AFRICANOS NO BRASIL”: NINA RODRIGUES' DISCOURSE ABOUT<br />
AFRICAN RELIGIONS IN BAHIA IN THE NINETEENTH CENTURY.<br />
ABSTRACT: Our purp<strong>os</strong>e is to exp<strong>os</strong>e aspects of the discussion <strong>de</strong>veloped in our dissertation<br />
“Raimundo Nina Rodrigues' discourse about African religions in Bahia in the nineteenth<br />
century”, highlighting especially the problem lifted from the source "Os african<strong>os</strong> <strong>no</strong> Brasil."<br />
For this, we will present this book and after that we are going to discuss the diversity of<br />
perspectives in the discourse of Nina Rodrigues about African religions, paying attention to the<br />
different individuals present in this book: researcher nationalist, social Darwinist and<br />
evolutionist social, p<strong>os</strong>itivistic, the historian, the sociologist, the philologist, linguist,<br />
anthropologist, the folklorist, psychologists, ogã, individuals and Catholic. We will also analyze<br />
the explanatory categories used by Nina Rodrigues for the study of African religions:<br />
“sobrevivências”, “mestiçagem espiritual”, “negr<strong>os</strong> maometan<strong>os</strong>” e “totemismo”.<br />
Keywords: Nina Rodrigues. “Os African<strong>os</strong> <strong>no</strong> Brasil”. African religions. Nineteenth century.<br />
Em n<strong>os</strong>sa dissertação <strong>de</strong> mestrado 1 analisam<strong>os</strong> <strong>os</strong> estud<strong>os</strong> iniciad<strong>os</strong> por<br />
Raimundo Nina Rodrigues em finais do século XIX acerca das religiões africanas na<br />
Bahia, pois as obras produzidas pelo autor se tornaram marco inicial das pesquisas<br />
científicas referentes ao estudo do negro <strong>no</strong> Brasil e produziram um discurso pioneiro<br />
sobre as religiões africanas. Os n<strong>os</strong>s<strong>os</strong> objetiv<strong>os</strong> consistiram em pensar Nina Rodrigues<br />
enquanto produto/produtor <strong>de</strong> um discurso científico acerca das religiões africanas na<br />
* Doutoranda em <strong>História</strong> pela Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Santa Catarina. Bolsista Capes. Integrante do<br />
Grupo <strong>de</strong> Pesquisa em <strong>História</strong> Religi<strong>os</strong>a e das Religiões (CNPQ) e membro do GT <strong>História</strong> das<br />
Religiões e das Religi<strong>os</strong>ida<strong>de</strong>s (ANPUH). E-mail: vandaserafim@gmail.com<br />
1 SERAFIM, Vanda Fortuna. O discurso <strong>de</strong> Raimundo Nina Rodrigues acerca das religiões africanas<br />
na Bahia do século XIX. Dissertação (mestrado). Universida<strong>de</strong> Estadual <strong>de</strong> Maringá, <strong>Departamento</strong> <strong>de</strong><br />
<strong>História</strong>, Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação em <strong>História</strong>, 2010.
Revista Brasileira <strong>de</strong> <strong>História</strong> das Religiões. ANPUH, A<strong>no</strong> III, n. 7, Mai. 2010 - ISSN 1983-2850<br />
http://www.dhi.uem.br/gtreligiao - Artig<strong>os</strong><br />
______________________________________________________________________<br />
Bahia do século XIX, enten<strong>de</strong>r a partir <strong>de</strong> quais olhares Rodrigues produz esse<br />
conhecimento e quais foram as categorias explicativas utilizadas para referenciar tais<br />
práticas religi<strong>os</strong>as.<br />
O referencial teórico adotado para a investigação partiu da <strong>História</strong> das Idéias,<br />
articulando Egdar Morin (2005), Bru<strong>no</strong> Latour (1994) e Michel <strong>de</strong> Certeau (1982) e <strong>os</strong><br />
respectiv<strong>os</strong> conceit<strong>os</strong> <strong>de</strong> “pensamento complexo”, “seres híbrid<strong>os</strong>” e <strong>de</strong> “lugar social”.<br />
A análise das fontes - “O animismo fetichista d<strong>os</strong> negr<strong>os</strong> bahian<strong>os</strong>” (1935) e “Os<br />
African<strong>os</strong> <strong>no</strong> Brasil” (1982) - por meio <strong>de</strong> uma abordagem temática, n<strong>os</strong> permitiu<br />
constatar a diversida<strong>de</strong> do pensamento em Nina Rodrigues, conciliada ao contexto<br />
histórico do qual é produto/produtor e sublinhar que sua obra sofre ação <strong>de</strong> diferentes<br />
correntes <strong>de</strong> pensamento, não apenas científicas, além <strong>de</strong> que o olhar lançado por Nina<br />
Rodrigues sobre as religiões africanas é, <strong>de</strong> certa forma, síntese do pensamento social<br />
do século XIX, mas aliado à sua forma pessoal <strong>de</strong> vivenciar e compreen<strong>de</strong>r o mundo,<br />
até mesmo, em suas referências religi<strong>os</strong>as e <strong>no</strong> âmbito <strong>de</strong> suas relações humanas.<br />
Aqui buscarem<strong>os</strong> expor parte da discussão <strong>de</strong>senvolvida <strong>no</strong> mestrado, atentando<br />
principalmente à problemática levantada a partir da obra “Os African<strong>os</strong> <strong>no</strong> Brasil”, cuja<br />
história é um misto <strong>de</strong> realida<strong>de</strong> e ficção, pois como n<strong>os</strong> informa Homero Pires, <strong>no</strong><br />
prefácio, divulgou-se <strong>no</strong> meio acadêmico a crença <strong>de</strong> que este livro trazia a <strong>de</strong>sgraça a<br />
quem o retivesse. Isso se <strong>de</strong>ve ao acontecido com Oscar Freire. A impressão da obra já<br />
estava bem adiantada na Bahia, quando Nina Rodrigues faleceu em Paris em 1906, e<br />
Oscar Freire, chamou a si a tarefa <strong>de</strong> entregar ao público a obra interrompida, tendo<br />
acesso a<strong>os</strong> capítul<strong>os</strong> impress<strong>os</strong>, originais, <strong>no</strong>tas e vasta documentação fotográfica.<br />
Freire mudou-se para São Paulo carregando consigo todo o material, mas a morte lhe<br />
sobreveio inesperadamente, voltando o material às mã<strong>os</strong> da viúva <strong>de</strong> Nina Rodrigues.<br />
Esse livro, na versão <strong>de</strong> Nina Rodrigues, chamava-se “O problema da raça negra<br />
na América portuguesa” e era resultado <strong>de</strong> um estudo <strong>de</strong> quinze an<strong>os</strong> <strong>de</strong> trabalho. Os<br />
escrit<strong>os</strong> estiveram durante <strong>de</strong>zessete an<strong>os</strong> nas mã<strong>os</strong> <strong>de</strong> Oscar Freire e seria publicado<br />
apenas em 1932, após a organização <strong>de</strong> Homero Pires, sucessor <strong>de</strong> Nina Rodrigues na<br />
Faculda<strong>de</strong> da Bahia. Homero Pires explica que “Os african<strong>os</strong> <strong>no</strong> Brasil” era o título do<br />
primeiro capítulo da obra, mas não explica porque se tor<strong>no</strong>u o título da obra. Havia<br />
vinte e seis an<strong>os</strong> que a obra começara a ser impressa, como ninguém queria tocá-la,<br />
permaneceu trancada e interrompida pela superstição e pela morte: ninguém queria<br />
tocá-la por medo d<strong>os</strong> nefast<strong>os</strong> sortilégi<strong>os</strong>!<br />
74
Revista Brasileira <strong>de</strong> <strong>História</strong> das Religiões. ANPUH, A<strong>no</strong> III, n. 7, Mai. 2010 - ISSN 1983-2850<br />
http://www.dhi.uem.br/gtreligiao - Artig<strong>os</strong><br />
______________________________________________________________________<br />
Homero Pires (1982) observou que durante esse tempo, principalmente na<br />
África, escreveu-se uma vasta biblioteca sobre <strong>os</strong> negr<strong>os</strong>. Refizeram-se antig<strong>os</strong><br />
conceit<strong>os</strong> <strong>de</strong> antropologia e et<strong>no</strong>grafia. A questão <strong>de</strong> <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> das raças foi vista <strong>de</strong><br />
maneiras diferentes: o negro reabilitou-se. Esta observação sugere as motivações para a<br />
mudança do título da obra. Pires tem ainda o cuidado <strong>de</strong> sublinhar que não seria leal, a<br />
tant<strong>os</strong> an<strong>os</strong> <strong>de</strong> distância, discutir agora as conseqüências a que chegou o mais <strong>no</strong>tável<br />
freqüentador d<strong>os</strong> estud<strong>os</strong> sobre o negro <strong>no</strong> Brasil.<br />
A obra “Os african<strong>os</strong> <strong>no</strong> Brasil” é dividida em <strong>no</strong>ve capítul<strong>os</strong>, além da<br />
introdução, prefácio <strong>de</strong> Homero Pires e <strong>no</strong>tas biobibliográficas por Fernando Sales.<br />
Nesta obra, Rodrigues problematiza a presença africana <strong>no</strong> Brasil <strong>no</strong> que <strong>de</strong><strong>no</strong>mina <strong>de</strong><br />
presente, passado e futuro. A idéia <strong>de</strong>fendida ao longo da obra é <strong>de</strong> que em principio<br />
ninguém imaginava que viria à se preocupar com a questão “o negro”, <strong>no</strong> entanto, a<br />
abolição <strong>de</strong>u-lhe um caráter humanitário, emprestando-lhes a organização psíquica d<strong>os</strong><br />
branc<strong>os</strong> mais cult<strong>os</strong>, tornando-<strong>os</strong> vitimas <strong>de</strong> injustiça social. O autor está preocupado<br />
com a questão da miscigenação, não apenas em seus aspect<strong>os</strong> biológic<strong>os</strong>, mas também<br />
<strong>no</strong> que se refere às práticas culturais e a vida social. Sendo assim, a prop<strong>os</strong>ta <strong>de</strong> Nina<br />
Rodrigues é conhecer ao máximo as influências históricas da “raça negra” <strong>no</strong> Brasil,<br />
para enten<strong>de</strong>r <strong>de</strong> que forma ela atua na constituição do povo <strong>brasil</strong>eiro. (RODRIGUES,<br />
1982)<br />
A fim <strong>de</strong> comprovar suas idéias, Rodrigues (1982) <strong>de</strong>senvolve seu raciocínio<br />
abordando <strong>os</strong> seguintes temas: as origens africanas d<strong>os</strong> negr<strong>os</strong> <strong>no</strong> Brasil; a presença d<strong>os</strong><br />
negr<strong>os</strong> maometan<strong>os</strong> <strong>no</strong> Brasil; o Palmares e as sublevações <strong>de</strong> negr<strong>os</strong> <strong>no</strong> Brasil<br />
anteriores ao século XIX; <strong>os</strong> últim<strong>os</strong> african<strong>os</strong> na Bahia e a extinção <strong>de</strong> “raça negra”<br />
pura <strong>no</strong> Brasil; as línguas e as belas-artes africanas; sobrevivências totêmicas, festas<br />
populares e folclore; sobrevivências religi<strong>os</strong>as: religião, mitologia e culto; o valor social<br />
d<strong>os</strong> negr<strong>os</strong> african<strong>os</strong> e seus <strong>de</strong>scentes e; a sobrevivência psíquica na criminalida<strong>de</strong> d<strong>os</strong><br />
negr<strong>os</strong> <strong>no</strong> Brasil.<br />
A diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> olhares <strong>no</strong> discurso <strong>de</strong> Nina Rodrigues.<br />
“Os african<strong>os</strong> <strong>no</strong> Brasil” (1982) não é um trabalho exclusivo sobre a<br />
religi<strong>os</strong>ida<strong>de</strong> africana, embora a temática perpasse toda a obra. Rodrigues movido pela<br />
idéia <strong>de</strong> que a “raça” e as práticas culturais africanas se extinguiriam <strong>no</strong> Brasil, inicia<br />
um trabalho <strong>de</strong> catalogação do máximo <strong>de</strong> informações p<strong>os</strong>síveis sobre <strong>os</strong> african<strong>os</strong>. A<br />
preocupação <strong>de</strong> Nina Rodrigues é clara, uma vez que o africa<strong>no</strong> esteve presente em<br />
75
Revista Brasileira <strong>de</strong> <strong>História</strong> das Religiões. ANPUH, A<strong>no</strong> III, n. 7, Mai. 2010 - ISSN 1983-2850<br />
http://www.dhi.uem.br/gtreligiao - Artig<strong>os</strong><br />
______________________________________________________________________<br />
tod<strong>os</strong> <strong>os</strong> aspect<strong>os</strong> da formação do Brasil, é preciso i<strong>de</strong>ntificar quais as influências<br />
exercidas nesse processo.<br />
Em <strong>de</strong>corrência <strong>de</strong>sse raciocínio, Rodrigues estabelece a idéia <strong>de</strong> “o problema o<br />
negro” (RODRIGUES, 1982), explicando que <strong>no</strong> Brasil ele assume feições múltiplas:<br />
passado (african<strong>os</strong> que colonizaram o país); presente (negr<strong>os</strong>, crioul<strong>os</strong>, braç<strong>os</strong> e<br />
mestiç<strong>os</strong>) e futuro (mestiç<strong>os</strong> e branc<strong>os</strong> crioul<strong>os</strong>). Como <strong>no</strong> Brasil, <strong>os</strong> negr<strong>os</strong> african<strong>os</strong><br />
a<strong>de</strong>ntraram a n<strong>os</strong>sa cultura por meio da miscigenação, a preocupação <strong>de</strong> Rodrigues é<br />
i<strong>de</strong>ntificar as vantagens e principalmente <strong>os</strong> prejuíz<strong>os</strong>, que esta “mistura” po<strong>de</strong> trazer a<br />
população <strong>brasil</strong>eira. É com esta preocupação que Rodrigues se <strong>de</strong>bruçará sobre a<br />
questão das religiões africanas na Bahia.<br />
Um primeiro passo a fim <strong>de</strong> <strong>de</strong>sconstruir o discurso <strong>de</strong> Nina Rodrigues e a<br />
aparente homogeneida<strong>de</strong> que a estruturação <strong>de</strong> sua fala po<strong>de</strong> causar, é evi<strong>de</strong>nciar <strong>os</strong><br />
diferentes sujeit<strong>os</strong> 2 encontrad<strong>os</strong> em sua obra. Nesse sentido partindo da idéia <strong>de</strong> sujeit<strong>os</strong><br />
híbrid<strong>os</strong> (LATOUR, 1994) contraria às classificações simplistas da atuação do<br />
pesquisador, pois reconhecem<strong>os</strong> que para além da área <strong>de</strong> formação <strong>de</strong> Nina Rodrigues,<br />
há a p<strong>os</strong>sibilida<strong>de</strong> e necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> diálogo com outras áreas do conhecimento para se<br />
<strong>de</strong>senvolver um estudo que seja cientificamente consi<strong>de</strong>rado como pioneiro <strong>no</strong> estudo<br />
das religiões africanas, uma vez que a pesquisa sobre tal fenôme<strong>no</strong> n<strong>os</strong> parece<br />
imp<strong>os</strong>sível por um só viés.<br />
Recorrem<strong>os</strong> também a <strong>no</strong>ção <strong>de</strong> unitas multiplex para sublinhar que há a<br />
coexistência <strong>de</strong> um “senso comum” 3 na organização das idéias <strong>de</strong> Nina Rodrigues, com<br />
o discurso científico. Para comprovar n<strong>os</strong>sa argumentação, apresentarem<strong>os</strong> alguns d<strong>os</strong><br />
sujeit<strong>os</strong> produt<strong>os</strong>/produtores do conhecimento científico sobre as religiões africanas na<br />
Bahia do século XIX presentes em “Os african<strong>os</strong> <strong>no</strong> Brasil”: o pesquisador nacionalista,<br />
social darwinista e evolucionista social, p<strong>os</strong>itivista, historiador, o sociólogo, o filólogo,<br />
o lingüista, o antropólogo, o folclorista, o psicólogo, o ogã, o indivíduo e o católico.<br />
2 Sob a <strong>no</strong>ção <strong>de</strong> “sujeito” ver Edgar Morin, O método 6: a ética, 2007. “Aqui, eu me refiro à concepção<br />
<strong>de</strong> sujeito, elaborada por mim, que vale para todo ser vivo. Ser sujeito é auto-afirmar situando-se <strong>no</strong><br />
centro do seu mundo, o que é literalmente expresso pela <strong>no</strong>ção <strong>de</strong> egocentrismo. Essa auto-afirmação<br />
comporta um princípio <strong>de</strong> exclusão e um princípio <strong>de</strong> inclusão. [...] O princípio <strong>de</strong> exclusão é fonte do<br />
egoísmo, capaz <strong>de</strong> exigir o sacrifício <strong>de</strong> tudo, da honra da pátria e da família. [...] O principio <strong>de</strong> inclusão<br />
manifesta-se <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o nascimento pala pulsão <strong>de</strong> apego à pessoa próxima. Ele po<strong>de</strong> conduzir ao sacrifício<br />
<strong>de</strong> si pel<strong>os</strong> seus, pela sua comunida<strong>de</strong>, pelo ser amado”. (MORIN, 2007, p.19-20).<br />
3 Ver Boaventura <strong>de</strong> Sousa Sant<strong>os</strong>, Para um <strong>no</strong>vo senso comum: a ciência, o direito e a política na<br />
transição paradigmática. V.1. A crítica da razão indolente: contra o <strong>de</strong>sperdício da experiência, 2000.<br />
76
Revista Brasileira <strong>de</strong> <strong>História</strong> das Religiões. ANPUH, A<strong>no</strong> III, n. 7, Mai. 2010 - ISSN 1983-2850<br />
http://www.dhi.uem.br/gtreligiao - Artig<strong>os</strong><br />
______________________________________________________________________<br />
G<strong>os</strong>taríam<strong>os</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>stacar nesta obra o olhar nacionalista <strong>de</strong> Nina Rodrigues, a<br />
própria justificativa da pesquisa parece partir <strong>de</strong> um i<strong>de</strong>al ufanista. Rodrigues já inicia<br />
seu discurso justificando sua pesquisa pelo fato da maioria da população <strong>brasil</strong>eira ser<br />
mestiça. Em seguida discorre sobre o que enten<strong>de</strong> enquanto as três principais e mais<br />
gerais “raças” que constituem a população <strong>brasil</strong>eira: portugueses, negr<strong>os</strong> e índi<strong>os</strong>.<br />
Rodrigues observa que ten<strong>de</strong>m<strong>os</strong> a <strong>de</strong>preciar <strong>os</strong> portugueses, culpá-l<strong>os</strong> por n<strong>os</strong>sa<br />
<strong>de</strong>cadência, a qual provém da n<strong>os</strong>sa incapacida<strong>de</strong> cultural lusitana da baixa estirpe, das<br />
pr<strong>os</strong>titutas e d<strong>os</strong> <strong>de</strong>gredad<strong>os</strong> que mandaram para colonizar o Brasil; esquecendo que o<br />
sangue português corre em n<strong>os</strong>sas veias, e que tal ofensa é pessoal. (RODRIGUES,<br />
1982). No entanto, a situação do negro e do indígena é diversa, a eles ten<strong>de</strong>ncialmente<br />
exagera-se a benevolência d<strong>os</strong> juíz<strong>os</strong>, “nem basta calar a verda<strong>de</strong>, urge fantasiar dotes,<br />
exaltar qualida<strong>de</strong>s mesmo comuns ou medíocres”. (RODRIGUES, 1982, p.2).<br />
Para Nina Rodrigues (1982) isto é estranho e injusto, mas não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ter uma<br />
explicação natural: a anim<strong>os</strong>ida<strong>de</strong> contra <strong>os</strong> portugueses <strong>de</strong>ve-se a<strong>os</strong> sentiment<strong>os</strong> <strong>de</strong><br />
op<strong>os</strong>ição e antagonismo que elaboraram e fizeram a emancipação política da antiga<br />
colônia. Já <strong>os</strong> índi<strong>os</strong> eram <strong>os</strong> primeir<strong>os</strong> habitantes ao contrário d<strong>os</strong> negr<strong>os</strong>, vist<strong>os</strong> como<br />
simples máquinas <strong>de</strong> trabalho. Eram tanto para a colônia quanto para a metrópole, um<br />
elemento a se combater e se dominar. Nem era formada a consciência da futura<br />
intervenção do mestiço. A abolição não foi uma mera solução para uma simples questão<br />
econômica. Porém com o fim da escravidão, uma questão <strong>de</strong> honra e pudor nacional foi<br />
revestida <strong>de</strong> <strong>no</strong>bres sentiment<strong>os</strong> humanitári<strong>os</strong>: emprestou-se a organização psíquica d<strong>os</strong><br />
branc<strong>os</strong> a<strong>os</strong> negr<strong>os</strong>, tornando-o agora vitima <strong>de</strong> injustiça social. (RODRIGUES, 1982).<br />
A partir da discussão sobre “raças” e sua importância para o Brasil, surge <strong>no</strong><br />
discurso <strong>de</strong> Nina Rodrigues um olhar ao mesmo tempo darwinista social (o qual adota a<br />
sup<strong>os</strong>ta diferença entre raças e a sua natureza hierárquica, mas sem problematizar a<br />
miscigenação) e o evolucionista social (o qual sublinha a <strong>no</strong>ção <strong>de</strong> que as raças<br />
humanas não permaneciam estagnadas, mas em constante evolução e aperfeiçoamento,<br />
obliterando-se a idéia <strong>de</strong> que a humanida<strong>de</strong> era uma).<br />
Embora consi<strong>de</strong>re diferenças entre as “raças” e sua natureza hierárquica, Nina<br />
Rodrigues (1982) enten<strong>de</strong> a escravidão como um estágio fatal da evolução humana.<br />
Para Rodrigues a <strong>História</strong> m<strong>os</strong>tra a escravidão como um estágio fatal da civilização d<strong>os</strong><br />
pov<strong>os</strong>. Exemplo disto é a África, on<strong>de</strong> a intervenção d<strong>os</strong> pov<strong>os</strong> europeus não conseguiu<br />
sequer diminuir a escravidão, pois, <strong>os</strong> negr<strong>os</strong> e mestiç<strong>os</strong> livres ou escravizad<strong>os</strong><br />
continuaram a adquirir e a p<strong>os</strong>suir escrav<strong>os</strong>. O sentimento <strong>de</strong> simpatia e pieda<strong>de</strong> atribuiu<br />
77
Revista Brasileira <strong>de</strong> <strong>História</strong> das Religiões. ANPUH, A<strong>no</strong> III, n. 7, Mai. 2010 - ISSN 1983-2850<br />
http://www.dhi.uem.br/gtreligiao - Artig<strong>os</strong><br />
______________________________________________________________________<br />
ao negro, qualida<strong>de</strong>s que ele não tinha e não po<strong>de</strong>ria ter. A exaltação sentimental não<br />
dava tempo para raciocinar: neste meio tempo operava-se <strong>no</strong> Brasil, a extinção da<br />
escravidão. (RODRIGUES, 1982).<br />
Diante da dificulda<strong>de</strong> em <strong>de</strong>finir-se a diferença evolutiva entre as “raças”, surge<br />
<strong>no</strong> discurso <strong>de</strong> Nina Rodrigues o olhar p<strong>os</strong>itivista, que propõe a ciência enquanto<br />
método p<strong>os</strong>sibilitador do entendimento da inserção do negro na socieda<strong>de</strong> <strong>brasil</strong>eira do<br />
século XIX. Para Rodrigues o critério pelo qual a ciência m<strong>os</strong>tra a inferiorida<strong>de</strong> do<br />
negro nada tem <strong>de</strong> comum com a revoltante exploração escravista <strong>no</strong>rte-americana. Para<br />
a ciência, a inferiorida<strong>de</strong> é um fenôme<strong>no</strong> <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m perfeitamente natural, produto da<br />
marcha <strong>de</strong>sigual do <strong>de</strong>senvolvimento filogenético da humanida<strong>de</strong> nas suas diversas<br />
divisões. Os negr<strong>os</strong> não são melhores nem piores que <strong>os</strong> branc<strong>os</strong>, estão apenas em outra<br />
fase <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento intelectual e moral. (RODRIGUES, 1982).<br />
Outro importante olhar ou sujeito presente <strong>no</strong> discurso <strong>de</strong> Nina Rodrigues é o<br />
historiador, em sua visível preocupação com fontes e document<strong>os</strong> e com a ausência<br />
<strong>de</strong>stes, chegando a questionar a Circular do Ministério da Fazenda, nº 23, <strong>de</strong> 13 <strong>de</strong> maio<br />
<strong>de</strong> 1891, que mandou queimar <strong>os</strong> arquiv<strong>os</strong> sobre a escravidão (RODRIGUES, 1982). E<br />
também em sua preocupação em refazer o processo histórico da vinda d<strong>os</strong> african<strong>os</strong> ao<br />
Brasil, abordando tanto o tráfico português quanto o <strong>brasil</strong>eiro e <strong>de</strong>stacando a<br />
importância histórica <strong>de</strong> alguns personagens, como <strong>os</strong> lí<strong>de</strong>res religi<strong>os</strong><strong>os</strong> na Revolta d<strong>os</strong><br />
Malês <strong>de</strong> 1835.<br />
O sociólogo também está presente <strong>no</strong> discurso à medida que surge uma<br />
preocupação em compreen<strong>de</strong>r a situação d<strong>os</strong> african<strong>os</strong> na socieda<strong>de</strong> ele próprio está<br />
inserido. Nina Rodrigues problematiza as questões sociais do africa<strong>no</strong> observando que a<br />
condição do escravo <strong>no</strong> Brasil, habituou a pensá-lo como coisa, ig<strong>no</strong>rando seus<br />
sentiment<strong>os</strong>, aspirações e vonta<strong>de</strong>s. A adoção do Brasil como <strong>no</strong>va pátria, só é<br />
verda<strong>de</strong>ira ao negro crioulo, não acontece com o africa<strong>no</strong>. Este se segrega da população<br />
em geral em cujo seio vivem e trabalham, para se fechar em pequen<strong>os</strong> círcul<strong>os</strong> ou<br />
colônias das diversas “nações pretas”, conservam zel<strong>os</strong>amente a sua língua, as suas<br />
tradições, as suas crenças e, sobretudo alimentam até a morte a suprema aspiração <strong>de</strong><br />
ver mais uma vez tod<strong>os</strong> <strong>os</strong> seus maiores, ou seja, retornar à África. (RODRIGUES,<br />
1982).<br />
Há também a preocupação do filólogo em “Os african<strong>os</strong> <strong>no</strong> Brasil”, em separar a<br />
palavra dialetal da expressão equivalente da língua culta. E também a do lingüista, que<br />
se propõe a estudar a língua e lidar com o fato <strong>de</strong> que as línguas mudam, não são<br />
78
Revista Brasileira <strong>de</strong> <strong>História</strong> das Religiões. ANPUH, A<strong>no</strong> III, n. 7, Mai. 2010 - ISSN 1983-2850<br />
http://www.dhi.uem.br/gtreligiao - Artig<strong>os</strong><br />
______________________________________________________________________<br />
estáticas, suas configurações se alteram continuamente, em tempo e em espaço. É nesse<br />
sentido que aborda <strong>os</strong> equivalentes <strong>brasil</strong>eir<strong>os</strong> d<strong>os</strong> <strong>no</strong>mes d<strong>os</strong> pov<strong>os</strong> african<strong>os</strong> que<br />
vieram para o Brasil. Rodrigues (1982) explica que como <strong>os</strong> franceses , na Bahia,<br />
chama-se “nagôs” a tod<strong>os</strong> <strong>os</strong> negr<strong>os</strong> da C<strong>os</strong>ta d<strong>os</strong> Escrav<strong>os</strong> que falam a língua iorubana,<br />
eles proce<strong>de</strong>m <strong>de</strong> diferentes locais: Oió (capital <strong>de</strong> Ioruba), Ijesa, Ibadan, Ifé, Iebú,<br />
Egbá, Lag<strong>os</strong>.<br />
Já <strong>os</strong> negr<strong>os</strong> da C<strong>os</strong>ta d<strong>os</strong> Escrav<strong>os</strong>, que <strong>os</strong> franceses chamavam Evés ou Eués e<br />
<strong>os</strong> ingleses Ewes, são entre nós chamad<strong>os</strong> “jejes”. “A <strong>de</strong><strong>no</strong>minação jeje vem do <strong>no</strong>me<br />
da zona ou território da C<strong>os</strong>ta d<strong>os</strong> Escrav<strong>os</strong>, que vai <strong>de</strong> Bageida a Akraku, e que <strong>os</strong><br />
ingleses escrevem Geng, mas que <strong>os</strong> negr<strong>os</strong> pronunciam antes egége”. (RODRIGUES,<br />
1982, 103). Men<strong>os</strong> justificável, segundo Rodrigues é o erro que <strong>os</strong> escritores <strong>brasil</strong>eir<strong>os</strong><br />
cometem em relação a<strong>os</strong> haussás. Em inglês e alemão hausa; haoussa em francês;<br />
haussá em italia<strong>no</strong>, espanhol e português. Toda a população <strong>brasil</strong>eira pronuncia haussá<br />
corretamente, porém n<strong>os</strong>s<strong>os</strong> historiadores <strong>os</strong> chamam <strong>de</strong> ucas ou ussas. (RODRIGUES,<br />
1982).<br />
Outro olhar sempre presente <strong>no</strong> discurso <strong>de</strong> Nina Rodrigues é o do antropólogo,<br />
visível em sua tentativa <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r as peculiarida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> cada povo africa<strong>no</strong>,<br />
trabalhando exaustivamente as idi<strong>os</strong>sincrasias d<strong>os</strong> nagôs, d<strong>os</strong> jejes, d<strong>os</strong> Minas, d<strong>os</strong><br />
haussás, d<strong>os</strong> Tapas, nifês ou nupês, d<strong>os</strong> bornus, d<strong>os</strong> adamauás, d<strong>os</strong> gurunxis, gurúncis<br />
ou grúncis , d<strong>os</strong> fulás ou filanins, d<strong>os</strong> mandingas ou man<strong>de</strong>s e d<strong>os</strong> bant<strong>os</strong>. O folclorista<br />
surge ao reunir <strong>de</strong>scrições sobre festas populares, lendas e cont<strong>os</strong> african<strong>os</strong>, chagando a<br />
comparar cont<strong>os</strong> populares african<strong>os</strong> e portugueses.<br />
A preocupação com a psicologia ganha maior ênfase nesta obra do que em “O<br />
animismo fetichista d<strong>os</strong> negr<strong>os</strong> bahia<strong>no</strong>” 4 (1935), a <strong>de</strong>sconfiança anterior aparece mais<br />
neutralizada, partindo d<strong>os</strong> estud<strong>os</strong> <strong>de</strong> Andrew Lang para pensar o estado do selvagem<br />
sob dois pont<strong>os</strong> <strong>de</strong> vista, o psicológico e o social, Nina Rodrigues buscará <strong>de</strong>monstrar a<br />
persistência do estado mental d<strong>os</strong> selvagens nas concepções fundamentais das<br />
mitologias africanas, pelo mesmo raciocínio que o levou a <strong>de</strong>scobrir a persistência do<br />
fetichismo africa<strong>no</strong> nas exteriorida<strong>de</strong>s da conversão católica d<strong>os</strong> escrav<strong>os</strong>, “<strong>de</strong>ve<br />
conduzir-n<strong>os</strong> agora a investigar sob que formas ou equivalentes psíquic<strong>os</strong> se manifesta<br />
4 Sobre tal afirmação vi<strong>de</strong> SERAFIM, Vanda Fortuna. O discurso <strong>de</strong> Raimundo Nina Rodrigues acerca<br />
das religiões africanas na Bahia do século XIX. Dissertação (mestrado). Universida<strong>de</strong> Estadual <strong>de</strong><br />
Maringá, <strong>Departamento</strong> <strong>de</strong> <strong>História</strong>, Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação em <strong>História</strong>, 2010. p.88-95.<br />
79
Revista Brasileira <strong>de</strong> <strong>História</strong> das Religiões. ANPUH, A<strong>no</strong> III, n. 7, Mai. 2010 - ISSN 1983-2850<br />
http://www.dhi.uem.br/gtreligiao - Artig<strong>os</strong><br />
______________________________________________________________________<br />
aqui a situação mental d<strong>os</strong> negr<strong>os</strong>, da qual proce<strong>de</strong> o totemismo” (RODRIGUES, 1982,<br />
173).<br />
Outro olhar importante em se <strong>de</strong>stacar é o <strong>de</strong> Nina Rodrigues como alguém que<br />
fala “<strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro”, enquanto participante d<strong>os</strong> cult<strong>os</strong> religi<strong>os</strong><strong>os</strong> african<strong>os</strong>, embora o próprio<br />
autor não faça questão <strong>de</strong> <strong>de</strong>stacar isto. Como dissem<strong>os</strong> anteriormente, Nina Rodrigues<br />
foi ogã <strong>de</strong> um terreiro baia<strong>no</strong>, o Gantois. Segundo Rafael (2009) essa prática,<br />
inaugurada por Nina Rodrigues, feito ogã <strong>de</strong> Oxalá por mãe Pulquéria, também do<br />
terreiro <strong>de</strong> Gantois, viria a se tornar corrente entre <strong>os</strong> antropólog<strong>os</strong>, sobretudo após <strong>os</strong><br />
an<strong>os</strong> 40, quando aí, então, a iniciação não se justificativa apenas em term<strong>os</strong> <strong>de</strong><br />
"necessida<strong>de</strong>s técnicas". Roger Basti<strong>de</strong>, por exemplo, mais um que se <strong>de</strong>ixou seduzir<br />
pelo mundo d<strong>os</strong> terreir<strong>os</strong>, tor<strong>no</strong>u-se um ferrenho <strong>de</strong>fensor <strong>de</strong> "uma metodologia <strong>de</strong><br />
trabalho <strong>de</strong> campo na qual o pesquisador <strong>de</strong>veria não se colocar do lado <strong>de</strong> fora da<br />
experiência social <strong>de</strong> seus pesquisad<strong>os</strong>, mas vivê-la como se f<strong>os</strong>se sua". (RAFAEL,<br />
2009).<br />
O ogã, segundo Arthur Ram<strong>os</strong> (1951, p. 283) "é uma espécie <strong>de</strong> protetor do<br />
terreiro, pessoa influente, que se submete a uma rápida iniciação e se compromete a<br />
contribuir para as <strong>de</strong>spesas do candomblé e a cumprir outras obrigações”. (RAMOS,<br />
Apud. RAFAEL, 2009). É comum encontrarm<strong>os</strong> passagens, especialmente em “O<br />
animismo fetichista d<strong>os</strong> negr<strong>os</strong> bahain<strong>os</strong>” (1935) nas quais Rodrigues afirma ter<br />
contribuído com dinheiro para algumas iniciações.<br />
Em “Os african<strong>os</strong> <strong>no</strong> Brasil” (1982), Rodrigues expõe como <strong>os</strong> cult<strong>os</strong> afr<strong>os</strong><br />
sobreviveram apesar da violência d<strong>os</strong> senhores e das tentativas <strong>de</strong> conversão católicas.<br />
O culto jeje-nagô que resistiu à conversão católica a chicote nas<br />
fazendas e plantações; que sobreviveu a todas as violências d<strong>os</strong><br />
senhores <strong>de</strong> escrav<strong>os</strong>; que não se absorveu até hoje nas práticas do<br />
catolicismo d<strong>os</strong> branc<strong>os</strong>, diante <strong>de</strong> cuja resistência, po<strong>de</strong>-se dizer,<br />
capítulou o clero católico que já nem tenta converter <strong>os</strong> infiéis; em<br />
que não faz m<strong>os</strong>sa o ensi<strong>no</strong> elementar das n<strong>os</strong>sas escolas; esse culto<br />
está <strong>de</strong>stinado a resistir, por longo prazo ainda, à propaganda da<br />
imprensa como às violências da policia, pois nem uma nem outra se<br />
po<strong>de</strong> reputar mais eficaz do que todas as missões <strong>de</strong> catequese<br />
enviadas às plagas africanas. Diante das violências da polícia, as<br />
práticas negras se furtarão à publicida<strong>de</strong>: hão <strong>de</strong> refugiar-se n<strong>os</strong><br />
recess<strong>os</strong> das matas, n<strong>os</strong> recôndit<strong>os</strong> das mansardas e cortiç<strong>os</strong>; se<br />
retrairão às horas mortas da <strong>no</strong>ite; se ampararão na proteção d<strong>os</strong><br />
po<strong>de</strong>r<strong>os</strong><strong>os</strong> que buscam as orgias e <strong>de</strong>vassidões que elas lhes<br />
proporcionem; tomarão por fim as roupagens do catolicismo e da<br />
superstição ambientes. Mas essas práticas, <strong>no</strong> sentimento religi<strong>os</strong>o<br />
que as inspira, hão <strong>de</strong> persistir enquanto a lenta evolução da raça<br />
negra <strong>de</strong>ixar o negro, o negro antropológico atual. (RODRIGUES,<br />
1982, p.246).<br />
80
Revista Brasileira <strong>de</strong> <strong>História</strong> das Religiões. ANPUH, A<strong>no</strong> III, n. 7, Mai. 2010 - ISSN 1983-2850<br />
http://www.dhi.uem.br/gtreligiao - Artig<strong>os</strong><br />
______________________________________________________________________<br />
Não são poucas as críticas <strong>de</strong> Nina Rodrigues às medidas empregadas na Bahia<br />
contra <strong>os</strong> cult<strong>os</strong> african<strong>os</strong>, o autor enten<strong>de</strong> que não têm a forma <strong>de</strong> uma intervenção<br />
mo<strong>de</strong>rada, lícita e, sobretudo convincente. São tod<strong>os</strong> at<strong>os</strong> violent<strong>os</strong>, arbitrári<strong>os</strong> e ilegais.<br />
O autor chega a afirmar que com seu estudo, espera ter <strong>de</strong>monstrado que, corroborado<br />
pel<strong>os</strong> estud<strong>os</strong> realizad<strong>os</strong> na África, o caso do culto “jeje-nagô” trata-se <strong>de</strong> uma<br />
verda<strong>de</strong>ira religião em que o período puramente fetichista está quase transp<strong>os</strong>to,<br />
tocando às raízes do franco politeísmo. (RODRIGUES, 1982). Além disto, Rodrigues<br />
afirma que “<strong>os</strong> n<strong>os</strong>s<strong>os</strong> candomblés”, as práticas religi<strong>os</strong>as d<strong>os</strong> n<strong>os</strong>s<strong>os</strong> negr<strong>os</strong> po<strong>de</strong>m,<br />
pois, ser capitulad<strong>os</strong> <strong>de</strong> um erro, do ponto <strong>de</strong> vista teológico e como tais reclamar a<br />
conversão d<strong>os</strong> seus a<strong>de</strong>pt<strong>os</strong>. No entanto, elas não são um crime, e não justificam as<br />
agressões brutais da polícia, <strong>de</strong> que são vítimas. (RODRIGUES, 1982).<br />
Com a função <strong>de</strong> protetor <strong>de</strong> terreiro, Rodrigues está preocupado com a<br />
integrida<strong>de</strong> física d<strong>os</strong> a<strong>de</strong>pt<strong>os</strong> das religiões africanas, mesmo as vendo como uma<br />
teologia inferior, enten<strong>de</strong> que seu exercício é garantido pela Constituição, que garante a<br />
tod<strong>os</strong> <strong>os</strong> habitantes <strong>de</strong>ste país, plena liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> consciência e <strong>de</strong> culto. No círculo das<br />
suas relações pessoais, Rodrigues afirma ter buscado uma justificativa da legalida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
tais violências. O autor alega ter apurado senão o <strong>de</strong>sprezo para com a raça negra, que<br />
não se po<strong>de</strong> qualificar, em boa intenção, <strong>de</strong> inferior, sem provocar protest<strong>os</strong> inflamad<strong>os</strong>;<br />
e mais do que isso a falta <strong>de</strong> senso jurídico das classes dirigentes. (RODRIGUES,<br />
1982).<br />
Para as alegações <strong>de</strong> que são <strong>os</strong> feiticeir<strong>os</strong> d<strong>os</strong> candomblés verda<strong>de</strong>ir<strong>os</strong><br />
charlatães explorando a credulida<strong>de</strong> pública e exercendo ilegalmente a medicina,<br />
Rodrigues argumenta que <strong>de</strong>ste item só é verda<strong>de</strong> que o exercício ilegal da medicina é<br />
um crime nas n<strong>os</strong>sas leis. A clientela, que freqüenta <strong>os</strong> feiticeir<strong>os</strong>, não é constituída <strong>de</strong><br />
me<strong>no</strong>res e mentecapt<strong>os</strong>, nem <strong>os</strong> feiticeir<strong>os</strong> vão arrancá-la às suas casas: é uma inépcia<br />
da lei preten<strong>de</strong>r proteger quem cientemente se <strong>de</strong>ixa explorar; mais do que isso, a<br />
feitiçaria assim organizada pressupõe a mesma participação, na responsabilida<strong>de</strong> social,<br />
d<strong>os</strong> feiticeir<strong>os</strong> e da sua clientela.<br />
Paralelo a isto surge o olhar voltado a abordagem criminalista e do Direito.<br />
Nesta obra apenas algumas idéias são esboçadas, o estudo mais <strong>de</strong>tido refere-se ao livro<br />
“As raças humanas e a responsabilida<strong>de</strong> penal <strong>no</strong> Brasil” publicado em 1894. Aqui,<br />
Rodrigues aborda o tema da sobrevivência psíquica na criminalida<strong>de</strong> d<strong>os</strong> negr<strong>os</strong><br />
<strong>brasil</strong>eir<strong>os</strong>, visando <strong>de</strong>monstrar que a criminalida<strong>de</strong> do negro po<strong>de</strong> ser expressa por duas<br />
81
Revista Brasileira <strong>de</strong> <strong>História</strong> das Religiões. ANPUH, A<strong>no</strong> III, n. 7, Mai. 2010 - ISSN 1983-2850<br />
http://www.dhi.uem.br/gtreligiao - Artig<strong>os</strong><br />
______________________________________________________________________<br />
vias: atavismo ou sobrevivência. Para isto, Rodrigues (1982) diferencia <strong>os</strong> conceit<strong>os</strong> <strong>de</strong><br />
atavismo e sobrevivência e discute como a criminalida<strong>de</strong> <strong>no</strong> negro po<strong>de</strong> ora proce<strong>de</strong>r do<br />
estágio da sua evolução jurídica, ora proce<strong>de</strong> das suas crenças religi<strong>os</strong>as.<br />
O indivíduo Nina Rodrigues, também se faz presente em alguns moment<strong>os</strong> <strong>de</strong><br />
seu discurso, quando dá a enten<strong>de</strong>r, por exemplo, que foi criado por ama <strong>de</strong> leite, e<br />
utiliza-se das histórias que ouvia quando meni<strong>no</strong> para explicar a etimologia do termo<br />
“zumbi”.<br />
E, segundo a impressão que <strong>de</strong>le recebi na infância, <strong>os</strong> cont<strong>os</strong> das<br />
amas <strong>de</strong> meni<strong>no</strong>, assim se <strong>de</strong>signaria um ser misteri<strong>os</strong>o, algo <strong>de</strong><br />
feiticeiro, escuso e retraído, só trabalhando e andando às <strong>de</strong>soras. Daí<br />
a sentença popular: „você está feito zumbi‟, para crismar aquele que é<br />
<strong>de</strong> natural macambúzio, ou tem o vezo <strong>de</strong> passar as <strong>no</strong>ites em claro,<br />
ou ainda prefere o trabalho às horas mortas. (RODRIGUES, 1982,<br />
p.92).<br />
Embora Mariza Corrêa (2001) aconselhe à não se <strong>de</strong>ixar enganar pela narrativa<br />
emotiva <strong>de</strong> Nina Rodrigues sobre o regresso <strong>de</strong> african<strong>os</strong> velhinh<strong>os</strong> à África, o relato<br />
n<strong>os</strong> parece contribuir muito mais <strong>no</strong> sentido <strong>de</strong> não n<strong>os</strong> <strong>de</strong>ixar enganar pela idéia <strong>de</strong> um<br />
Nina Rodrigues cem por cento racional e objetivo guiado por uma ciência neutra e<br />
imparcial, ao observar as <strong>de</strong>silusões que reservam o retor<strong>no</strong> <strong>de</strong>stes velh<strong>os</strong> a uma África<br />
mais fantasi<strong>os</strong>a. Rodrigues narra a partida em princípi<strong>os</strong> <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1899, da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
Lag<strong>os</strong>, o patacho da Aliança, levando 60 passageir<strong>os</strong>, quase tod<strong>os</strong> velh<strong>os</strong> african<strong>os</strong>,<br />
nagôs e haussás, que se repatriavam.<br />
Foi presa <strong>de</strong> bem profunda emoção, que assisti em 1897 uma turma<br />
<strong>de</strong> velh<strong>os</strong> nagôs e haussás, já bem perto do termo da existência,<br />
muit<strong>os</strong> <strong>de</strong> passo incerto e cobert<strong>os</strong> <strong>de</strong> alvas cãs tão serôdias na sua<br />
raça, atravessar a cida<strong>de</strong> em alvoroço, a embarcar para a África, em<br />
busca da paz do túmulo nas mesmas plagas em que tiveram o berço.<br />
Dolor<strong>os</strong>a impressão a daquela gente, estrangeira <strong>no</strong> seio do povo que<br />
a vira envelhecer curvada ao cativeiro e que agora, tão alheio e<br />
intrigado diante da ruid<strong>os</strong>a satisfação d<strong>os</strong> inválid<strong>os</strong> que se iam, como<br />
da recolhida tristeza d<strong>os</strong> que ficavam, assistia, indiferente ou<br />
p<strong>os</strong>suído <strong>de</strong> efêmera curi<strong>os</strong>ida<strong>de</strong>, àquele emocionante espetáculo da<br />
restituição a<strong>os</strong> penates d<strong>os</strong> <strong>de</strong>spoj<strong>os</strong> <strong>de</strong> uma raça <strong>de</strong>stroçada pela<br />
escravidão. E, perante aquela cena comovente, a quant<strong>os</strong> espírit<strong>os</strong><br />
teriam assaltado as graves cogitações d<strong>os</strong> benefici<strong>os</strong> e males que a<br />
este país trouxera e nele <strong>de</strong>ixava aquela gente negra que, nas formas<br />
<strong>de</strong> uma satisfação, avisada e inconfessável, <strong>de</strong> pur<strong>os</strong> interesses<br />
mercantis, o <strong>de</strong>sti<strong>no</strong> inconsciente d<strong>os</strong> pov<strong>os</strong> atirara um dia na<br />
América Latina? Também, velh<strong>os</strong> e gast<strong>os</strong>, partiam agora sem<br />
sauda<strong>de</strong>s nem maldições, que já longe vão extintas as pulsações da<br />
gana <strong>de</strong> lucr<strong>os</strong> com que eram recebid<strong>os</strong> <strong>os</strong> negreir<strong>os</strong> do tráfico.<br />
(RODRIGUES, 1982, p.98-99).<br />
82
Revista Brasileira <strong>de</strong> <strong>História</strong> das Religiões. ANPUH, A<strong>no</strong> III, n. 7, Mai. 2010 - ISSN 1983-2850<br />
http://www.dhi.uem.br/gtreligiao - Artig<strong>os</strong><br />
______________________________________________________________________<br />
O navio, que partira <strong>de</strong> carta suja, foi assaltado em viagem <strong>de</strong><br />
moléstia epidêmica que se diz ter sido a difteria. Doze velh<strong>os</strong><br />
sucumbiram e foram lançad<strong>os</strong> ao mar, <strong>os</strong> sobreviventes tiveram <strong>de</strong><br />
passar em Lag<strong>os</strong> a um navio <strong>de</strong> guerra inglês, sofrer quarentena e<br />
observação. Assim, como outrora na caça d<strong>os</strong> cruzeir<strong>os</strong>, ou nas<br />
refregas das tempesta<strong>de</strong>s, o barco pirata aligeirava o peso, lançando<br />
ao mar a carga humana; assim na trajetória do regresso, para símile<br />
ser completo, muit<strong>os</strong> tiveram o túmulo <strong>no</strong> ocea<strong>no</strong>. (RODRIGUES,<br />
1982, p.100-101).<br />
O intuito <strong>de</strong> Nina Rodrigues com essas citações é argumentar que a afirmação do<br />
gover<strong>no</strong> monárquico <strong>brasil</strong>eiro ao gover<strong>no</strong> inglês <strong>de</strong> que repatriaria <strong>os</strong> negr<strong>os</strong> <strong>de</strong><br />
contrabando encontrad<strong>os</strong> n<strong>os</strong> navi<strong>os</strong> apreendid<strong>os</strong>, foi burlado com a afirmação <strong>de</strong> que<br />
eles preferiam ficar <strong>no</strong> Brasil a ser reexportad<strong>os</strong> a África, isto porque o numero era<br />
avultado e as <strong>de</strong>spesas eram maiores do que o tesouro nacional dispunha.<br />
Longe <strong>de</strong> isentar Nina Rodrigues <strong>de</strong> classificar <strong>os</strong> negr<strong>os</strong> african<strong>os</strong> como uma<br />
“raça inferior”, nós querem<strong>os</strong> <strong>de</strong>stacar que o fato <strong>de</strong> ser guiado pela sua percepção <strong>de</strong><br />
ciência não o isentou <strong>de</strong> sentiment<strong>os</strong> human<strong>os</strong>, <strong>de</strong> crenças.<br />
Mas basta conhecer a tendência incoercível do negro a falar, a contar<br />
história, <strong>no</strong> que são capazes <strong>de</strong> gastar dias e <strong>no</strong>ites; basta acrescentar<br />
a isto que à convivência íntima d<strong>os</strong> escrav<strong>os</strong> com senhores acresceu<br />
sempre, durante a escravidão, o encargo <strong>de</strong> amas <strong>de</strong> meni<strong>no</strong> confiado<br />
às negras, para prever-se que a contribuição africana ao n<strong>os</strong>so<br />
folclore <strong>de</strong>via ter sido <strong>de</strong> inesgotável opulência. (RODRIGUES,<br />
1982, p.184).<br />
Por fim, não po<strong>de</strong>ríam<strong>os</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> evi<strong>de</strong>nciar o sujeito católico. Em “Os<br />
african<strong>os</strong> <strong>no</strong> Brasil”, ele se sobressai na tentativa <strong>de</strong> encontrar níveis <strong>de</strong> “abstrações”<br />
nas lendas, mit<strong>os</strong> e <strong>de</strong>uses african<strong>os</strong>. Fica sugerida também na classificação autoritária<br />
que Rodrigues a hierarquia da evolução intelectual religi<strong>os</strong>a <strong>no</strong> Brasil. Nina Rodrigues<br />
(1982) entendia que só <strong>de</strong>veria permanecer <strong>no</strong> Novo Mundo as práticas mais complexas<br />
d<strong>os</strong> pov<strong>os</strong> negr<strong>os</strong> que, ao tempo do tráfico, se achavam mais avançad<strong>os</strong> na evolução<br />
religi<strong>os</strong>a, essas práticas e cult<strong>os</strong> seriam forçadas a impregnar-se da contribuição <strong>de</strong><br />
todas as concepções religi<strong>os</strong>as mais acanhadas, as divinda<strong>de</strong>s ou fetiches individuais, as<br />
<strong>de</strong> trib<strong>os</strong>, clãs ou al<strong>de</strong>ias, d<strong>os</strong> negr<strong>os</strong> não convertid<strong>os</strong>.<br />
É este um espetáculo ainda vivo, que, em sua estratificação<br />
psicológica, o momento atual da evolução religi<strong>os</strong>a <strong>no</strong> Brasil põe em<br />
<strong>no</strong>tável evidência. Aqui na Bahia, melhor discrimina das que por todo<br />
alhures, a análise psicológica facilmente a <strong>de</strong>compõe em zonas<br />
superp<strong>os</strong>tas. Na primeira, a mais elevada mas extremamente tênue,<br />
está o mo<strong>no</strong>teísmo católico, se por pouc<strong>os</strong> compreendido, por men<strong>os</strong><br />
83
Revista Brasileira <strong>de</strong> <strong>História</strong> das Religiões. ANPUH, A<strong>no</strong> III, n. 7, Mai. 2010 - ISSN 1983-2850<br />
http://www.dhi.uem.br/gtreligiao - Artig<strong>os</strong><br />
______________________________________________________________________<br />
ainda sentido e praticado. A segunda, espessa e larga, da idolatria e<br />
mitologia católica d<strong>os</strong> sant<strong>os</strong> profissionais, para empregar a frase <strong>de</strong><br />
Taylor, abrange a massa da população, aí compreen<strong>de</strong>ndo branc<strong>os</strong>,<br />
mestiç<strong>os</strong> e negr<strong>os</strong> niais inteligentes e cult<strong>os</strong>. Na terceira está, como<br />
síntese do animismo superior do negro, a mitologia jeje-iorubana, que<br />
a equivalência d<strong>os</strong> orixás african<strong>os</strong> com <strong>os</strong> sant<strong>os</strong> católic<strong>os</strong>, por nós<br />
largamente <strong>de</strong>scrita e documentada, está <strong>de</strong>rramando na conversão<br />
cristã d<strong>os</strong> negr<strong>os</strong> crioul<strong>os</strong>. Vem finalmente o fetichismo estreito e<br />
inconvertido d<strong>os</strong> african<strong>os</strong> das trib<strong>os</strong> mais atrasadas, d<strong>os</strong> índi<strong>os</strong>, d<strong>os</strong><br />
negr<strong>os</strong> crioul<strong>os</strong> e d<strong>os</strong> mestiç<strong>os</strong> do mesmo nível intelectual.<br />
Naturalmente estas camadas espirituais não têm senão <strong>os</strong> limites que<br />
lhes impõem a abstração e a análise e por toda parte se fun<strong>de</strong>m e se<br />
penetram. (RODRIGUES, 1982, p.215-216).<br />
Conscientemente ou não o mo<strong>no</strong>teísmo católico é p<strong>os</strong>to como religião<br />
verda<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> abstrações mo<strong>no</strong>teístas (RODRIGUES, 1982) em contrap<strong>os</strong>ição às<br />
<strong>de</strong>mais.<br />
Nina Rodrigues e as categorias explicativas das religiões africanas.<br />
“Os african<strong>os</strong> <strong>no</strong> Brasil” contempla diversida<strong>de</strong>s das práticas culturais africanas,<br />
se propondo a refletir sobre origem e nacionalida<strong>de</strong>s, diversida<strong>de</strong>s religi<strong>os</strong>a, revoltas e<br />
insurreições, a situação d<strong>os</strong> african<strong>os</strong> <strong>no</strong> contexto histórico pós-abolição, línguas e<br />
manifestações artísticas, festivida<strong>de</strong>s e folclore, religi<strong>os</strong>ida<strong>de</strong>, comportamento social e a<br />
criminalida<strong>de</strong>. Diante <strong>de</strong>sta varieda<strong>de</strong> temática, buscarem<strong>os</strong> centrar n<strong>os</strong>so olhar em<br />
alguns aspect<strong>os</strong> principais que dão sustentação ao discurso <strong>de</strong> Nina Rodrigues sobre as<br />
religiões africanas na Bahia do século XIX, atentando principalmente as idéias<br />
utilizadas pelo autor na produção <strong>de</strong>sta obra. Iniciarem<strong>os</strong> com o termo<br />
“sobrevivências”.<br />
Embora <strong>os</strong> term<strong>os</strong> “animismo” e “fetichismo” 5 estejam presentes em “Os<br />
african<strong>os</strong> <strong>no</strong> Brasil”, ao se remeter às religiões africanas, um <strong>no</strong>vo termo surge como<br />
<strong>no</strong>rteador do discurso <strong>de</strong> Nina Rodrigues, a categoria “sobrevivências”. Utilizado <strong>no</strong><br />
<strong>de</strong>correr <strong>de</strong> toda a obra e inclusive para referir-se às religiões africanas, é apenas ao<br />
falar das expressões <strong>de</strong> criminalida<strong>de</strong> na mentalida<strong>de</strong> do negro que Rodrigues (1982)<br />
<strong>de</strong>ixa claro a que se refere ao falar em sobrevivência. Rodrigues ao explicar que a<br />
criminalida<strong>de</strong> do negro po<strong>de</strong> ser expressa por duas vias - atavismo ou sobrevivência -<br />
diferencia o significado <strong>de</strong> amb<strong>os</strong>.<br />
5 SERAFIM .ibid..p. 96-106.<br />
O atavismo é um fenôme<strong>no</strong> mais orgânico, do domínio da<br />
acumulação hereditária, que pressupõe uma <strong>de</strong>scontinuida<strong>de</strong> na<br />
84
Revista Brasileira <strong>de</strong> <strong>História</strong> das Religiões. ANPUH, A<strong>no</strong> III, n. 7, Mai. 2010 - ISSN 1983-2850<br />
http://www.dhi.uem.br/gtreligiao - Artig<strong>os</strong><br />
______________________________________________________________________<br />
transmissão, pela herança, <strong>de</strong> certas qualida<strong>de</strong>s d<strong>os</strong> antepassad<strong>os</strong>,<br />
saltando uma ou algumas gerações. A sobrevivência é um fenôme<strong>no</strong><br />
antes do domínio social, e se distingue do primeiro pela continuida<strong>de</strong><br />
que ele pressupõe: representa <strong>os</strong> resquíci<strong>os</strong> <strong>de</strong> temperament<strong>os</strong> ou<br />
qualida<strong>de</strong>s morais, que se acham ou se <strong>de</strong>vem supor em via <strong>de</strong><br />
extinção gradual, mas que continuam a viver ao lado, ou associad<strong>os</strong><br />
a<strong>os</strong> <strong>no</strong>v<strong>os</strong> hábit<strong>os</strong>, às <strong>no</strong>vas aquisições morais ou intelectuais.<br />
(RODRIGUES, 1982, p.272-273).<br />
Rodrigues consi<strong>de</strong>ra a reversão atávica uma modalida<strong>de</strong> da <strong>de</strong>generação<br />
psíquica, da a<strong>no</strong>rmalida<strong>de</strong> orgânica que, quando corporizada na inadaptação do<br />
indivíduo à or<strong>de</strong>m social adotada pela geração a que ele pertence, ou, quando se<br />
corporizou na inadaptação às condições existenciais <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong>, que é a sua,<br />
constitui a criminalida<strong>de</strong> <strong>no</strong>rmal ou ordinária.<br />
A sobrevivência criminal é, ao contrário, um caso especial <strong>de</strong> criminalida<strong>de</strong>,<br />
aquele que se po<strong>de</strong>ria chamar <strong>de</strong> criminalida<strong>de</strong> étnica, resultante da coexistência, numa<br />
mesma socieda<strong>de</strong>, <strong>de</strong> pov<strong>os</strong> ou raças em fases diversas <strong>de</strong> evolução moral e jurídica, <strong>de</strong><br />
sorte que aquilo que ainda não é imoral nem antijurídico para uns, réus já <strong>de</strong>ve sê-lo<br />
para outr<strong>os</strong>. Des<strong>de</strong> 1894 que Rodrigues insiste <strong>no</strong> contingente que prestam à<br />
criminalida<strong>de</strong> <strong>brasil</strong>eira muit<strong>os</strong> at<strong>os</strong> antijurídic<strong>os</strong> d<strong>os</strong> representantes das “raças<br />
inferiores”, negra e - <strong>os</strong> quais, contrári<strong>os</strong> à or<strong>de</strong>m social estabelecida <strong>no</strong> país pel<strong>os</strong><br />
branc<strong>os</strong>, são, todavia, perfeitamente lícit<strong>os</strong>, morais e jurídic<strong>os</strong>, consi<strong>de</strong>rad<strong>os</strong> do ponto<br />
<strong>de</strong> vista a que pertencem <strong>os</strong> que <strong>os</strong> praticam. Na sua forma, esses at<strong>os</strong> proce<strong>de</strong>m, uns do<br />
estágio da sua evolução jurídica, proce<strong>de</strong>m outr<strong>os</strong> do das suas crenças religi<strong>os</strong>as.<br />
(RODRIGUES, 1982).<br />
Rodrigues enten<strong>de</strong> que a persistência das idéias do talião (sofrer pela parte que<br />
pecou) explica um gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> crimes da população negra e mestiça. Rodrigues<br />
cita quatro cas<strong>os</strong>, o primeiro referente à um meni<strong>no</strong> a quem a sua avó meteu ambas as<br />
mã<strong>os</strong> em uma panela d‟água fervendo, para puni-lo <strong>de</strong> haver furtado comida <strong>de</strong> uma<br />
marmita colocada <strong>no</strong> fogão. O segundo sobre uma menina a quem a amante <strong>de</strong> seu pai<br />
meteu igualmente as mã<strong>os</strong> em água fervendo, para puni-la <strong>de</strong> ter roubado. A<br />
queimadura causou a morte <strong>de</strong>sta criança. O terceiro caso é sobre a mão <strong>de</strong> um negro,<br />
cortada pelo mesmo motivo. E por último, uma criancinha <strong>de</strong> dois an<strong>os</strong>, cuja avó,<br />
africana, lhe aplicou sobre <strong>os</strong> lábi<strong>os</strong> uma colher <strong>de</strong> metal muito quente, a fim <strong>de</strong> puni-la,<br />
pela queimadura da boca, da indiscrição infantil <strong>de</strong> ter dito a um cobrador, <strong>de</strong> quem se<br />
ocultava a velha, que esta se achava em casa. (RODRIGUES, 1982).<br />
85
Revista Brasileira <strong>de</strong> <strong>História</strong> das Religiões. ANPUH, A<strong>no</strong> III, n. 7, Mai. 2010 - ISSN 1983-2850<br />
http://www.dhi.uem.br/gtreligiao - Artig<strong>os</strong><br />
______________________________________________________________________<br />
Ao referir-se à religião africana como “sobrevivência”, Rodrigues escapa ao<br />
<strong>de</strong>terminismo biológico, embora não o exclua, ao <strong>de</strong>fini-la como um fenôme<strong>no</strong> do<br />
domínio social representado pel<strong>os</strong> resquíci<strong>os</strong> <strong>de</strong> temperament<strong>os</strong> ou qualida<strong>de</strong>s morais,<br />
que se acham ou se <strong>de</strong>vem supor em via <strong>de</strong> extinção gradual, mas que continuam a viver<br />
ao lado, ou associad<strong>os</strong> a<strong>os</strong> <strong>no</strong>v<strong>os</strong> hábit<strong>os</strong>, às <strong>no</strong>vas aquisições morais ou intelectuais. É<br />
em <strong>de</strong>corrência disso que a obra já se inicia com o conhecido apelo <strong>de</strong> Silvio Romero<br />
para que se estu<strong>de</strong>m as práticas africanas, antes que estas <strong>de</strong>sapareçam.<br />
Em 1879, Silvio Romero apelava a<strong>os</strong> pesquisadores <strong>brasil</strong>eir<strong>os</strong> para que<br />
estudassem as práticas do negro. Nina Rodrigues observa que são <strong>de</strong>corrid<strong>os</strong> mais <strong>de</strong><br />
vinte an<strong>os</strong>, não apareceu o especialista que <strong>de</strong>via satisfazer o apelo justo e patriótico do<br />
distinto escritor (RODRIGUES, 1982). Rodrigues acredita que a Bahia seja talvez, em<br />
sua época, o único lugar on<strong>de</strong> se p<strong>os</strong>sa estudar <strong>os</strong> negr<strong>os</strong> african<strong>os</strong>, mesmo assim, são<br />
tod<strong>os</strong> <strong>os</strong> african<strong>os</strong> <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> muito avançada e com alta mortalida<strong>de</strong> e <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> breve<br />
<strong>de</strong>saparecerão.<br />
Dentre as sobrevivências africanas, as práticas religi<strong>os</strong>as foram, para Nina<br />
Rodrigues (1982) as que melhor se conservaram <strong>no</strong> Brasil, embora não se mantiveram<br />
como eram na África. Não é fácil dizer o que foram as práticas fetichistas e a religião<br />
d<strong>os</strong> african<strong>os</strong> enquanto durou o tráfico, nem <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>le, quando se estancou a chegada<br />
<strong>de</strong> <strong>no</strong>v<strong>os</strong> african<strong>os</strong>. Sendo assim, é lícito dizer que as práticas religi<strong>os</strong>as podiam se<br />
manter relativamente puras e extremadas <strong>de</strong> influências estranhas.<br />
Mas, mesmo então, é <strong>de</strong> prever, na influência recíproca que<br />
exerceram uns sobre <strong>os</strong> outr<strong>os</strong> <strong>os</strong> divers<strong>os</strong> pov<strong>os</strong> negr<strong>os</strong><br />
aci<strong>de</strong>ntalmente reunid<strong>os</strong> na América pelo tráfico, se havia <strong>de</strong> fazer<br />
sentir po<strong>de</strong>r<strong>os</strong>a a ação absorvente das divinda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> culto mais<br />
generalizado sobre as <strong>de</strong> culto mais restrito, a qual, nestes cas<strong>os</strong>, se<br />
manifesta como lei fundamental da difusão religi<strong>os</strong>a. (RODRIGUES,<br />
1982, p.214-215).<br />
Paralelo à <strong>no</strong>ção <strong>de</strong> “sobrevivência”, Rodrigues (1982) discute se o estado <strong>de</strong><br />
inferiorida<strong>de</strong> social, e também religi<strong>os</strong>a, d<strong>os</strong> negr<strong>os</strong> é inerente ou transitória. Rodrigues<br />
afirma que não é a realida<strong>de</strong> da inferiorida<strong>de</strong> social d<strong>os</strong> negr<strong>os</strong> que está em discussão,<br />
pois ninguém se lembrou ainda <strong>de</strong> contestá-la. A questão é, sobre <strong>os</strong> que reputam essa<br />
inferiorida<strong>de</strong> como inerente à constituição orgânica da raça e, por isso, <strong>de</strong>finitiva e<br />
irreparável, com aqueles que a consi<strong>de</strong>ram transitória e remediável.<br />
Os que a vêem como inerente, segundo Rodrigues (1982), enten<strong>de</strong>m que a<br />
constituição orgânica do negro mo<strong>de</strong>lada pelo habitat físico e moral em que se<br />
86
Revista Brasileira <strong>de</strong> <strong>História</strong> das Religiões. ANPUH, A<strong>no</strong> III, n. 7, Mai. 2010 - ISSN 1983-2850<br />
http://www.dhi.uem.br/gtreligiao - Artig<strong>os</strong><br />
______________________________________________________________________<br />
<strong>de</strong>senvolveu, não comporta uma adaptação à civilização das raças superiores, produt<strong>os</strong><br />
<strong>de</strong> meio físico e cultural diferente. Tratar-se-ia, explica Rodrigues mesmo <strong>de</strong> uma<br />
incapacida<strong>de</strong> orgânica ou morfológica. Para alguns autores, seria a <strong>os</strong>sificação precoce<br />
das suturas cranianas que, obstando o <strong>de</strong>senvolvimento do cérebro, se tornaria<br />
responsável por aquela conseqüência. “E a permanência irreparável <strong>de</strong>ste vício aí se está<br />
a atestar na incapacida<strong>de</strong> revelada pel<strong>os</strong> negr<strong>os</strong>, em todo o <strong>de</strong>curso do período histórico,<br />
não só para assimilar a civilização d<strong>os</strong> divers<strong>os</strong> pov<strong>os</strong> com que estiveram em contato,<br />
como ainda para criar cultura própria”.(RODRIGUES, 1982, p.262).<br />
Para Rodrigues, essas razões são pouco vali<strong>os</strong>as e proce<strong>de</strong>ntes. O autor explica<br />
que a <strong>os</strong>sificação precoce das suturas cranianas, excluído o caso patológico aqui<br />
inadmissível, há <strong>de</strong> ser um produto da evolução morfológica, proporcional e paralela à<br />
evolução funcional, <strong>de</strong> que é um caso apenas o <strong>de</strong>senvolvimento físico ou mental.<br />
Imp<strong>os</strong>sível, pois, tornar uma responsável pela outra. A <strong>os</strong>sificação será precoce, mas<br />
não prematura, pois ocorre em tempo e <strong>de</strong> harmonia com o reduzido <strong>de</strong>senvolvimento<br />
mental <strong>de</strong> que <strong>os</strong> pov<strong>os</strong> negr<strong>os</strong> são dotad<strong>os</strong>.<br />
Recentemente a experiência clínica <strong>de</strong>sfez uma ilusão fundada em<br />
erro análogo, por um momento triunfante em neuropatologia. A<br />
suspeita ou a crença <strong>de</strong> que a <strong>os</strong>sificação precoce das suturas<br />
cranianas f<strong>os</strong>se a causa do atraso <strong>no</strong> <strong>de</strong>senvolvimento mental d<strong>os</strong><br />
idiotas e imbecis, em virtu<strong>de</strong> da insuficiência do espaço oferecido ao<br />
<strong>de</strong>senvolvimento cerebral, acham o seu corolário prático <strong>no</strong><br />
preconício da cranioctomia, intervenção cirúrgica <strong>de</strong>stinada a<br />
remediar aquele <strong>de</strong>feito. Mas a experiência frustrou as gener<strong>os</strong>as<br />
esperanças <strong>de</strong>p<strong>os</strong>tas nesta intervenção, <strong>de</strong>monstrando, como era <strong>de</strong><br />
esperar, que atraso cerebral e precocida<strong>de</strong> craniana se subordinavam<br />
ao mesmo vício <strong>de</strong>generativo, tinham a sua causa comum na mesma<br />
a<strong>no</strong>malia evolutiva, e não se ligavam entre si por laç<strong>os</strong> diret<strong>os</strong> <strong>de</strong><br />
inter<strong>de</strong>pendência genética. (RODRIGUES, 1982, p.263).<br />
Rodrigues enfatiza a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se consi<strong>de</strong>rar que é <strong>de</strong>masiado escasso o<br />
curto espaço do período histórico para nele se fundar a afirmação categórica <strong>de</strong> uma<br />
imp<strong>os</strong>sibilida<strong>de</strong> futura <strong>de</strong> civilização do negro. A explicação evolutiva ensina que<br />
<strong>de</strong>vem<strong>os</strong> contar as aquisições lentas e progressivas do aperfeiçoamento huma<strong>no</strong>, assim,<br />
não é argumentando com o que n<strong>os</strong> ensina o curto período do conhecimento histórico<br />
d<strong>os</strong> pov<strong>os</strong>, que se po<strong>de</strong> lavrar a con<strong>de</strong>nação do negro a uma estagnação eterna na<br />
selvageria. (RODRIGUES, 1982).<br />
No entanto, são também exageradas as pretensões otimistas, afirma Rodrigues<br />
(1982). A alegação <strong>de</strong> que por largo prazo viveu a raça branca, a mais culta das seções<br />
87
Revista Brasileira <strong>de</strong> <strong>História</strong> das Religiões. ANPUH, A<strong>no</strong> III, n. 7, Mai. 2010 - ISSN 1983-2850<br />
http://www.dhi.uem.br/gtreligiao - Artig<strong>os</strong><br />
______________________________________________________________________<br />
do gênero huma<strong>no</strong>, em condições não men<strong>os</strong> precárias <strong>de</strong> atraso e barbaria; o fato <strong>de</strong><br />
que muit<strong>os</strong> pov<strong>os</strong> negr<strong>os</strong> já andam bem próxim<strong>os</strong> do que foram <strong>os</strong> branc<strong>os</strong> <strong>no</strong> limiar do<br />
período histórico; mais ainda, a crença <strong>de</strong> que <strong>os</strong> pov<strong>os</strong> negr<strong>os</strong> mais cult<strong>os</strong> repetem na<br />
África a fase da organização política medieval das mo<strong>de</strong>rnas nações européias, não<br />
justificam as esperanças <strong>de</strong> que <strong>os</strong> negr<strong>os</strong> p<strong>os</strong>sam herdar a civilização européia e, men<strong>os</strong><br />
ainda, p<strong>os</strong>sam atingir a maiorida<strong>de</strong> social <strong>no</strong> convívio d<strong>os</strong> pov<strong>os</strong> cult<strong>os</strong>. (RODRIGUES,<br />
1982).<br />
O que m<strong>os</strong>tra o estudo imparcial d<strong>os</strong> pov<strong>os</strong> negr<strong>os</strong> é que entre eles<br />
existem graus, há uma escala hierárquica <strong>de</strong> cultura e<br />
aperfeiçoamento. Melhoram e progri<strong>de</strong>m; são, pois, apt<strong>os</strong> a uma<br />
civilização futura. Mas se é imp<strong>os</strong>sível dizer se essa civilização há <strong>de</strong><br />
ser forç<strong>os</strong>amente a da raça branca, <strong>de</strong>monstra ainda o exame<br />
insuspeito d<strong>os</strong> fat<strong>os</strong> que é extremamente mor<strong>os</strong>a, por parte d<strong>os</strong><br />
negr<strong>os</strong>, a aquisição da civilização européia. E diante da necessida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>, ou civilizar-se <strong>de</strong> pronto, ou capitular na luta e concorrência que<br />
lhes movem <strong>os</strong> pov<strong>os</strong> branc<strong>os</strong>, a incapacida<strong>de</strong> ou a mor<strong>os</strong>ida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
progredir, por parte d<strong>os</strong> negr<strong>os</strong>, se tornam equivalentes na prática. Os<br />
extraordinári<strong>os</strong> progress<strong>os</strong> da civilização européia entregaram a<strong>os</strong><br />
branc<strong>os</strong> o domínio do mundo, as suas maravilh<strong>os</strong>as aplicações<br />
industriais suprimiram a distância e o tempo. Imp<strong>os</strong>sível conce<strong>de</strong>r,<br />
pois, a<strong>os</strong> negr<strong>os</strong> como em geral a<strong>os</strong> pov<strong>os</strong> frac<strong>os</strong> e retardatári<strong>os</strong>,<br />
lazeres e <strong>de</strong>longas para uma aquisição muito lenta e remota da sua<br />
emancipação social. Em tod<strong>os</strong> <strong>os</strong> temp<strong>os</strong> não passou <strong>de</strong> utopias <strong>de</strong><br />
filantrop<strong>os</strong>, ou <strong>de</strong> plan<strong>os</strong> ambici<strong>os</strong><strong>os</strong> <strong>de</strong> po<strong>de</strong>rio sectário, a idéia <strong>de</strong><br />
transformar-se uma parte <strong>de</strong> nações às quais a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
progredir mais do que as imitações mo<strong>no</strong>maníacas do liberalismo<br />
impõe a necessida<strong>de</strong> social da igualda<strong>de</strong> civil e política, em tutora da<br />
outra parte, <strong>de</strong>stinada à interminável aprendizagem em vast<strong>os</strong><br />
seminári<strong>os</strong> ou oficinas profissionais. A geral <strong>de</strong>saparição do índio em<br />
toda a América, a lenta e gradual sujeição d<strong>os</strong> pov<strong>os</strong> negr<strong>os</strong> à<br />
administração inteligente e exploradora d<strong>os</strong> pov<strong>os</strong> branc<strong>os</strong>, tem sido<br />
a resp<strong>os</strong>ta prática a essas divagações sentimentais. (RODRIGUES,<br />
1982, p.263-264).<br />
Embora Rodrigues entenda que as “raças” estão num processo evolutivo, não<br />
consegue <strong>de</strong>finir com clareza as características <strong>de</strong> cada estágio, e nem mesmo as “raças”<br />
que fariam parte d<strong>os</strong> mais elevad<strong>os</strong>, embora sugira que pela análise histórica seria a<br />
“raça branca”. No entanto, quando o assunto são as religiões correspon<strong>de</strong>ntes à cada<br />
estágio evolutivo, Rodrigues não hesita em afirmar que o “mo<strong>no</strong>teísmo católico” está <strong>no</strong><br />
topo da hierarquia com suas “elevadas abstrações”. (RODRIGUES, 1982).<br />
Sendo assim, a preocupação conseqüente <strong>de</strong> Nina Rodrigues é <strong>de</strong>finir, <strong>de</strong>ntre as<br />
religiões africanas, a <strong>de</strong> qual povo africa<strong>no</strong> estaria mais próxima ao catolicismo na<br />
escala evolutiva. No entanto, Rodrigues enten<strong>de</strong> que tal como as “raças” as religiões<br />
africanas também sofreram “cruzamento” entre si (RODRIGUES, 1982), tornando<br />
88
Revista Brasileira <strong>de</strong> <strong>História</strong> das Religiões. ANPUH, A<strong>no</strong> III, n. 7, Mai. 2010 - ISSN 1983-2850<br />
http://www.dhi.uem.br/gtreligiao - Artig<strong>os</strong><br />
______________________________________________________________________<br />
quase que impraticável distingui-las. É a partir <strong>de</strong>sta preocupação que surge <strong>no</strong> discurso<br />
<strong>de</strong> Nina Rodrigues a idéia <strong>de</strong> uma “mestiçagem espiritual”.<br />
Um segundo termo utilizado por Nina Rodrigues consiste em “mestiçagem<br />
espiritual”. Rodrigues p<strong>os</strong>sui preocupações quanto à presença do mestiço e do negro na<br />
população <strong>brasil</strong>eira. Ele explica que não é a concepção teórica, toda especulativa e não<br />
<strong>de</strong>monstrada, <strong>de</strong> uma incapacida<strong>de</strong> absoluta <strong>de</strong> cultura d<strong>os</strong> negr<strong>os</strong>, que merece<br />
preocupar pov<strong>os</strong>, como o <strong>brasil</strong>eiro, que, com a escravidão africana, receberam e<br />
incorporaram em sua formação étnica d<strong>os</strong>es col<strong>os</strong>sais <strong>de</strong> sangue negro (RODRIGUES,<br />
1982). O que importa ao Brasil <strong>de</strong>terminar, segundo Rodrigues, é o quanto <strong>de</strong><br />
inferiorida<strong>de</strong> lhe advém da dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> civilizar-se por parte da população negra que<br />
p<strong>os</strong>sui e como essa inferiorida<strong>de</strong> se constitui pelo “mestiçamento”, processo natural por<br />
que <strong>os</strong> negr<strong>os</strong> se estão integrando <strong>no</strong> povo <strong>brasil</strong>eiro, para a gran<strong>de</strong> massa da sua<br />
população <strong>de</strong> cor. (RODRIGUES, 1982).<br />
Para Rodrigues é preciso i<strong>de</strong>ntificar a capacida<strong>de</strong> cultural d<strong>os</strong> negr<strong>os</strong> <strong>brasil</strong>eir<strong>os</strong>,<br />
<strong>os</strong> mei<strong>os</strong> <strong>de</strong> promovê-la ou compensá-la, o valor sociológico e social do mestiço<br />
africa<strong>no</strong>, a necessida<strong>de</strong> do seu concurso para o aclimamento d<strong>os</strong> branc<strong>os</strong> na zona<br />
intertropical e, a conveniência <strong>de</strong> diluí-l<strong>os</strong> ou compensá-l<strong>os</strong> por um exce<strong>de</strong>nte <strong>de</strong><br />
população branca, que assuma a direção do país. (RODRIGUES, 1982).<br />
Assim, Rodrigues utiliza-se <strong>de</strong> um método comparativo entre a cultura africana<br />
(entre si mesma, com a <strong>brasil</strong>eira e com a portuguesa), a fim <strong>de</strong> comprovar que a<br />
psicologia social d<strong>os</strong> negr<strong>os</strong> tem gran<strong>de</strong> influência sobre nós. Diante da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
apren<strong>de</strong>r o português para comunicar-se com <strong>os</strong> <strong>de</strong>mais, por exemplo, o negro o<br />
<strong>de</strong>turpava e o adaptava, além disto, sua arte invadia o cotidia<strong>no</strong> <strong>brasil</strong>eiro. As<br />
expressões artísticas e religi<strong>os</strong>as, <strong>de</strong>ssa maneira, servem para avaliar o intelecto do<br />
negro, permitindo-n<strong>os</strong> verificar que suas idéias não são nítidas e seus sentiment<strong>os</strong> e<br />
concepções, pouco <strong>de</strong>finidas.(RODRIGUES, 1982).<br />
Para Rodrigues <strong>de</strong>ntre as construções espirituais coletivas ou populares está a<br />
língua, trama com a qual se tecem as duas revelações primordiais, o mito e <strong>os</strong> c<strong>os</strong>tumes,<br />
é o instrumento <strong>de</strong> sua expressão e, <strong>de</strong>pois da língua, as religiões. As múltiplas e<br />
variadas formas <strong>de</strong> manifestações d<strong>os</strong> sentiment<strong>os</strong> religi<strong>os</strong><strong>os</strong> dão a mais segura medida<br />
da situação mental <strong>de</strong> cada povo. Também serve para pensar <strong>os</strong> us<strong>os</strong> e c<strong>os</strong>tumes.<br />
(RODRIGUES, 1982).<br />
Nina Rodrigues argumenta que faz parte do bom senso perceber que a<br />
mestiçagem não foi apenas física, mas espiritual, inclusive na linguagem. É preciso<br />
89
Revista Brasileira <strong>de</strong> <strong>História</strong> das Religiões. ANPUH, A<strong>no</strong> III, n. 7, Mai. 2010 - ISSN 1983-2850<br />
http://www.dhi.uem.br/gtreligiao - Artig<strong>os</strong><br />
______________________________________________________________________<br />
saber quais foram às línguas africanas faladas e as religiões praticadas <strong>no</strong> Brasil e tomar<br />
conhecimento d<strong>os</strong> mo<strong>de</strong>rn<strong>os</strong> conheciment<strong>os</strong> sobre elas realizad<strong>os</strong> na África, para<br />
apreciar a influência que exerceram sobre o português falado <strong>no</strong> Brasil. (RODRIGUES,<br />
1982).<br />
Rodrigues enten<strong>de</strong> que as danças, as músicas e as esculturas revelam a<br />
capacida<strong>de</strong> artística d<strong>os</strong> negr<strong>os</strong>:<br />
Os sentiment<strong>os</strong>, as crenças religi<strong>os</strong>as fazem para <strong>os</strong> negr<strong>os</strong>, como<br />
para as outras raças, as <strong>de</strong>spesas das manifestações primitivas da<br />
cultura artística. Os <strong>de</strong>uses, o culto são ainda <strong>os</strong> temas, <strong>os</strong> motiv<strong>os</strong><br />
mais vali<strong>os</strong><strong>os</strong>, as fontes <strong>de</strong> inspiração por excelência d<strong>os</strong> rud<strong>os</strong><br />
artistas negr<strong>os</strong>: a<strong>os</strong> <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m religi<strong>os</strong>a se seguem ou se agregam<br />
motivo retirad<strong>os</strong> das habituais ocupações <strong>no</strong>bres da guerra e da caça.<br />
(RODRIGUES, 1982, p.162).<br />
Ao falar da dificulda<strong>de</strong> em dar uma idéia exata da significação cultual das<br />
esculturas africanas, Rodrigues (1982) retoma a dubieda<strong>de</strong> do caráter imanente ou<br />
transcen<strong>de</strong>nte do “fetiche” presente em “O animismo fetichista d<strong>os</strong> negr<strong>os</strong> bahian<strong>os</strong>”,<br />
explicando que não são ídol<strong>os</strong> como se po<strong>de</strong>ria acreditar à primeira vista, como o supõe<br />
o vulgo, como o têm afirmado cientistas e missionári<strong>os</strong> que se <strong>de</strong>ixam guiar pelas<br />
aparências e exteriorida<strong>de</strong>s.<br />
Os negr<strong>os</strong> da C<strong>os</strong>ta d<strong>os</strong> Escrav<strong>os</strong>, sejam <strong>os</strong> <strong>de</strong> língua iorubana ou nagô, sejam <strong>os</strong><br />
<strong>de</strong> língua jeje, tshi ou gá, não são idólatras, afirma Rodrigues (1982). Entraram em uma<br />
fase muito curi<strong>os</strong>a do animismo em que as suas divinda<strong>de</strong>s já partilham as qualida<strong>de</strong>s<br />
antropomórficas das divinda<strong>de</strong>s politeístas, mas ainda conservam as formas exteriores<br />
do fetichismo primitivo. Xangô, por exemplo, o <strong>de</strong>us do trovão, é certamente um<br />
homem-<strong>de</strong>us encantado, mas que, para se revelar a<strong>os</strong> mortais, freqüentemente reveste<br />
ainda a forma fetichista do meteorito, ou da pedra do raio. Esta pedra é<br />
convenientemente preparada para nela residir o orixá, a quem que se dirige o culto, é ela<br />
que recebe <strong>os</strong> sacrifíci<strong>os</strong> e <strong>os</strong> aliment<strong>os</strong>. (RODRIGUES, 1982).<br />
Interessante <strong>no</strong>tar que Nina Rodrigues (1982) alerta que “não passaria pelo<br />
espírito <strong>de</strong> homem mediocremente instruído a idéia <strong>de</strong> aplicar à <strong>de</strong>terminação do seu<br />
valor as exigências e regras artísticas por que se aferem produt<strong>os</strong> da Arte n<strong>os</strong> pov<strong>os</strong><br />
civilizad<strong>os</strong>” (p.169), pois <strong>os</strong> frut<strong>os</strong> da arte negra não po<strong>de</strong>riam preten<strong>de</strong>r mais do que<br />
documentar, em peças <strong>de</strong> real valor et<strong>no</strong>gráfico, uma fase do <strong>de</strong>senvolvimento da<br />
cultura artística.<br />
90
Revista Brasileira <strong>de</strong> <strong>História</strong> das Religiões. ANPUH, A<strong>no</strong> III, n. 7, Mai. 2010 - ISSN 1983-2850<br />
http://www.dhi.uem.br/gtreligiao - Artig<strong>os</strong><br />
______________________________________________________________________<br />
E, medidas por este padrão, revelam uma fase relativamente avançada<br />
da evolução do espírito huma<strong>no</strong>. É já a escultura em toda a sua<br />
evolução, mesmo na sua feição <strong>de</strong>corativa, do baixo-relevo à<br />
estatuária. As vestes são ainda gr<strong>os</strong>seiras porque as idéias não têm a<br />
precisa niti<strong>de</strong>z, <strong>os</strong> sentiment<strong>os</strong> e a concepção estão ainda pouco<br />
<strong>de</strong>finid<strong>os</strong>; mas <strong>no</strong> fundo já se encontra a gema que reclama polimento<br />
e lapidação (RODRIGUES, 1982, p.169-171).<br />
Embora o discurso <strong>de</strong> Nina Rodrigues seja sobre não impor <strong>os</strong> valores oci<strong>de</strong>ntais<br />
sobre a arte africana, a todo o momento ele impõe <strong>os</strong> valores religi<strong>os</strong><strong>os</strong> oci<strong>de</strong>ntais sobre<br />
a religi<strong>os</strong>ida<strong>de</strong> africana. Em um outro momento, Rodrigues ao falar da temática da<br />
criminalida<strong>de</strong>, explica que entre <strong>os</strong> african<strong>os</strong>, o julgamento <strong>de</strong> at<strong>os</strong> crimin<strong>os</strong><strong>os</strong> transita<br />
entre valores jurídic<strong>os</strong> e religi<strong>os</strong><strong>os</strong>, o autor faz isso, sem perceber que sua percepção<br />
ética 6 também parte <strong>de</strong> uma moral religi<strong>os</strong>a, a cristã.<br />
Ao pensar essa “mestiçagem” referindo-se diretamente às religiões africanas,<br />
Nina Rodrigues (1982) analisa o que teriam sido as “práticas fetichistas” e a religião d<strong>os</strong><br />
african<strong>os</strong> durante e após o tráfico. Rodrigues (1982) enten<strong>de</strong> que a influência recíproca<br />
entre <strong>os</strong> divers<strong>os</strong> pov<strong>os</strong> negr<strong>os</strong> <strong>no</strong> Brasil, levou à absorção das divinda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> cult<strong>os</strong><br />
mais generalizad<strong>os</strong>, gerando uma difusão religi<strong>os</strong>a. Com o fim do tráfico, o<br />
“fetichismo” africa<strong>no</strong> teria se reduzido à mitologia “jeje-jorubana”.<br />
Nina Rodrigues começa a n<strong>os</strong> oferecer um esboço do que sugere para ele a<br />
<strong>no</strong>ção <strong>de</strong> sincretismo, embora não se remeta ao tema nesse momento:<br />
Esta lei assim exemplificada e p<strong>os</strong>ta em evidência por A. Ellis para<br />
<strong>os</strong> pov<strong>os</strong> negr<strong>os</strong> da C<strong>os</strong>ta d<strong>os</strong> Escrav<strong>os</strong> dá a razão psicológica da<br />
prepon<strong>de</strong>rância adquirida <strong>no</strong> Brasil pela mitologia e culto d<strong>os</strong> jejes e<br />
ioruban<strong>os</strong>, a ponto <strong>de</strong>, absorvendo tod<strong>os</strong> <strong>os</strong> outr<strong>os</strong>, prevalecer este<br />
culto quase que como a única forma ritual organizada d<strong>os</strong> n<strong>os</strong>s<strong>os</strong><br />
negr<strong>os</strong> fetichistas. Este fato me havia impressionado e, consignandoo,<br />
em 1896 eu o atribuí ao gran<strong>de</strong> predomínio numérico d<strong>os</strong> nagôs<br />
sobre tod<strong>os</strong> <strong>os</strong> outr<strong>os</strong> african<strong>os</strong>. Reconheço hoje que não era <strong>de</strong> todo<br />
justa a explicação, pois tão numer<strong>os</strong><strong>os</strong> como <strong>os</strong> nagôs foram <strong>os</strong><br />
colon<strong>os</strong> <strong>de</strong> outras procedências, sobretudo <strong>os</strong> angolas. A sugestão<br />
coletiva exemplificada na lei <strong>de</strong> Elis, servida pela melhor organização<br />
do sacerdócio e pela difusão da língua nagô entre <strong>os</strong> negr<strong>os</strong> african<strong>os</strong><br />
e crioul<strong>os</strong>, sem excluir a importância do fator numérico, explica <strong>de</strong><br />
modo completo o fenôme<strong>no</strong> observado, atestando em todo o caso a<br />
ascendéncia espiritual ou cultural <strong>de</strong>ste povo. (RODRIGUES, 1982,<br />
p.215).<br />
6 “A ética manifesta-se para nós, <strong>de</strong> maneira imperativa, como exigência moral. O seu imperativo originase<br />
numa fonte interior ao indivíduo, que o sente <strong>no</strong> espírito como a injunção <strong>de</strong> um <strong>de</strong>ver. Mas ele<br />
provém também <strong>de</strong> uma fonte externa: a cultura, as crenças, as <strong>no</strong>rmas <strong>de</strong> uma comunida<strong>de</strong>” (MORIN,<br />
2007, p.19).<br />
91
Revista Brasileira <strong>de</strong> <strong>História</strong> das Religiões. ANPUH, A<strong>no</strong> III, n. 7, Mai. 2010 - ISSN 1983-2850<br />
http://www.dhi.uem.br/gtreligiao - Artig<strong>os</strong><br />
______________________________________________________________________<br />
Nina Rodrigues entendia que só <strong>de</strong>veria permanecer <strong>no</strong> Novo Mundo as práticas<br />
mais complexas d<strong>os</strong> pov<strong>os</strong> negr<strong>os</strong> que, ao tempo do tráfico, se achavam mais avançad<strong>os</strong><br />
na evolução religi<strong>os</strong>a, essas práticas e cult<strong>os</strong> seriam forçadas a impregnar-se da<br />
contribuição <strong>de</strong> todas as concepções religi<strong>os</strong>as mais acanhadas, as divinda<strong>de</strong>s ou<br />
fetiches individuais, as <strong>de</strong> trib<strong>os</strong>, clãs ou al<strong>de</strong>ias, d<strong>os</strong> negr<strong>os</strong> não convertid<strong>os</strong>.<br />
(RODRIGUES, 1982).<br />
Nina Rodrigues explica que meio século após a total extinção do tráfico, o<br />
fetichismo africa<strong>no</strong> constituído em culto apenas se reduz ao da mitologia jeje-iorubana.<br />
Angolas, guruncis, minas, haussás,entre outr<strong>os</strong>, que conservam as suas divinda<strong>de</strong>s<br />
africanas, (assim como <strong>os</strong> negr<strong>os</strong> crioul<strong>os</strong>, mulat<strong>os</strong> e cabocl<strong>os</strong> fetichistas) p<strong>os</strong>suem<br />
tod<strong>os</strong>, à moda d<strong>os</strong> nagôs, terreir<strong>os</strong> e candomblés em que as suas divinda<strong>de</strong>s ou fetiches<br />
particulares recebem, ao lado d<strong>os</strong> orixás ioruban<strong>os</strong> e d<strong>os</strong> sant<strong>os</strong> católic<strong>os</strong>, um culto<br />
exter<strong>no</strong> mais ou men<strong>os</strong> copiado das práticas nagôs. (RODRIGUES, 1982).<br />
De acordo com Rodrigues <strong>os</strong> negr<strong>os</strong> nagôs ou ioruban<strong>os</strong> p<strong>os</strong>suem uma<br />
“verda<strong>de</strong>ira mitologia”, já bem complexa, com divinização d<strong>os</strong> element<strong>os</strong> naturais e<br />
fenômen<strong>os</strong> meteorológic<strong>os</strong>. “Nesta or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> idéias, a concepção mais elevada, aquela<br />
em que mais alta se revela a sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> abstração religi<strong>os</strong>a, é a divinização do<br />
firmamento ou abóbada celeste”. (RODRIGUES, 1982, P.217).<br />
Olorum, o Céu-Deus, satisfazendo dificilmente a condição <strong>de</strong> objeto<br />
concreto <strong>de</strong> culto, que reclama a ativida<strong>de</strong> do sentimento religi<strong>os</strong>o<br />
inferior do negro, é apenas a representação da mais alta aptidão da<br />
raça para generalizar. Concepção da mi<strong>no</strong>ria inteligente, a divinda<strong>de</strong><br />
não penetrou a massa popular, não lhe <strong>de</strong>sperta, não lhe fala ao<br />
sentimento religi<strong>os</strong>o, e Olorum representa assim uma divinda<strong>de</strong><br />
singular que não tem culto organizado, que não p<strong>os</strong>sui sacerdócio,<br />
que não tem adoradores. (RODRIGUES, 1982, p.217).<br />
A idéia <strong>de</strong> “mestiçagem” espiritual percorre o olhar <strong>de</strong> Nina Rodrigues (1982)<br />
não apenas <strong>no</strong> que se refere às religiões africanas entre si, mas à toda manifestação<br />
religi<strong>os</strong>a que se propõe à pensar, como verem<strong>os</strong> à seguir, em sua análise da<br />
religi<strong>os</strong>ida<strong>de</strong> islâmica entre <strong>os</strong> negr<strong>os</strong>, na qual o autor insiste em afirmar ter <strong>de</strong>tectado<br />
presença “fetichista”.<br />
Embora não seja necessariamente uma categoria explicativa é interessante a<br />
prop<strong>os</strong>ta <strong>de</strong> Nina Rodrigues para compreen<strong>de</strong>r <strong>os</strong> dit<strong>os</strong> “negr<strong>os</strong> maometan<strong>os</strong>”. Ao<br />
estudar as repetidas sublevações <strong>de</strong> escrav<strong>os</strong> que se suce<strong>de</strong>ram na Bahia na primeira<br />
meta<strong>de</strong> do século XIX, Nina Rodrigues afirma que as sublevações escravas são<br />
simultâneas a introdução d<strong>os</strong> haussás – segundo o autor, povo mais adiantado da África<br />
92
Revista Brasileira <strong>de</strong> <strong>História</strong> das Religiões. ANPUH, A<strong>no</strong> III, n. 7, Mai. 2010 - ISSN 1983-2850<br />
http://www.dhi.uem.br/gtreligiao - Artig<strong>os</strong><br />
______________________________________________________________________<br />
Central 7 - <strong>no</strong> Brasil. A<strong>de</strong>pt<strong>os</strong> do Islamismo, Nina Rodrigues (1982) enten<strong>de</strong> que não<br />
po<strong>de</strong>riam “tornar-se máquinas agrícolas alienadas”. Embora o “fervor religi<strong>os</strong>o” <strong>os</strong><br />
mantivesse unid<strong>os</strong> e pront<strong>os</strong> para a batalha, Nina Rodrigues afirma <strong>de</strong>tectar a presença<br />
“fetichista” <strong>no</strong> “islamismo negro”.<br />
Segundo Nina Rodrigues, até sua época 8 ficaram incompreendidas as repetidas<br />
sublevações <strong>de</strong> escrav<strong>os</strong> que em curt<strong>os</strong> interval<strong>os</strong> se suce<strong>de</strong>ram na Bahia, durante a<br />
primeira meta<strong>de</strong> do século XIX. Para apreen<strong>de</strong>r sua verda<strong>de</strong>ira significação histórica<br />
seria necessário remontar às transformações étnicas e político-sociais que a esse tempo<br />
se operavam <strong>no</strong> coração da África. Na explicação do autor, esses levantes tentavam<br />
reproduzir <strong>no</strong> Brasil <strong>os</strong> sentiment<strong>os</strong> trazid<strong>os</strong> da África pelas nações negras e se<br />
mantinham fechadas <strong>no</strong> circulo inviolável da língua <strong>de</strong>sconhecida. (RODRIGUES,<br />
1982).<br />
Nina Rodrigues explica que <strong>os</strong> haussás não eram “negr<strong>os</strong> boçais” que o tráfico<br />
lançava <strong>no</strong> Brasil, ao contrário, as nações do Haussá eram florescentes e d<strong>os</strong> mais<br />
adiantad<strong>os</strong> da África Central. A língua haussá estendia-se como a língua do comércio,<br />
das cortes e da literatura, principalmente nas obras religi<strong>os</strong>as. (RODRIGUES, 1982).<br />
Era natural e <strong>de</strong> prever que um nação assim aguerrida e policiada,<br />
p<strong>os</strong>suída, além disso, <strong>de</strong> um sentimento religi<strong>os</strong>o capaz <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s<br />
empreendiment<strong>os</strong> como era o islamismo, não po<strong>de</strong>ria fazer passivas<br />
máquinas <strong>de</strong> plantio agrícola a ig<strong>no</strong>rante imprevidência <strong>de</strong> senhores<br />
que se davam pór tranqüilizad<strong>os</strong> com a conversão cristã do batismo<br />
em massa e <strong>de</strong>ixavam, <strong>de</strong> fato, a<strong>os</strong> negr<strong>os</strong>, na língua que <strong>os</strong> branc<strong>os</strong><br />
absolutamente ig<strong>no</strong>ravam, inteira liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> crenças e pensamento.<br />
(RODRIGUES, 1982, p.40).<br />
Percebem<strong>os</strong> na fala acima a crítica lançada por Nina Rodrigues a conversão<br />
forçada d<strong>os</strong> negr<strong>os</strong> 9 , o que seria incoerente <strong>no</strong> tempo <strong>de</strong> Nina Rodrigues, uma vez que a<br />
Constituição pressupõe liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> cult<strong>os</strong>; esse p<strong>os</strong>icionamento não se dá apenas em<br />
relação ao Islamismo, mas, também, a<strong>os</strong> “candomblés”. Outra crítica recorrente é a<br />
respeito do <strong>de</strong>scaso existente <strong>no</strong> Brasil em relação a<strong>os</strong> c<strong>os</strong>tumes e tradições d<strong>os</strong><br />
escrav<strong>os</strong> african<strong>os</strong>, <strong>no</strong> trecho acima, especificamente a língua. (RODRIGUES, 1982).<br />
Outra prop<strong>os</strong>ta significativa na fala <strong>de</strong> Nina Rodrigues (1982) é o fervor<br />
religi<strong>os</strong>o enquanto elemento <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento das insurreições. O autor afirma que a<br />
policia não havia atentado a esta questão e <strong>os</strong> historiadores tendiam a relacionar as<br />
7 Vi<strong>de</strong> Nina Rodrigues, Os african<strong>os</strong> <strong>no</strong> Brasil, 1982.<br />
8 Nina Rodrigues nasceu em 1962 e faleceu em 1906.<br />
9 Vi<strong>de</strong> Nina Rodrigues, O animismo fetichista d<strong>os</strong> negr<strong>os</strong> bahian<strong>os</strong>, 1935. O autor <strong>de</strong>senvolve um<br />
capítulo <strong>no</strong> qual aborda o tema da “ilusão da catequese”.<br />
93
Revista Brasileira <strong>de</strong> <strong>História</strong> das Religiões. ANPUH, A<strong>no</strong> III, n. 7, Mai. 2010 - ISSN 1983-2850<br />
http://www.dhi.uem.br/gtreligiao - Artig<strong>os</strong><br />
______________________________________________________________________<br />
insurreições a<strong>os</strong> maus trat<strong>os</strong> d<strong>os</strong> senhores. Outro ponto à serem sublinhado é a simpatia<br />
<strong>de</strong> Nina Rodrigues em relação a<strong>os</strong> escrav<strong>os</strong> a<strong>de</strong>pt<strong>os</strong> do Islamismo, colocad<strong>os</strong> em um<br />
grau superior da escala do <strong>de</strong>senvolvimento human<strong>os</strong> em relação a<strong>os</strong> negr<strong>os</strong><br />
“fetichistas”, embora aqueles também <strong>os</strong> f<strong>os</strong>sem. No entanto, aliado a aproximação<br />
religi<strong>os</strong>a do mo<strong>no</strong>teísmo 10 , há a p<strong>os</strong>sibilida<strong>de</strong> explicativa <strong>de</strong> que o Islamismo tenha sido<br />
disseminado na África por “raças brancas”, o autor retira d<strong>os</strong> negr<strong>os</strong> a p<strong>os</strong>sibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
adquirir por si própri<strong>os</strong> a acesso ao mo<strong>no</strong>teísmo. (RODRIGUES, 1982).<br />
É <strong>no</strong>tória a importância et<strong>no</strong>gráfica d<strong>os</strong> ful<strong>os</strong>, fulas, fulbi, pul<strong>os</strong> ou<br />
peuls, vasta família africana que, em larga faixa transversal se<br />
esten<strong>de</strong> na África setentrional, por baixo d<strong>os</strong> tibus e tuaregs. [...]<br />
Recusada in limine a idéia <strong>de</strong> uma origem malaia ou asiática, <strong>os</strong> fulas<br />
são tid<strong>os</strong> hoje como <strong>de</strong> raça branca, pel<strong>os</strong> mais autorizad<strong>os</strong><br />
antropologistas e etnólog<strong>os</strong>. (RODRIGUES, 1982, p.39).<br />
Não <strong>de</strong>vem<strong>os</strong>, <strong>no</strong> entanto, <strong>de</strong>duzir que Nina Rodrigues sugere uma p<strong>os</strong>sibilida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> conversão pelo Islamismo em contrap<strong>os</strong>ição a “ilusão da catequese” católica, pois o<br />
autor empenha-se em <strong>de</strong>monstrar permanências fetichistas na prática islâmica d<strong>os</strong><br />
escrav<strong>os</strong> african<strong>os</strong> na Bahia. Nina Rodrigues (1982) explica que sob a ig<strong>no</strong>rância e<br />
brutalida<strong>de</strong> d<strong>os</strong> senhores branc<strong>os</strong> reataram-se <strong>os</strong> laç<strong>os</strong> d<strong>os</strong> imigrad<strong>os</strong>, sob o duro regime<br />
do cativeiro reconstruíram como pu<strong>de</strong>ram as práticas, <strong>os</strong> us<strong>os</strong> e as crenças das práticas<br />
longínquas. O Islamismo organizou-se em “seita po<strong>de</strong>r<strong>os</strong>a” e vieram <strong>os</strong> mestres que<br />
pregavam a conversão e ensinavam a ler <strong>no</strong> árabe <strong>os</strong> livr<strong>os</strong> do Alcorão, que também da<br />
África vinham importad<strong>os</strong>. O islamismo apareceu como um ponto comum para <strong>os</strong><br />
negr<strong>os</strong> das mais diversas procedências. (RODRIGUES, 1982).<br />
N<strong>os</strong>so intuito aqui não é discutir <strong>os</strong> motiv<strong>os</strong> das sublevações negras <strong>no</strong> século<br />
XIX, nem tomar partido por um dado mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> explicativo. Buscarem<strong>os</strong> a partir das<br />
especificida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>scritas por Nina Rodrigues, compreen<strong>de</strong>r <strong>de</strong> que maneira se constitui<br />
a representação da morte <strong>no</strong> homo religi<strong>os</strong>us - em n<strong>os</strong>so caso, o africa<strong>no</strong> - a partir <strong>de</strong><br />
suas relações com o sagrado <strong>no</strong> discurso <strong>de</strong> Rodrigues. Para isto buscarem<strong>os</strong><br />
interlocução na análise moriniana, partindo <strong>de</strong> sua obra “O homem e a morte”.<br />
É necessário primeiro ressaltar que por “representação” enten<strong>de</strong>m<strong>os</strong> as práticas<br />
que visam fazer reconhecer uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> social, a exibir uma maneira própria <strong>de</strong> estar<br />
<strong>no</strong> mundo, a significar simbolicamente um estatuto e uma p<strong>os</strong>ição. (CHARTIER, 2002).<br />
Quanto ao homo religi<strong>os</strong>us (ELIADE, 2001), trata-se do homem das socieda<strong>de</strong>s<br />
10 Para Nina Rodrigues (1935,1982) <strong>os</strong> estági<strong>os</strong> superiores da escala evolutiva estariam ligadas as<br />
religiões mo<strong>no</strong>teísta, enquanto as inferiores seriam politeístas.<br />
94
Revista Brasileira <strong>de</strong> <strong>História</strong> das Religiões. ANPUH, A<strong>no</strong> III, n. 7, Mai. 2010 - ISSN 1983-2850<br />
http://www.dhi.uem.br/gtreligiao - Artig<strong>os</strong><br />
______________________________________________________________________<br />
tradicionais, que ten<strong>de</strong> a viver próximo do sagrado ou d<strong>os</strong> objet<strong>os</strong> consagrad<strong>os</strong>. Para<br />
ele, o sagrado trata-se <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, e em última instância, <strong>de</strong> realida<strong>de</strong>.<br />
Dentre as insurreições haussás <strong>de</strong>scritas por Nina Rodrigues: Insurreição <strong>de</strong> 28<br />
<strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1807, a Insurreição d<strong>os</strong> haussás e nagôs <strong>de</strong> 6 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1809 e a<br />
Insurreição <strong>de</strong> 28 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1813; o autor observa que a última parece ter sido um<br />
d<strong>os</strong> levantes mais séri<strong>os</strong> pelas proporções que tomou: mais <strong>de</strong> 600 negr<strong>os</strong> haussás<br />
romperam em fortes h<strong>os</strong>tilida<strong>de</strong>s contra a Bahia, assaltaram e incendiaram, às 4 da<br />
madrugada, as casas e senzalas daquelas armações, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> matarem o feitor e a<br />
família <strong>de</strong>ste e <strong>os</strong> <strong>de</strong>mais branc<strong>os</strong> do local; marcharam a atacar a povoação <strong>de</strong> Itapuã,<br />
reunid<strong>os</strong> assassinaram <strong>os</strong> branc<strong>os</strong> que tentaram <strong>de</strong>spersuadi-l<strong>os</strong> ou resistir. O Dr. Caldas<br />
Brito (Apud. Rodrigues, 1982) relata que <strong>os</strong> “pret<strong>os</strong>” só cediam na luta quando<br />
morriam.<br />
Para Nina Rodrigues, a insurreição nagô <strong>de</strong> 1835, foi a <strong>de</strong> maior repercussão -<br />
nas palavras do Viscon<strong>de</strong> <strong>de</strong> Lourenço, “<strong>os</strong> african<strong>os</strong> intimidaram a guarda do palácio,<br />
contiveram o batalhão da artilharia, obrigaram o corpo <strong>de</strong> polícia a fechar o quartel e<br />
apenas na cavalaria encontraram resistência e ataque” – e nela po<strong>de</strong>m<strong>os</strong> <strong>de</strong>stacar a<br />
influência do Islamismo n<strong>os</strong> negr<strong>os</strong> <strong>brasil</strong>eir<strong>os</strong>. É nesta ultima insurreição, que a<br />
propaganda religi<strong>os</strong>a e guerreira d<strong>os</strong> negr<strong>os</strong> maometan<strong>os</strong>, segundo Nina Rodrigues,<br />
atinge o ápice <strong>de</strong> seu <strong>de</strong>senvolvimento. Existiam várias escolas e igrejas<br />
“maometanas” 11 :<br />
A casa d<strong>os</strong> nagôs libert<strong>os</strong> Belchior e Gaspar da Silva Cunha, na rua<br />
da Oração, on<strong>de</strong> pregava o mestre alufá ou marabu Luís, Sanim na<br />
sua nação Tapa, escravo <strong>de</strong> Pedro Ricardo da Silva; a casa d<strong>os</strong> negr<strong>os</strong><br />
libert<strong>os</strong> Manuel Calafate e Aprígio, na loja do segundo sobrado à<br />
la<strong>de</strong>ira da Praça; a casa do liberto haussá Elesbão do Carmo , na sua<br />
terra Dandará, <strong>no</strong> Beco <strong>de</strong> Mata-Porc<strong>os</strong>; a casa do nagô Pacifico,<br />
Licutan entre <strong>os</strong> seus, nas lojas da casa do senhor, <strong>no</strong> Cruzeiro <strong>de</strong> São<br />
Francisco. E afora estas, outras muitas <strong>de</strong> importância me<strong>no</strong>r.<br />
(RODRIGUES, 1982, p.54).<br />
Nina Rodrigues (1982) explica que na casa <strong>de</strong> Belchior e Gaspar, que<br />
sublocavam quart<strong>os</strong> a outr<strong>os</strong> negr<strong>os</strong>, só se falava em língua iorubana ou nagô, sendo<br />
para muit<strong>os</strong> inteiramente <strong>de</strong>sconhecid<strong>os</strong> <strong>os</strong> <strong>no</strong>mes cristã<strong>os</strong> d<strong>os</strong> parceir<strong>os</strong>: Sanim (Luis),<br />
Sule (Vitório), Dada (Mateus), Aliará (Jorge), etc. Na casa foram apreendidas gran<strong>de</strong>s<br />
cópias <strong>de</strong> livr<strong>os</strong> e papéis escrit<strong>os</strong> em árabe, assim como fardamento ou roupa <strong>de</strong> guerra.<br />
11 A utilização <strong>de</strong> termo “maometana” é provavelmente <strong>de</strong>corrência do Profeta Maomé, em analogia ao<br />
Cristão em relação à Jesus Cristo, o que já <strong>de</strong><strong>no</strong>ta <strong>de</strong>sconhecimento em relação ao Islã, uma vez que<br />
Maomé não está para o Islão como Cristo está para o Cristianismo.<br />
95
Revista Brasileira <strong>de</strong> <strong>História</strong> das Religiões. ANPUH, A<strong>no</strong> III, n. 7, Mai. 2010 - ISSN 1983-2850<br />
http://www.dhi.uem.br/gtreligiao - Artig<strong>os</strong><br />
______________________________________________________________________<br />
Os <strong>de</strong>poiment<strong>os</strong> concordam que <strong>os</strong> escrit<strong>os</strong> eram <strong>de</strong> rezas malês ou mulçumis e ali a<br />
propaganda religi<strong>os</strong>a era viva e intensa.<br />
Segundo Nina Rodrigues, <strong>os</strong> dan<strong>os</strong> da insurreição só não foram maiores, porque<br />
fora anteriormente <strong>de</strong>nunciado. D<strong>os</strong> 281 pres<strong>os</strong>, 16 foram con<strong>de</strong>nad<strong>os</strong> à morte, mas<br />
apenas cinco, foram executad<strong>os</strong>. Sobre <strong>os</strong> <strong>de</strong>mais:<br />
Os outr<strong>os</strong> tiveram a pena comutada em galés perpétuas uns, muit<strong>os</strong><br />
em açoites, alguns em prisão com trabalho. A tod<strong>os</strong> <strong>os</strong> libert<strong>os</strong> que<br />
tocou esta ultima pena, o regente Diogo Antonio Feijó comutou-a,<br />
por prop<strong>os</strong>ta do presi<strong>de</strong>nte da província, em banimento para a C<strong>os</strong>ta<br />
D‟África; pois alegava o Viscon<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Lourenço, então chefe <strong>de</strong><br />
policia, que „<strong>os</strong> african<strong>os</strong> forr<strong>os</strong> trazem quase tod<strong>os</strong>, <strong>no</strong> gozo da<br />
liberda<strong>de</strong>, o ferrete da escravidão e não utilizam nada ao país com sua<br />
estada‟. Banimento para <strong>os</strong> libert<strong>os</strong>, açoite para <strong>os</strong> escrav<strong>os</strong>, tal a<br />
formula repressiva cômoda e econômica que permitia sufocar <strong>os</strong><br />
germes <strong>de</strong> futur<strong>os</strong> levantes sem prejuízo na proprieda<strong>de</strong> humana.<br />
(RODRIGUES, 1982, p.57).<br />
Para Nina Rodrigues, era evi<strong>de</strong>nte que a justiça, o gover<strong>no</strong> e o clero não<br />
compreendiam o espírito da insurreição: <strong>os</strong> mestres, missionári<strong>os</strong>, alufás e marabus,<br />
ocuparam um lugar secundário na repressão. A insurreição <strong>de</strong> 1835 não tinha sido um<br />
levante brutal <strong>de</strong> senzalas, uma simples insubordinação <strong>de</strong> escrav<strong>os</strong>, mas um<br />
empreendimento <strong>de</strong> homens <strong>de</strong> certo valor. Admirável a coragem e a <strong>no</strong>bre lealda<strong>de</strong><br />
com que se portaram <strong>os</strong> mais influentes.<br />
Observa ainda Nina Rodrigues que, quis o <strong>de</strong>sti<strong>no</strong> que <strong>os</strong> heróis da insurreição<br />
tivessem execução condigna. Não se tendo encontrado carrasco, <strong>os</strong> negr<strong>os</strong> con<strong>de</strong>nad<strong>os</strong> à<br />
morte não pu<strong>de</strong>ram ser enforcad<strong>os</strong> como crimin<strong>os</strong><strong>os</strong>; então foram fuzilad<strong>os</strong> como<br />
soldad<strong>os</strong>.<br />
Nina Rodrigues não tem dúvidas <strong>de</strong> que o islamismo professado pel<strong>os</strong> negr<strong>os</strong><br />
baian<strong>os</strong> seja proveniente da África, a conversão teria se alastrado para o Brasil por meio<br />
d<strong>os</strong> african<strong>os</strong> trazid<strong>os</strong> da África, <strong>no</strong> entanto:<br />
O maometismo não fez pr<strong>os</strong>élit<strong>os</strong> entre <strong>os</strong> negr<strong>os</strong> crioul<strong>os</strong> e <strong>os</strong><br />
mestiç<strong>os</strong>. Se ainda não <strong>de</strong>sapareceu <strong>de</strong> todo, circunscrito como está<br />
a<strong>os</strong> últim<strong>os</strong> african<strong>os</strong>, o islamismo na Bahia se extinguirá com eles. É<br />
que o islamismo com o cristianismo são cred<strong>os</strong> imp<strong>os</strong>t<strong>os</strong> a<strong>os</strong> negr<strong>os</strong>,<br />
hoje ainda muito superiores à capacida<strong>de</strong> religi<strong>os</strong>a <strong>de</strong>les, e que,<br />
apesar das transações feitas com <strong>os</strong> fetichism<strong>os</strong>, só se põem manter<br />
com o recurso <strong>de</strong> circunstâncias todas exteriores, especialmente<br />
mediante uma propaganda continua. (RODRIGUES, 1982, p.60).<br />
Nina Rodrigues acredita que abandonad<strong>os</strong> a si mesm<strong>os</strong> <strong>os</strong> negr<strong>os</strong> optam pelo<br />
fetichismo, adaptando a ele o culto católico. Muitas causas concorriam para que o negro<br />
96
Revista Brasileira <strong>de</strong> <strong>História</strong> das Religiões. ANPUH, A<strong>no</strong> III, n. 7, Mai. 2010 - ISSN 1983-2850<br />
http://www.dhi.uem.br/gtreligiao - Artig<strong>os</strong><br />
______________________________________________________________________<br />
preferisse o catolicismo ao “maometismo”: em primeiro lugar, o islamismo era<br />
dificultado pelo <strong>de</strong>saparecimento gradual da proteção isoladora das línguas africanas,<br />
em geral sempre <strong>de</strong>sconhecidas da população crioula. Em segundo lugar, o catolicismo<br />
seria mais passível <strong>de</strong> ser aproximado das mitologias negras pouco <strong>de</strong>senvolvidas,<br />
<strong>de</strong>vido a<strong>os</strong> seus sant<strong>os</strong> e a pompa d<strong>os</strong> seus cult<strong>os</strong> extern<strong>os</strong> e por último, como viviam<br />
em um ambiente católico, <strong>os</strong> negr<strong>os</strong> crioul<strong>os</strong> tendiam a se dizerem católic<strong>os</strong>.<br />
Nina Rodrigues afirma que pelo men<strong>os</strong> um terço d<strong>os</strong> velh<strong>os</strong> african<strong>os</strong><br />
sobreviventes na Bahia eram mulçumis ou malês e mantinham o culto perfeitamente<br />
organizado. Havia uma autorida<strong>de</strong> central, o Imã ou Almámy, e numer<strong>os</strong><strong>os</strong> sacerdotes<br />
que <strong>de</strong>le <strong>de</strong>pendiam. O Imã é chamado entre nós <strong>de</strong> Lima<strong>no</strong>, que é uma corrupção ou<br />
simples modificação <strong>de</strong> pronuncia <strong>de</strong> Almamy ou El Imámy. Os sacerdotes ou<br />
verda<strong>de</strong>ir<strong>os</strong> marabus são chamad<strong>os</strong> na Bahia <strong>de</strong> alufás. Os fiéis, segundo Nina<br />
Rodrigues, seguiam regularmente <strong>os</strong> preceit<strong>os</strong> mulçumis, mas tod<strong>os</strong> <strong>os</strong> ofíci<strong>os</strong> e at<strong>os</strong><br />
religi<strong>os</strong><strong>os</strong> eram praticad<strong>os</strong> sob a maior reserva. Como protesto às violências sofridas<br />
pel<strong>os</strong> malês em 1835, nunca mais a igreja mulçumi baiana <strong>de</strong>u forma pública às suas<br />
festas.<br />
No entanto, Nina Rodrigues afirma sobre <strong>os</strong> negr<strong>os</strong> islâmic<strong>os</strong>, serem tão<br />
fetichistas quanto <strong>os</strong> negr<strong>os</strong> católic<strong>os</strong> ou do culto ioruba<strong>no</strong>: <strong>os</strong> malês da Bahia acham<br />
mei<strong>os</strong> <strong>de</strong> fazer d<strong>os</strong> verset<strong>os</strong> do Alcorão, das águas <strong>de</strong> lavagem, das tábuas <strong>de</strong> escrita, <strong>de</strong><br />
palavras e <strong>de</strong> rezas cabalísticas, etc., outras tantas mandingas, dotadas <strong>de</strong> <strong>no</strong>táveis<br />
virtu<strong>de</strong>s miracul<strong>os</strong>as(RODRIGUES, 1982). Nina Rodrigues p<strong>os</strong>suia gran<strong>de</strong> coleção <strong>de</strong><br />
gris-gris, mandingas ou amulet<strong>os</strong> d<strong>os</strong> negr<strong>os</strong> muçulmis, <strong>os</strong> quais enviou à Paris para<br />
serem traduzid<strong>os</strong>. Tratava-se <strong>de</strong> verset<strong>os</strong> do alcorão ou algumas palavras místicas,<br />
escrit<strong>os</strong> <strong>de</strong> modo simbólico ou mágico.<br />
É p<strong>os</strong>sível <strong>de</strong>tectar n<strong>os</strong> escrit<strong>os</strong> invocações a Maomé e Jesus, em alguns havia a<br />
presença <strong>de</strong> sangue, o que sugere que o do<strong>no</strong> do talismã teve seu pedido atendido,<br />
outr<strong>os</strong> gris-gris ou talismãs eram <strong>de</strong>stinad<strong>os</strong> a proteger o indivíduo que o trazia. Havia<br />
muit<strong>os</strong> vers<strong>os</strong> retirad<strong>os</strong> do Corão, às vezes com ortografia incorreta ou faltando sílabas<br />
nas mesmas palavras. Nina Rodrigues concluiu que o todo <strong>de</strong>ve ser consi<strong>de</strong>rado como<br />
místico, escrito por algum marabu que há <strong>de</strong> ter vendido o seu talismã a algum pobre<br />
diabo ig<strong>no</strong>rante e fanático 12 , e escrito <strong>de</strong> modo que ele não compreenda patavina.<br />
Alguns d<strong>os</strong> versetes que Nina Rodrigues teve acesso são: “Obe<strong>de</strong>ço à or<strong>de</strong>m do senhor<br />
12 É recorrente <strong>no</strong> discurso <strong>de</strong> Nina Rodrigues, caracterizar <strong>os</strong> feiticeir<strong>os</strong> como manipuladores que se<br />
aproveitam da ingenuida<strong>de</strong> das pessoas.<br />
97
Revista Brasileira <strong>de</strong> <strong>História</strong> das Religiões. ANPUH, A<strong>no</strong> III, n. 7, Mai. 2010 - ISSN 1983-2850<br />
http://www.dhi.uem.br/gtreligiao - Artig<strong>os</strong><br />
______________________________________________________________________<br />
misericordi<strong>os</strong>o”, “Ali, Gabriel, Maomé, J<strong>os</strong>é, Ismael, Salomão, Moises, Davi, Jesus”,<br />
“À boa inteligência d<strong>os</strong> Coraixitas”, “Em <strong>no</strong>me <strong>de</strong> Deus clemente e misericordi<strong>os</strong>o”, e<br />
“Deus me basta. Não há outro Deus senão ele.”.<br />
Para Nina Rodrigues, o curi<strong>os</strong>o processo <strong>de</strong> reforçar-se o efeito moral ou<br />
espiritual das orações pelo efeito moral da sua ingestão é um atestado da<br />
imp<strong>os</strong>sibilida<strong>de</strong> em que se acham <strong>os</strong> negr<strong>os</strong> <strong>de</strong> dispensar as práticas fetichistas. Este<br />
processo consiste em se escrever orações em tábuas <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira apropriadas, e <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />
tê-las escrit<strong>os</strong> vinte vezes, na ultima lavar a tabua para que o crente beba esta água tida<br />
por miracul<strong>os</strong>a. Dessa forma, o corpo se fechava a tod<strong>os</strong> <strong>os</strong> malefíci<strong>os</strong> - essa<br />
preocupação eterna do temor da feitiçaria, que domina e subjuga o negro.<br />
Exp<strong>os</strong>ta a visão e <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong> Nina Rodrigues, po<strong>de</strong>m<strong>os</strong> atentar à fala <strong>de</strong> La<br />
Rochefoucauld sobre que nem o sol nem a morte po<strong>de</strong>m ser olhad<strong>os</strong> <strong>de</strong> frente, <strong>de</strong> lá pra<br />
cá, observa Morin (1997), a ciência lançou inúmer<strong>os</strong> estud<strong>os</strong> ao sol, mas permaneceu<br />
intimidada com a morte.<br />
O homem não viu que ao fixar o olhar a morte, estava fixando o olhar em si<br />
mesmo; e não viu que sua atitu<strong>de</strong> primordial não era a morte, mas a sua atitu<strong>de</strong> em face<br />
da morte. É preciso inverter a ótica, bater nas portas do homem antes <strong>de</strong> bater nas portas<br />
da morte. (MORIN, 1997). É em virtu<strong>de</strong> disto, que buscarem<strong>os</strong> nas práticas vividas pelo<br />
homo religi<strong>os</strong>us africa<strong>no</strong>, evi<strong>de</strong>nciar suas representações <strong>de</strong> morte.<br />
Partindo da relação espécie-indivíduo-socieda<strong>de</strong>, po<strong>de</strong>m<strong>os</strong> dizer que a espécie se<br />
auto-protege ao fazer morrer naturalmente seus indivídu<strong>os</strong>, ela salvaguarda seu próprio<br />
rejuvenescimento e também se protege da morte perigo ou agressão, graças a todo um<br />
sistema <strong>de</strong> instinto <strong>de</strong> proteção. No interior da espécie reina um tabu <strong>de</strong> proteção “<strong>os</strong><br />
lob<strong>os</strong> não se <strong>de</strong>voram”. Na medida em que a morte significa uma perda <strong>de</strong><br />
individualida<strong>de</strong>, uma cegueira animal à morte, é uma cegueira à individualida<strong>de</strong>.<br />
(MORIN, 1997).<br />
É a individualida<strong>de</strong> humana que se m<strong>os</strong>tra lúcida diante <strong>de</strong> sua morte; tentando<br />
negá-la elabora o mito da imortalida<strong>de</strong>. A consciência da morte não é algo inato e sim o<br />
produto <strong>de</strong> uma consciência que capta o real. A morte humana é um conhecimento do<br />
indivíduo. (MORIN, 1997).<br />
Justamente por seu conhecimento da morte ser exterior e não inato que o homem<br />
é sempre surpreendido pela morte. Freud explica que sempre insistim<strong>os</strong> <strong>no</strong> caráter<br />
oci<strong>de</strong>ntal da morte. Mais importante que isto é o assombro sempre <strong>no</strong>vo provocado pela<br />
consciência da inelutabilida<strong>de</strong> da morte. A afirmação do indivíduo em relação à morte<br />
98
Revista Brasileira <strong>de</strong> <strong>História</strong> das Religiões. ANPUH, A<strong>no</strong> III, n. 7, Mai. 2010 - ISSN 1983-2850<br />
http://www.dhi.uem.br/gtreligiao - Artig<strong>os</strong><br />
______________________________________________________________________<br />
comanda a consciência e a recusa da morte. “O homem é o único ser a sentir horror na<br />
hora da morte; seja ao mesmo tempo o único ser a matar seus semelhantes, o único ser a<br />
buscar a morte” (MORIN, 1997, p.76).<br />
A presença traumática da morte só po<strong>de</strong> ser anulada quando o grupo social se<br />
afirma sobre o indivíduo. É exatamente isto que justifica a exp<strong>os</strong>ição do africa<strong>no</strong> ao<br />
perigo da morte e a p<strong>os</strong>sibilida<strong>de</strong> e causar a morte. Morin (1997) explica que o herói da<br />
guerra é o morto ou o assassi<strong>no</strong>. A representação <strong>de</strong> morte enquanto não natural,<br />
característica do indivíduo, é dissolvida pelo estado <strong>de</strong> guerra que homogeneíza <strong>os</strong><br />
indivídu<strong>os</strong> em tor<strong>no</strong> <strong>de</strong> interesses comuns e superiores, interesses coletiv<strong>os</strong>. No caso<br />
abordado, po<strong>de</strong> ser a tirania do senhor <strong>de</strong> escrav<strong>os</strong>, ou a relutância <strong>de</strong>ste em ce<strong>de</strong>r a<br />
liberda<strong>de</strong> mesmo a<strong>os</strong> que se propõe a pagar por ela, ou mesmo a intolerância religi<strong>os</strong>a e<br />
as dificulda<strong>de</strong>s para manifestações <strong>de</strong> culto. A guerra provoca uma mutação geral da<br />
consciência <strong>de</strong> morte. É pensando as sublevações <strong>de</strong>scritas por Nina Rodrigues, <strong>de</strong>ntro<br />
d<strong>os</strong> parâmetr<strong>os</strong> morinian<strong>os</strong> sobre a guerra que po<strong>de</strong>m<strong>os</strong> enten<strong>de</strong>r cert<strong>os</strong><br />
p<strong>os</strong>icionament<strong>os</strong> e atitu<strong>de</strong>s d<strong>os</strong> african<strong>os</strong>.<br />
O que leva <strong>os</strong> homens a buscarem perigo, heroísmo, exaltação e guerra, é a<br />
necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> esquecer a morte com a morte. Mas apesar d<strong>os</strong> espírit<strong>os</strong> embrutecid<strong>os</strong>, o<br />
medo da morte não <strong>de</strong>saparece (MORIN, 1997). Exemplo disso é a tentativa africana <strong>de</strong><br />
burlar a morte, através <strong>de</strong> mágicas e encantament<strong>os</strong>.<br />
Ao lidar com document<strong>os</strong> da Inquisição <strong>de</strong> Lisboa do século XVIII, Selma<br />
Pantoja (2006), se <strong>de</strong>parou com uma <strong>de</strong>núncia contra Vicente <strong>de</strong> Morais, um negro<br />
forro, soldado e natural da fortaleza <strong>de</strong> Muxima. Durante uma rebelião, testemunhas<br />
afirmaram que Vicente <strong>de</strong> Moraes carregava um santinho que havia retirado do altar da<br />
Igreja <strong>de</strong> Muxima. Acusado <strong>de</strong> praticar mandinga, ser mandingueiro, o réu produzia<br />
bolsas <strong>de</strong> orações, chamadas bolsas <strong>de</strong> mandingas, <strong>no</strong>meada às vezes <strong>de</strong> paulista,<br />
salamanca ou Cabo Ver<strong>de</strong>.<br />
A <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> Vicente informa que ele recebeu uma bolsa <strong>de</strong> chita cozida<br />
quando estava na fortaleza <strong>de</strong> Massanga<strong>no</strong> para se proteger d<strong>os</strong> perig<strong>os</strong> e nunca a tirava<br />
do corpo; nas brigas com <strong>os</strong> militares branc<strong>os</strong>, ele recebeu vári<strong>os</strong> golpes, mas não se<br />
feriu – o que ele atribuiu a<strong>os</strong> po<strong>de</strong>res da bolsa. Dentro da bolsa havia orações e uma<br />
pequena pedra <strong>de</strong> altar (PANTOJA, 2006). Isso <strong>de</strong><strong>no</strong>ta que a pratica <strong>de</strong> carregar<br />
mandingas era recorrente na África, como alertava Nina Rodrigues. Pantoja (2006),<br />
explica que, a prática <strong>de</strong> carregar objet<strong>os</strong> com po<strong>de</strong>res <strong>de</strong> proteção, <strong>de</strong> “fechar o corpo”<br />
99
Revista Brasileira <strong>de</strong> <strong>História</strong> das Religiões. ANPUH, A<strong>no</strong> III, n. 7, Mai. 2010 - ISSN 1983-2850<br />
http://www.dhi.uem.br/gtreligiao - Artig<strong>os</strong><br />
______________________________________________________________________<br />
era difundida em todas as regiões <strong>de</strong> Angola. Essas bolsas eram constituídas <strong>de</strong><br />
element<strong>os</strong> roubad<strong>os</strong> da religião católica, sejam sant<strong>os</strong>, orações, pedras <strong>de</strong> altar, etc.<br />
Mary Del Priori (2006) expressa que o africa<strong>no</strong> minimiza a existência a morte,<br />
faz <strong>de</strong>la um imaginário que interrompe provisoriamente a existência da singularida<strong>de</strong> do<br />
ser; ele a transforma em aci<strong>de</strong>nte que só atinge provisoriamente a existência individual,<br />
poupando a espécie social. Tanto n<strong>os</strong> cas<strong>os</strong> <strong>de</strong>scrit<strong>os</strong> por Nina Rodrigues, como na fala<br />
<strong>de</strong> Pantoja, o <strong>de</strong>tentor da mandinga está associado a um guerreiro, a alguém que se<br />
expõe às lutas corporais constantemente, que corre perig<strong>os</strong>.<br />
Um africa<strong>no</strong> conseguia galgar nas tropas lusas como pertencente ao<br />
batalhão d<strong>os</strong> „guerras pretas‟ – cuja maioria eram forças africanas<br />
„aliadas‟ obrigadas a guerrear ao lado das tropas lusas. Assim,<br />
Vicente era um mbundu, um forro, um soldado do batalhão d<strong>os</strong><br />
„guerras pretas‟, ai seu confronto constante com militares branc<strong>os</strong>,<br />
d<strong>os</strong> quais seu „corpo fechado‟ o protegia – ele <strong>de</strong>screve sempre como<br />
„as estocadas com branc<strong>os</strong>‟. Os „guerras pretas‟ eram tratad<strong>os</strong> como<br />
escrav<strong>os</strong> – seus soberan<strong>os</strong> eram consi<strong>de</strong>rad<strong>os</strong> vassal<strong>os</strong> do rei<br />
português – e não recebiam sold<strong>os</strong> nem roupas como uniformes.<br />
(PANTOJA, 2006, p.26).<br />
Mais vale arriscar a própria vida do que viver mal (MORIN, 1997); essa<br />
percepção po<strong>de</strong> sem dan<strong>os</strong>, perpassar a atitu<strong>de</strong> africana diante da vida e do risco <strong>de</strong><br />
morte. Morin (1997) explica que o assassinato que parece contradizer o horror da morte<br />
é tão universal quanto este horror. É um dado huma<strong>no</strong> porque o homem é o único<br />
animal a matar seu semelhante sem necessida<strong>de</strong> vital. É um dado huma<strong>no</strong> universal<br />
porque se manifesta <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a pré-história e se penetra durante a história como lei<br />
(castigo), encorajado pela lei (guerra) ou inimigo da lei (crime).<br />
A face negativa do assassinato n<strong>os</strong> revela um encarniçamento, ou um ódio, ou<br />
um sadismo, ou <strong>de</strong>sprezo, ou volúpia <strong>de</strong> matar que nada foi capaz <strong>de</strong> reter. A face<br />
p<strong>os</strong>itiva é a volúpia, o <strong>de</strong>sprezo, o sadismo, o encarniçamento, o ódio que traduzem uma<br />
liberação anárquica das pulsões da individualida<strong>de</strong>, em <strong>de</strong>trimento d<strong>os</strong> interesses da<br />
espécie. Um processo fundamental da afirmação da individualida<strong>de</strong> se manifesta através<br />
do “<strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> matar” as individualida<strong>de</strong>s que entram em conflito com a sua. (MORIN,<br />
1997).<br />
Mas para matar é preciso correr o risco <strong>de</strong> morte. O risco <strong>de</strong> morte não é apenas<br />
social, diz respeito também a<strong>os</strong> n<strong>os</strong>s<strong>os</strong> valores, <strong>os</strong> quais valem mais do que nós mesm<strong>os</strong><br />
e compensam o risco <strong>de</strong> morte. A inadaptação a escravidão ou a forma em que a relação<br />
senhor/escravo se estrutura torna-se <strong>no</strong>rteador das atitu<strong>de</strong>s impensadas em face do risco<br />
100
Revista Brasileira <strong>de</strong> <strong>História</strong> das Religiões. ANPUH, A<strong>no</strong> III, n. 7, Mai. 2010 - ISSN 1983-2850<br />
http://www.dhi.uem.br/gtreligiao - Artig<strong>os</strong><br />
______________________________________________________________________<br />
<strong>de</strong> morte. Porém, não se ia à batalha convencido <strong>de</strong> que iria morrer, havia todo um<br />
aparato mágico - i<strong>de</strong>ntificado por Nina Rodrigues como características fetichistas – que<br />
afastava a morte. (MORIN, 1997).<br />
Nesse sentido, a religião ganharia uma força explicativa quase cega na<br />
interpretação que o padre Etienne Brazil fez da revolta <strong>de</strong> 1835. No entanto, Brazil<br />
abandonaria qualquer esforço por um julgamento equilibrado d<strong>os</strong> fat<strong>os</strong>. Ele consi<strong>de</strong>rava<br />
o Islã, a religião mais infame brotada do cérebro huma<strong>no</strong>, e a revolta é <strong>de</strong>scrita como<br />
um “diabólico pla<strong>no</strong> <strong>de</strong> carnificina” <strong>de</strong>rivado da religião. Brazil via a revolta como uma<br />
guerra santa para exterminar <strong>os</strong> impur<strong>os</strong>. Era uma revolta anticristã. (Apud. REIS,<br />
1988). Reis (1988) explica que o extremado ressentimento que permeia a obra <strong>de</strong> Brazil<br />
<strong>de</strong>ve-se em fato à sua trajetória. Como armênio e i<strong>de</strong>ólogo do cristianismo ele execrava<br />
duplamente <strong>os</strong> mulçuman<strong>os</strong>, <strong>de</strong>vido a<strong>os</strong> massacres por eles perpetrad<strong>os</strong> contra <strong>os</strong><br />
cristã<strong>os</strong> <strong>de</strong> seu país.<br />
Ao contrário <strong>de</strong> Etienne Brazil, Nina Rodrigues, que escreve anteriormente,<br />
consi<strong>de</strong>rava o Islã uma forma superior <strong>de</strong> religi<strong>os</strong>ida<strong>de</strong> e por isso apenas parcialmente<br />
acessível à inferior inteligência d<strong>os</strong> african<strong>os</strong>. Apenas o islã sincrético e <strong>de</strong>sfigurado<br />
pelo fetichismo, estaria ao alcance <strong>de</strong>les, embora não <strong>de</strong> tod<strong>os</strong>. Os african<strong>os</strong> sudaneses<br />
tid<strong>os</strong> como superiores se adaptavam mais facilmente ao Islã. (REIS, 1988).<br />
Embora Nina Rodrigues consi<strong>de</strong>re <strong>os</strong> african<strong>os</strong> <strong>de</strong>spreparad<strong>os</strong> para o Islamismo,<br />
ele utilizou, embora timidamente um elemento islâmico para explicar as revoltas<br />
baianas: a jihad, <strong>de</strong>scrita em sua obra como guerra santa contra <strong>os</strong> infiéis e pagã<strong>os</strong>. Mas<br />
Nina não propõe que as revoltas f<strong>os</strong>sem uma simples repetição das guerras santas<br />
africanas, <strong>no</strong> máximo um “pálido esboço”. (REIS, 1988). O termo maometan<strong>os</strong><br />
utilizado por Nina Rodrigues também acaba por assumir um tom pejorativo, uma vez<br />
que busca instaurar estrutura fechada <strong>de</strong> percepção: se o cristão é o que crê em cristo;<br />
aquele que crê em Maomé, é simplesmente o maometa<strong>no</strong>.<br />
Segundo Reis (1988), o <strong>de</strong>senraizamento africa<strong>no</strong> cativo e sujeito à escravidão<br />
aparecem como dad<strong>os</strong> secundári<strong>os</strong> na tese <strong>de</strong> Nina Rodrigues. Ele não aprofunda sua<br />
idéia <strong>de</strong> que a religião islâmica teria representado para o africa<strong>no</strong> escravizado um<br />
mecanismo <strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong> coletiva e <strong>de</strong> resistência a<strong>os</strong> maus trat<strong>os</strong>. Nina Rodrigues<br />
também <strong>de</strong>spreza o papel da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> étnica nas rebeliões baianas. Não percebe que,<br />
<strong>de</strong> acordo com Reis (1988), <strong>de</strong>ntre as <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> revoltas do período, muitas po<strong>de</strong>m ter<br />
resultado diretamente <strong>de</strong> condições <strong>de</strong> vida e trabalh<strong>os</strong> inaceitáveis para <strong>os</strong> escrav<strong>os</strong>.<br />
101
Revista Brasileira <strong>de</strong> <strong>História</strong> das Religiões. ANPUH, A<strong>no</strong> III, n. 7, Mai. 2010 - ISSN 1983-2850<br />
http://www.dhi.uem.br/gtreligiao - Artig<strong>os</strong><br />
______________________________________________________________________<br />
Nesse ponto, discordam<strong>os</strong> <strong>de</strong> Reis que exige <strong>de</strong> um autor do século uma p<strong>os</strong>tura<br />
contrária à sua forma <strong>de</strong> análise. Nina Rodrigues não crê que o negro africa<strong>no</strong> lute pelo<br />
fim da escravidão, ao contrário, ele a vê como uma prática instituída pelo próprio<br />
africa<strong>no</strong>. Na introdução <strong>de</strong> “Os african<strong>os</strong> <strong>no</strong> Brasil”, Nina Rodrigues afirma que com o<br />
fim da escravidão, uma questão <strong>de</strong> honra e pudor nacional foi revestida <strong>de</strong> <strong>no</strong>bres<br />
sentiment<strong>os</strong> humanitári<strong>os</strong>: emprestou-se a organização psíquica d<strong>os</strong> branc<strong>os</strong> a<strong>os</strong> negr<strong>os</strong>,<br />
tornando-o agora vitima <strong>de</strong> injustiça social.<br />
No entanto o autor <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> que à esse exagero, a <strong>História</strong> m<strong>os</strong>tra a escravidão<br />
como um estágio fatal da civilização d<strong>os</strong> pov<strong>os</strong>. Exemplo disto é a África, on<strong>de</strong> a<br />
intervenção d<strong>os</strong> pov<strong>os</strong> europeus não conseguiu sequer diminuir a escravidão, pois <strong>os</strong><br />
negr<strong>os</strong> e mestiç<strong>os</strong> livres ou escravizad<strong>os</strong> continuaram a adquirir e a p<strong>os</strong>suir escrav<strong>os</strong>. O<br />
sentimento <strong>de</strong> simpatia e pieda<strong>de</strong> atribuiu ao negro qualida<strong>de</strong>s que ele não tinha e não<br />
po<strong>de</strong>ria ter. A exaltação sentimental não dava tempo para raciocinar: neste meio tempo<br />
operava-se <strong>no</strong> Brasil, a extinção da escravidão.(RODRIGUES, 1982).<br />
Retornando a n<strong>os</strong>sa idéia principal, n<strong>os</strong>sa constatação é <strong>de</strong> que, por <strong>de</strong>ter o perfil<br />
<strong>de</strong> homo religi<strong>os</strong>us, a religi<strong>os</strong>ida<strong>de</strong> estrutura-se enquanto um horizonte p<strong>os</strong>sível e<br />
direcionador na representação coletiva que <strong>os</strong> negr<strong>os</strong> p<strong>os</strong>suíam. Porém, não seria<br />
correto dizer que <strong>os</strong> negr<strong>os</strong> se entregam à p<strong>os</strong>sibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> morte durante as tentativas<br />
<strong>de</strong> rebelião, mas ao contrário, entregam-se a um heroísmo <strong>de</strong>smedido em função d<strong>os</strong><br />
aparat<strong>os</strong> mágic<strong>os</strong> que carregam consigo. Essa visão que para n<strong>os</strong> se constitui enquanto<br />
um universo representativo das crenças africana, para Nina Rodrigues, constitui-se<br />
enquanto um universo co<strong>no</strong>tativo do fetichismo negro.<br />
Enten<strong>de</strong>m<strong>os</strong> que a preocupação <strong>de</strong> Nina Rodrigues (1982) ao tratar do que ele<br />
chama <strong>de</strong> “maometismo” entre <strong>os</strong> african<strong>os</strong> é estabelecer até que ponto <strong>os</strong> negr<strong>os</strong> seriam<br />
capazes <strong>de</strong> seguir uma religião mo<strong>no</strong>teísta, o autor enten<strong>de</strong> o “islamismo negro” como<br />
uma religião sincrética 13 , que conta a presença “fetichista”. Para Nina Rodrigues isto<br />
<strong>de</strong>monstraria, mais uma dificulda<strong>de</strong> por parte d<strong>os</strong> negr<strong>os</strong> em ascen<strong>de</strong>rem na hierarquia<br />
social, <strong>no</strong> quesito intelecto religi<strong>os</strong>o. Embora, Rodrigues (1982) manifeste certa<br />
admiração em relação ao que consi<strong>de</strong>ra como um “maometismo puro” o autor não<br />
<strong>de</strong>fine que p<strong>os</strong>ição ele ocuparia na escala da evolução religi<strong>os</strong>a.<br />
13 Sobre a <strong>no</strong>ção <strong>de</strong> sincretismo em Nina Rodrigues, ver SERAFIM, ibid, p. 135-142.<br />
.<br />
102
Revista Brasileira <strong>de</strong> <strong>História</strong> das Religiões. ANPUH, A<strong>no</strong> III, n. 7, Mai. 2010 - ISSN 1983-2850<br />
http://www.dhi.uem.br/gtreligiao - Artig<strong>os</strong><br />
______________________________________________________________________<br />
Outra categoria importante para Nina Rodrigues pensar as religiões africanas em<br />
“Os African<strong>os</strong> <strong>no</strong> Brasil” é o termo “totemismo”. É somente <strong>no</strong> final do século XVIII<br />
que a palavra “totem” aparece na literatura et<strong>no</strong>gráfica, inicialmente, <strong>no</strong> livro <strong>de</strong> um<br />
intérprete d<strong>os</strong> índi<strong>os</strong>, J. Long, publicado em Londres em 1791. Durante cerca <strong>de</strong> meio<br />
século, o totemismo foi conhecido como uma instituição exclusivamente americana.<br />
Somente em 1841 Grey, num texto que ficou célebre assinalou a existência <strong>de</strong> práticas<br />
inteiramente similares na Austrália. (DURKHEIM, 1996).<br />
Des<strong>de</strong> então, suspeitou-se tratar <strong>de</strong> um sistema <strong>de</strong> uma certa generalida<strong>de</strong>. Mas<br />
não se via muito mais do que uma instituição essencialmente arcaica, uma curi<strong>os</strong>ida<strong>de</strong><br />
et<strong>no</strong>gráfica sem gran<strong>de</strong> interesse para o historiador. Mac Lennan foi o primeiro a tentar<br />
vincular o totemismo à história geral da humanida<strong>de</strong>, procurando m<strong>os</strong>trar não apenas<br />
que o totemismo era uma religião, mas que <strong>de</strong>ssa religião <strong>de</strong>rivou uma gran<strong>de</strong><br />
quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> crenças e <strong>de</strong> práticas que se encontram em sistemas religi<strong>os</strong><strong>os</strong> bem mais<br />
avançad<strong>os</strong>. Chegou a fazer <strong>de</strong>le, inclusive, a origem <strong>de</strong> tod<strong>os</strong> <strong>os</strong> cult<strong>os</strong> zoolátric<strong>os</strong> e<br />
fitolátric<strong>os</strong> que po<strong>de</strong>m ser observad<strong>os</strong> n<strong>os</strong> pov<strong>os</strong> antig<strong>os</strong>. (DURKHEIM, 1996).<br />
Por outro lado, <strong>os</strong> americanistas tinham <strong>no</strong>tado há muito tempo que o totemismo<br />
era solidário <strong>de</strong> uma organização social <strong>de</strong>terminada: a que tem por base a divisão da<br />
socieda<strong>de</strong> em clãs. Em 1877, Lewis H. Morgan <strong>de</strong>cidiu estudar essa organização,<br />
<strong>de</strong>terminar suas características distintivas e, ao mesmo tempo, m<strong>os</strong>trar sua generalida<strong>de</strong><br />
nas trib<strong>os</strong> indígenas da América setentrional e central. Quase <strong>no</strong> mesmo momento e,<br />
aliás, por sugestão direta <strong>de</strong> Morgan, Fison e Howitt constatavam a existência do<br />
mesmo sistema social na Austrália, bem como suas relações com o totemismo.<br />
(DURKHEIM, 1996).<br />
Em 1887, <strong>os</strong> document<strong>os</strong> eram numer<strong>os</strong><strong>os</strong> e significativ<strong>os</strong> para que Frazer<br />
julgasse oportu<strong>no</strong> reuni-l<strong>os</strong> e apresentá-l<strong>os</strong> num quadro sistemático. Este é o objeto <strong>de</strong><br />
seu livro “Totemism”, on<strong>de</strong> este é estudado ao mesmo tempo como religião e como<br />
instituição jurídica. (DURKHEIM, 1996).<br />
Robertson Smith foi o primeiro a empreen<strong>de</strong>r um trabalho <strong>de</strong> elaboração. Para<br />
além da manifestação das crenças totêmicas, buscou atingir <strong>os</strong> princípi<strong>os</strong> profund<strong>os</strong> d<strong>os</strong><br />
quais elas <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m. Em seu livro sobre “O parentesco e o casamento na Arábia<br />
primitiva” ele havia m<strong>os</strong>trado que o totemismo supõe uma consubstancialida<strong>de</strong>, natural<br />
ou adquirida, do homem e do animal (ou da planta). Nessas mesmas concepções que se<br />
inspira o Gol<strong>de</strong>n Bough [O Ramo <strong>de</strong> Ouro] <strong>de</strong> Frazer, em que o totemismo que Mac<br />
Lennan vinculara às religiões da Antiguida<strong>de</strong> clássica, e Smith às das socieda<strong>de</strong>s<br />
103
Revista Brasileira <strong>de</strong> <strong>História</strong> das Religiões. ANPUH, A<strong>no</strong> III, n. 7, Mai. 2010 - ISSN 1983-2850<br />
http://www.dhi.uem.br/gtreligiao - Artig<strong>os</strong><br />
______________________________________________________________________<br />
semíticas, é associado ao folclore europeu. A escola <strong>de</strong> Mac Lennan e a <strong>de</strong> Morgan<br />
vinham juntar-se, assim, à <strong>de</strong> Mannhardt. (DURKHEIM, 1996).<br />
P<strong>os</strong>teriormente a essas análises seguiriam as <strong>de</strong> Baldwin Spencer e F.-J. Gillen<br />
<strong>de</strong>scobriram, em parte, <strong>no</strong> interior do continente australia<strong>no</strong>, um número consi<strong>de</strong>rável<br />
<strong>de</strong> trib<strong>os</strong> nas quais viram ser praticado um sistema religi<strong>os</strong>o cuja base e unida<strong>de</strong> são<br />
formadas pelas crenças totêmicas. Os resultad<strong>os</strong> <strong>de</strong>ssa investigação foram consignad<strong>os</strong><br />
em duas obras que re<strong>no</strong>varam o estudo do totemismo “Native Tribes of Central<br />
Austrália” e “Northern Tribes of CentralAustralia”. (DURKHEIM, 1996).<br />
Contemporâneo a alguns <strong>de</strong>stes autores e leitor <strong>de</strong> outr<strong>os</strong>, a prop<strong>os</strong>ta <strong>de</strong> Nina<br />
Rodrigues (1982) é encontrar sobrevivências totêmicas nas festas populares e <strong>no</strong><br />
folclore. Isto porque o autor enten<strong>de</strong> que a introdução do negro <strong>no</strong> Brasil suprimiu sua<br />
disp<strong>os</strong>ição mental ao totemismo, restando-n<strong>os</strong> saber, quais formas ou equivalentes<br />
psíquic<strong>os</strong> que manifestam a situação mental d<strong>os</strong> negr<strong>os</strong> da qual proce<strong>de</strong> ao totemismo.<br />
No entanto, Rodrigues (1982) alerta que não se po<strong>de</strong> encontrar nestas sobrevivências a<br />
verda<strong>de</strong>ira instituição totêmica, mas apenas manifestações equivalentes do mesmo<br />
estado mental.<br />
Nina Rodrigues (1982) discute o totemismo a partir <strong>de</strong> Andrew Lang. O autor<br />
explica que se pensad<strong>os</strong> a partir do padrão oferecido por Lang, não seria lícito<br />
consi<strong>de</strong>rar tod<strong>os</strong> <strong>os</strong> pov<strong>os</strong> negr<strong>os</strong> como selvagens. No entanto a forma como Lang<br />
caracteriza o estado selvagem se revela, sobretudo nas manifestações religi<strong>os</strong>as <strong>de</strong> toda<br />
a “raça”, e n<strong>os</strong> us<strong>os</strong>, práticas e c<strong>os</strong>tumes das suas socieda<strong>de</strong>s (RODRIGUES, 1982), ou<br />
seja, embora Lang consi<strong>de</strong>re que nem tod<strong>os</strong> <strong>os</strong> pov<strong>os</strong> sejam selvagens, Rodrigues<br />
(1982) enten<strong>de</strong> que isto não vale para <strong>os</strong> negr<strong>os</strong>.<br />
Para Rodrigues (1982) <strong>no</strong> fundo das mitologias negras mais complexas e<br />
elevadas, na essência <strong>de</strong> sua conversão ao islamismo como ao cristianismo, tanto quanto<br />
na constituição da or<strong>de</strong>m social d<strong>os</strong> seus Estad<strong>os</strong> subsiste mais ou men<strong>os</strong> alterada a<br />
tendência instintiva da raça a satisfazer dois requisit<strong>os</strong> do estado selvagem, admitid<strong>os</strong><br />
por Lang:<br />
1. Em psicologia, o selvagem é um homem que, esten<strong>de</strong>ndo<br />
inconscientemente a todo o Universo a consciência obscura que tem da<br />
própria personalida<strong>de</strong>, consi<strong>de</strong>ra tod<strong>os</strong> <strong>os</strong> objet<strong>os</strong> naturais como seres<br />
inteligentes e animad<strong>os</strong>; que sem tirar uma linha <strong>de</strong> <strong>de</strong>marcação bem<br />
nítida entre eles e todas as coisas que existem nesse mundo, facilmente se<br />
convence que <strong>os</strong> homens po<strong>de</strong>m ser transformad<strong>os</strong> em plantas, ou<br />
104
Revista Brasileira <strong>de</strong> <strong>História</strong> das Religiões. ANPUH, A<strong>no</strong> III, n. 7, Mai. 2010 - ISSN 1983-2850<br />
http://www.dhi.uem.br/gtreligiao - Artig<strong>os</strong><br />
______________________________________________________________________<br />
animais ou em estrelas, que <strong>os</strong> vent<strong>os</strong> e as nuvens, o sol e a aurora são<br />
pessoas dotadas das paixões, e qualida<strong>de</strong>s humanas e, sobretudo que <strong>os</strong><br />
animais po<strong>de</strong>m ser criaturas mais po<strong>de</strong>r<strong>os</strong>as do que eles própri<strong>os</strong> e, em<br />
certo sentido, divinas e criadoras.<br />
2. No ponto <strong>de</strong> vista social, é um homem que faz repousar suas leis sobre as<br />
regras bem <strong>de</strong>finidas do totemismo, isto é, do parentesco do homem com<br />
<strong>os</strong> objet<strong>os</strong> naturais, e que se apóia sobre o caráter sagrado <strong>de</strong>sses objet<strong>os</strong><br />
para motivar as interdições em matéria <strong>de</strong> casamento e as vinganças<br />
obrigatórias (blood-feuds), que faz da habilida<strong>de</strong> na magia um título a<br />
uma p<strong>os</strong>ição elevada.<br />
Nina Rodrigues buscará <strong>de</strong>monstrar a persistência do estado mental d<strong>os</strong><br />
selvagens nas concepções fundamentais das mitologias negras, pelo mesmo raciocínio<br />
que o levou a <strong>de</strong>scobrir a persistência do fetichismo africa<strong>no</strong> nas exteriorida<strong>de</strong>s da<br />
conversão católica d<strong>os</strong> escrav<strong>os</strong>, “<strong>de</strong>ve conduzir-n<strong>os</strong> agora a investigar sob que formas<br />
ou equivalentes psíquic<strong>os</strong> se manifesta aqui a situação mental d<strong>os</strong> negr<strong>os</strong>, da qual<br />
proce<strong>de</strong> o totemismo” (RODRIGUES, 1982, 173).<br />
Nina Rodrigues alerta que seria revelar ig<strong>no</strong>rância das condições sociais em que<br />
se constitui o regime totêmico, se pretendêssem<strong>os</strong> encontrá-lo organizado entre <strong>os</strong><br />
n<strong>os</strong>s<strong>os</strong> negr<strong>os</strong>.<br />
O totemismo é, antes <strong>de</strong> tudo, n<strong>os</strong> pov<strong>os</strong> selvagens, uma relação <strong>de</strong><br />
parentesco sobre que <strong>de</strong>scansa a organização da sua vida civil. Supõe<br />
necessariamente plena liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> direção e gover<strong>no</strong>. Subordinad<strong>os</strong><br />
a govern<strong>os</strong> constituíd<strong>os</strong> como se acharam sempre <strong>os</strong> negr<strong>os</strong> <strong>no</strong> Brasil,<br />
regid<strong>os</strong> por leis e c<strong>os</strong>tumes que lhe foram imp<strong>os</strong>t<strong>os</strong>, era material pra<br />
eles a imp<strong>os</strong>sibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se disporem em trib<strong>os</strong> ou classes<br />
organizadas sob o regime d<strong>os</strong> totens. (RODRIGUES, 1982, p.173).<br />
Mas por isso, não se <strong>de</strong>ve concluir que a organização social em totens não<br />
subsista e p<strong>os</strong>sa se manifestar sob outras formas. O que confirma isto, são <strong>os</strong><br />
<strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes d<strong>os</strong> bonis, pret<strong>os</strong> fugid<strong>os</strong> que se tornaram in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes na Guiana, e uma<br />
vez livres, adotaram a constituição em classes totêmicas.<br />
Nina Rodrigues afirma que <strong>os</strong> negr<strong>os</strong> importad<strong>os</strong> para o Brasil eram tod<strong>os</strong> pov<strong>os</strong><br />
totêmic<strong>os</strong>, e a simples introdução neste país, que não modificou essencialmente a crença<br />
d<strong>os</strong> negr<strong>os</strong>, não teria suprimido neles a disp<strong>os</strong>ição mental ao totemismo. “Resta apenas<br />
buscar sob que formas e aspect<strong>os</strong> ela se disfarça e se revela na n<strong>os</strong>sa vida<br />
105
Revista Brasileira <strong>de</strong> <strong>História</strong> das Religiões. ANPUH, A<strong>no</strong> III, n. 7, Mai. 2010 - ISSN 1983-2850<br />
http://www.dhi.uem.br/gtreligiao - Artig<strong>os</strong><br />
______________________________________________________________________<br />
ordinária”.(RODRIGUES, 1982, p.174). Nina Rodrigues acredita que tais aspect<strong>os</strong><br />
po<strong>de</strong>m ser encontrad<strong>os</strong> em element<strong>os</strong> sobreviventes em n<strong>os</strong>sas festas populares.<br />
Atentando especificamente a Andrew Lang, embora este autor tenha combatido<br />
vivamente a teoria <strong>de</strong> Frazer <strong>de</strong> um totemismo local, ele faz o totemismo consistir<br />
inteiramente na crença numa espécie <strong>de</strong> consubstancialida<strong>de</strong> do homem e do animal.<br />
Mas explica-a <strong>de</strong> outro modo. Deriva-a inteiramente do fato <strong>de</strong> o totem ser um <strong>no</strong>me.<br />
(DURKHEIM, 1996).<br />
Tão logo houve grup<strong>os</strong> human<strong>os</strong> constituíd<strong>os</strong> cada um <strong>de</strong>les teria<br />
sentido a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> distinguir uns d<strong>os</strong> outr<strong>os</strong> <strong>os</strong> grup<strong>os</strong> vizinh<strong>os</strong><br />
com <strong>os</strong> quais se relacionava e, com essa finalida<strong>de</strong>, lhes teria dado<br />
<strong>no</strong>mes diferentes. Esses <strong>no</strong>mes foram tomad<strong>os</strong> preferencialmente da<br />
fauna e da flora circundantes, porque animais e plantas po<strong>de</strong>m ser<br />
facilmente <strong>de</strong>signad<strong>os</strong> por meio <strong>de</strong> gest<strong>os</strong> ou representad<strong>os</strong> por<br />
<strong>de</strong>senh<strong>os</strong> As semelhanças mais ou men<strong>os</strong> precisas que <strong>os</strong> homens<br />
podiam ter com este ou aquele animal ou planta <strong>de</strong>terminaram a<br />
forma como essas <strong>de</strong><strong>no</strong>minações coletivas foram distribuídas entre <strong>os</strong><br />
grup<strong>os</strong>. (DURKHEIM, 1996, p. 184).<br />
Segundo Durkheim (1996), Lang entendia que, “para espírit<strong>os</strong> primitiv<strong>os</strong>, <strong>os</strong><br />
<strong>no</strong>mes e as coisas <strong>de</strong>signadas por esses <strong>no</strong>mes estão unid<strong>os</strong> por uma relação mística e<br />
transcen<strong>de</strong>ntal”. Assim, quando se tratava <strong>de</strong> um <strong>no</strong>me <strong>de</strong> animal, o homem que o tinha<br />
<strong>de</strong> via necessariamente crer que ele próprio p<strong>os</strong>suía <strong>os</strong> atribut<strong>os</strong> mais característic<strong>os</strong><br />
<strong>de</strong>sse animal. Essa crença teria se propagado mais facilmente a medida que se tornavam<br />
remotas e se apagavam das memórias as origens históricas <strong>de</strong> tais <strong>de</strong><strong>no</strong>minações. Mit<strong>os</strong><br />
se formaram para representar melhor a<strong>os</strong> espírit<strong>os</strong> essa estranha ambigüida<strong>de</strong> da<br />
natureza humana. Para explicá-la, imagi<strong>no</strong>u-se que o animal era o antepassado do<br />
homem ou que amb<strong>os</strong> <strong>de</strong>scendiam <strong>de</strong> um ancestral comum. Assim teriam sido<br />
concebid<strong>os</strong> <strong>os</strong> laç<strong>os</strong> <strong>de</strong> parentesco que uniriam cada clã à espécie <strong>de</strong> coisa cujo <strong>no</strong>me é<br />
o seu. (DURKHEIM, 1996).<br />
Quanto à indagação “<strong>de</strong> on<strong>de</strong> vem, então, o caráter religi<strong>os</strong>o das crenças e das<br />
práticas totêmicas?”, Lang dá a mesma resp<strong>os</strong>ta que Frazer: ele nega que o totemismo<br />
seja uma religião.<br />
Não encontro na Austrália, diz ele, nenhum exemplo <strong>de</strong> práticas<br />
religi<strong>os</strong>as tais como as que consistem em rezar, nutrir ou sepultar o<br />
totem. Apenas numa época p<strong>os</strong>terior, e quando já estava constituído,<br />
é que o totemismo teria si do como que atraído e envolvido por um<br />
sistema <strong>de</strong> concepções propriamente religi<strong>os</strong>as. Segundo uma<br />
observação <strong>de</strong> Howitt quando <strong>os</strong> indígenas procuram explicar as<br />
instituições totêmicas, eles não as atribuem nem a<strong>os</strong> própri<strong>os</strong> totens,<br />
nem a um homem, mas a algum ser sobrenatural, como Bunjil ou<br />
106
Revista Brasileira <strong>de</strong> <strong>História</strong> das Religiões. ANPUH, A<strong>no</strong> III, n. 7, Mai. 2010 - ISSN 1983-2850<br />
http://www.dhi.uem.br/gtreligiao - Artig<strong>os</strong><br />
______________________________________________________________________<br />
Baiame. “Se, diz Lang, aceitar m<strong>os</strong> esse testemunho, uma fonte do<br />
caráter religi<strong>os</strong>o do totemismo n<strong>os</strong> é revelada. O totemismo obe<strong>de</strong>ce<br />
a<strong>os</strong> <strong>de</strong>cret<strong>os</strong> <strong>de</strong> Bunjil, assim como <strong>os</strong> cretenses obe<strong>de</strong>ciam a<strong>os</strong><br />
<strong>de</strong>cret<strong>os</strong> divin<strong>os</strong> dad<strong>os</strong> por Zeus a Min<strong>os</strong>.” Ora, a <strong>no</strong>ção <strong>de</strong>ssas<br />
gran<strong>de</strong>s divinda<strong>de</strong>s formou-se, segundo Lang, fora do sistema<br />
totêmico; este, portanto, não seria por si mesmo uma religião, apenas<br />
teria se colorido <strong>de</strong> religi<strong>os</strong>ida<strong>de</strong> em contato com uma religião<br />
propriamente dita. (LANG, Apud. DURKHEIM, 1996, p.185-186).<br />
Lang, porém, reconhece que as coisas totêmicas são tratadas com um respeito<br />
religi<strong>os</strong>o que, sobretudo o sangue do animal, como também o do homem, é objeto <strong>de</strong><br />
múltiplas interdições, ou, como ele diz, <strong>de</strong> tabus que es sa mitologia mais ou men<strong>os</strong><br />
tardia é incapaz <strong>de</strong> explicar. Mas <strong>de</strong> on<strong>de</strong> elas provêm então? Para Lang “Assim que <strong>os</strong><br />
grup<strong>os</strong> com <strong>no</strong>mes <strong>de</strong> animais <strong>de</strong>senvolveram as crenças universalmente difundidas<br />
sobre o wakan ou o mana, ou sobre a qualida<strong>de</strong> mística e sagrada do sangue, <strong>os</strong><br />
diferentes tabus totêmic<strong>os</strong> <strong>de</strong>vem igualmente ter aparecido.” (DURKHEIM, 1996).<br />
Transitando entre as percepções <strong>de</strong> totemismo em Lang, Frazer e Spencer, Nina<br />
Rodrigues (1982) discorre sobre o “Rancho <strong>de</strong> Reis”. Para Nina Rodrigues (1982) <strong>no</strong><br />
Rancho <strong>de</strong> Reis se encar<strong>no</strong>u na Bahia a veia totêmica d<strong>os</strong> negr<strong>os</strong>, <strong>no</strong> qual cresce o<br />
Rancho d<strong>os</strong> Cucumbis, que são negr<strong>os</strong> e negras vestid<strong>os</strong> <strong>de</strong> penas, r<strong>os</strong>nando toadas<br />
africanas e fazendo bárbaro rumor com seus instrument<strong>os</strong> ru<strong>de</strong>s.<br />
O rancho prima pela varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> vestimentas vist<strong>os</strong>as, européis e<br />
lentejoulas, a sua música é o violão, a viola, o cavaquinho, o canzá, o<br />
prato e às vezes uma flauta; cantam <strong>os</strong> seus pastores e pastoras por<br />
toda a rua, chulas próprias da ocasião, as personagens variam e<br />
vestem-se <strong>de</strong> diferentes cores conforme o bicho, planta ou mesmo<br />
objeto inanimado que <strong>os</strong> pastores levam à Lapinha.(RODRIGUES,<br />
1982, 176).<br />
Para Rodrigues (1982) as danças d<strong>os</strong> ranch<strong>os</strong> <strong>de</strong> reis consistem essencialmente<br />
em uma espécie <strong>de</strong> pantomima 14 <strong>de</strong> luta entre o objeto ou animal, chefe ou totem do<br />
rancho, e o seu guia. As danças venatórias e <strong>de</strong> iniciação d<strong>os</strong> selvagens m<strong>os</strong>tram <strong>os</strong><br />
seguintes cas<strong>os</strong> :<br />
certas cerimônias <strong>de</strong> iniciação, na Nova Gales do Sul, apresenta-se<br />
a<strong>os</strong> <strong>no</strong>viç<strong>os</strong> um canguru feito <strong>de</strong> ervas, e se <strong>de</strong>clara que a eles está<br />
conferido o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> matar este animal. “Os homens atam à cinta<br />
caudas <strong>de</strong> ervas e dão pequen<strong>os</strong> pul<strong>os</strong> à direita e à esquerda para<br />
imitar o canguru, ao mesmo tempo que dois outr<strong>os</strong> indivídu<strong>os</strong> <strong>os</strong><br />
14 Pantomima é um teatro gestual que faz o me<strong>no</strong>r uso p<strong>os</strong>sível <strong>de</strong> palavras e o maior uso <strong>de</strong> gest<strong>os</strong>. É a<br />
arte <strong>de</strong> narrar com o corpo. É uma modalida<strong>de</strong> cênica que se diferencia da expressão corporal e da dança,<br />
basicamente é a arte objetiva da mímica, é um excelente artifício para comediantes, cômic<strong>os</strong>, clowns,<br />
atores, bailarin<strong>os</strong>, enfim, <strong>os</strong> intérpretes.<br />
107
Revista Brasileira <strong>de</strong> <strong>História</strong> das Religiões. ANPUH, A<strong>no</strong> III, n. 7, Mai. 2010 - ISSN 1983-2850<br />
http://www.dhi.uem.br/gtreligiao - Artig<strong>os</strong><br />
______________________________________________________________________<br />
perseguem com lanças, fingindo feri-l<strong>os</strong>.” “Na dança venatória d<strong>os</strong><br />
cafres kusás, um homem toma na boca um punhado <strong>de</strong> ervas e anda<br />
<strong>de</strong> quatro patas para imitar a caça, ao passo que <strong>os</strong> caçadores soltam o<br />
grito <strong>de</strong> caça e o atacam à lança até que ele finja cair morto.” Cert<strong>os</strong><br />
negr<strong>os</strong> da África equatorial oci<strong>de</strong>ntal fazem a mímica <strong>de</strong> uma caça <strong>de</strong><br />
gorila antes DA caça real e o homem, que faz <strong>de</strong> gorila, finge <strong>de</strong>ixarse<br />
matar. (FRAZER, Apud.RODRIGUES, 1982, p.178).<br />
Nina Rodrigues afirma não importar aqui a distinção que Frazer estabelece entre<br />
as danças totêmicas, as da iniciação da puberda<strong>de</strong> e as danças <strong>de</strong> caça, pois em todas<br />
domina a mesma situação mental: pois as danças d<strong>os</strong> caçadores p<strong>os</strong>suem uma intenção<br />
propiciatória que <strong>de</strong>nuncia a crença <strong>no</strong> parentesco, superiorida<strong>de</strong> ou inteligência do<br />
animal.<br />
É natural que, nas suas revelações entre nós, tod<strong>os</strong> estes estad<strong>os</strong><br />
mentais se associem para a transmissão atávica a<strong>os</strong> <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes d<strong>os</strong><br />
selvagens e bárbar<strong>os</strong>. Seria, <strong>de</strong> fato, erro manifesto acreditar que,<br />
nestas sobrevivências, se p<strong>os</strong>sa encontrar a verda<strong>de</strong>ira instituição<br />
totêmica e não, simplesmente, em festas populares <strong>brasil</strong>eiras,<br />
manifestações equivalentes do mesmo estado mental ancestral. É<br />
ainda por esse motivo que não n<strong>os</strong> preocupa a discriminação das<br />
diversas varieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> totens, p<strong>os</strong>to que já tenham<strong>os</strong> m<strong>os</strong>trado<br />
algures que o tabu ou proibição religi<strong>os</strong>a <strong>de</strong> comer a carne <strong>de</strong> cert<strong>os</strong><br />
animais, imp<strong>os</strong>ta às confrarias <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminad<strong>os</strong> orixás ioruban<strong>os</strong>, tem<br />
manifesta procedência <strong>de</strong> um remoto totemismo religi<strong>os</strong>o. Há, na<br />
n<strong>os</strong>sa população inculta, práticas correntes que, originando-se<br />
evi<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong>stas idéias, já <strong>de</strong> muito per<strong>de</strong>ram, todavia, a<br />
lembrança da sua conexão e só se conservam pela tradição local e o<br />
exemplo. Está neste caso o c<strong>os</strong>tume <strong>de</strong> usar <strong>de</strong>ntes pontiagud<strong>os</strong> como<br />
<strong>de</strong> cert<strong>os</strong> animais, <strong>os</strong> chamad<strong>os</strong> <strong>de</strong>ntes limad<strong>os</strong>, mas que são, <strong>de</strong> fato,<br />
cortad<strong>os</strong> a navalha ou a faca. Mo<strong>de</strong>rn<strong>os</strong> estud<strong>os</strong> et<strong>no</strong>gráfic<strong>os</strong><br />
m<strong>os</strong>traram que este c<strong>os</strong>tume é extremamente generalizado por todo o<br />
mundo, e se inspira claramente em uma idéia totêmica. A intenção<br />
<strong>de</strong>liberada <strong>de</strong> imitar assim cert<strong>os</strong> animais é ainda hoje conservada em<br />
alguns pov<strong>os</strong> negr<strong>os</strong>. “Os manganijas”, escreve Frazer, “limam <strong>os</strong><br />
<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> modo a se parecerem com o gato ou o crocodilo.”<br />
(RODRIGUES, 1982, p. 178-179).<br />
Segundo Rodrigues não é só a intenção totêmica que encontram<strong>os</strong> como legado<br />
africa<strong>no</strong> nas n<strong>os</strong>sas festas populares. O fenôme<strong>no</strong> psicológico toma aqui duas feições<br />
distintas: ou a festa <strong>brasil</strong>eira é a ocasião <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>iras práticas africanas que - <strong>os</strong><br />
negr<strong>os</strong> adicionam a ela como suas equivalentes; ou essas práticas já se revelam<br />
incorpora das ou integradas às n<strong>os</strong>sas festas como simples tradição ou lembrança.<br />
Rodrigues explica que na primeira hipótese, trata-se <strong>de</strong> manifestações <strong>de</strong> uma<br />
crença, <strong>de</strong> uma prática, c<strong>os</strong>tume ou festa africana, atualmente ainda viva entre nós; na<br />
segunda, da tradição ou recordação <strong>de</strong> sentiment<strong>os</strong> que só existiram em ativida<strong>de</strong> n<strong>os</strong><br />
seus maiores. Há, também, cas<strong>os</strong> intermediári<strong>os</strong> ou <strong>de</strong> transição: a “usança africana”<br />
108
Revista Brasileira <strong>de</strong> <strong>História</strong> das Religiões. ANPUH, A<strong>no</strong> III, n. 7, Mai. 2010 - ISSN 1983-2850<br />
http://www.dhi.uem.br/gtreligiao - Artig<strong>os</strong><br />
______________________________________________________________________<br />
participa, ao mesmo tempo, da tradição e <strong>de</strong> uma instituição ainda viva entre nós: é o<br />
caso d<strong>os</strong> clubes carnavalesc<strong>os</strong> african<strong>os</strong> da Bahia. As festas carnavalescas da Bahia se<br />
reduzem quase que a clubes african<strong>os</strong> organizad<strong>os</strong> por alguns african<strong>os</strong>, negr<strong>os</strong> crioul<strong>os</strong><br />
e mestiç<strong>os</strong>.<br />
Nuns, como a Embaixada Africana, a idéia dominante d<strong>os</strong> negr<strong>os</strong><br />
mais inteligentes ou melhor adaptad<strong>os</strong>, é a celebração <strong>de</strong> uma<br />
sobrevivência, <strong>de</strong> uma tradição. Os personagens e o motivo são<br />
tomad<strong>os</strong> a<strong>os</strong> pov<strong>os</strong> cult<strong>os</strong> da África, egípci<strong>os</strong>, abissíni<strong>os</strong>, etc. N<strong>os</strong><br />
outr<strong>os</strong>, se, da parte d<strong>os</strong> diretores, há por vezes a intenção <strong>de</strong> reviver<br />
tradições, o seu sucesso popular está em constituírem eles verda<strong>de</strong>iras<br />
festas populares africanas. O tema é a África inculta que veio<br />
escravizada para o Brasil. (RODRIGUES, 1982, p.180).<br />
Consi<strong>de</strong>rações finais.<br />
No <strong>de</strong>senvolver <strong>de</strong>ste artigo buscam<strong>os</strong> discutir o olhar <strong>de</strong> Raimundo Nina<br />
Rodrigues acerca das religiões africanas na Bahia do século XIX. Para isto, rompem<strong>os</strong> a<br />
homogeneida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um “discurso médico”, a fim <strong>de</strong> <strong>de</strong>stacar a multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> olhares<br />
lançad<strong>os</strong> sobre a religi<strong>os</strong>ida<strong>de</strong> africana. Ao complexizar a figura do médico e ao<br />
visualizar <strong>os</strong> diferentes “lugares sociais” <strong>de</strong> seu discurso n<strong>os</strong> foi p<strong>os</strong>sível, inclusive,<br />
<strong>de</strong>senvolver hipóteses acerca <strong>de</strong> uma p<strong>os</strong>tura católica.<br />
Nesse sentido, percebem<strong>os</strong> a presença <strong>de</strong> diferentes sujeit<strong>os</strong> <strong>no</strong> discurso <strong>de</strong><br />
Nina Rodrigues - o pesquisador nacionalista, social darwinista e evolucionista social,<br />
p<strong>os</strong>itivista, historiador, o sociólogo, o filólogo, o lingüista, o antropólogo, o folclorista,<br />
o psicólogo, o ogã, o indivíduo e o católico. O caráter multifacetado <strong>de</strong> seu discurso<br />
torna difícil classificar o trabalho <strong>de</strong> Nina Rodrigues acerca das religiões africanas por<br />
uma única categoria – “o médico”.<br />
Essa percepção n<strong>os</strong> levou à necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r a forma como as<br />
religiões africanas apareciam <strong>no</strong> discurso <strong>de</strong> Nina Rodrigues, ou seja, quais <strong>os</strong> conceit<strong>os</strong><br />
ou term<strong>os</strong>, utilizad<strong>os</strong> pelo autor para referenciá-las. Foi a partir <strong>de</strong>sta preocupação que<br />
analisam<strong>os</strong> o uso feito por Nina Rodrigues d<strong>os</strong> term<strong>os</strong> “sobrevivências”, “mestiçagem<br />
espiritual”, “negr<strong>os</strong> maometan<strong>os</strong>” e “totemismo”.<br />
Consi<strong>de</strong>rando as implicações históricas do contexto em que “Os African<strong>os</strong> <strong>no</strong><br />
Brasil” foi produzido, atentam<strong>os</strong> a<strong>os</strong> aspect<strong>os</strong> estruturais <strong>de</strong> organização do discurso e<br />
disp<strong>os</strong>ição das idéias <strong>de</strong> Nina Rodrigues e enfatizam<strong>os</strong> a diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sujeit<strong>os</strong> nesta<br />
fonte. N<strong>os</strong>so intuito ao <strong>de</strong>stacar esta multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sujeit<strong>os</strong> foi <strong>de</strong>monstrar que o<br />
discurso <strong>de</strong> Raimundo Nina Rodrigues acerca das religiões africanas na Bahia do século<br />
109
Revista Brasileira <strong>de</strong> <strong>História</strong> das Religiões. ANPUH, A<strong>no</strong> III, n. 7, Mai. 2010 - ISSN 1983-2850<br />
http://www.dhi.uem.br/gtreligiao - Artig<strong>os</strong><br />
______________________________________________________________________<br />
XIX contempla diversas áreas do conhecimento, inclusive as relacionadas ao universo<br />
da crença e do senso comum.<br />
As categorias utilizadas por Nina Rodrigues a fim <strong>de</strong> propor uma análise sobre<br />
as religiões africanas não seguiram um viés exclusivo da medicina, embora em<br />
momento algum Nina Rodrigues <strong>de</strong>ixe <strong>de</strong> lado à profissão e o sujeito médico, é fora da<br />
medicina que o autor encontra subsídi<strong>os</strong> para explicar e construir um discurso ou um<br />
pensamento científico sobre as religiões africanas, seja <strong>no</strong> p<strong>os</strong>itivismo, na psiquiatra, na<br />
psicologia, na sociologia, na antropologia, em seus impuls<strong>os</strong> nacionalistas, <strong>no</strong> social<br />
darwinismo ou <strong>no</strong> e o evolucionismo social, na história, na filologia, na lingüística, <strong>no</strong><br />
folclore, <strong>de</strong>ntre das idi<strong>os</strong>sincrasias da própria crença africana, ou seja, até mesmo, em<br />
suas referências religi<strong>os</strong>as ou <strong>no</strong> âmbito <strong>de</strong> suas relações humanas.<br />
Referências<br />
CERTEAU, Michel <strong>de</strong>. A Escrita da história. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Forense Universitária,<br />
1982.<br />
CHARTIER, Roger. A beira da falésia: história entre certezas e inquietu<strong>de</strong>s. Porto<br />
Alegre – RS, ed. Universida<strong>de</strong> do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, 2002.<br />
CORRÊA, Mariza. As ilusões da liberda<strong>de</strong>: a Escola Nina Rodrigues e a<br />
antropologia <strong>no</strong> Brasil. 2.ed. Bragança Paulista, EDUSF, 2001.<br />
DEL PRIORE, Mary. Passagens, rituais e práticas funerárias entre ancestrais african<strong>os</strong>:<br />
outra lógica sobre a finitu<strong>de</strong>. In:Orixás e espírit<strong>os</strong>: o <strong>de</strong>bate interdisciplinar na<br />
pesquisa contemporânea. Artur César Isaia (org.). Uberlândia, EDUFU, 2006.p. 33-<br />
56.<br />
DURKHEIM, Émile. As formas elementares da vida religi<strong>os</strong>a: o sistema totêmico<br />
na Austrália. Trad. Paulo Neves. São Paulo, Martins Fontes, 1996.<br />
ELIADE, Mircea. O sagrado e o profa<strong>no</strong>: a essência das religiões. São Paulo: Martins<br />
Fontes, 2001.<br />
LATOUR, Bru<strong>no</strong>.Jamais fom<strong>os</strong> mo<strong>de</strong>rn<strong>os</strong>. Trad. Carl<strong>os</strong> Irineu da C<strong>os</strong>ta. Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro, Ed. 34, 1994.<br />
MORIN, Edgar. O homem e a morte. Trad. Cleone Augusto Rodrigues. Rio <strong>de</strong> Janeiro,<br />
Imago, 1997, 359p.<br />
MORIN, Edgar. O método IV: As idéias – habitat, vida, c<strong>os</strong>tume, organização. 4.ed.<br />
Trad. Juremir Machado da Silva. Porto Alegre, Sulina, 2005.<br />
MORIN, Edgar. O método V: a humanida<strong>de</strong> da humanida<strong>de</strong> – a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong><br />
humana. 4.ed. Trad. Juremir Machado da Silva. Porto Alegre, Sulina, 2007.<br />
110
Revista Brasileira <strong>de</strong> <strong>História</strong> das Religiões. ANPUH, A<strong>no</strong> III, n. 7, Mai. 2010 - ISSN 1983-2850<br />
http://www.dhi.uem.br/gtreligiao - Artig<strong>os</strong><br />
______________________________________________________________________<br />
PANTOJA, Selma. Angolas com ngangas e <strong>os</strong> zumbis nas re<strong>de</strong>s da Inquisição <strong>no</strong> século<br />
XVIII. In: Orixás e espírit<strong>os</strong>: o <strong>de</strong>bate interdisciplinar na pesquisa contemporânea.<br />
Artur César Isaia (org.). Uberlândia, EDUFU, 2006. p. 17-32.<br />
RAFAEL, Ulisses Neves. O não dito na obra <strong>de</strong> Arthur Ram<strong>os</strong>. Socieda<strong>de</strong> e Estado,<br />
Brasília. v. 24, n. 2, p.491-507. Mai/Ago. 2009.<br />
REIS, João J<strong>os</strong>é. Um balanço d<strong>os</strong> estud<strong>os</strong> sobre as revoltas escravas na Bahia. In:<br />
Escravidão e invenção da liberda<strong>de</strong>: estud<strong>os</strong> sobre o negro <strong>no</strong> Brasil. João J<strong>os</strong>é Reis<br />
(org.).São Paulo, Brasiliense, 1988. p. 87-140.<br />
RODRIGUES, Nina. As raças humanas e a responsabilida<strong>de</strong> penal <strong>no</strong> Brasil. 4.ed.<br />
Salvador, Livraria Progresso, 1957<br />
RODRIGUES, Nina. O animismo fetichista d<strong>os</strong> negr<strong>os</strong> bahian<strong>os</strong>. Rio <strong>de</strong> Janeiro:<br />
Civilização Brasileira, 1935.<br />
RODRIGUES, Nina. Os african<strong>os</strong> <strong>no</strong> Brasil. 6.ed. São Paulo: Ed.Nacional; [Brasília]:<br />
Ed. Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Brasília, 1982.<br />
SANTOS, Boaventura <strong>de</strong> Sousa. Para um <strong>no</strong>vo senso comum: a ciência, o direito e a<br />
política na transição paradigmática. V.1. A crítica da razão indolente: contra o<br />
<strong>de</strong>sperdício das experiências. São Paulo: Cortez, 2000.<br />
SERAFIM, Vanda Fortuna. O discurso <strong>de</strong> Raimundo Nina Rodrigues acerca das<br />
religiões africanas na Bahia do século XIX. Dissertação (mestrado). Universida<strong>de</strong><br />
Estadual <strong>de</strong> Maringá, <strong>Departamento</strong> <strong>de</strong> <strong>História</strong>, Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação em<br />
<strong>História</strong>, 2010.<br />
111