MILANEZ, Nilton. Prólogo de uma história para a vida - Uesb
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Niiton Milal7ez<br />
o essencial está nas particularida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> nosso objeto <strong>de</strong> estudo, o que me<br />
faz procurar traços e indicios dos contornos que constituirão o sentido<br />
<strong>para</strong> Ceramista, <strong>de</strong>terminado pela i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> Sudoeste. Observando a<br />
imagem como um médico olha <strong>para</strong> um raio-X, procuro i<strong>de</strong>ntificar os<br />
sintomas que permitem transparecer a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> que esse enunciado<br />
propõe, trazendo quatro lugares <strong>de</strong> olhar:<br />
Figura 1 - Ceramista do Sudoeste,<br />
n? 1. Fonte: Acetato <strong>de</strong> Polivinila<br />
sobre ma<strong>de</strong>ira prensada, 80X70,<br />
1992, Romeu Ferreira.<br />
Primeiro: tomando a materialida<strong>de</strong> lingüística , <strong>de</strong> imediato ,<br />
observamos que não há marcação <strong>de</strong> artigo <strong>para</strong> Ceramista, <strong>de</strong>negando<br />
a presença <strong>de</strong> um gênero masculino ou feminino, que po<strong>de</strong>ria estar<br />
marcado pela presença <strong>de</strong> "O Ceramista" ou ''A Ceramista". Seguindo,<br />
o apagamento <strong>de</strong> gênero não se dá somente na língua, mas também<br />
na imagem: o corpo retratado na tela não apresenta formas evi<strong>de</strong>ntes<br />
que pu<strong>de</strong>ssem <strong>de</strong>terminar seu sexo. Ao contrário, o movimento do<br />
braço direito da personagem, passando por cima <strong>de</strong> sua cabeça com o<br />
alongamento da coluna, me remete a <strong>uma</strong> imagem bastante viril, o que<br />
<strong>Prólogo</strong> <strong>de</strong> lima bistória <strong>para</strong> a <strong>vida</strong> 23<br />
não <strong>de</strong>termina um gênero, mas marca um tipo <strong>de</strong> força potencial do<br />
sujeito que segura o vaso. Mãos, dorso e braços alongados me remetem<br />
a <strong>uma</strong> configuração que po<strong>de</strong>ria ser entendida em nossa socieda<strong>de</strong><br />
brasileira como um traço feminino, por ser bastante <strong>de</strong>licada. Mas,<br />
<strong>de</strong> novo, não po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>ixar nos levar pelo senso comum, atrelando<br />
<strong>de</strong>lica<strong>de</strong>za somente à mulher, imaginário comumente reforçado pela<br />
mídia. Ora, tal construção não me surpreen<strong>de</strong>, pois estamos diante <strong>de</strong><br />
um mecanismo que não coloca em relevo um individuo marcado por<br />
seu gênero. Este é um exemplo formidável <strong>para</strong> se compreen<strong>de</strong>r a noção<br />
<strong>de</strong> sujeito <strong>para</strong> a Análise do Discurso. O sujeito é o imbricamento <strong>de</strong><br />
um "eu" com um "nós", ou se preferirem, <strong>de</strong> <strong>uma</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> com <strong>uma</strong><br />
alterida<strong>de</strong>, o que o torna o sujeito clivado por suas relações pessoais/<br />
interindividuais e sociais/institucionais. Isso nos mostra que o sujeito<br />
não é livre <strong>para</strong> fazer o que quiser, quando quiser, mas que está atrelado<br />
às coações e contingências dos laços que o constroem. Colocado isso,<br />
sabemos que, como sujeito, somos produto <strong>de</strong> <strong>uma</strong> intersecção <strong>de</strong><br />
posicionamentos e lugares. O efeito que se produz, portanto, ao meu<br />
ver, a partir da construção <strong>de</strong>ssa figura, é que Ceramista não se limita a<br />
ocupar um lugar único, per se já é um lugar <strong>de</strong> constituição <strong>de</strong> múltiplas<br />
i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s, que po<strong>de</strong> ser ocupado por qualquer um <strong>de</strong> nós que a figura<br />
toque com o olhar.<br />
Segundo: a tela, nessa esteira, releva um tipo <strong>de</strong> sujeito específico,<br />
porque ao mesmo tempo em que não estabelece o gênero, também não<br />
estabelece um tempo marcado. Essa dispersão tão característica do sujeito<br />
apresenta <strong>uma</strong> narrativa mítica, eu diria, original, mas não no sentido<br />
<strong>de</strong> mostrar <strong>uma</strong> origem, um começo, mas <strong>uma</strong> divinização do sujeito<br />
que o insere no tempo e no espaço históricos, <strong>de</strong> maneira eternalizante,<br />
ao modo dos gran<strong>de</strong>s <strong>de</strong>uses. O efeito provocado é <strong>de</strong> universalização<br />
do sujeito. Dessa maneira, a tela eternaliza um momento que po<strong>de</strong>ria<br />
ser efêmero, fugaz, representado no simples ato <strong>de</strong> levar o jarro <strong>de</strong><br />
barro ao chão: a tela toma, assim, contornos da fixação <strong>de</strong> um instante<br />
na eternida<strong>de</strong>. Até aqui, parece que essas inquietações po<strong>de</strong>m marcar<br />
qualquer sujeito, impossibilitando o encontro <strong>de</strong> <strong>uma</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>. Porém,<br />
é justamente a partir da dispersão histórica do retrato que se encontra